O exame de consciência para a Confissão: exemplificações concretas quanto ao 1º e ao 7º Mandamento da Lei de Deus – Dificuldades e como vencê-las
“Circulares aos difusores de CATOLICISMO”, década de 50
O exame de consciência é a consideração de nossos atos passados e seu julgamento segundo os princípios da moral católica. É absolutamente necessário para uma confissão bem feita. Sem ele a acusação dos pecados se torna impossível ou muito deficiente.
O exame de consciência poderá ser bem feito se o período a ser examinado for relativamente pequeno, pois nos será muito difícil lembrarmo-nos com exatidão do que se deu há muito tempo.
O exame de consciência não pode ser feito de modo apressado e sumário. Não é suficiente que, ao considerar o 7º Mandamento, por exemplo, eu me contente em verificar que não cometi furto algum. É preciso ir mais longe e examinar-me sobre o Mandamento em todas as suas consequências, ainda as mais sutis.
Esse preceito fundamenta o direito de propriedade, que é de lei natural. Devo então perguntar a mim mesmo:
* se não concorri para que esse direito, tão violado hoje em dia, sofresse restrições indevidas;
* devo me perguntar se em conversa, em discussões, em artigos, defendi esse direito como compete a um católico que ame a doutrina da Igreja;
* se fiz atos de reparação quando vi o direito de propriedade desrespeitado, quer da parte de simples particulares, quer da parte dos poderes públicos;
* se me preocupo com a sua manutenção integral, pois, sendo um direito natural, preocupar-me com a sua manutenção é amar e defender a ordem criada por Deus na Terra.
Não poderei dizer que amo a Deus se não amo a ordem que Ele criou, e amar essa ordem é defendê-la, é interessar-me e sacrificar-me por ela. Leio no jornal, por exemplo, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados uma lei determinando que o subsolo é de propriedade do Estado. Não posso ficar indiferente a essa lei sem incorrer de certa forma no desagrado de Deus, pois ela viola profundamente o direito de propriedade.
Vou examinar-me a respeito do 1º Mandamento da Lei de Deus: Amar a Deus sobre todas as coisas. O amor deve se refletir em atitudes concretas. Considerando meus atos, poderei saber se amei ou não a Deus como devia. Quem ama a Deus, ama as coisas de Deus; ama tudo que Ele criou; ama a sua ordem, ama a Igreja instituída por Ele para nos conduzir à salvação eterna.
É considerando, por exemplo, o meu amor à Igreja Católica, às suas instituições, seus ritos, suas tradições, seus costumes, que posso avaliar o meu amor a Deus. E amar a Igreja não é ter um amor platônico e inoperante em relação a Ela. É preciso que esse amor se traduza em atos, para ser verdadeiramente amor. Assim, devo entristecer-me quando vejo uma tradição da Igreja ser ridicularizada, quando vejo um costume piedoso ser abandonado pelos fiéis, quando percebo que os hábitos católicos de todo um povo vão aos poucos se dessorando, até desaparecerem por completo. Devo examinar se emprego todas as minhas forças para evitar que esse mal se espalhe; se trabalho tanto quanto possível para remediar essa situação; se em minhas conversas, atitudes, modos de ser, reflito sempre essa união de sentimentos com a Igreja de Deus. Em caso afirmativo, posso dizer que nesse ponto eu amo a Deus; se isso não acontece, terei cometido pelo menos uma imperfeição contra o 1º Mandamento.
Tudo o que dissemos a respeito do primeiro e do sétimo poderá ser dito dos outros oito Mandamentos da Lei de Deus e dos da Igreja, assim como dos pecados capitais e de todas as virtudes; enfim, da moral católica em todas as suas consequências concretas.
Dificuldades no exame de consciência
Não pensemos que um exame de consciência sério seja sempre fácil de se fazer. Devido à nossa natureza decaída, temos aversão pelo julgamento de nossos atos. O brasileiro, além disso, tem horror à reflexão, a qual é, entretanto, indispensável para um exame de consciência bem feito.
Para vencer um defeito, é preciso que pratiquemos as virtudes que lhe são diametralmente opostas. Se queremos vencer nossa aversão natural ao julgamento de nossos atos, é preciso julgá-los sempre com o máximo rigor. O horror à reflexão também só se corrige com o exercício constante, equilibrado e metódico de nossas faculdades intelectuais.
Ao fazer o exame de consciência como nos manda a Igreja, chegaremos à conclusão de que não somos tão bons como gostaríamos de ser; que temos defeitos que não imaginávamos; que nossas fraquezas são incontáveis. Teremos que reconhecer, enfim, o que diz São Luís Grignion de Montfort: “Somos, naturalmente, mais orgulhosos que os pavões, mais apegados à terra que os sapos, mais feios que os bodes, mais invejosos que as serpentes, mais glutões que os porcos, mais coléricos que os tigres e mais preguiçosos que as tartarugas; mais fracos que os caniços, e mais inconstantes do que um catavento. Tudo o que temos em nosso íntimo é nada e pecado, e só merecemos a ira de Deus e o inferno eterno“.
Não é nada agradável reconhecer esta verdade. Nosso amor-próprio se revolta contra isso. À nossa natureza repugna essa verificação de nossa miséria. Isso nos leva, quase que inconscientemente, a bagatelizar o exame de consciência e a constatar apenas algumas faltas leves, às quais não damos a menor importância.
Devemos, entretanto, considerar que, se é verdade que somos naturalmente uns miseráveis, com a graça de Deus e com a intercessão de Nossa Senhora conseguiremos escalar a montanha da perfeição: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito“.
Outra dificuldade que teremos que enfrentar são os obstáculos criados pelo demônio. Como o exame de consciência é necessário para a confissão, que nos liberta de seus grilhões, o espírito das trevas não poderia deixar de detestá-lo. Satanás empregará todos os meios para nos dissuadir de fazer o exame; e se não o conseguir, nos tentará a adiá-lo ou simplificá-lo.
Ele nos dirá, por exemplo, que não temos necessidade do exame de consciência, pois durante a confissão certamente nos lembraremos dos pecados cometidos; nos dirá que não há necessidade de perscrutar com tanto cuidado o passado; nos dirá que não temos capacidade para nos examinarmos, pois só os santos o conseguem, e nós não somos santos; fará enfim tudo o que a Providência lhe permitir, para nos dissuadir de nossos bons propósitos.
O remédio contra esse mal está em não darmos ouvidos ao que ele diz. O demônio tem uma inteligência angélica, e se consentirmos em discutir, certamente ele levará a melhor. Devemos confiar em Nossa Senhora, cuja proteção é necessário pedir constantemente, sobretudo nos momentos de tentação. Tendo sido Maria Santíssima a criatura escolhida pelo Altíssimo para vencer o demônio, peçamos a Ela que mais uma vez o vença, dando-nos graças para resistirmos aos seus convites, ameaças, insinuações e insídias.
O exame de consciência e nosso vício capital
O progresso na virtude consiste primordialmente na vitória sobre o defeito capital. Vencido este, quase não haverá dificuldade para nos corrigirmos de nossos demais defeitos.
Como é possível que alguém vença o seu vício capital, se não o conhece? E como é possível conhecê-lo sem o exame de consciência? Portanto, entre os principais motivos que recomendam o exame de consciência está a sua imprescindibilidade para que nos corrijamos de nosso defeito principal, do qual todos os outros são consequências.
Se nossa santificação exige a prática da virtude diametralmente oposta ao vício capital, o exame de consciência deve focalizá-lo de modo especial. Se esse vício é a preguiça, nosso exame de consciência só será bem feito se cuidarmos principalmente de nossa moleza física, intelectual e espiritual. Estaríamos enganando a nós mesmos, se passássemos rapidamente pelos pontos que dizem respeito à preguiça, e examinássemos com cuidado se não faltamos com a verdade, ou se demos esmola aos pobres, o que costumamos fazer sem maior dificuldade.
Conclusão
É frequente encontrarem-se pessoas tíbias para as quais a preparação para a confissão consta apenas do exame de consciência. Depois de se terem examinado por cinco minutos – e de que modo! – correm ao confessionário, certas de estarem preparadas para receber o Sacramento da Penitência. Entretanto, o exame de consciência pouco ou nenhum valor tem, se não é acompanhado de arrependimento sincero e de propósito firme de emenda.