Missiva ao Presidente da República em exercício Itamar Franco

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A implantação da Reforma Agrária contra a vontade do povo, proclamado soberano nas democracias, acarretará a ruína do Brasil

São Paulo, 19 de outubro de 1992

Exmº. Sr. Dr. Itamar Franco

  1. Presidente da República em exercício

Palácio do Planalto

Brasília

Senhor Presidente,

A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP apresenta a Vossa Exª atenciosos cumprimentos e pede sua alta atenção para assunto do mais importante interesse nacional.

1 – Encontra-se em fase final de tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 11D/91, o qual visa regulamentar o título 7º, cap. 3º da Constituição Federal, concernente à aplicação da Reforma Agrária em todo o nosso território-continente.

2 – Segundo o referido projeto de lei, a Reforma Agrária a ser aplicada em nosso País é de caráter indisfarçavelmente socialista e confiscatório, conforme análise feita por essa associação e por ela distribuída em brochura de tipo popular.

Tal análise foi oportunamente encaminhada ao Exmº. Sr. Presidente da República, Dr. Fernando Collor de Mello, com o apêndice à carta que a ele dirigimos no dia 10 de agosto pp. E a TFP espera entregá-la pessoalmente também a Vossa Exª, segundo abaixo será exposto.

3 – Em meio ao conjunto de crises que atualmente fustigam nossa Nação, abre contraste luminoso nossa situação agropecuária em franco progresso em seus aspectos essenciais, de sorte que, segundo o consenso nacional, a agropecuária constitui hoje a coluna mestra e a salvaguarda honrada e forte da economia nacional.

Isto faz compreender quanto tememos, Sr. Presidente, que uma Reforma Agrária radical, inspirada toda ela em cogitações preponderantemente ideológicas, e não em considerações concretas e práticas, que tenham em vista a realidade dos serviços e das necessidades da agropecuária e do País, reforme (deforme seria o termo exato) nossa estrutura agropecuária, com risco de ficar abatido assim o baluarte que resta da prosperidade nacional e, portanto, o baluarte mais válido do próprio Brasil.

Com efeito, Sr. Presidente, a Reforma Agrária, cujo projeto Vossa Exª provavelmente terá em mãos dentro de poucos dias para que lhe dê ou recuse a aprovação, surpreende por ser toda ela concebida e dirigida com as costas voltadas para a realidade histórica mais recente, e ao mesmo tempo mais flagrante. A dita reforma confere atribuições com amplidão típica de uma ditadura stalinista, ou mais ou menos tanto, ao Estado. O qual fica com poderes absolutos para pôr e dispor, segundo o arbítrio dos seus mais altos órgãos, dos bens e da situação pessoal de todos os agricultores e pecuaristas do País.

No momento em que a trágica experiência da União Soviética ainda se patenteia aos olhos de todo o mundo como um câncer gigantesco ao qual ninguém, dentro ou fora da Rússia, sabe ou consegue dar remédio, a Reforma Agrária ameaça instituir no Brasil todos os fatores que atiraram a Rússia no fundo do abismo em que jaz.

Vossa Exª, como experimentado homem público que é, compreenderá facilmente que, a despeito do apoio compacto que a mídia silenciosa vem prestando, pelo próprio fato de seu silêncio, ao andamento do projeto de lei 11D/91, o povo brasileiro, lúcido e ágil, de há muito já percebeu a espada de Dâmocles suspensa sobre sua cabeça por um fio dos mais tênues. Tanto mais quanto a situação tristíssima em que se encontra no Brasil a res pública inspira nesse povo a maior desconfiança quanto ao acerto e eficácia na gestão dos interesses nacionais.

Por exemplo, inúmeros são os brasileiros que comentam a esse respeito a lentidão inexplicável das privatizações, cuja carência vem pesando sobre o erário público, o qual ao invés de as acelerar, só encontra uma solução: onerar, sobrecarregar, esmagar os contribuintes brasileiros com impostos, impostos e mais impostos.

5 – Esse descontentamento público é ademais agravado, Sr. Presidente, por outro fator. A ameaça de uma Reforma Urbana, quiçá ainda mais tempestuosamente esquerdista do que a Reforma Agrária agora em vista. O projeto de lei nº 5788/90, também em tramitação no Congresso Nacional, constitui nessa perspectiva mais um fantasma acabrunhador a perturbar as horas de trabalho, de lazer e de sono de todos quantos no Brasil possuem imóveis.

No solo urbano, no solo rural, o País todo, pois, Sr. Presidente, está ameaçado. Embora essa ameaça se estenda sobre a população urbana ou rural, não produz agitações de massa imediatamente temíveis, como as que precederam na França de Luís XVI a Revolução Francesa, e na Rússia de Nicolau II a Revolução Comunista.

O povo se cala, porém seu silêncio não é o da modorra. “Le silence de peuple est la leçon des rois” (o silêncio do povo é a lição para os reis, n.d.c. do site).

Vossa Exª conhece sem dúvida esse adágio. “de roi”, para atualizá-lo inteiramente, bastará que se substituam essas palavras por outras: “de président”.

6 – A TFP, Vossa Exª o sabe sem dúvida, é uma entidade pacífica que jamais apoiou soluções de força, que sempre procurou cooperar com os governos vigentes, e vem pautando ininterruptamente sua ação segundo os princípios fundamentais da Civilização Cristã, em obediência às leis emanadas dos poderes públicos competentes.

Temos, por exemplo, uma prova desse fato notório: declarações de prefeitos, presidentes de câmaras municipais, juízes, delegados e outras autoridades de diversas ordens, que atestam com nobre ênfase o caráter ordeiro de nossa atuação. Essas declarações, cuidadosamente arquivadas, somam 4502. O número dispensa comentários.

7 – Nessa perspectiva, avulta a nossos olhos o contraste entre a ameaça dantesca que pesa sobre os cidadãos prestantes que habitam o nosso solo rural e urbano, não só desprotegidos pela lei, mas ameaçados de sofrer dela a mais sumária, despótica e arrasadora perseguição; e a liberdade impressionante de que gozam aqui, lá ou acolá, os agitadores camuflados pela demagógica qualificação de sem-terra ou sem-teto.

Enquanto a desordem assim vai se propagando no Brasil como uma erisipela, ninguém se pergunta qual está sendo o resultado prático da Reforma Agrária, aplicada em já extensas e numerosas áreas do território Nacional. Elas vão sendo faveladas pura e simplesmente, conforme decisiva documentação que podemos apresentar a Vossa Exª caso assim o deseje.

8 – À vista desse quadro, qual o brasileiro, desde Vossa Exª na culminância em que se encontra, até ao mais modesto dos nossos compatriotas, que se sinta bastante fundado para afirmar que a aplicação de ambas as reformas, e a aplicação conjunta, não venha a produzir descontentamento próprio a causar viva apreensão?

Esta consideração faz-nos desejar, por bem da concórdia nacional, que os nossos homens públicos conheçam o verdadeiro sentir do nosso povo, e não se deixem precipitar em decisões e enganos, como os que levaram recentemente o Executivo e o Legislativo da França à envergonhada situação em que os deixou a milimétrica “vitória” acerca dos tratados de Maastricht. E por desilusões e vexames ainda maiores teriam passado os homens públicos franceses, se em boa hora não tivessem convocado este plebiscito. Pois ninguém sabe o que lhes resultaria da aplicação compulsória daqueles tratados que o povo não quer.

9 – Isso nos levou, Sr. Presidente, a desejar, como medida de salvação pública, a convocação urgente de um plebiscito nacional, para que o povo, proclamado soberano nas democracias, diga se quer ou não quer tais reformas.

Para isso a TFP organizou um abaixo-assinado nacional, em que 344 coletores, atuando 7 horas por dia em 15 Estados, num total de 98 municípios, coadjuvados nessa ingente tarefa por 135 correspondentes da entidade, que a ela consagraram suas horas de lazer, conseguiram, em uma atmosfera de cordialidade geral, 1.333.932 assinaturas.

O abaixo-assinado dirige-se simultaneamente aos senhores Presidente da República, Dr. Fernando Collor de Mello, Presidente do Senado, Dr. Mauro Benevides, e Presidente da Câmara dos Deputados, Dr. Ibsen Pinheiro.

Essa impressionante mensagem, cujo texto foi encaminhado ao Sr. Presidente da República em carta datada de 10 de agosto pp., encontra-se ao alcance de Vossa Exª, já que foi guardada por certo nos arquivos da Presidência da República.

10 – Esse abaixo-assinado já fala muito a favor da popularidade do plebiscito em questão, e autoriza – impõe até – a convicção de que o povo será ouvido afinal. Pois do contrário a História não saberá explicar, de futuro,  que nossa proposta plebiscitária, tão pacífica, tão moderada, tão consoante com os princípios democráticos que estão nos lábios de todos, e apoiada desde já por mais de um milhão de brasileiros, haja de ser recusada por homens públicos que se jactam de democráticos, quando não de populistas, ou até de socialistas extremados.

O momento é chegado, pois, Exmº Sr. Presidente Itamar Franco, para fazer a entrega a Vossa Exª do abaixo-assinado em questão, cuidadosamente guardado em quarenta caixas devidamente numeradas.

Para esse feito, tenciona uma comissão de dirigentes da TFP ir a Brasília, a fim de entregar pessoalmente esse documento comprovatório das apreensões e dos anelos de um milhão de brasileiros.

Estamos certos de que Vossa Exª não recusará receber pessoalmente em suas mãos essa documentação, cara a todos os que amam o Brasil e seu povo, qualquer que seja a opinião deles sobre a matéria do assunto versado no abaixo-assinado.

Para tal efeito, informo a Vossa Exª que essa comissão, da qual devo fazer parte, lhe pede uma audiência pessoal, possivelmente para o dia 28 do corrente. E acrescento ser propósito dos Srs. membros da comissão, aceitar de bom grado qualquer outro dia e hora que Vossa Exª haja por bem designar-lhes.

Aguardando para este efeito a comunicação que Vossa Exª queira fazer-me chegar, agradeço de antemão a atenção que der à presente e me subscrevo com a expressão de alta estima e distinta consideração

Plinio Corrêa de Oliveira

 

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