Nossa Senhora de Riom e o sorriso medieval: despretensão, castidade, afeto, respeito, inocência…

Reunião s/d, mas em torno a 1974

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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La Vierge à l’oiseau (Nossa Senhora com o Menino Jesus e Este com um pequeno pássaro), exterior da Igreja Nossa Senhora de Marthuret, em Riom (França). Ver nota explicativa no final (*)

É a mesma imagem que está na capa de “Catolicismo” (n° 100, abril de 1959) que publicou a RCR (“Revolução e Contra-Revolução”), mas vista de outro ângulo. Acho-a super excelente!

primeira impressão que me causa essa fotografia é da relação de alma extraordinária entre os dois (o Menino Jesus e Nossa Senhora), de maneira tal que mais do que “fotografar” só uma alma, se “fotografa” as duas. O que parece que está extraordinariamente bem apanhado na fotografia, portanto também na escultura, é esta relação de alma entre os dois.

Relação de alma que tem isso de extraordinário que pega um desses momentos de familiaridade entre Mãe e Filho, em que a mãe brinca um pouquinho com o filho e este brinca um pouco com a mãe, sem o que a relação mãe e filho não pode ser compreendida. Se ela nunca desfechasse num sorriso e numa brincadeira, não seria possível haver relação mãe-filho.

Por que razão? Porque o Menino tem qualquer coisa de débil que faz sorrir a Mãe. Mas, por outro lado, a debilidade dEle pede que a Mãe apareça, para estar na proporção dEle, de vez em quando sorrindoDo contrario, estabelece uma barreira entre Ele e a Mãe. E, portanto, um dos modos de comunicação de alma mais delicados é o de sair uma certa brincadeira de parte a parte, em que os dois se tocam neste ponto, em que a alma dEle se sente, portanto, misericordiosamente, benignamente atendida naquilo que tem de mais débil. Então a misericórdia dEla também aparece mais delicada, mais afável, mais flexível, é um dos mais belos aspectos do estado de alma de uma mãe.

Quando se pensa que Nossa Senhora está brincando com o Deus do Credo e que Ela sabe que Essa Criança com a qual está brincando é a natureza humana de uma só Pessoa que é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, quer dizer tudo!… Está compreendendo o mundo de veneração que entra dentro disso? Mas é um sorriso autentico, não é um sorriso disfarçado.

Vendo a Ele também… Deus, que fez todas as coisas, querer brincar com Nossa Senhora, revela parte da grandeza infinita de Deus… uma tal grandeza no sorriso e uma tal grandeza na afabilidade…! Quer dizer, é uma afabilidade tão imensa e uma bondade tão imensa, que a gente fica meio desconcertado, não se sabe realmente o que fazer…

Mais interessante é que esse sorriso nas relações mãe-filho muitas vezes se apresenta de modo prosaico. Aqui está de modo nobilíssimo! Nem Ele perde nada da dignidade dEle, nem Ela perda da dignidade dEla, e nos faz compreender o seguinte: os contra-revolucionários devemos ser muito cuidadosos com o sorriso, porque facilmente caímos no sorriso revolucionário. Mas se readquirimos a inocência primaveril, aí podemos fazer isto, pois saberemos fazer com essa dignidade. Porque Nossa Senhora está aí uma Rainha – literalmente! – aliás, está de coroa e Ele está um Príncipe na mão dEla e qualquer pessoa se ajoelharia diante desta cena sem perder o respeito em nada.

Obra-prima de castidadeporque essas coisas só almas castas são capazes de fazer. Se uma alma não é muito, muito casta, não é capaz disto. O sorriso vira vulgaridade, começa em sol e acaba em lama… mesmo de mãe para filho. Não é que haja qualquer coisa de sexual entre os dois, não é isso. É que a alma não casta não é capaz de sorrir com esse desapego que está aqui. Então é só a Virgem Mãe sorrindo para o Filho Virgem assim. De maneira que acho uma verdadeira obra prima, realmente!

Dou mais valor a essa escultura do que a essas esculturas gregas e a outras coisas do gênero. O mais curioso aqui é o seguinte: o Menino Jesus está brincando com que imagina uma coisa e Nossa Senhora ao mesmo tempo que olha para Ele, está com um olhar de quem faz meditação a respeito dEle: está risonha, mas meditativao que compete a Ela mais do que a Ele, porque compete mais a Ela admirá-Lo do que Ele a Ela.

Ele é o perfeito “Menino de ouro” (referência ao menino maravilhado que contempla a Rainha da Inglaterra, Elisabet II, passando de carruagem – vide tópico 13, do cap. I, da obra “Inocência Primeva“, n.d.c.) e Ela – na Sua idade – se se pudesse dizer, é a “Menina de ouro”. Completamente! O título da fotografia poderia ser assim: “Família de ouro”.

Esta fotografia é um encanto! Eu indo à França, eu iria a esse lugar para ver de perto esta imagem!

(*) Nota explicativa dessa imagem:

Os habitantes de Riom (França) são muito afeiçoados a esta imagem do século XIV que pode ser vista na igreja de Marthuret e que eles conseguiram preservá-la dos vândalos do período do Terror, durante a Revolução Francesa: foi a corporação dos açougueiros que a colocaram em lugar seguro.

Feita de pedra policromada, é provavelmente obra de um artista dos círculos de Jean de Berry que recebera Riom em apanágio e lá fizera construir um castelo do qual resta apenas a capela.

Uma encantadora legenda narra que foi um prisioneiro que a esculpira no decurso de sua longa detenção para fazer passar o tempo, enquanto aguardava sua execução. Quando este funesto dia chegou, a imagem não estava concluída, mas já era tão bela que lhe foi concedido uma protelação da pena para terminá-la. E ocorreu que durante este período o verdadeiro culpado foi descoberto e o artista escapou à morte.

O tema da “Vierge à l’Oiseau” (Nossa Senhora tendo aos braços o Menino Jesus, o qual tem um pequeno pássaro) é tirado de uma legenda relatada em um evangelho aprócrifo: o Menino Jesus brincava a modelar pássaros com argila e quando Ele lhes soprava, voavam… Mas um deles pousou sobre o ombro de Nossa Senhora. O Menino Jesus quis pegá-lo e o passaro Lhe segurou o dedo com seu bico, o que fez sorrir Sua Mãe que sabia muito bem que o pequeno voador não Lhe faria nenhum mal…

Uma cópia da imagem encontra-se na entrada da igreja e é a que foi colocada nesta página em preto e branco, comentada pelo Prof. Plinio.

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