Plinio Corrêa de Oliveira
Tem sido observado que o comunismo tem algo insondavelmente misterioso. Parece-me normal tal nota enigmática na seita vermelha. Constitui esta um summum de impiedade e de pecado, emanado das profundezas mais negras do próprio mistério da iniqüidade.
O contrário do comunismo é o anticomunismo. A lógica dos fatos pediria, portanto, que, neste último, tudo fosse límpido, coerente e compreensível. Desconcerta-me pois, notar também no anticomunismo — ou, mais precisamente, em certo anticomunismo — contradições e obscuridades insondáveis.
Vamos a um exemplo arquetípico.
* * *
O pe. Comblin é sacerdote, e eu sou um leigo católico. Isto basta para dizer que lhe quero todo o bem possível. Desejo-lhe sobretudo o maior dos bens, isto é a conversão. Poucas coisas poderiam dar-me tanta alegria quanto ver o pe. Comblin tocado por uma graça fulminante, como São Paulo no caminho de Damasco, transformar-se em um batalhador ardoroso da genuína doutrina católica.
Mas, enfim, o amor que se deve ter a esse sacerdote (como, aliás, a qualquer outro) não pode ir a ponto de desejar para ele uma real incolumidade, no momento em que urde planos para deitar por terra — no país que o hospeda — a Igreja e a civilização cristã. Pois para tudo há uma hierarquia de valores. E segundo essa hierarquia, é absurdo amar o padre mais do que a Igreja, e o estrangeiro mais do que a Pátria.
O homem de hoje, super-ocupado, tem naturalmente a memória frágil. Assim, transcrevo aqui alguns dos tópicos do famoso “documento Comblin”, que tanta publicidade teve no ano passado. O leitor se recordará assim da periculosidade das metas visadas pelo professor belga, a cujas mãos D. Helder confiou… a formação dos sacerdotes de amanhã.
* Diz o padre Comblin: “Não basta fazer leis. É preciso impô-las pela força. Para a arrancada, o poder será autoritário e ditatorial. Não se pode fazer reformas radicais consultando a maioria: que a maioria prefere ‘sombra e água fresca’, prefere evitar os problemas”.
* Continua o padre Comblin: “- O poder deve contar com a força. Qual será essa força? Às vezes poderá contar com as forças armadas, outras vezes é necessário dissolvê-las. Às vezes será necessário distribuir armas ao povo. Outras vezes bastará apelar ao plebiscito em circunstâncias bem preparadas. Outras vezes o centro dos meios de propaganda será suficiente. Em todo caso será necessário montar um sistema repressivo: tribunais novos de exceção contra quem se opõe às reformas. Os procedimentos ordinários da justiça são lentos demais. O poder legislativo também não pode depender de assembléias deliberativas.”
*Ainda o padre Comblin: “- O poder deve neutralizar as forças de resistência: neutralização das forças armadas se forem conservadoras; controle da imprensa, TV, rádio e outros meios de difusão, censura das críticas destrutivas e reacionárias.”
* Afirma do padre Comblin que “será necessário fazer alianças, entrar em compromissos, sujar as mãos pelas alianças sujas”, para os progressistas derrubarem o governo e conquistarem o poder.
Admitimos que algum jovem discípulo se deixe persuadir por esse sacerdote incendiário. Em breve poderá estar transformado em um Camilo Torres, a pregar e a praticar a violência nas cidades ou nos campos. Ou pelo menos a homiziar terroristas e ajudá-los na fuga. O aparelhamento policial se moverá então contra o jovem criminoso, e descarregará merecidamente sobre ele o rigor da lei. Quanto ao padre Comblin, continuará incólume. Ora, pergunto, é isto razoável? Não seria mil vezes melhor evitar a deformação do jovem, do que puni-lo depois de deformado? Não seria preferível reduzir hoje ao silêncio o professor subversivo, a ter de castigar amanhã o jovem que é menos seu discípulo do que sua vítima?
Não peço para o padre Comblin esta ou aquela punição. Trate disto a autoridade competente. Peço menos, incomparavelmente menos. Peço só que não se deixem, em suas mãos, meios para continuar a intoxicar meus patrícios, meus irmãos na Fé…
Ora, são precisamente estes meios que ele tem. Em São Paulo, realizou ele, no mês de julho, uma conferência no II Curso de Medicina Pastoral, do Instituto Nacional Pastoral, na Escola de Enfermagem anexa ao Sanatório Santa Catarina. Noticiada uma série de artigos dele para a revista “Grande Sinal — Revista de Espiritualidade e Pastoral” destinada… à formação de freiras. Isto é o que sei. Não é temerário supor que outras ocasiões lhe sejam facultadas para agir. E além da boa ocasião, essas atividades lhe conferem, aos olhos do público, consideração e prestígio. Sim, consideração e prestígio, que lhe poderão servir notavelmente à ação subversiva.
O fato não é desconcertante? A meu ver, sim. E o digo com tristeza. Pois a reação primeira, mais imediata, mais natural, contra atuação do clérigo belga deveria vir da autoridade eclesiástica. Entretanto, é aí que sinto o mutismo mais densamente inexplicável.
Mas, dirá o leitor, o que pode fazer a autoridade eclesiástica a este respeito? A resposta é simples: faça um pouco do que em certos arraiais eclesiásticos se faz contra a TFP, quando esta sai à rua para defender o Brasil e a civilização cristã: comunicados e entrevistas, sermões violentos, nada nos tem sido poupado, nestas ocasiões, por bispos e sacerdotes. E isto apesar do entusiasmo sem rebuços com que seus fiéis nos recebem.
Pois faça-se um pouco disto para com o pe. Comblin, e estou bem certo que o prestígio dele se esvairá: quem tem telhado de vidro não pode levar pedrada.
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O inquérito sobre atividades terroristas no Clero teve o mérito de despertar manifestações anticomunistas em gente que há muito tempo não falava contra o comunismo. Este anticomunismo súbito não me é muito claro. Eu gostaria de o ver menos vistoso e mais ativo. Mas duvido, e duvido muito, que este fervor dos neo-anticomunistas seja em detrimento da livre atuação do inabalável padre Comblin. Pois este é misteriosamente incólume…