Plinio Corrêa de Oliveira
História da Medalha Milagrosa: a Aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré
Santo do Dia, 7 de novembro de 1980
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A D V E R T Ê N C I A
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito: “Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução” (R-CR), cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959. |
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https://youtu.be/6lxUprJ_ilY
Devemos começar agora os fatos que se relacionam com a aparição a Santa Catarina Labouré. Esses fatos são tirados de um trabalho que Dr. Borelli redigiu; está um excelente trabalho e devemos publicá-lo oportunamente. Eu li o trabalho e sublinhei as partes que podiam mais diretamente nos interessar, e pretendo dar conhecimento aos senhores desses fatos. Para os senhores acompanharem bem o assunto, era preciso que se dessem um pouco conta da situação geral da França e da Europa naquele tempo, porque se trata de uma série de revelações de caráter profético, neste sentido da palavra de que essas revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré se deram em 1830; e Ela prevê fatos – naquele tempo mais ou menos improváveis – e que se deveriam dar em 1870, quarenta anos depois. E exatamente 40 anos depois os fatos previstos se deram. Os fatos tinham muita relação um com o outro e, debaixo deste ponto de vista, essas aparições interessam de um modo todo particular. Porque uma revolução de 1830 é apresentada por Nossa Senhora como sendo o primeiro sinal de um conjunto de desordens na França que haveria de culminar com uma revolução em 1870. A revolução de 1830 foi uma revolução liberal. A revolução de 1870 foi a Comuna de Paris, e talvez se possa dizer, a primeira revolução comunista na Europa, se não se considerar a Revolução Francesa como uma revolução comunista. Habitualmente não era tida como comunista. Hoje, muitos historiadores reconhecem que ela, chegando ao seu auge, tomou o caráter comunista, tomou o espírito comunista pelo menos. Mas, enfim, deixando isto de lado, é, portanto, a idéia do liberalismo gerando o comunismo que é apresentado de algum modo por essas revelações. Ideia que se relaciona tanto com a R-CR e com as preocupações habituais do Grupo, e eu não poderia deixar de realçar isso desde o começo. Também para explicar porque eu apresento essas revelações debaixo do ângulo que eu vou apresentar. Qual era a situação França e da Europa em 1830? A Revolução Francesa, se se calcula bem, deve ser considerada como um grande movimento revolucionário que começou em 1789, simbolicamente, com a queda da Bastilha, e que verdadeiramente teve seu fim em 1815 quando Napoleão caiu pela segunda vez. Aí terminou a Revolução Francesa. Napoleão é tido, por muitos, como o contrário da Revolução, porque ele impôs ordem à França, quando a França estava no caos e na desordem antes dele. Mas, a questão que a revolução não é apenas desordem, não é apenas caos. Revolução é também uma ordem material na qual se impõe que as coisas fiquem de cabeça para baixo. E foi exatamente o que o Napoleão fez. Ele aproveitou a ordem que ele impôs, aproveitou o prestígio das vitórias militares que ele alcançou, para impor à França de modo estável uma série de transformações que a Revolução Francesa introduziu, mas que eram mal aceitas pelo povo. Em algumas coisas Napoleão recuou em relação à Revolução Francesa; em outras coisas ele impôs. E isso fazia parte do jogo. Ceder algo, mas tornar algo definitivo e irremediável. Em 1815 se dá a batalha de Waterloo, Napoleão é mandado para Santa Helena e a ordem na França vira; e são restaurados os Bourbons, que reinam de 1815 a 1830. O Rei Carlos X se dirige à catedral de Notre Dame – Nicolas Gosse A restauração dos Bourbons se deu na pessoa de Luís XVIII, um irmão de Luís XVI. Depois, em 1824 Luís XVIII morreu, e como não tinha filhos, foi sucedido pelo irmão dele, Carlos X. Carlos X reinou de 1824, 1825 até 1830 – reinado rápido, como os srs. vem. Em 1830 há uma revolução de caráter liberal, que destitui Carlos X, que era tido como rei reacionário e ultramontano, e coloca no lugar um parente deles, o Duque de Orleans, que não tinha direito à sucessão ao trono, e que reinaria de 1830 a 1848. Então, os senhores tem que a introdução de um rei ilegítimo, de ideias conhecidamente liberais, a introdução desse rei representava uma revanche da Revolução. Podemos dizer que a Revolução deu um passo para trás, grande, com a restauração dos Bourbons; ela fez meio passo para a frente com a implantação da monarquia burguesa de Luís Felipe; e daí para a frente os fatos se foram dando até a revolução da Comuna de Paris, em 1870. Então, o sentido do reinado desses dois reis Bourbons, sem entrarmos na análise das personalidades deles e do modo deles governarem, o sentido geral era uma revanche, uma reconquista de terreno na França daquele setor de opinião pública que não tinha aceito a Revolução Francesa e que era, portanto, um setor católico, enquanto a Revolução Francesa fora ateia; fiel aos Bourbons, enquanto a Revolução Francesa tinha destituído os Bourbons; era, portanto, uma ala contra-revolucionária que subia e que governou a França durante quinze anos. Durante esse período, se bem que Luís XVIII fosse ateu, e Carlos X fosse um homem praticante, era católico, mas via uma série de coisas muito estrabicamente, apesar disso, por causa da onda da opinião contra-revolucionária, a religião fez muitos progressos na França; restaurou uma porção de instituições que tinham caído e se impôs provisoriamente à França; foi um período de recatolização. Nesse período de recatolização os adversários da religião também se levantaram, e houve motins, houve agressões, houve um desenvolvimento grande do anticlericalismo, etc. E isso era um bom sinal do ponto de vista religioso. Porque sempre que a Igreja é atacada por seus inimigos, quer dizer que Ela está fiel a si mesma; sempre que os inimigos passam a mão no ombro dEla e procuram tratá-La bem, é porque tem a esperança de que Ela não seja fiel a si própria. E essa esperança eles não tem em vão, é porque algo está dentro que dá a eles a esperança de que com bons tratos eles A desviarão. Então, a situação ideal da Igreja é quando Ela domina e ninguém ousa atacá-La; a situação média é quando Ela se manifesta e é atacada; a situação péssima é quando Ela não é atacada, é agradada pelos adversários e entra em composição com o adversário. Aí os senhores podem calcular em que situação estamos. Estava-se, então, nesse período, numa época de progresso grande da religião, reconquista grande da religião, mas ao mesmo tempo de luta contra os adversários da religião. E um fosso separava aquilo que era católico daquilo que era ateu, daquilo que era livre-pensador ou protestante, ou qualquer outra coisa assim. Era um abismo. E esse anticlericalismo com altos e baixos, esse ateísmo com altos e baixos, eu mesmo peguei ainda, por volta de 1920 – portanto, cem anos depois – eu ainda peguei restos disto, que os senhores já não pegam hoje. Então, havia um tal valo dividindo o clero e as coisas da Igreja da sociedade civil, que quando a gente transpunha os umbrais do ambiente profano e entrava nos umbrais do ambiente religioso, a gente tinha uma sensação um pouco parecida com a que tem um homem quando sai de um país e passa para outro país. É uma mudança de situação análoga com essa.
À direita, o Colégio dos Salesianos, ao lado da igreja do Sagrado Coração de Jesus, na capital paulista Ainda hoje eu fui rezar na Igreja do Coração de Jesus e lembrei-me disso. Muitas e muitas vezes eu fui à bênção do Santíssimo Sacramento no Coração de Jesus – naquele tempo se dava pelas 19.30 hs, 20.00, e acabava pelas 20.30, 20.45hs – e quando eu saía para casa, para pegar o jantar em casa, atrasado, maquinalmente eu saindo de dentro da igreja levantava os olhos para o edifício em duas alas, que forma grupo em torno da entrada da igreja. A entrada da igreja como quase todos os srs. se lembrarão, é por debaixo da torre; de um lado e de outro tem o colégio que se desdobra e circunda todo o quarteirão. E eu olhava para as janelas dos andares de cima – os de baixo estavam fechados, com proteções, etc. – eu olhava para cima e via sistematicamente, em algumas salas da ala esquerda, onde eu sabia que era o dormitório dos meninos, eu via umas luzesinhas azuis acesas. E era sinal de que os meninos já dormiam. Era cedíssimo, era um internato e os meninos eram postos para dormir muito cedo, para levantar cedíssimo depois. Mas, eu me lembro da impressão que causava em mim o eu entrar na sociedade profana – notem que a sociedade profana dos anos vinte, hein! – e o contraste entre o luminoso, o assanhado, o divertido da sociedade profana e o dormitório enorme, onde um número muito grande de meninos dormia; e num cubículo – em geral era assim, não sei como era lá, mas nos estabelecimentos católicos em geral era assim, formado por tecidos – separava a cama de um padre em cada dormitório; qualquer barulho que houvesse, o padre aparecia e impunha ordem. Aquela ideia de que a Igreja horizontalizava a meninada toda àquela hora, que um padre representava ali a eterna tradição da Igreja, ordenativa, moralizante, disciplinadora, e que enquanto todos dormiam, havia umas luzezinhas azul escuras acesas, representando a maternalidade da Igreja, que em brumas amigas envolve os filhos, mas ao mesmo tempo a vigilância de quem sabe sorrir mas não fecha os olhos, e continua a se por ao corrente do que passa, tudo isso me dava a impressão de que ali dentro era uma austeridade, uma sacralidade, uma ordem que o mundo fora não tinha. Era um outro mundo. E os senhores devem situar nessa atmosfera, mas com um anticlericalismo muito mais aceso do que o do Brasil nos anos trinta, em Paris, para compreenderem o ambiente no qual se deram as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. Santa Catarina Labouré era freira de São Vicente de Paulo. Eu não sei se todos alcançaram o hábito dessas freiras. Era um hábito preto, como são os hábitos de religiosas, mas com uma espécie de grande gola engomada, branca. A cabeça era adornada por uma touca bretã um tanto estilizada pela inspiração e pelas mãos da Igreja. Essa touca – em descrição muito tosca, porque as linhas gerais me ficaram no espírito mas os detalhes não – era uma espécie de cilindro – mas tudo em pano branco e engomado, não engomado muito duro mas engomado. Que partia da fronte da freira, ia numa ligeira elevação, até bem depois da nuca. Depois esse pano descia por aqui e se desdobrava em duas asas grandes, também em tecido engomado; mas que faziam um muito bonito movimento harmônico, que podia lembrar um pouco – precisa um pouco de boa vontade para lembrar isso – as asas da gaivota quando voa em certas posições. Naturalmente, um rosário pendente e, em geral, – eu não tive muito contato com essas freiras, mas conheci muitas delas – as que eu conheci eram pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Algumas – e isso não as desdourava em nada – um pouco camponesas, assim como quem tinha se habituado a mexer com a pá na terra ou suspender saco de café em pequena, ainda; corpulenta. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar desapercebida. Elas eram as Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo. Elas eram destinadas, muito frequentemente, a tomar conta dos hospitais, atender os doentes e a outras obras de caridade material. Obras de misericórdia temporal que elas tomavam como ocasião para obra de misericórdia espiritual. Quer dizer, elas aproveitavam para chamar um padre para um agonizante, para convidar uma criança para ir ao catecismo da paróquia, ou para catecismo mantido na igreja delas, no convento delas; elas encontravam uma pessoa desventurada na rua, elas paravam, perguntavam o que queria, o que podiam fazer, ajudavam a pessoa, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender os infortúnios, as carências materiais, mas sobretudo as necessidades espirituais dos mais variados ambientes por onde elas costumavam se infiltrar. A elevação desse apostolado que elas realizavam era tão grande, e elas eram de tal maneira admiradas por isso, que entre os anos 1920 a 1930 – eu não posso garantir que isso tenha continuado depois assim – uma irmã de São Vicente de Paulo costumava ser tida como o próprio símbolo da religião numa de suas expressões mais belas e mais comovedoras. Eu me lembro que numa casa que eu frequentei – casa que era católica como todo mundo, ou seja, muito pouco católica – eu via uma estatueta de bronze, era um bibelot, um adorno, visivelmente fundida na França, e que representava uma irmã, não gorda, mas com o corpo proporcionado, alta, não muito bonita, mas com traços comuns, numa posição de quem reza, e com aquele chapéu. O escultor tinha procurado simbolizar nisso o que havia de esguio, de delicado, de piedoso, de virginal e de misericordioso da irmã, ele tinha procurado representar vários aspectos sublimes da religião católica. Essas freiras tinham, já naquele tempo, e continuam a ter hoje (em Paris), numa rua da Rive Gauche, num bairro que naquele tempo era um bairro aristocrático – hoje decaiu completamente, mas era o bairro aristocrático, o Faubourg Saint Germain, – elas tinham um largo imóvel: convento, casa para obras e capela. Essa rua chamava-se Rue du Bac. E Santa Catarina Labouré era religiosa nesse convento. Os srs. devem imaginar a cidade de Paris naquele tempo enormemente menor do que é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem motores; os automóveis ainda não existiam; e portanto podem imaginar a rua calçada com pedras, interrompido o silêncio da população que dormia apenas de vez em quando pelas patas de um cavalo que batiam sobre as pedras, e que ia levando algum carrinho, depressa, durante a noite, ou alguma carruagem depressa durante a noite para um ou outro lugar e, o resto, a cidade dormindo tranquila. Os senhores devem imaginar o dormitório das freiras – não com a luzinha azul acesa, não havia ainda luz elétrica – mas com certeza com candeeiros. Todo mundo dorme e, entre essas, estava a religiosa modelar, Santa Catarina Labouré. Santa Catarina dormia também, e aí, neste mundo, que fazia uma coisa completamente diferente com o mundo de fora, o maravilhoso e sobrenatural começa a se desenrolar. Nossa Senhora faz a primeira de suas diversas grandes mensagens para o mundo no século XIX, em quase todas as quais, ou talvez em todas, Ela se queixa da imoralidade dos homens, convida à conversão e anuncia um castigo enorme que vai acontecer. As principais dessas revelações são, ao menos se me lembro bem de todas: a da Rue du Bac, Salette, Lourdes e Fátima. São as quatro grandes revelações de Nossa Senhora. Há um florescer de outras revelações particulares a esta ou aquela outra pessoa, mas de uma autenticidade muito menos garantida, de uma celebridade muito menos definida; de maneira tal que essas revelações são o píncaro das mensagens de Nossa Senhora ao mundo. Uma coisa sem precedentes, tanto quanto eu saiba, na história da Igreja, ao longo de quase – de 1830 a 1917, portanto, 87 anos, nesses 87 anos, Nossa Senhora aparece espaçadamente 4 vezes de modo tão célebre que aparições mais célebres fora do âmbito do que é contado pela Bíblia – não houve e todas alinhadas nesse mesmo sentido. A respeito de Lourdes não é tão claro. Lourdes tem a afirmação da Imaculada Conceição, mas tem um segredo que Santa Bernadette Soubirous entregou ao Papa e tudo leva a crer que esse segredo é o “irmão mais velho” do segredo de Fátima, e que se insere, portanto, num contexto semelhante às revelações de Fátima. Aí os srs. tem a cadência das revelações. Então, a primeira dessas grandes revelações se dá aí. Essas revelações não tem apenas o sentido R-CR que eu estou dando aqui. Elas tem um sentido mais alto e mais amplo, que é o seguinte: durante o século XIX e depois durante grande parte do século XX, a devoção a Nossa Senhora cresceu muito. Comparada com o que era no Ancien Regime, é muitíssimo maior a devoção em prática nos meios católicos depois da Revolução Francesa, do que antes da Revolução Francesa. É uma graça obtida por Nossa Senhora, do Céu, mas é uma expressão do movimento contra-revolucionário que se deu naquele tempo. E essas quatro aparições concorreram muito para desenvolver no povo a devoção marial e estimular os teólogos a estudarem os temas mariais. E com essa ampliação enorme da devoção a Nossa Senhora deu ocasião à definição pelo Papa de dois dogmas: o dogma da Imaculada Conceição, definido por Pio IX, e o dogma da Assunção de Nossa Senhora, definido por Pio XII. São os pontos extremos. Quereriam muito os mais ardorosos dentre os devotos de Nossa Senhora, que Pio XII tivesse definido o dogma da Mediação Universal de todas as graças, sobre o qual D. Mayer fez uma pastoral que o “Catolicismo” difundiu, que difundimos em vários lugares. É uma verdade de fé que representa um papel-eixo no “Tratado da Verdadeira Devoção” de São Luís Grignion de Montfort. Mas Pio XII preferiu definir a Assunção, só. Não definiu a mediação universal. De lá para cá começou o movimento modernista e com isso a decadência da devoção a Nossa Senhora em larguíssimos setores da Igreja. Mas, isso forma um planalto de marialidade que vai desde as aparições de Fátima até a definição do dogma da Assunção de Nossa Senhora. Os senhores estão vendo que é o pórtico para grandes acontecimentos na Igreja isso que vou narrar aos senhores. O Dr. Borelli põe em realce no documento dele que o relato das aparições corresponde fundamentalmente aos manuscritos da própria Santa Catarina Labouré, completados em alguns pormenores por outras declarações dela, citadas entre aspas por diversos autores. É uma coisa, portanto, que tem fundamento, tem consistência. Esses fatos que aconteceram, Santa Catarina Labouré contou todos ao confessor. O confessor de tal maneira guardou reserva, com desejo dela também, que as próprias freiras, mesmo depois de muito propagada a devoção da Medalha Milagrosa, que Nossa Senhora revelou nessa ocasião, as próprias freiras do convento não sabiam qual delas é que tinha tido as revelações. Sabia-se que era uma freira da Rue du Bac, mas ninguém sabia quem era; e Santa Catarina Labouré vivia como uma qualquer no meio das outras, ignorada e tratada como uma pessoa comum, enquanto ela mesma via a enorme expansão em toda a Igreja, da Medalha Milagrosa e de tudo aquilo que tinha sido conversado com ela. Vejam a beleza dessa modéstia. Os senhores verão que o confessor, de algum modo, perseguiu essas revelações, a tal ponto que mandou Santa Catarina Labouré, antes de morrer, que queimasse todos os documentos em que ela tinha escrito tudo. E foi apenas por um providencial esquecimento dela que um maço de papéis com a narração escapou, e que é tomado então como documento principal para se saber o que então [se] passou. Porque o resto foi queimado. O próprio arcebispo de Paris, Mons. (Hyacinthe-Louis) de Quélen, não sabia quem era a freira que tinha recebido a revelação. Mais ainda, o Papa Gregório XVI mandou dizer que ele queria saber e o confessor mandou dizer: “não digo”, atendendo – não julguem o confessor com uma severidade sumária – ao desejo da freira e respeitando o segredo de confissão. Aliás, é muito bonito isso na Igreja. Vejam que coisa linda! Um padre de todo em todo dependente do Papa, o Papa manda dizer que quer saber e o padre responde: “O segredo de confissão proíbe”. O Papa: “pois não. Fico sem saber”. Esse respeito ao segredo do confessionário mostra bem qual é o espírito da Igreja, qual é a seriedade sobrenatural com que a Igreja toma o segredo de confissão. De passagem, vale a pena realçar isso. “Ela apenas seis meses antes da morte recebeu uma Voz interior…” O Dr. Borelli escreve “Voz” com V maiúsculo, e eu acho de bom gosto. “…recebeu uma Voz interior que lhe dizia que ela devia se abrir com a superiora. Mas foi só após sua morte, que se deu em 31 de dezembro de 1876, quando ela tinha setenta anos, que as irmãs da Congregação souberam qual era a freira que tinha recebido a revelação.” Ela, portanto, não teve o gosto da celebridade em nada. Viveu apagada, o que é muito bonito também, muito edificante. “Catarina Labouré nasceu em 1806, era filha de um casal de proprietários rurais. Sua mãe era de origem melhor, era meio ligada à nobreza, e faleceu quando Catarina tinha apenas nove anos. Catarina pediu autorização do pai para ser freira. O pai se opôs terminantemente a isso, e julgou bom, para distraí-la, mandá-la para um lugar de prazer, um emprego onde ela podia se distrair, podia ter prazeres e onde ela acabasse tendo o desejo de ir morar em Paris.” E Paris já era, para as proporções da França e do mundo daquele tempo, uma cidade de luxo, a cidade turbilhão da alegria, do contentamento de viver mundano. Então, o pai queria conduzi-la até Paris para a vocação desaparecer. Mas quando Nossa Senhora quer, quer. Ela acabou indo para Paris e ali ela recebeu a revelação; ficou freira e ali recebeu a revelação. “Catarina Labouré, no ano de 1828…” Portanto, dois anos antes das revelações. “…foi posta pelo pai ajudando seu irmão num pequeno restaurante para operários, num dos bairros mais populosos de Paris.” Podem imaginar o que seria o ambiente desse restaurante só para operários. Naquele tempo, sobretudo entre operários, as mulheres iam muito pouco a restaurantes. Era restaurante só de homens. E de homens que, com certeza, comiam ali porque não tinham tempo de ir para casa para comer. Os senhores estão imaginando as beberagens, as conversas imorais, as canções, etc., numa atmosfera dessas. Os senhores estão imaginando a futura santa, obrigada pelo pai, a servir ali; os srs. estão vendo o contraste e o “rio chinês” que o desígnio da Providência percorreu nessa ocasião. Ela tinha nessa ocasião vinte e dois anos, uma idade inteiramente inadequada para esse tipo de serviço. Era a defesa dela, ela ficava inteiramente quieta e durante o serviço nunca descerrava os lábios. “Falassem com ela o que fosse, perguntassem o que quisessem, ela servia sem dizer uma palavra.” Era o meio de isolar e de proteger a sua própria pureza, sua piedade naquele ambiente. E, diz aqui o Dr. Borelli, que: “Ela se sentia supliciada num ambiente tão livre como este, onde os gracejos e até os galanteios a ela evidentemente não faltavam. Mas ela soube se impor. Os galanteios aos poucos foram murchando e o ambiente de respeito se estabeleceu em torno dela.” Aqui os srs. estão vendo também um contraste bonito. O operário daquele tempo era, em geral, muito corpulento, porque a indústria era muito menos mecanizada do que hoje em dia e exigia muito mais força do trabalho manual. Podem imaginar o restaurante pequeno, cheio daqueles homenzarrões, o ambiente já o descrevemos; entra uma donzela que não tem outra coisa senão o seu Anjo da guarda para defendê-la e que acaba domando o ambiente. Brincadeira de cá, gracejo de lá, galanteios de acolá, a defesa dela apenas é o repúdio e os lábios cerrados. Ela domina. Os srs. estão vendo a virtude dominando o vício, o espírito dominando a matéria, os senhores estão vendo que bela vitória e como isso nos ajuda a conhecer o perfil moral da santa. “Esse martírio durou cerca de um ano. Em 1829, Santa Catarina Labouré passou a residir com uma cunhada, que mantinha um pensionato para moças em Chatillons-sur-Seine, no departamento de Côte d’Or. Era aí que uma parte da nobreza da Borgonha enviava suas filhas. Catarina pôde viver com mais liberdade e pôde melhorar um tanto sua escrita, mas a ortografia dela foi sempre muito irregular.” O francês é uma lindíssima língua, mas é o contrário da ortografia fonética. Por exemplo, “château” (castelo), que se poderia escrever em português “xatô”. Os srs. compreendem como a ortografia francesa é complicada, e ela nunca aprendeu bem essa ortografia. Em muitas coisas que ela escreveu há bons erros de ortografia ainda, o que mostra como a instrução dela estava abaixo do caráter. Mas quanta coisa ela via pela piedade, pela fé, pelo caráter. “Ela nunca passará de pessoa semi-letrada, escrevendo francês em pitoresca ortografia fonética.” Ela escrevia como ouvia. Ela que tinha vergado os operários do botequim, vergou também o pai. “E, em janeiro de 1830, ela entrava no Hospital de Caridade dirigido pelas Irmãs de São Vicente de Paulo, em Châtillons-sur-Seine, no lugar mesmo onde ela trabalhava. Depois de três meses de postulantado, ela seguiu enfim para Paris e, em 1830, no mês de abril, ela pela primeira vez, entrou no noviciado da Rue du Bac, onde as aparições se deram.” Ela era, portanto, freira bem nova quando essas aparições se verificaram. “Três dias depois da chegada de Catarina, deu-se a solene transladação dos despojos de São Vicente de Paulo da Catedral de Notre Dame para a capela da Rue du Sèvre; grande cerimônia a qual assistia o rei Carlos X e o Arcebispo de Paris, Mons. de Quélen.” Deveria ser uma muito bonita cerimônia. São Vicente de Paulo naturalmente devia ser venerado por todo o povo francês. E ele estava enterrado em Notre Dame; seus restos foram transferidos para essa outra capela. Os srs. podem imaginar que cena linda: o pálio, o Arcebispo de Paris com certeza presidindo a cerimônia; é provável que o pálio cobrisse os restos mortais de São Vicente de Paulo e ali fosse o rei também. Depois, tudo leva a crer que antes e depois [também seguissem] personalidades do clero, da família real, da corte, povo em quantidade, provavelmente tropas apresentando armas, etc. Assim, se deu a transladação do corpo de São Vicente de Paulo, que era o fundador da congregação religiosa para onde ela estava entrando. “Como noviça, ela frequentou várias vezes essa capela de Saint-Lazare, onde foi colocado o corpo de São Vicente de Paulo, e ela tem essa frase: Todas as vezes que eu voltava de Saint Lazare, sentia muita dor. Parecia-me encontrar na comunidade São Vicente, ou ao menos seu coração que me aparecia todas as vezes que eu voltava de Saint Lazare. Ele me apareceu três vezes de modo diferente: três dias seguidos, branco, cor de carne, o que anunciava a paz, a calma, a inocência e a união. Depois o vi vermelho, cor de fogo, o que indicava o incêndio de caridade de seu coração. Parecia-me que a comunidade devia se renovar e estender-se até as extremidades da terra.” O que de fato se deu. “E, por fim, eu o vi vermelho negro, o que indicava tristeza no coração; vinham-me tristezas que tinha muita dificuldade em dominar. Não sei porque nem como, essa tristeza se relacionava com a mudança de governo que havia proximamente na França.” Quer dizer, São Vicente de Paulo, como santo, amando a França, amando sobretudo a Civilização Cristã e sobretudo a Igreja, fonte da Civilização Cristã, dava a conhecer a ela, antes da queda do governo – que o rei cairia, que haveria uma mudança de governo, e exprimia sua dor profunda fazendo ver o próprio coração do santo nesses coloridos diferentes: um vermelho quase preto, que indicava tristeza, o que ia acontecer. É muito bonito a gente imaginar essa noviça que anda, que vai ao convento de Saint Lazare, etc., e fica com essa tristeza profunda na alma e sabe o que vai haver. Mas não diz a ninguém, diz só ao seu confessor. Por que ela sabia de antemão? Para que nós soubéssemos, é claro, mas também para rezar, e para ir pedindo pela causa católica na França, antes mesmo da causa ser golpeada, de maneira a conseguir que o golpe não fosse tão grande e alguma coisa sobrevivesse. A gente vê a Providência que permite o golpe, mas prepara também algo que atenua. Os senhores vem aí a bondade e a misericórdia de Nossa Senhora. “A vidente acrescenta que uma voz interior lhe disse: ‘O coração de São Vicente está profundamente afligido pelos males que vão se abater sobre a França’. No último dia, uma voz interior disse à vidente: ‘O coração de São Vicente está um pouco consolado porque obteve de Deus, por mediação de Maria, que suas famílias não pereceriam no meio dessas infelicidades e que Deus se serviria delas para reanimar a fé’.” Quer dizer, o que seria normal é que o ramo masculino e feminino da obra de São Vicente de Paulo desaparecessem. Mas Nossa Senhora pediu e obteve antes da revolução que essas duas famílias – eu interpreto assim, como sendo o ramo masculino e feminino, talvez haja duas congregações, não tenho certeza e não tive tempo de me informar – que essas duas famílias sobrevivessem para espalhar a fé pelo mundo inteiro; o que em larga medida aconteceu. “Em todo o período de seu noviciado, a santa teve contínuas visões de Nosso Senhor, que ela assim narra: Eu era favorecida com uma outra grande graça: a de ver Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Eu o vi todo o tempo de meu noviciado, menos às vezes que duvidava. Então, quando isso sucedia, não via mais nada, porque queria aprofundar e duvidava desse mistério; eu me acreditava enganada.” Quer dizer, inúmeras vezes, quando ela via o Santíssimo Sacramento, via o próprio Nosso Senhor. Como? Não se sabe, porque a dimensão de uma partícula é muito menor que a estatura de um homem. Como ela O via dentro, são mistérios, milagres que Deus pode fazer. Ela também não entra em pormenores. Mas às vezes ela tinha dúvida. Quando tinha dúvida, a figura se apagava. Qual é o interesse disso? É mostrar para os incréus que não se tratava de fanatismo, e que não se tratava de imaginação dela; que ela quisesse que aparecesse, então acabava aparecendo, que o espírito dela era mais bem um espírito de análise, e uma análise que chegava a um certo excesso; a tal ponto que se tem uma impressão de desagrado de Nosso Senhor quando ela duvidava, o que leva a supor, como mais provável, que a dúvida não era agradável a Ele. Mas isso mostra como não era imaginação, como era realidade, o que é um fator interessante para se construir o aspecto geral desses acontecimentos. “Foi então que tive, diz ela, os mais negros e tristes pensamentos. Foi no dia da Santíssima Trindade, 6 de junho…” A revolução foi em julho. “…Nosso Senhor me apareceu como um rei, com a cruz sobre o peito, no Santíssimo Sacramento; isso se passava durante a Santa Missa, no momento do Evangelho; pareceu-me que Nosso Senhor era despojado de todos os seus ornamentos, caindo tudo por terra.” Isso se relacionava com a revolução que haveria daí a pouco. “Foi então que tive os mais negros e tristes pensamentos. Foi então que tive o pensamento que o rei da terra…” O rei da França, o rei terreno. “…seria [destronado] e despojado de suas vestes reais.” Foi o que aconteceu nos últimos dias de julho. “Daí os pensamentos que tive, que não saberia explicar, sobre a perda que se fazia.” Quer dizer, como ela era uma pessoa pouco culta, ela não compreendia todo o alcance desse acontecimento, o que a religião perdia com isso. Ela estava com o espírito pouco afeito a medir os vais-e-vens da Revolução e da Contra-Revolução, mas Nosso Senhor Jesus Cristo lhe dava a entender uma profunda tristeza com esses fatos. Aí os senhores tem uma coisa curiosa, que é o relacionamento direto – eu não me lembro de ter visto uma coisa parecida, talvez houvesse – de uma revelação tão altamente provável (eu no meu foro interno a tomo como certa) com um fato político; mas um fato político determinado: A fulano vai acontecer tal coisa, e por isso Deus está triste… eu não me lembro de uma coisa dessas. É um fato único, ao menos para minha memória, e que eu gostaria de ressaltar junto aos senhores. […] “Era a festa litúrgica de São Vicente de Paulo. A revolução está se aproximando muito.” Quem sabe se vale a pena ler o próprio texto da santa o que se passou. É um pouco longo, mas são as próprias palavras dela. “Veio depois a festa de São Vicente. Na véspera, nossa boa madre Marta nos fez uma instrução sobre a devoção à Santíssima Virgem, o que me deu desejos de vê-La. Deitei-me, pois, com o pensamento de que naquela noite mesmo eu veria minha boa Mãe. Havia tanto tempo já que eu desejava vê-La.” A inocência e ingenuidade desse pensamento e o caráter filial, são muito bonitos. “Enfim,…” Ela acha que demorou! “…às onze e meia da noite…” Para aquele tempo isso era alta noite. “... ouvi me chamarem pelo nome: Irmã Labouré! Irmã Labouré! Acordando, olhei do lado de onde vinha a voz, que era do lado da passagem.” Devia ser uma passagem no dormitório. “Corro a cortina e vejo um menino, de quatro ou cinco anos, que me dizia: vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera.” Os senhores devem imaginar aquele ambiente, de que era uma vaga semelhança aquilo de que eu falava há pouco (da igreja) do Coração de Jesus: paz, tranquilidade, todas as freiras dormem, esse menino aparece – ela depois descreve o menino – e diz “a Santíssima Virgem vos espera”. Essa afabilidade de Nossa Senhora, à espera dela chegar. “Logo me veio um pensamento: ‘vão me perceber’. O menino me respondeu: ‘ficai tranquila. São onze e meia da noite, todo mundo está dormindo. Vinde, eu vos espero’.” Quem é este menino que diz “eu”, aí? “Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino. Este tinha permanecido de pé, sem avançar além da cabeceira de minha cama. Ele me seguiu, ou melhor, eu o segui, sempre à minha esquerda. Por todos os lugares onde passamos as luzes estavam acesas.” Naturalmente ninguém via, era milagre; tudo isso já é dado para causar impressão. “As luzes estavam acesas, o que me admirava muito. Porém, muito mais surpresa fiquei quando entrei na capela. A porta se abriu, mal o menino a tocou com a ponta do dedo e minha surpresa foi ainda mais completa, quando vi todas as velas e castiçais acesos, o que me recordava a Missa de meia noite.” Como se fosse a Missa do Galo, portanto. “Entretanto, nada vejo da Santíssima Virgem. O menino me conduziu ao presbitério, ao lado da cadeira de braços do senhor vigário. Ali me ajoelhei e o menino permaneceu de pé todo o tempo. Eu achava o tempo longo e olhava para ver se as vigilantes não passavam pela tribuna. “No fundo onde tem o órgão. Ela tinha medo que pudessem perceber, que alguma coisa violasse o segredo. Seria bonita a cena! Ela ajoelhada junto a essa cadeira, a cadeira do senhor vigário, as luzes todas acesas, e pensando o que diria a vigilante dessa completa irregularidade! Como ela se explicaria? “Por fim chegou a hora. O menino me preveniu. Ele me disse: ‘Eis a Santíssima Virgem. Ei-La’. Ouvi como o roçar de um vestido de seda que vinha do lado da tribuna…” Os senhores conhecem o frou-frou da seda, naquele tempo com o vestido arrastando no chão produziria aquele ruído agradável e muito peculiar. “...que vinha do lado da tribuna, perto do quadro de São José, e que passava sobre os degraus do altar, do lado do Evangelho, sobre uma cadeira igual à de Santa Ana.” O que seria essa cadeira de Santa Ana? Dr. Borelli tem uma nota e podemos ver depois. “Eu estava em dúvida se seria a Santíssima Virgem. Nesse preciso momento, o menino que estava ali me disse: “Eis a Santíssima Virgem”. Ser-me-ia impossível dizer o que senti neste momento, o que se passava dentro de mim; parecia-me que não via a Santíssima Virgem. Então o menino me falou, não mais como uma criança, mas como um homem dos mais fortes, e com as palavras mais fortes. “Neste momento, olhando para a Santíssima Virgem, dei um salto para junto a Ela, pondo-me de joelhos sobre os degraus do altar, e com as mãos apoiadas sobre os joelhos da Santíssima Virgem.” Nossa Senhora estava sentada na cadeira do vigário, e ela apoiou as mãos sobre os joelhos de Nossa Senhora. Os senhores estão vendo a afabilidade dessa aparição. Uma coisa extraordinária! Depois, para quem for São Tomé que pôs a mão no flanco de Nosso Senhor, ela tocou! Conjunto escultural que se encontra na Rue du Bac, representando Santa Catarina conversando com Nossa Senhora “Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível dizer tudo o que senti. Ela me disse como deveria me conduzir em relação ao meu diretor espiritual, e várias coisas que não devo dizer; a maneira de me conduzir em meus sofrimentos, vir lançar-me aos pés do altar. E me mostrava com a mão esquerda o pé do altar e ali efundir o meu coração. Aí eu receberia todas as consolações de que tivesse necessidade.” Quer dizer, quando ela tivesse sofrimentos, não comentasse com ninguém; fosse ao altar e desabafasse ali, mas num lugar indicado por Nossa Senhora a ela: Aqui, neste ponto você venha. Os senhores compreendem quanto ela voltou a esse lugar! Lugar fisicamente indicado por Nossa Senhora. Uma verdadeira maravilha Eu não tinha lido este trabalho antes de ir à Rue du Bac. Resultado é que eu não fui, nem me consta lá que indiquem qual é o lugar que Nossa Senhora mostrou para ela. Porque evidentemente qualquer um de nós que conhecendo esse lugar ali estivesse, não deixaria de ir ali e de rezar ali e de oscular o chão, o lugar indicado por Nossa Senhora! A cadeira se oscula. Está ali, sobre um estradozinho, e todo mundo que entra vai oscular a cadeira, todos nós osculamos a cadeira. Quando osculei a cadeira, levado pelo hábito da análise, eu deitei o olhar sobre o veludo e o veludo pareceu-me novo. E eu fiquei desagradado, porque se é novo, não é o veludo em que Nossa Senhora sentou. Cadeira na qual Nossa Senhora sentou-se e conversou com Santa Catarina Labouré Na saída, perguntei à freira, uma irmã me deu uma relíquia, que guardo até hoje, ex ossibus ou ex carne de São Vicente de Paulo, de Santa Catarina Labouré e de Santa Luísa de Marillac; Santa Luísa de Marillac era contemporânea de São Vicente de Paulo e fundadora do ramo feminino da congregação. E eu perguntei à irmã se o veludo da cadeira era o próprio veludo em que Nossa Senhora sentou. E ela disse: “não, nós há pouco o substituímos por um veludo novo”. Eu pensei em ficar com o veludo para mim. Eu disse: “Irmã, eu não poderia ter o veludo, ou ao menos um pedacinho do veludo?” Ela disse: “não”. Eu não me lembro se ela disse que foi jogado fora ou foi queimado. Eu não pude conter minha surpresa e disse: “Mas irmã, a sra. já pensou… se a armação da madeira da cadeira se oscula, por que não oscular o veludo? por que não guardar? A senhora já pensou que isso é uma relíquia?” – “E’…” – “A senhora já pensou quantas pessoas viriam aqui para receber das senhoras um pedacinho desse veludo?” Ela ficou meio surpresa. Eu disse: “Irmã, eu sou da América do Sul, sou do Brasil, eu lhe garanto que a América do Sul desfilaria aqui para receber pedaços desse veludo”. “É… nous n’y avons guère songé, “não pensamos nisso”. “Então, lhe perguntei o que significavam todas as coisas que eu tinha visto. E Ela me explicou tudo.” Mas ela não disse o que era. Aqui não está. “Fiquei não sei quanto tempo. Tudo o que sei é quando Ela partiu, não percebi senão que alguma coisa se extinguia, enfim, mais uma sombra que se dirigia para o lado da tribuna, pelo caminho pelo qual Ela tinha chegado. Levantei-me dos degraus do altar e percebi o menino onde o tinha deixado. Ele me disse: Ela se retirou. Nós retomamos o mesmo caminho, sempre todo iluminado; o menino estava sempre à minha esquerda. “Creio que esse menino era meu Anjo da guarda, que se havia tornado visível para me fazer ver a Santíssima Virgem, porque havia rezado muito a ele para que me obtivesse esse favor. Estava vestido de branco, trazendo consigo uma luz miraculosa, isto é, ele era resplandecente de luz, tinha a idade mais ou menos de quatro a cinco anos. “De volta ao meu leito, eram duas horas da manhã, pois ouvi tocar as horas. Não tornei mais a dormir.” Está terminada a revelação. “Autógrafo da própria irmã, isto aqui também. “Colóquio com a Santíssima Virgem, dia 18 de julho de 1830, às onze horas da noite até uma hora da manhã do dia 19, dia de São Vicente: “Minha filha, o bom Deus quer encarregar-vos de uma missão. Tereis muitos sofrimentos, mas superareis esses sofrimentos pensando que o fareis pela glória do bom Deus. E sereis atormentada até que o tenhais dito àquele que é encarregado de vos conduzir. Sereis contraditada, mas tereis a graça e por isso não temais. Dizei com confiança tudo que se passa em vós. Dizei-o com simplicidade. Tende confiança. Não temais.” A gente vê quando medo ela tinha do próprio confessor com o qual ela se deveria abrir. “Vereis certas coisas. Prestais contas do que virdes e ouvirdes. Sereis inspirada na vossa ação. Prestais contas do que virdes em vossas orações. Os tempos são muito maus, os males virão precipitar-se sobre a França, o trono será derrubado. O mundo inteiro será transtornado por males de toda ordem. Ao dizer isso, a Santíssima Virgem tinha um ar muito penalizado. Mas vinde ao pé deste altar. Aí as graças serão derramadas sobre todas as pessoas que as pedirem.” É uma promessa magnífica! “Minha filha, gosto de derramar graças sobre a comunidade em particular. Eu a aprecio muito. Sofro porque há grandes abusos sobre a regularidade.” Quer dizer, Ela gostava da comunidade como instituição, mas já naquele tempo havia muitos abusos no cumprimento da regra. “As regras não são observadas, há grande relaxamento nas duas comunidades. Dizei-o àquele que está encarregado de uma maneira particular da comunidade. Ele deve fazer tudo que lhe seja possível para repor a regra em vigor. Dizei-lhe de minha parte para vigiar sobre as leituras, as perdas de tempo e as visitas. A comunidade gozará de uma grande paz. Ela se tornará grande. Momento virá em que o perigo será grande. Acreditar-se-á tudo perdido. Eu estarei convosco, tende confiança. Mas não se dará o mesmo com as outras comunidades. Haverá vítimas”. Ao dizer isso, a Santíssima Virgem tinha lágrimas nos olhos. “Para o clero de Paris haverá vítimas. Monsenhor Arcebispo”, a essa palavras, lágrimas de novo”. “Minha filha, a cruz será desprezada e derrubada por terra. O sangue correrá. Abrir-se-á de novo o lado de Nosso Senhor. As ruas estarão cheias de sangue. Monsenhor Arcebispo será despojado de suas vestes”. Aqui a Santíssima Virgem não podia mais falar. O sofrimento estava estampado sobre Sua face. “Minha filha, dizia Ela, o mundo todo estará em tristeza”. A essas palavras, pensei quando isso se daria; eu compreendi bem: daí a 40 anos”. Em 1870, realmente o Arcebispo foi fuzilado; foi fuzilado abençoando os revolucionários, e duas balas cortaram os dedos dele, e foi aí que se viu que ele morreu abençoando. Disse-me o professor (Fernando Furquim de Almeida), muito competente nesses assuntos de história do século XIX, que o Arcebispo era de tendência liberal e ele teve, de algum modo, um castigo, porque os liberais o fuzilaram. Mas, vejam como Nossa Senhora sofreu com o fato, porque ele era Arcebispo, e na pessoa dele era a Igreja que sofria uma violência. Os senhores vejam aí como Nossa Senhora ama as instituições eclesiásticas; Ela ama tanto uma congregação religiosa na qual Ela entretanto denuncia graves abusos. E Ela sofre tanto com o padecimento de um arcebispo, que entretanto era um arcebispo liberal. É a congregação enquanto congregação, é um arcebispo enquanto arcebispo. Isso nos deve fazer compreender o amor que devemos ter às instituições eclesiásticas, por mais que as vicissitudes humanas façam com que dentro delas se passem coisas que são o contrário do que a gente poderia querer. Meus caros, com isso a nossa reunião está terminada. Nota: Para ler e/ou ouvir a segunda reunião em continuação a esta, clique aqui. |