Eremo São Bento, conversa durante almoço, 22 de junho 1983
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Iustração: destacam-se aqui as fulgurantes palavras de São Ezequiel Moreno y Díaz (1848-1906), da Ordem de Santo Agostinho, nascido em La Rioja (Espanha), foi consagrado bispo em 1894 e designado para a diocese de Casanare (Colômbia). Após uma curta permanência na mesma, foi transferido para Pasto, onde se destacou pela sua luta incansável contra o liberalismo. Foi beatificado por Paulo VI em 1 de novembro de 1975 e canonizado a 11 de outubro de 1992 por João Paulo II. Para consultar mais seus luminosos documentos, clique aqui.
(Aparte: O Senhor dizia que o maior problema e o mais difícil para as Forças revolucionárias era a organização das lideranças dos moderados. E que os “arditi” eram mais os “gatos-loucos” para fazer o binômio medo-simpatia)
É, exatamente.
(O Senhor poderia dizer como eles organizam a trama dos moderados?)
Sim, está muito bom, com muito gosto. Posso fazer. Não acredito que isto caiba num só almoço, vai ser preciso me lembrarem. A parte da pergunta que não tenha sido respondida é preciso me lembrar, mas eu posso responder.
Toda a Revolução ostensiva, toda a Revolução patente é precedida de uma Revolução latente. E a Revolução latente tem como um dos elementos mais típicos o amolecimento daqueles a quem ela não consegue convencer. Quer dizer, se há um determinado filão de opinião, uma classe social, uma região, uma coisa qualquer que ela não consegue convencer, ela procura amolecer.
Como é que ela amolece? Em geral, é fornecendo certa largueza e certo gosto de viver, relaxando as ideias de combate, de luta, de erro, de mal, fazendo esquecer que esta terra é um vale de lágrimas em que o homem expia os pecados próprios e o pecado original e levando como natural que a vida existe para gozar.
A partir do momento em que isto se introduz numa classe social, essa classe pode continuar – no máximo – a admirar academicamente os grandes lutadores do passado. Mas quando chega na hora de ela lutar, ela não está disposta a lutar, porque ela não foi preparada para isso.
Um exemplo característico disso é a Belle Époque. A Belle Époque forneceu para a nobreza e para a burguesia alta e média da Europa, condições de gozar a vida das mais deleitáveis, inclusive com turismo internacional, com navios de luxo, transatlânticos e tudo mais. Condições de vida das mais deleitáveis que podia haver. E assegurou, ao mesmo tempo, desde 1870 até 1914, portanto perto de meio século, uma paz absoluta.
E, mesmo a guerra de 1870, não foi uma Guerra Mundial. Foi uma guerra franco-prussiana, que o resto da Europa assistiu de camarote. De maneira que a paz foi muito longa e durante esse tempo essa classe pôde gozar a vida à vontade.
O resultado é que não se podia esperar de um rapaz ou de uma moça educados nessa atmosfera, e já os pais deles educados nessa atmosfera, e já os avós com alguma coisa disso, não se podia esperar que eles fossem uns heróis que eram seus antepassados dos últimos anos.
Diante desse homem só capaz de viver para gozar — gozar à lá grande ou pequeno nobre, à lá grande ou pequeno burguês, pouco importa, é gozar — a este rapaz capaz de gozar, ou essa moça, apresentada a luta ideológica, a posição primeira que vem é certa preguiça de prestar atenção no assunto e resolver. Depois, se prestam atenção e resolvem, a tendência é de tomar uma posição que não seja uma posição de luta.
Então, escolher uma posição ideológica que não obrigue a muita luta, ou se escolher uma posição ideológica que obrigue a luta fazer uma espécie de boa paz com os que pensam de outra maneira, sob pretexto de evitar derramamento de sangue etc. etc.. Então fazer um entendimento. Mas, de qualquer forma, não prejudicar o festim da vida. Esses são naturalmente as bases amplas dos moderados. Quando a moderação é preparada com essa antecedência — e ela é sempre preparada com essa antecedência.
Agora, depois, dentro dessa base não será difícil encontrar o seguinte: entre os que não gostam de combater, se destacam melhor os que gostam de fazer politicagem. Porque o homem naturalmente tem certa atividade, gosta de fazer alguma coisa. E quando ele não combate, ele gosta de fazer negócios, ele gosta de fazer política, gosta de fazer alguma coisa onde ele tenha uma atividade. E nessas épocas de despreocupação e de paz, toma muito prestígio o politiqueiro velhaco que diz uma palavra, que arranja um jeito e que não-sei-o-quê, toma evidentemente muito prestígio. Está na ordem natural das coisas.
O politiqueiro a gente toca pelo interesse. A alguns desses politiqueiros, capazes de articular outros politiqueiros menores, eles podem folgadamente dizer o seguinte:
— “Você vai entrar para tal classe, vai ser eleito senador, vai ser tal coisa, ministro etc. Mas seu papel vai ser de se servir de seu prestígio para evitar que esta classe seja… Você deve ser um amortecedor de cóleras no seu ambiente, como nós temos amortecedores de cólera no ambiente comunista: são os socialistas que querem uma reforma branda. Você deve dizer que também quer uma reforma branda. Mas você não deve dizer que você é socialista. Você deve dizer que quer uma reforma branda que chegue quase até ao socialismo, mas não socialista, porque senão os moderados não vão acreditar em você”.
Agora, o outro, o moderado socialista vai dizer que quer uma reforma branda, mas que vá quase até a aceitação da propriedade individual. Mas também não chega.
E temos aí um largo setor, uma direita moderada e uma esquerda moderada numa luta moderada. — É o que se pode fazer! Não se pode fazer outra coisa para evitar uma guerra! Você quer uma guerra?
— Ah! Não!
— Então faça isso!
— O que é que o senhor exige de mim para isso?
— Que você leve uma vida cômoda. Seja um Ministro indolente, seja um embaixador adormecedor. Quando você estiver na sua família, no seu clube, com seus amigos, por toda a parte, você esteja sempre alegre, sempre otimista. Deflacione sempre os que estão vendo nuvens negras no horizonte, ridicularize até um pouquinho a eles. Isso é o ideal, faça isso e você me terá servido.
Então, eles devem ser homens inteligentes que devem manter a atmosfera de prazer, atmosfera de alegria, de triunfalismo e preparar por esta forma o amolecimento de uma classe.
Os senhores poderão me perguntar: mas os socialistas também não amolecem o comunismo? Em alguma medida amolecem, mas em uma medida muito menor do que os burgueses. Porque a imprensa burguesa, tanto quanto a imprensa socialista dão a entender de mil modos que o mundo caminha para a esquerda e que a marcha para a esquerda é irreversível. Apenas se pode conseguir que ela seja lenta.
De maneira que o moderado da esquerda é um moderado que não renunciou ao extremismo que ele deseja, apenas está resignado a esperar. Enquanto o moderado da direita, de fato, no fundo, renuncia ao extremo que ele deseja. Ele mais ou menos, no fundo, se convence a si próprio de que o passado não volta e de que, portanto, não adianta estar com coisas porque o que pode fazer é prolongar um pouquinho a longa vida do que ainda vive, e mais nada.
E, por esta forma, o esquerdista, no fundo não amolece, porque ele ainda quer um passado rijo, ou amolece menos do que aquele que rompeu as amarras com sua própria (…).
Então, todo o jogo da luta lenta é um jogo daqueles que querem andar um pouco mais depressa – os socialistas – contra aqueles que querem parar um pouco mais tempo – os conservadores, os moderados.
O resultado é que, no fim, os moderados, para não romperem com os socialistas, vão caminhando para o socialismo mais lentamente do que os socialistas quereriam. E os socialistas vão caminhando para o comunismo mais lentamente do que os comunistas quereriam.
Os senhores dirão: — Bom, mas o comunismo não perde terreno com isso? Ele não é o prejudicado?
O comunismo jamais ganhou uma eleição. Até ele a massa não chega. E o único jeito de fazer andar é pela caricatura da moderação. Quer dizer, o comunista sabe que ele está conseguindo devagar o que ele não conseguiria depressa.
Quando esse sistema funciona durante bastante tempo, fica preparado o golpe comunista. Os moderados estão tão achincalhados, tão vendidos, tudo mais, que aí então há condições para tentar o golpe comunista.
Nota: Consulte, ouça e/ou leia Os revolucionários radicais jamais atrairiam se não existissem os moderados revolucionários: o jogo para embair os ingênuos.