Catolicismo, N. 59, Novembro de 1955
Nova Heresia Iconográfica
Concluímos hoje a publicação, iniciada em nosso último número, do monumental artigo sobre a “Nova Heresia Iconográfica”, que Sua Eminência o Senhor Cardeal Celso Costantini, Chanceler da Santa Igreja Romana, escreveu para a revista “Fede e Arte”, da Pontifícia Comissão de Arte Sacra para a Itália.
SOBRE O ARTEZANATO
“Assistimos, diz o Emmo. Autor, a um feliz renascimento do artesanato em oposição ao industrialismo pseudo-artístico. Devemos encorajar o artesanato que oferece seus dons de modesta mas sincera beleza para o variado mobiliário eclesiástico. O produto que sai em serie das máquinas é artisticamente coisa morta; enquanto que a mais humilde alfaia produzida pelo artesão – por exemplo um cancelo, um candelabro, um ferro batido, um jarro em alto relevo, etc. – é viva. A obra saída da mão do homem tem uma marca original, e agrada como uma modesta planta viva em confronto com uma flor artificial. Mas a tendência ao sumario e ao monstruoso da grande arte faz sentir o seu peso também nas produções do artesanato. Poderíamos citar exposições e revistas. Mas basta recordar duas destas: Das Munster, cujo fascículo 9-10 de 1954 é dedicado à ilustração do mobiliário sagrado produzido pelo artesanato, e Arte Cristiana, de outubro de 1954, na qual se ilustra um concurso da Via Sacra em cerâmica.
“A par de nobres trabalhos, vivos de modernidade e de beleza há outros de uma linha crua e sumaria, que fazem respirar não tanto o ar fresco de nosso tempo, mas os ares pesados dos museus fechados ou das veredas varridas pelo vento modernista.
“Como quer que seja, o artesanato merece todo o nosso encorajamento, porque floresce espontaneamente da tradição e do gosto popular, e corresponde à bela tradição da Igreja. É o sermo plebeus que tem uma vivacidade toda sua e exprime certas idéias melhor do que o sermo aulicus.
“V. Guzzi, falando da Exposição dos Artistas Nórdicos inaugurada em Roma em abril de 1955, escreve: As tradições não se improvisam pelo contrário se criam com fadiga… No trabalho em prol da chamada arte decorativa ou aplicada (assim se dizia outrora) países como a Suécia, a Noruega e a Finlândia não só podem se considerar na vanguarda do gosto, mas produzem objetos de grande e original beleza. Porque naquele empenho evidentemente se combinam as tendências ornamentais do gosto folclórico (isto é, da tradição popular) com o prestigio de uma técnica e de um “gosto” tanto mais refinados e modernos (“Tempo”, 7 de abril de 1955).
“O Pe. Knipping, O.F.M., na revista holandesa De Bazuin de 20 de março de 1954 faz a seguinte observação, aguda e digna de atenta consideração: Podemos esperar que um artista, assim como chegou a conferir valor a seu instrumento e adquirir pericia em manejá-lo, também poderá chegar, com a máquina, a produzir uma obra de arte. E não é este o resultado a que chegaram desde há alguns séculos a arte tipográfica e a imprensa? E não temos disto uma excelente experiência na arte cinematográfica, onde a técnica da indústria domina um extenso terreno, sem entretanto ter jamais a parte mais importante: a parte mais importante tem-na os criadores dos filmes; e são eles que são censurados se o produto não alcança êxito como obra de arte, ou são louvados se a criação alcança êxito”.
O PROTESTANTISMO HODIERNO E A ICONOGRAFIA
O eminente Purpurado mostra em seguida que nos meios protestantes de nossos dias há uma feliz tendência a compreender melhor a posição católica quanto às sagradas imagens. E conclui: “É a vitória do bom senso e do magistério da Igreja”.
Mais especialmente quanto à arte não figurativa, cita ele as seguintes palavras de um protestante na “Gazette Litteraire” de Lausanne:
“O rigor da arte não figurativa, sua singular cerebralidade, essa arte, desprendida do acidental e do efêmero, não se coadunaria com a austeridade do pensamento protestante? Um pintor não figurativo não seria -mais do que outro – capaz de nos dar o equivalente plástico de “espírito e verdade”? Urna obra de arte não é antes de tudo religiosa por seu espírito? (no 246, 1953)”.
Conclui o Emmo. Cardeal Celso Costantini:
“Esta arte abstrata (que não é nova, porque é usada há muitos séculos nas mesquitas muçulmanas) poderá corresponder mais ou menos aos sentimentos dos protestantes, mas não pode ser aceita nas igrejas católicas, a não ser como um tal ou qual recurso ornamental, mas não como arte litúrgica: esta tem uma função catequética e edificante, semelhante à função da oratória sagrada”.
ESCÂNDALO DA CAPELA DE VENCE
Sob esta epígrafe, Sua Eminência transcreve as seguintes palavras do literato Giovanni Comisso a respeito da Capela de Vence: “… Chama-se capela do Rosário, mas todos a conhecem como capela de Matisse. Faz parte de uma casa de repouso mantida por Irmãs Dominicanas, e está situada fora da vila, no declive de um monte coroado de uma parede de pedra, semelhante a um diadema. Passa-se, ao lado desta capela sem a notar, e é preciso para isto voltar para traz. Tem ela telhas de cerâmica, azul como os palácios imperiais de Pekim. Por cima se alça uma grande cruz de ferro, que serve também de campanário. Descendo-se uma escada entra-se; por dois orifícios a luz filtra colorida de verde, de amarelo e de azul. Tudo é claro. Há um altar colocado de viez, em plano mais elevado. Junto a uma parede Matisse delineou sobre ladrilhos de cerâmica branca um retrato de São Domingos, sobre outros ladrilhos uma Nossa Senhora, e sobre outros ainda, episódios da Crucifixão, esboçados como nas páginas de um álbum, confusos, mas designados por claríssimos números de ordem. Somente a luz dos vitrais dá um sentido religioso ao lugar.
“Entre os visitantes está um jovem alto que reza; os outros estão curiosos e têm suas dúvidas. As senhoras parecem perturbadas por não sentir vontade de rezar, e por não poder rir. Uma delas, que interroguei mais tarde, me disse que lhe parecia estar numa sala de banho. De fato é inútil esforçar-se por procurar símbolos da Jerusalém Celeste naqueles pequenos ladrilhos de cerâmica branca, que, dado o seu uso comum, têm somente um simbolismo banal. É inacreditável que esta capela tenha provocado tanto estrépito, difundido por todo o mundo (“Stampa”, de Turim, n° 286, novembro, de 1954)”.
“A Via Sacra – prossegue o ilustre Purpurado – chama-se chemin de la croix e é costume percorrê-la desde o primeiro dos quatorze quadros refazendo mentalmente o caminho de Cristo no Calvário. Matisse representou-a toda num quadro cheio de um emaranhado de hieróglifos… É obvia a necessidade de uma composição artística de fácil legibilidade: a imagem deve falar à fantasia e comover os corações.
“Convém relembrar aqui o decreto da Sagrada Penitenciaria Apostólica de 13 de março de 1938, que dá as normas fundamentais para o exercício da Via Sacra: entre estas, está dito que as estações devem ser quatorze, distanciadas uma da outra, e cada uma deve ser encimada por uma cruz de madeira bem visível. Para se lucrar as indulgências é necessário, entre uma estação e outra, mudar de lugar, como que para seguir o caminho de Jesus Cristo para o Calvário.
“As imagens sagradas traçadas a contorno mais do que pintadas, e o Crucifixo contorcido e bárbaro posto sobre o altar não só repugnam à boa tradição artística, mas também desorientam o senso religioso. Aplaude-se a novidade. Mas, Pio XI disse: Tenta-se defendê-la em nome da procura do novo e da racionalidade das obras. Mas o novo não representa verdadeiro progresso se não é pelo menos tão bom quanto o antigo. E com demasiada frequência estas pretensas novidades são sinceramente, quando não também desconchavadamente, feias, revelando somente a incapacidade ou, impaciência de adquirir aquela preparação de cultura geral, de projetar – disto sobretudo – de exercer aquele hábito de paciente e consciencioso trabalho, pela falta e pela ausência dos quais é prejudicado o valor da própria novidade tão procurada, parecendo-se demasiadamente com certas figurações que se encontram nos manuscritos da mais tenebrosa Idade Média, quando se tinham perdido no ciclone barbárico as boas tradições antigas, e ainda não tinha aparecido vislumbre de renascimento (Discurso para a inauguração da nova Pinacoteca Vaticana, 27 de outubro de 1932).”
O ESCÂNDALO DE CERTAS REVISTAS
Esta é outra epígrafe a que se subordina matéria importante: “A revista l’Arte d’Eglise publicada pelos Beneditinos da Abadia de Santo André de Bruges, na Bélgica, é uma nobre leitura para o conhecimento e a renovação da arte cristã, mas algumas vezes por demais indulgente para com as novas tendências da arte sacra. Não podem ser aceitas as estações da Via Sacra de Ludwig Scaffrath, pintadas numa igreja de Aix-la-Chapelle e publicadas no seu n° 4 de 1954. Dóe-nos mencionar este exemplo, mas acreditamos ser de nosso dever assinalar certas aberrações ainda quando patrocinadas por distintos e bons Religiosos. Quanto dizemos sobre L’Art d’Eglise vale também para outras revistas de arte.
“Não temos em mente julgar as intenções, mas consideramos objetivamente os fatos. Esta Via Crucis, sumária e disforme, ofende nosso sentimento e acreditamos que, mais do que edificar os fiéis os escandalize. A figura de Cristo não pode ser objeto para formas caricaturais ou corruptoras.
“Certos Religiosos, como os da Art Sacré da França, são movidos pelo desejo, em si louvável, de introduzir a arte da Igreja na corrente da arte moderna para que a Igreja não pareça um instituto superado, e estranho aos novos tempos; consideram que a arte cristã aceitou no curso dos séculos todas as formas progressivas.
“Sim, o intuito é louvável: mas é perigoso como o da mão estendida, aos comunistas. Sim, a Igreja aceitou todas as formas progressistas, mas as aceitou enquanto elas não ofendiam o caráter sagrado do culto, condenando todas as aberrações, como o fez o Concilio de Trento com o disposto na sessão XXV.
“Os Religiosos receiam parecer superados, temem não entender a sede de novidade da arte. Parece uma espécie de respeito humano. Eles têm ainda a ilusão de atrair novamente para Jesus Cristo artistas que se professam ateus e agnósticos. Um Sacerdote italiano, aliás escritor distinto, diz que os personagens que Podesti representou na sala da Imaculada, no Vaticano, parecem bonecos de matéria preciosa cheios de palha. Ele não tomou em consideração que esses afrescos representaram no seu tempo o que de melhor se sabia pintar, e agora julga segundo o capricho da moda. Se está superada a moda de tendências clássicas de Podesti, também ficará superada a moda da arte contrária à natureza. Queremos que a arte caminhe, mas com passo humano, não com saltos de canguru. Hugo Ojetti, que não era por certo um reacionário, escreveu: A arte é uma flor que surge de raízes profundas. Quem ousa extirpá-la da vida e da pátria, quem ousa imaginá-la abstrata e separada do tronco, que haure do solo nativo as linfas, as formas e as cores, a vê murchar em breve tempo, e não há subtilezas dialéticas ou orgulho de retórica que a salve…
“Esta é a glória da arte italiana: ter procurado em cada homem um modelo divino, e ter assim reconciliado o homem com o universo que o circunda e o reflete; ter-lhe, em outros termos, revelado a ordem que paira, acima da aparente desordem, o sol que está para além das nuvens, a quietude que está para além dos furacões, a primavera que está para além do gelo, o bem que está para além do mal, a alegria que está para além da dor; ter-lhe feito sentir na terra o eco daquilo que Dante chama “ai doce sinfonia do Paraiso” (Piu Vivi dei Vivi, p. 42)”.
O ESCÂNDALO DE CERTOS CATALOGOS
E não menos importante é o seguinte tópico do egrégio Purpurado: “Nunca se realizaram tantas exposições de arte sacra como nestes últimos tempos. O fenômeno é significativo e digno por si de encorajamento e de louvor. Mas que frutos foram obtidos até agora? Erat videre miseriam (II Macabeus 6,9). Tenho em mãos o catálogo da Primera Exposición de Arte Sacra moderna, realizada em Buenos Aires em outubro de 1954.
“O, catálogo se abre com uma carta de S. Excia. Mons. João Batista Montini, que exprime os augúrios e a benção do Santo Padre Pio XII. Ali se diz com elegância: A Igreja dá livre curso a tudo quanto de bom e belo possa haver nas interpretações de cada época.
“Mas é preciso não esquecer que o magistério eclesiástico, sem sair por isso de sua própria missão, tem uma palavra a dizer tanto para prevenir ou evitar possíveis desacordos entre os cânones das novas criações e as regras da moral, como para fazer a arte religiosa servir a sua função de ajudar a piedade e devoção do povo fiel. Assim o tem feito sempre e ultimamente acaba de o fazer ao advertir do perigo de certos desvios. O respeito às disposições da Santa Sé será guia e salvaguarda para um sadio empenho renovador.
“Ali está também citado o admirável discurso que o Santo Padre Pio XII dirigiu aos artistas da Quadrienal Romana a 8 de abril de 1952.
“Depois de uma premissa tão nobre, pensa-se entrar numa basílica refulgente de arte. Ai de mim, ao lado de concepções mais ou menos boas, há algumas que, seguindo as modernas tendências deformadoras, aviltam e ultrajam os temas sagrados: são verdadeiras blasfêmias figurativas. Reproduzo algumas delas neste fascículo.
“Penso que a Autoridade eclesiástica se terá encontrado em grande embaraço. Mas convém recordar que a Autoridade eclesiástica não se deve deixar envolver por fantasmas pseudo-artísticos, que degradam a arte sacra. É a Igreja que deve dar as diretrizes aos artistas, como no passado; não são os artistas que podem dar normas à Igreja em matéria de arte religiosa.
“O que aconteceu em Buenos Aires se verifica, mutatis mutandis, em quase todas as exposições modernas de arte sacra. Uma razão a mais para reagir contra essa desordem”.
AS CAUSAS DA EPIDEMIA LEPROSA DA ARTE MODERNA
Com este subtítulo o artigo indica a situação mórbida da arte:
“A arte sacra não é senão um ramo de arte comum. Convém, portanto, remontar à doença da arte in genere para avaliar em espécie a infecção de que sofre a arte sacra. Não pretendo arrogar-me uma competência que não tenho, mas exprimo com toda a simplicidade o meu parecer, que poderá, quando nada, servir como elemento de juízo para quem queira aprofundar o problema da arte moderna.
“Aproximo-me do doente com respeito e amor, como um médico que faz o diagnóstico do mal para encontrar os remédios.
“Que a arte in genere esteja doente, quase todos o admitem. Aqueles que aplaudem a arte modernista leprosa são uma exígua minoria, e entre eles não falta o interesse de certos comerciantes.
“As Bienais de Veneza nos oferecem a mais significativa documentação da doença que aflige a arte moderna. Um estudioso de grande penetração escreveu-me depois de ter visitado a Bienal de 1922: Não sei se devo rir ou chorar…
“Bernard Berenson disse estas graves palavras acerca da Bienal de 1954: Trata-se de balbucios, de infantilismos, que não posso de modo algum aprovar: decadência, não há outra palavra (entrevista do “Gazzettino”, 27 de junho de 1954).
“Os prêmios oficiais concedidos pelas autoridades a algumas obras extravagantes das Bienais são indiscutível documento do esfacelamento da arte moderna.
“O valoroso e corajoso crítico de arte Leonardo Borgese escreve: De resto a arte de vanguarda ou revolucionária é hoje, na Itália, sobretudo um assunto burocrático, ministerial e oficial, posto em mãos de funcionários e de professores de universidade (“Corriere della Sera”, 6 de março de 1955).
“…Tem-se um empenho frenético em representar a estátua, que é feita de volumes, com emaranhados de fios de ferro.
“Talvez o esfacelamento indique a morte do germe para a criação de uma planta nova, como quando um velho carvalho produz a última glandia e morre. A glandia cai em terra, e a vida recomeça. Assim um animal velho gera um último filho e morre. O filho recomeça a infância e prossegue pela idade adulta até a velhice. E esperamos que, depois dessa aberrante moda da deformação e da hediondez, depois dessa morte da figura, a arte ressurgirá.
“Tudo isto admitido, perguntamos: que vírus, que infecção reduziu a arte a este estado patológico? Quais são as causas profundas pelas quais a arte moderna renega os cânones eternos e universais da beleza?
“O fenômeno é impressionante por sua extensão e pelas aprovações oficiais, bem como pelo seu sucesso momentâneo no mercado artístico. Tudo isto não pode ser arbitrário; tentamos agora descobrir-lhe as causas”.
Lembra em seguida Sua. Eminência estas belas palavras do Presidente Eisenhower:
“… É da maior importância que cada um de nós compreenda a verdadeira natureza da luta que agora se está desenvolvendo no mundo. Não é uma simples luta de teorias econômicas, ou de formas de governo, ou de poder militar. Está em jogo a verdadeira natureza do homem. Ou o homem é a criatura que o Salmista define “um pouco abaixo dos anjos”, ou é uma máquina sem alma, destinada a ser desfrutada pelo Estado, para glorificação deste”. E Sua Eminência mostra a influência do ambiente catastrófico da era atômica sobre a arte.
Mais adiante, com muita segurança põe em evidência o papel do positivismo e do idealismo na arte de nossos dias.
Daí uma atmosfera artística de decadência:
“Hoje assistimos a um retrocesso, a uma decadência, a arte se faz falsamente infantil imitando a arte rude da Idade Média e dos povos das cavernas. É um crepúsculo que, nas marchas e contra-marchas da história, serve de prelúdio à aurora ou ao ocaso. Esperamos que seja crepúsculo de um novo dia. Como quer que seja, é uma arte em transe, uma involução regressiva.
“A vida do homem não tem duas infâncias: do velho que age como criança se diz que é uma pessoa de cérebro amolecido e imbecilizada.
“E. Paratore escreve no Giornale d’Italia de 12 de março de 1955: Em nosso século, a capacidade criativa foi se tornando cada vez mais árida, e cedeu progressivamente lugar a um gigantesco desenvolvimento da crítica, sob todas as suas formas. Este fenômeno trouxe consigo o triunfo do mais rígido formalismo, o culto de todos os primitivismos, e, nas artes figurativas, módulos revolucionários que representam um caminho sem saída, que conduz tão somente à decomposição; e na música (a pouca distância das grandes conquistas do romântico século XIX) aquele outro fenômeno de revolução puramente gramatical, e espiritualmente desagregadora, que é a dodecafonia. E praza ao Céu que tais tendências não preludiem um fenômeno semelhante àquela milenar noite da arte e da poesia que pesou sobre o Ocidente do século II ao século XII de nossa era.
“Paralelamente a esse triunfo da crítica sobre a fantasia, o ceticismo, a desorientação no que diz respeito a todos os mais altos valores da tradição, o hábito de tudo ver em termos de economia e bem estar material, a ilusão de que a civilização ocidental possa ser representada e defendida por formas de pseudo-cultura periférica relativamente aos grandes centros europeus e nutrida só das crostas mais exteriores da imensa criação que ela tinha exprimido.
“Mas – prossegue o Emmo. Purpurado – em face a esse cataclisma, a Igreja representa uma vida perene, pois vive da vida de Deus; e nós auguramos uma arte que se nutra nas fontes de eterna e vigorosa juventude da Igreja. A Igreja diz ao artista cristão as palavras que Cristo pronunciou sobre o sepulcro de Lázaro já em decomposição: Lazaro, veni foras… Solvite eum et sinite abire (Jo. 11,43)”.
A ÂNSIA DE NOVIDADE
Esta atmosfera produz uma ânsia de novidade: “Os artistas estão atormentados pela ânsia do novo, pela sede da modernidade; querem falar, não uma linguagem arcaica, mas a linguagem do seu próprio tempo. Esse estado de alma corresponde a seu instinto artístico, e é digno de grande respeito. Mas, de nossa parte, se deploramos os desvios da arte sacra, compreendemos a tragédia espiritual dos artistas, e a eles nos referimos com consciente amor: amor e respeito por quem sofre em boa fé, e não pelos astutos traficantes e pelos aproveitadores das extravagâncias artísticas.
“M. Porena, um estudioso de arte de alto nível, diz: Há quadros e estátuas representando homens e mulheres, belíssimos pela regularidade das formas ou intensidade de expressão, mas cuja beleza, para uma certa categoria de observadores, não consegue grande apreço e suscita pouco deleite estético. O que ocorre, por exemplo, quando o artista, como é frequente em certas épocas, tenha repetido em sua obra um tipo que, quase à guisa de cânone, se foi fixando na prática artística até tornar-se comum, de tal maneira que de seu trabalho individual, na visão e na elaboração daquele tipo, ele não tenha posto nada ou quase nada (M. Porena, Il bello d’arte e il bello nella natura – Comunicação à Academia dei Lincei, 11 de dezembro de 1954).
“Esse tipo comum quase não interessa ao público, e o artista se sente mortificado e como que amputado da vida”.
A crítica artística tem evidente responsabilidade por esta situação: “Há críticos de arte probos e solitários. Mas há outros que têm certa responsabilidade pelo desvio da arte moderna.
“Sobre este delicado assunto cedo a palavra ao mesmo M. Porena: De certo tempo a esta parte, os críticos de arte formam uma classe bem distinta e conhecida, que procura distinguir-se da multidão dos profanos perdendo-se nas nuvens. Por exemplo, um dos artifícios hoje bastante em voga consiste em falar de uma arte com palavras, frases e conceitos pertencentes a uma outra arte… Procuram se distinguir afastando-se do gosto comum, subvertendo os valores, cultivando paradoxos, tomando por base de seus juízos elementos de pouco ou de nenhum valor. E, por exemplo, diante de um quadro, ao invés de salientar o conteúdo lírico ou dramático que surge da invenção das situações, o poder da expressão nas fisionomias e nos gestos, a energia dinâmica e passional nas figuras, a perfeição da reprodução no desenho, na cor, no claro-escuro, falam um dialeto que é compreensível somente para eles próprios, no qual comparam, – se por exemplo se trata de pintura – linhas horizontais, verticais, oblíquas, paralelas, convergentes, divergentes, espaços, volumes, cheios, vazios; tudo num fraseado que muitas vezes, pelo menos em italiano, é incompreensível; e prescindindo totalmente do fato de que tais elementos pertencem a homens, ou a animais, ou a plantas ou a objetos inanimados; e outro tanto se diga quanto às cores… Mas são muitos, infelizmente, entre os artistas e no público, os tímidos e os humildes, que desconfiam de si mesmos e se deixam amedrontar por falsos raciocínios, e para os quais as nuvens em que se perdem aqueles críticos parecem sinais de elevação. Se são cavalheiros, limitam-se a calar. Se não o são, afivelam, a máscara da modernidade e batem palmas à corrente (loc. cit.)”.
MODA E TRADIÇÃO
Também a moda coopera para esta situação. Mas ela é mutável por natureza, e passará: “Chegamos assim à Babel moderna. Se foi superado o belo ideal de Wincktelmann, também o será o moderno hediondo ideal. As modas passam como a fumaça, ainda que esta seja o fumo do incenso que se queima diante dos altares. Porém, enquanto recrudesce a moda do disforme é preciso lutar para apressar o seu ocaso.
“Isto acontecerá certamente – dizia-me um estudioso – quando surgir um artista de gênio. A massa dos menores o seguirá de bom grado. O antigo Petronio arbiter elegantiarum foi hoje substituído em arte por Picasso, o arbiter pravitatum. Esperamos o advento de um arbiter pulchritudinis, isto é, de um grande artista, cuja produção dê à alma sensações novas, que precisamente pelo seu frescor têm uma energia superior àquela com que agem as qualidades de artistas já afamados, aos quais a sensibilidade estética já se habituou e portanto se tornou mais lânguida. Artistas e público se lançarão então sobre estas novas formas de beleza: uns para tentar produzi-las também, outros para gozar delas (M. Porena, I. c.)”.
Uma mal compreendida tradição também exerce neste assunto influencia desfavorável:
“Também a tradição mal entendida tem uma parte na responsabilidade pelo desvio da arte moderna.
“A tradição é, debaixo de certo aspecto, um peso. Quando um artista pensa em um assunto, especialmente se se trata de um assunto sacro, ele sente sua fantasia assediada por legiões de imagens do passado; fica como que aturdido e confuso por um berreiro de mil vozes que procedem do passado. O artista quer ser original, quer ser pessoal. Mas como é possível fazer-se alguém notar se tem uma estatura ordinária e se está perdido dentro da multidão comum?
“… Sim, a tradição é um peso; mas, se a considerarmos bem, ela é também uma diretriz. Nos modernos cenáculos artísticos não se quer ouvir falar de tradição. É uma questão de expressão: por tradição não se quer significar a repetição de modos artísticos do passado, nem uma volta para traz; mas sim o ponto de partida para um novo caminho. Um profeta que viveu há mais de 2.500 anos disse: Parai na encruzilhada e observai: procurai entre as veredas antigas, qual o bom caminho; caminhai por ele e encontrareis repouso para a vossa alma (Jerem. 6, 16).
“Caros artistas, vós vos encontrais hoje verdadeiramente em uma encruzilhada. As veredas estão confusas e a direção é incerta e a alma respira em uma agonia íntima. Qual é o bom caminho? Procurai-o nas indicações da tradição, avançai por ele e encontrareis o refrigério para as vossas almas.
“Há algum tempo procurou-me um escultor de valor. Mostrou-me um álbum de seus trabalhos. O álbum começava com uma série de belos baixo-relevos, concebidos com um sagaz senso dos volumes e com uma pureza de formas plásticas quase acadêmicas. Depois, de um momento para o outro, as figuras humanas apareciam deformadas até a monstruosidade. Mostrei alguma surpresa. O escultor me respondeu: Estudei e amo o desenho e a forma. Mas tenho que viver, tenho que manter minha família. E fui obrigado a curvar-me diante da moda…
“É esta a íntima tragédia de tantos artistas. Um outro pintor me disse: Tendes razão. Esta arte passará, mas entrementes não podemos morrer de fome. A Igreja pode esperar a volta dos dias serenos. Mas nós não ‘podemos esperar… A revista La Rocca escreve: o artista, que entre todas as outras coisas é obrigado todos os dias a comer, obviamente decidirá dedicar-se àquilo que rende mais como aspiração cronística e vantagem econômica (15 de fevereiro de 1954).
“Por estes dias um velho escultor me escreveu: Nós tradicionalistas (e este título é hoje dado como uma patente de imbecilidade) temos necessidade de trabalhar e com isto consumimos muito tempo, porque somos muito respeitadores da forma. Hoje estamos postos à margem como inábeis para o trabalho, e as ocasiões de executar obras são raríssimas para nós”.
Mostra o egrégio Autor que outras circunstâncias – pobreza e excesso numérico de artistas, concorrência da fotografia, falta de mecenas – contribuem igualmente para criar em nossos dias um clima desfavorável para a arte sacra.
O Exmo. Revmo. Mons. João Batista Montini, Arcebispo de Milão, observou agudamente, em sua primeira homilia, que no mundo moderno tudo quanto é fator de verdadeiro progresso humano, de nova e verdadeira civilização, nasceu dos princípios do Evangelho. E augura uma síntese desses valores com a tradição católica, para o bem e a paz das almas em nosso mundo convulsionado.
Mostra o artigo que o caminho para se realizar este objetivo e abrir vias ao progresso da arte sacra consiste em combater o materialismo:
“A arte grega, a arte do Extremo Oriente, a arte egípcia, a grande arte cristã floresceram num clima espiritual. Por isto a condição primordial para a ressurreição da arte sacra reside hoje em dia na necessidade de purificar e recristianizar o clima da civilização materialista para restituir às almas uma respiração livre e vivificada e dar asas ao estro dos artistas”.
Lamentamos não poder, por causa da extensão da matéria, acompanhar o trabalho do Emmo. Cardeal Costantini em suas interessantes considerações sobre a arte das crianças, dos povos primitivos, dos loucos e dos criminosos, nem em seu excurso histórico pelos domínios da arte no século passado.
O PENSAMENTO DO CARDEAL PRÓ-SECRETARIO DO SANTO OFÍCIO
Sob este título, transcreve o artigo trecho de discurso do Emmo. Cardeal Alfredo Ottaviani, pronunciado em 13 de dezembro de 1954, por ocasião do encerramento da exposição internacional do livro mariano:
“…Em meteria de prerrogativas da arte vem a propósito recordar que contra Deus e contra as almas não existem direitos para ninguém, e de nenhuma procedência; e quem contra Deus e as almas invocasse a arte e a modernidade, além de dar prova, assim agindo, de pouco entender destes assuntos, isto é, não só de Deus e das almas, mas também de arte e de modernidade – além de tudo isto – não faria senão blasfemar, ainda que sua blasfêmia ficasse desconhecida.
“Há quem sustente que uma obra de arte não perde sua beleza porque indecente; mas acrescentamos imediatamente que esta é uma beleza que desonra a arte, como certas exibições desonrariam uma senhora; e os que a celebrassem procurariam clientes, não para a beleza, mas para a torpeza.
“Quando; pois, se trata de arte sacra, devemos colocar o acento sobre o que quer dizer a palavra “sacra”. Expondo-nos embora ao risco de passar por gente fora da moda, nós Sacerdotes, principalmente quando sobre nossos ombros pesa diretamente a responsabilidade das almas, estamos no direito, e até no dever, de expulsar do limiar das igrejas tudo aquilo que não conduz a Deus.
“Que dizer, pois, das coisas que perturbassem as mentes e escandalizassem os corações? Melhor, cem vezes melhor uma obra de arte fracassada do que uma alma perdida; melhor ignorar uma gloria da terra do que ignorar a gloria de Deus.
“Mas hoje, o perigo é principalmente constituído por aqueles que, não sabendo atingir em matéria de arte a beleza, querem salientar-se com a monstruosidade, com a aberração, emulo da caricatura e das artes dos primitivos, com dano das coisas e das pessoas santas. “Parece que um louco rancor devasta o homem, que não consegue atingir novamente as altitudes do passado, mas é um rancor contra. si mesmo; é o justo pesar por ter esquecido ou mesmo desprezado os fins sublimes do dom de Deus. Ora do mesmo modo porque não é permitido a ninguém mutilar-se fisicamente, assim lambem não é licito caluniar-se com a arte e ajudar por tal via a desagregação da pessoa humana.
“Somos ou não somos a imagem de Deus? E se o somos porque degradá-la e deformá-la? Mais ainda, quem a pode degradar e deformar nos Santos, em Nossa Senhora e por fim n’Aquele que é “speciosus forma prae filiis hominum”?
“Não se diga que queremos comprimir a arte: é fato notório que nos séculos passados, ainda que com todas as justas exigências dos sagrados cânones, quem mais fez trabalhar a arte foi precisamente a Santa Igreja; e hoje ainda, se certos artistas resolvessem não ser outros tantos semideuses, mas filhos de Deus, e como tais trabalhassem à luz da fé e com o ardor do amor cristão, a casa de Deus seria a sua casa e a arte seria no mesmo instante mais humana e mais cristã”
ALGUNS DEPOIMENTOS EXPRESSIVOS
EM seguida, o ilustre Chanceler da Igreja Romana publica estes depoimentos expressivos.
“Um grupo de artistas católicos me escreveu de Paris em 9 de janeiro de 1953:
“Em uma época na qual, sob a influência perniciosa do mundo materialista, se procura introduzir, com a cumplicidade inconsciente de certos membros do Clero, interpretações de figuras divinas sob uma forma demoníaca, nós, artistas cristãos, habitando Paris, vimos agradecer ao Santo Oficio o ter promulgado diretrizes sobre a arte sacra, correspondendo assim ao apoio que esperávamos de Roma.
“Enquanto cristãos, artistas, e chefes de família, lutamos com todas as nossas forças para que nossas igrejas na França, onde com nossos filhos vimos procurar a paz e a força, não se ornem de uma arte teatral e hermética, da qual a dignidade, a grandeza e a misericórdia de Deus estão excluídas.
“Nesta luta que sustentamos, apoiados em nossa fé, oferecemos às igrejas o contributo de nosso esforço artístico; mas, porque nos recusamos a ornar as casas de Deus com formas mórbidas e malsãs, não somente os poderes públicos, mas o próprio Clero, hesitam em nos confiar suas igrejas.
“Os líderes da extrema esquerda não querem considerar senão as produções de Saint Sulpice no mais baixo nível e as de seus ídolos no pináculo.
“Ora, as produções de Saint Sulpice estão arqui-condenadas e desprezadas há cinquenta anos por todas as pessoas dotadas de um mínimo de cultura, mesmo primaria. Não se esperou para isto os inúteis sarcasmos desses extremistas.
“Quanto aos ídolos dessa imprensa de esquerda, entre os quais há, certamente, pessoas de talento, e até mesmo de gênio, há entre eles uma grande maioria de mistificadores, de copistas e de glorias em ocaso soçobrando infelizmente na decadência física e mental.
“O mais difícil para o público não advertido das coisas da arte, consiste em distinguir, entre as obras desta última coorte, o que é valido do que não o é; pois ali a obra genial (aliás rara) ombreia sempre com a farça e a insuficiência.
“A verdade não está “no meio” como “eles” dizem: ela é outra. Ela está numa arte aberta a todas as tendências e temperada pela razão. Numa arte forte de uma ciência plástica reencontrada (às vezes reencontrada por “eles”, os da esquerda) mas uma arte acessível, legível pelas multidões, uma arte que pode trazer a consolação e o amor, e não a perturbação, a polemica e o ódio.
“Por isso, é urgente que a Igreja sábia, equilibrada, e que apresenta a existência de uma arte e de artistas que estão de acordo sobre estes princípios, tome a dianteira de um movimento de Renascença produtiva que constitua prolongamento da Renascença experimental dos últimos cinquenta anos.
“Entretanto, tal movimento, para ser eficaz, deve começar, não pela escolha dos artistas e das obras, mas pela educação, pela cultura “dos que escolherão”: os futuros Sacerdotes, as futuras Religiosas, todos os futuros cristãos de irradiação.
“Assim, com quanta alegria lemos a última alínea da instrução do Santo Oficio recomendando que haja cursos nos Seminários, a cargo de mestres esclarecidos, para que “os aspirantes às sagradas Ordens sejam formados na arte sacra de modo adaptado ao espírito e à idade de cada qual.”
“Seja-nos permitido submeter este projeto ao Santo Oficio: que os professores se ponham em contacto com os técnicos da arte, mas de formação cristã, de maneira a promover cada vez mais no sentido da Igreja esta adaptação da arte sacra com a alma humana.
“Desde já, cada um de nós, segundo suas possibilidades, tenta pessoalmente esclarecer e fortificar os hesitantes (visita a Bispos e Vigários, cartas de protesto) insistindo sobre o valor das diretrizes do Santo Padre.
“Escreve um bom católico, em 5 de outubro de 1954:
“Pode-se realmente perguntar se os organizadores não tiveram como fito, ao promover as exposições, favorecer os insultos públicos ao que é sagrado, e ao mesmo tempo ridicularizar nossa Religião e os católicos. As intenções de algumas obras são por demais evidentes.
“Tudo isto é muito triste. Não é possível agir contra os que insultam a Deus?
“Uma senhora escreve da Suíça, em 20 de agosto de 1954:
“Todos os inimigos da Religião Católica se servem destas deformações artísticas para nos prejudicar.
“Então isto é Jesus Cristo! Nosso Senhor, fonte de Fé, fonte de Vida! É preciso ter o espírito deformado, ser louco, ou tender a um fim preciso, para entregar estas “obras de arte” ao grande público.
“Todas estas obras merecem a destruição, ou o ocre. Os jacobinos foram mais enérgicos do que nós. No mal, é verdade, mas tiveram êxito. E nós, que fazemos? Falamos, escrevemos, toleramos, pensando que esta arte moderna não durará mais que um fogo de palha, e que a Igreja é bastante grande e poderosa para nada sofrer com isto.
“Nós nos espantamos com os progressos dos comunistas. Não compreendemos ou não queremos compreender que eles tentam corromper o mundo inteiro, por todos os meios, afim de o dominar”.
O RETORNO DO FILHO PRÓDIGO
E Sua Eminência Reverendíssima conclui seu magistral artigo com estas belas e carinhosas palavras:
“O Evangelho de São Lucas nos fala do filho transviado, que tinha abandonado a casa paterna e tinha ido in regionem longiquam, et ibi dissipavit substantiam suam vivendo luxuriose – para uma região longínqua, e ali dissipou o seu patrimônio vivendo dissolutamente (Luc. 15, 13 e segs.). O infeliz estava reduzido a guardar porcos. Tomando cobro de si, levantou-se e se dirigiu à casa paterna. O bom e velho pai o acolheu com alegria, porque – disse – seu filho estava morto e revivera, estava perdido e fora novamente encontrado…
“Também no campo da arte há destes filhos pródigos. Atualmente, muitos começam a reconhecer sua perdição, e vencem o respeito humano movendo-se em direção à casa paterna. A Santa Igreja os espera.
“As modas passam, as gerações se renovam, as idades se sucedem como as ondas procelosas que se acumulam umas sobre as outras e se quebram de encontro à rocha de um farol: o farol, sobre aquela rocha eterna, é a Igreja. Ela espera que as ondas amainem e que volte a serenidade.
“Há dois mil anos as borrascas se desencadearam de encontro àquela rocha. Grande força é esta, de poder esperar! Os séculos viram a ruína de todos os perseguidores. A Igreja, firme, paciente, amorosa, disse frequentemente palavras de perdão sobre a sepultura de seus inimigos.
“Não há no mundo inteiro instituição comparável à Igreja; para Ela os séculos são dias, para Ela o tempo não conta, porque Ela respira na atmosfera da eternidade. Christus heri et hodie; Ipse et in saecula — Cristo ontem e hoje, e Ele também por todos os séculos (Hebr. 13, 8).
“Na arte, todas as formas sãs honestas se confirmaram ou se reabilitaram com Ela; Ela esperou acolheu também o retorno dos filhos pródigos.
“E agora, calma, segura, amorosa, Ela espera”.