O bolo – Folha de S. Paulo, 12 de junho de 1969

Plinio Corrêa de Oliveira

O noticiário dos últimos dias apresenta vários fatos dignos de reflexão. Pois, diversos por natureza, sugerem entretanto um mesmo princípio de sabedoria política: quem deseja a vitória de uma causa deve preferir, em via de regra, a luta às concessões.

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Os leitores sabem por certo que o PDC italiano surgiu depois da II Guerra Mundial, como o instrumento máximo da defesa da Itália contra as investidas do anticlericalismo e do marxismo. Esperava dele o eleitorado católico que – acima de tudo – resguardasse o país do resvaladeiro que leva ao comunismo, defendesse os Pactos de Latrão, básicos para a normalidade das relações com a Santa Sé, e impedisse a promulgação do divórcio.

Para a realização de tão transcendentes objetivos, o PDC teve tudo em mãos: apoio devido de quase todas as lideranças da opinião católica, recursos financeiros, máquina de propaganda excelente.

Aconteceu, entretanto, que desde o primeiro momento as cúpulas do PDC se deixaram dominar por um princípio tático desastroso: obter a vitória fugindo à luta ideológica de viseira erguida contra o adversário, e procurando aquietá-lo por meio de concessões. Resultou desse princípio a “apertura a sinistra”, cujo espírito bem se pode sintetizar no lema tristemente famoso: “ceder para não perder”.

Assim, o PDC se uniu de início aos socialistas não marxistas, para combater os marxistas de todos os matizes. Depois, ávido de ampliar a “apertura”, estendeu sua aliança aos próprios marxistas. Sim, aos marxistas de Saragat, tidos pelas cúpulas pedecistas como mais “moderados” do que os marxistas de Nenni. E depois começou um “degelo” com os próprios nennianos.

Como é evidente, a cada alargamento da “apertura” correspondiam sucessivos decréscimos na sensibilidade anticomunista de vários setores do PDC, e, portanto, novas vantagens para o comunismo.

Foram as coisas rolando assim até se chegar ao atual extremo. No Parlamento italiano está em fase avançada de discussão um projeto de lei estabelecendo o divórcio. A aprovação dessa medida, violentamente contrária ao sentir católico, ferirá o Tratado de Latrão, o qual consagra a indissolubilidade do casamento. Tudo, absolutamente tudo, nesta emergência, deveria levar o PDC a uma resistência heróica. Entretanto, a direção do Partido resolveu deixar a questão aberta entre seus próprios deputados… para não abalar sua aliança com a esquerda!

Assim, cedendo cada vez mais, o PDC vai perdendo cada vez mais. E, o que é pior, vai perdendo alegre.

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Esta fome de concessões para a esquerda é, aliás, uma característica da mentalidade pedecista. Nossos leitores ainda estarão lembrados, por certo, da euforia com que o pedecismo brasileiro – nascido também aqui para “combater o comunismo” – colaborou com o ex-presidente Jango Goulart. O pedecismo chileno, adepto não menos caloroso do “ceder para não perder”, acaba de tomar mais uma deliberação marcadamente esquerdista: pedir a desapropriação das imensas minas de cobre, pertencentes à Anaconda. Medida que os socialistas e os comunistas só podem aplaudir como estritamente coerente com o marxismo.

São estes os frutos do “ceder para não perder”. Espanta-nos que – à vista deles – muita gente não compreenda a seguinte verdade elementar: se alguém tem um inimigo insaciável, a quem dá, de tempos em tempos, um pedaço de bolo para o aquietar, chegará o momento em que o bolo inteiro terá passado para o estômago do adversário.

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Por ocasiões das agitações de maio de 68 na França, muitos foram os que pensaram, desde logo, em recuos e concessões.

Ora, as últimas eleições nesse país mostraram – segundo o que a imprensa paulista tem publicado – o efeito contraproducente daquelas teatralíssimas agitações. Um dos alvos mais insistentemente visados pelos marcusianos-maoístas dos sinistros dias de maio foi o Partido Comunista, do qual o homem-símbolo é Jacques Duclos. Os jovens insurrectos criticavam acidamente o caráter burocrático do PC, sua subordinação a Moscou, e o “conservantismo” de Duclos. Pois o resultado da última votação pôs em evidência a absorção quase completa da área esquerdista pelo PC. Ao mesmo tempo, o candidato à presidência apresentado pelos adeptos das agitações universitárias, Michel Rocard, recebeu a votação irrisória de 3,61% do eleitorado. Assim, nos arraiais esquerdistas, a agitação universitária não obteve resultado que valha.

Ao mesmo tempo, os observadores políticos notaram que a votação somada de Pompidou e de Poher atinge 67,78% do eleitorado. Ou seja uma maioria anticomunista enorme. Em outros termos, a agitação universitária a ninguém levou da direita ou do centro para a esquerda. Insucesso dentro da esquerda, insucesso fora da esquerda, insucesso por toda a parte. É este o saldo de uma agitação que – no calor dos fatos e da propaganda – parecia de porte a tragar a França.

Diante disto, se vê que mostraram falta de lucidez política os que, nos dias de maio, recomendavam imensas concessões para não perder tudo.

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Alguns simpatizantes me tem perguntado se a TFP não faria bem em abrandar sua linha doutrinária. Seria um modo de desarmar as múltiplas antipatias que – a par de preciosas e sempre mais numerosas simpatias – a entidade tem encontrado.

Uma abrandamento doutrinário sempre me pareceu um “non sense”, algo como concordar em que 2 mais 2 é igual a 4,5 para fazer as pazes com o teimoso que tem ojeriza ao número 4, e por isto afirma que o total da soma é 5.

Acresce que, muito ao contrário do pedecismo, a TFP vê na efervescência das antipatias um sinal de que ela vai alcançando êxito. E – por esta razão entre outras – a TFP recusa adotar o “ceder para não perder”, como norma única de sua estratégia. Para justificar nossa tese sobre o significado político das antipatias, vem a propósito lembrar um provérbio francês citado por Jacques Duclos. Quando alguém lhe estranhou, certa vez, a hostilidade de que o PC francês era alvo, respondeu Duclos: “Só se atiram pedras às árvores que dão frutos”.

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A Rússia Soviética, alterando espetacularmente sua linha de conduta anterior, resolveu suspender todos os ataques de imprensa contra o titoísmo, e oferecer vantajosas condições de intercâmbio comercial à Iugoslávia.

Há tempos atrás, todos os espíritos ingênuos julgavam muito hábil apoiar de todas as formas o comunismo titoísta, com o intuito de o “descolar” de Moscou. Assim, Belgrado regurgitou de vantagens econômicas concedidas pelo Ocidente. Era uma forma a mais do “ceder para não perder”.

Agora se vê quanto era mutável a “hostilidade” soviética contra o titoísmo, e, pois, quanto é de se desconfiar da consistência de frinchas entre comunistas, como a que parece haver entre Belgrado e Moscou.

“Similis simili gaudet”, diz São Tomás: os que se parecem se alegram um com o outro. Por isto suas rusgas não podem ser muito profundas…

Em suma, voltemos à lição central destes fatos: não é dando o bolo em fatias ao adversário, que se ganha a partida.

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