O retorno do filho pródigo (Murilo, 1667-1670)
“Circulares aos difusores de CATOLICISMO”, década de 50 do século XX
Nosso Senhor instituiu o Sacramento da Penitência no dia de sua Ressurreição, quando disse aos Apóstolos: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (João, XX, 23).
A Confissão é mais uma prova do amor infinito de Deus para com os homens. Nosso Senhor não se contentou em remi-los. Prevendo que a fraqueza humana os faria cair muitas e muitas vezes, instituiu este Sacramento para reerguê-los. A fim de dar ao homem a certeza de que está sendo perdoado, não quis que a absolvição dependesse apenas de atos interiores, que se poderiam prestar a dúvidas e escrúpulos. Criou o Tribunal da Penitência, cujas sentenças explícitas e audíveis não se prestam a dúvidas.
É dupla a finalidade deste Sacramento: uma finalidade primordial, que consiste em perdoar os pecados cometidos, sobretudo os pecados mortais, reconciliando o homem com Deus; e uma finalidade complementar, que é dar ao homem forças para não mais pecar. Não nos devemos esquecer desta segunda finalidade, cuja importância não é sempre posta no devido relevo. Como em todos os Sacramentos, na Penitência recebemos graças especiais, e saímos dela com a alma fortalecida para os combates interiores. Por isso, e também para purificar a alma de todas as faltas, a Igreja recomenda a confissão frequente, mesmo àqueles que vivem habitualmente em estado de graça.
Quando uma pessoa não pode se confessar, seus pecados – mesmo mortais – são perdoados mediante a contrição perfeita, isto é, o arrependimento baseado no puro amor de Deus, e não em motivos secundários, como sejam o temor do inferno, o desejo do Céu ou interesses temporais. Entretanto, mesmo para quem não pode se confessar, a contrição perfeita só tem valor se for acompanhada do propósito firme de recorrer ao Sacramento da Penitência logo que as circunstâncias o permitam. Assim sendo, a Confissão não é apenas o meio normal de se perdoarem os pecados; é um recurso que não pode, de modo algum, ser desprezado ou posto de lado, sob pena de não se apagarem as manchas do pecado, por mais elevadas que possam parecer as disposições da alma arrependida.
Se para conservarmos a saúde do corpo fazemos todos os sacrifícios, suportamos os mais incômodos e doloridos tratamentos, fazemos despesas enormes, o que não deveríamos fazer para conservar, fortalecer ou recuperar a vida da alma, isto é, a graça santificante? Pois a nossa existência nesta Terra é fugaz, ao passo que a existência futura é eterna, quer no Céu, quer no inferno.
Chamaríamos de louco um homem que se expusesse inutilmente a um perigo iminente de ficar leproso. Mas ele seria menos louco do que um outro que, tendo pecado mortalmente, adiasse a sua confissão. Que é a lepra, se a compararmos com a condenação eterna?
Os difusores de “Catolicismo” devem ser, antes de mais nada, homens de vida interior. Para isso, cumpre-lhes conhecer a fundo os meios de santificação que a Igreja coloca à disposição dos fiéis. Nas páginas seguintes apresentaremos algumas observações sobre as diversas partes de uma boa confissão. Não é nossa intenção estudar aqui tudo o que a moral católica nos ensina a respeito, e que pode ser facilmente encontrado de modo sucinto num bom manual de piedade. Focalizaremos apenas alguns aspectos, que nos parecem mais oportunos.
ORAÇÃO PREPARATÓRIA À CONFISSÃO
A confissão bem feita deve constar de diversas partes:
1) Preparação, que se compõe da oração preparatória, do exame de consciência, do arrependimento dos pecados e da formação de bons propósitos;
2) A acusação dos pecados ao sacerdote;
3) As orações posteriores à confissão, das quais a mais importante é a penitência, mas que incluem também a renovação dos propósitos, a ação de graças pelo perdão obtido, o pedido de auxílios sobrenaturais etc.
É conveniente que a preparação à confissão se inicie por uma oração. Por quê? Porque só com graças especiais poderemos nos confessar bem. Com efeito, nossas luzes naturais não nos permitem conhecer a fundo a nossa alma, nem arrepender-nos dos nossos pecados, nem formar propósitos firmes. Nosso Senhor disse: “Sem mim nada podeis fazer“. Não devemos ter, pois, a pretensão de querermos nos preparar para a confissão sem o auxílio de Nosso Senhor.
Com toda a humildade, pois, reconheçamos que por nós mesmos nem sequer saberíamos distinguir o bem do mal; e peçamos a Nossa Senhora e aos santos que nos iluminem, fazendo-nos compreender a malícia das faltas cometidas, inspirando-nos uma dor sincera por termos ofendido a nosso Rei e Senhor, e concedendo-nos a graça de um desejo vivo de não mais pecar.
EXAME DE CONSCIÊNCIA
O exame de consciência é a consideração de nossos atos passados e seu julgamento segundo os princípios da moral católica. É absolutamente necessário para uma confissão bem feita. Sem ele a acusação dos pecados se torna impossível ou muito deficiente.
O exame de consciência poderá ser bem feito se o período a ser examinado for relativamente pequeno, pois nos será muito difícil lembrarmo-nos com exatidão do que se deu há muito tempo.
O exame de consciência não pode ser feito de modo apressado e sumário. Não é suficiente que, ao considerar o 7º Mandamento, por exemplo, eu me contente em verificar que não cometi furto algum. É preciso ir mais longe e examinar-me sobre o Mandamento em todas as suas consequências, ainda as mais sutis.
Esse preceito fundamenta o direito de propriedade, que é de lei natural. Devo então perguntar a mim mesmo:
* se não concorri para que esse direito, tão violado hoje em dia, sofresse restrições indevidas;
* devo me perguntar se em conversa, em discussões, em artigos, defendi esse direito como compete a um católico que ame a doutrina da Igreja;
* se fiz atos de reparação quando vi o direito de propriedade desrespeitado, quer da parte de simples particulares, quer da parte dos poderes públicos;
* se me preocupo com a sua manutenção integral, pois, sendo um direito natural, preocupar-me com a sua manutenção é amar e defender a ordem criada por Deus na Terra.
Não poderei dizer que amo a Deus se não amo a ordem que Ele criou, e amar essa ordem é defendê-la, é interessar-me e sacrificar-me por ela. Leio no jornal, por exemplo, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados uma lei determinando que o subsolo é de propriedade do Estado. Não posso ficar indiferente a essa lei sem incorrer de certa forma no desagrado de Deus, pois ela viola profundamente o direito de propriedade.
Vou examinar-me a respeito do 1º Mandamento da Lei de Deus: Amar a Deus sobre todas as coisas. O amor deve se refletir em atitudes concretas. Considerando meus atos, poderei saber se amei ou não a Deus como devia. Quem ama a Deus, ama as coisas de Deus; ama tudo que Ele criou; ama a sua ordem, ama a Igreja instituída por Ele para nos conduzir à salvação eterna.
É considerando, por exemplo, o meu amor à Igreja Católica, às suas instituições, seus ritos, suas tradições, seus costumes, que posso avaliar o meu amor a Deus. E amar a Igreja não é ter um amor platônico e inoperante em relação a Ela. É preciso que esse amor se traduza em atos, para ser verdadeiramente amor. Assim, devo entristecer-me quando vejo uma tradição da Igreja ser ridicularizada, quando vejo um costume piedoso ser abandonado pelos fiéis, quando percebo que os hábitos católicos de todo um povo vão aos poucos se dessorando, até desaparecerem por completo. Devo examinar se emprego todas as minhas forças para evitar que esse mal se espalhe; se trabalho tanto quanto possível para remediar essa situação; se em minhas conversas, atitudes, modos de ser, reflito sempre essa união de sentimentos com a Igreja de Deus. Em caso afirmativo, posso dizer que nesse ponto eu amo a Deus; se isso não acontece, terei cometido pelo menos uma imperfeição contra o 1º Mandamento.
Tudo o que dissemos a respeito do primeiro e do sétimo poderá ser dito dos outros oito Mandamentos da Lei de Deus e dos da Igreja, assim como dos pecados capitais e de todas as virtudes; enfim, da moral católica em todas as suas consequências concretas.
Dificuldades no exame de consciência
Não pensemos que um exame de consciência sério seja sempre fácil de se fazer. Devido à nossa natureza decaída, temos aversão pelo julgamento de nossos atos. O brasileiro, além disso, tem horror à reflexão, a qual é, entretanto, indispensável para um exame de consciência bem feito.
Para vencer um defeito, é preciso que pratiquemos as virtudes que lhe são diametralmente opostas. Se queremos vencer nossa aversão natural ao julgamento de nossos atos, é preciso julgá-los sempre com o máximo rigor. O horror à reflexão também só se corrige com o exercício constante, equilibrado e metódico de nossas faculdades intelectuais.
Ao fazer o exame de consciência como nos manda a Igreja, chegaremos à conclusão de que não somos tão bons como gostaríamos de ser; que temos defeitos que não imaginávamos; que nossas fraquezas são incontáveis. Teremos que reconhecer, enfim, o que diz São Luís Grignion de Montfort: “Somos, naturalmente, mais orgulhosos que os pavões, mais apegados à terra que os sapos, mais feios que os bodes, mais invejosos que as serpentes, mais glutões que os porcos, mais coléricos que os tigres e mais preguiçosos que as tartarugas; mais fracos que os caniços, e mais inconstantes do que um catavento. Tudo o que temos em nosso íntimo é nada e pecado, e só merecemos a ira de Deus e o inferno eterno“.
Não é nada agradável reconhecer esta verdade. Nosso amor-próprio se revolta contra isso. À nossa natureza repugna essa verificação de nossa miséria. Isso nos leva, quase que inconscientemente, a bagatelizar o exame de consciência e a constatar apenas algumas faltas leves, às quais não damos a menor importância.
Devemos, entretanto, considerar que, se é verdade que somos naturalmente uns miseráveis, com a graça de Deus e com a intercessão de Nossa Senhora conseguiremos escalar a montanha da perfeição: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito“.
Outra dificuldade que teremos que enfrentar são os obstáculos criados pelo demônio. Como o exame de consciência é necessário para a confissão, que nos liberta de seus grilhões, o espírito das trevas não poderia deixar de detestá-lo. Satanás empregará todos os meios para nos dissuadir de fazer o exame; e se não o conseguir, nos tentará a adiá-lo ou simplificá-lo.
Ele nos dirá, por exemplo, que não temos necessidade do exame de consciência, pois durante a confissão certamente nos lembraremos dos pecados cometidos; nos dirá que não há necessidade de perscrutar com tanto cuidado o passado; nos dirá que não temos capacidade para nos examinarmos, pois só os santos o conseguem, e nós não somos santos; fará enfim tudo o que a Providência lhe permitir, para nos dissuadir de nossos bons propósitos.
O remédio contra esse mal está em não darmos ouvidos ao que ele diz. O demônio tem uma inteligência angélica, e se consentirmos em discutir, certamente ele levará a melhor. Devemos confiar em Nossa Senhora, cuja proteção é necessário pedir constantemente, sobretudo nos momentos de tentação. Tendo sido Maria Santíssima a criatura escolhida pelo Altíssimo para vencer o demônio, peçamos a Ela que mais uma vez o vença, dando-nos graças para resistirmos aos seus convites, ameaças, insinuações e insídias.
O exame de consciência e nosso vício capital
O progresso na virtude consiste primordialmente na vitória sobre o defeito capital. Vencido este, quase não haverá dificuldade para nos corrigirmos de nossos demais defeitos.
Como é possível que alguém vença o seu vício capital, se não o conhece? E como é possível conhecê-lo sem o exame de consciência? Portanto, entre os principais motivos que recomendam o exame de consciência está a sua imprescindibilidade para que nos corrijamos de nosso defeito principal, do qual todos os outros são consequências.
Se nossa santificação exige a prática da virtude diametralmente oposta ao vício capital, o exame de consciência deve focalizá-lo de modo especial. Se esse vício é a preguiça, nosso exame de consciência só será bem feito se cuidarmos principalmente de nossa moleza física, intelectual e espiritual. Estaríamos enganando a nós mesmos, se passássemos rapidamente pelos pontos que dizem respeito à preguiça, e examinássemos com cuidado se não faltamos com a verdade, ou se demos esmola aos pobres, o que costumamos fazer sem maior dificuldade.
Conclusão
É frequente encontrarem-se pessoas tíbias para as quais a preparação para a confissão consta apenas do exame de consciência. Depois de se terem examinado por cinco minutos – e de que modo! – correm ao confessionário, certas de estarem preparadas para receber o Sacramento da Penitência. Entretanto, o exame de consciência pouco ou nenhum valor tem, se não é acompanhado de arrependimento sincero e de propósito firme de emenda.
Pormenor da imagem de São Pedro arrependido
O ARREPENDIMENTO
O que é o arrependimento? Diz-se que uma pessoa está arrependida quando sinceramente lamenta ter praticado determinado ato; quando está firmemente disposta a não mais o praticar; quando toma a resolução de que, se se apresentasse novamente a situação em que o praticou, não agiria do mesmo modo.
Portanto, para que haja arrependimento, não basta um desejo vago de que as coisas tivessem corrido de outro modo. Mas é preciso um ato sério de vontade, e o desejo profundo de que aquele ato não tivesse sido praticado.
Necessidade do arrependimento sincero
É óbvio que, para pedirmos perdão de nossos pecados a Deus, devemos estar arrependidos. Se não lamentamos o mau ato que praticamos, como ousaremos pedir perdão? Se estamos dispostos a agir novamente do mesmo modo caso as circunstâncias se repitam, como podemos pedir a Deus que nos absolva de nossos pecados? Confessar-se sem arrependimento é praticar uma farsa que clama aos Céus.
Devemos evitar, com todo o empenho, que nossas confissões sejam meras formalidades externas, às quais falte uma dor sincera dos pecados. E devemos também cuidar que o arrependimento seja profundo e sério, pois é frequente encontrar pessoas que só se arrependem de seus pecados de modo tíbio e superficial.
Há católicos que se confessam frequentemente, mas nos quais não se nota ascensão alguma na vida espiritual. Estão na mais completa estagnação, quando não em decadência.
Qual a razão desse mal? Como admitir-se que uma pessoa assídua aos sacramentos possa estacionar, ou mesmo decair na vida espiritual?
“Qui creavit te sine te, non salvabit te sine te” – Quem te criou sem ti, não te salvará sem ti. Sem a nossa colaboração, não é possível progresso algum na vida espiritual. Para nos santificarmos, não basta uma frequência maquinal aos sacramentos. Pelo contrário, é necessário que nos esforcemos para despertar em nossas almas disposições santas, e que rezemos muito nesse sentido.
Para receber o Sacramento da Confissão, que agora estudamos, é necessário ter, entre outras disposições, um sincero arrependimento dos pecados cometidos. Devido à ausência ou tibieza desse arrependimento, muitas pessoas deixam de progredir na vida espiritual, embora se confessem frequentemente. E outras até passam a regredir, pois receber a absolvição é uma graça, e a não correspondência a uma graça leva a alma a um estado inferior àquele em que estaria se não a tivesse recebido.
O católico tíbio tem uma tal ou qual dor do pecado cometido. Se esse arrependimento for suficientemente sincero para que ele obtenha a absolvição, terá os seus pecados perdoados, mas não colherá do Sacramento todos os frutos que normalmente o acompanham. Com frequência, o seu arrependimento será apenas um ato externo e maquinal, condensado numa fórmula decorada; nesse caso os pecados não serão perdoados, mas, pelo contrário, terá sido cometido um sacrilégio, isto é, um pecado grave a mais.
Ao tíbio falta a dor profunda de ter ofendido a Deus. O pecado não lhe parece ser coisa tão grave; reconhece que não agiu bem, mas o mal não foi tão grande assim; poderia ter sido muito pior; outros são piores; afinal de contas, a natureza humana é frágil, e nós não podemos fazer o que está acima de nossas forças. Seu propósito de não mais pecar carece do calor próprio às almas que amam verdadeiramente a Deus Nosso Senhor.
As consequências dessa tibieza são das mais ruinosas para a vida espiritual. Esta se torna difícil, estéril, sem atrativos. As práticas de piedade se tornam penosas, e se transformam num imenso fardo, impossível de se carregar.
Essa situação normalmente não dura muito, pois ou a pessoa, amargurada por esse estado de coisas – muito mais penoso do que a prática corajosa e total dos atos de piedade – se arrepende sinceramente e volta ao bom caminho, ou então começa aos poucos a abandonar toda e qualquer vida de piedade.
Para que Deus nos conceda o seu perdão, com toda a abundância de graças necessárias para uma emenda séria, devemos ter um arrependimento verdadeiro, convicto, baseado em motivos sobrenaturais. Devemos arrepender-nos do pecado cometido, não apenas porque ele nos trouxe incômodos naturais. Não devemos procurar diminuir a gravidade do mal que praticamos. Não nos devemos desculpar, com atenuantes reais ou imaginárias. Mas, com o coração contrito e humilhado, devemos nos curvar diante de Deus três vezes santo, e de toda a corte celeste, lamentando do fundo do coração o pecado que cometemos.
Atrição e contrição
O arrependimento, elemento absolutamente essencial para a absolvição dos pecados, pode ser de dois gêneros: a atrição e a contrição. A atrição também se chama contrição imperfeita; e a contrição também pode ser denominada contrição perfeita.
A atrição é o arrependimento motivado pela fealdade intrínseca do pecado, pelo temor de Deus, pelo medo do castigo que o pecado merece, e pelo desejo do Céu e das outras recompensas da virtude. Considerando as penas temporais que o ameaçam nesta vida e no purgatório, considerando as penas eternas do inferno em que corre o risco de cair, e considerando como Deus recompensa o ato bom, o pecador se arrepende do mal que praticou, e sinceramente quereria não o ter praticado.
A contrição é o arrependimento motivado pela dor de ter ofendido a Deus, e não pelo temor do castigo ou pelo desejo da recompensa. Considerando a perfeição de Deus, que deve ser amado com todas as nossas forças, e considerando o horror que existe no ato de uma criatura ofender a seu soberano Senhor, o pecador se arrepende de seus pecados, e daria tudo para não o ter cometido. Na contrição a alma considera que, ainda que não houvesse as penas do pecado e as recompensas da virtude, ele teria praticado o bem, pois o que o move é o amor de Deus, e não apenas o temor do inferno e o desejo do Céu.
A contrição, por si só, traz o perdão dos pecados, ainda que a pessoa não se possa confessar. É, entretanto, necessário que o pecador contrito tenha o propósito sincero de se confessar na primeira ocasião possível. A atrição, que não é tão perfeita quanto a contrição, por si só não traz o perdão dos pecados; mas se for acompanhada da absolvição sacramental, dada por um confessor, é suficiente para que Deus conceda o perdão.
Vejamos um exemplo. Um náufrago em estado de pecado mortal, e não podendo se confessar, vê que vai cair no inferno, e unicamente por este motivo se arrepende dos seus pecados. Morrendo, condena-se, pois teve apenas a atrição. Um outro, também em estado de pecado mortal, tocado pela graça, teve a contrição perfeita, isto é, arrependeu-se de seus pecados por amor de Deus. Morrendo, salva-se. Um terceiro teve apenas a atrição, como o primeiro, mas pouco antes de morrer, quando estava já desacordado, foi visto por um sacerdote que passava e recebeu a absolvição, embora nem tenha tido noção disso. Morrendo, salva-se.
Não devemos, entretanto, menosprezar a atrição pelo fato de a contrição lhe ser superior. Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio nos recomenda que peçamos a Deus que, caso o Seu amor não nos baste para praticar a virtude, pelo menos o temor do inferno seja suficiente. É bem essa a posição que devemos manter: procurar chegar à contrição, mas considerar também com toda a atenção os motivos de atrição.
Tanto a contrição quanto a atrição dos pecados mortais devem ter as seguintes qualidades:
1) Deve ser interna, isto é, consistir num arrependimento sincero dos pecados, e não apenas em algumas manifestações exteriores;
2) Deve ser sobrenatural, isto é, deve basear-se em motivos sobrenaturais. Se um assassino se arrepende do seu crime apenas porque foi para a prisão, esse arrependimento de modo algum é suficiente para obter o perdão de Deus;
3) Deve ser suma, isto é, deve-se detestar o pecado mais do que qualquer outra coisa;
4) Deve ser universal, isto é, deve haver o arrependimento de todos os pecados mortais cometidos; se o penitente não se arrepender de um deles, não haverá o perdão de nenhum.
Para o perdão dos pecados veniais, bastam três das quatro qualidades acima expostas: o arrependimento deve ser interno, sobrenatural e sumo, mas não é necessário que seja universal. Com efeito, é possível o perdão de alguns pecados veniais sem o perdão de todos. Como o pecado mortal destrói a graça santificante, e só pode ser perdoado pela infusão da graça, não há perdão enquanto perdurar um pecado mortal. Como o pecado venial não destrói a graça, pode também haver o perdão de alguns pecados, permanecendo outros não perdoados. É evidente, porém, que é sumamente recomendável que nos arrependamos também de todos os pecados veniais cometidos.
O PROPÓSITO
A rigor, o firme propósito de emenda não é mais do que uma parte do arrependimento. Com efeito, quem tem contrição do pecado que cometeu deve estar resolvido a não mais cometê-lo, sob pena de estar praticando uma farsa. Entretanto, estudamos separadamente os dois assuntos, a fim de poder analisá-los com maior cuidado.
Necessidade do firme propósito de não mais pecar
Para que os pecados sejam perdoados, a alma deve estar resolvida a não mais os cometer. Não basta o arrependimento das faltas passadas.
Este ponto é esquecido com facilidade por aqueles que se confessam frequentemente. Caindo na rotina, cada semana examinam rapidamente as infidelidades cometidas, formulam um certo ato de arrependimento e se confessam, certos de que fizeram tudo que deles se poderia desejar. Esquecem-se de que é preciso tomar as providências necessárias para não mais pecar. Caso o penitente não tenha feito nenhum propósito de emenda, nem explícito nem implícito, a confissão não terá valor; caso o tenha feito apenas de modo implícito, quase imperceptível, os seus pecados serão perdoados, mas a confissão terá sido mal feita, e as graças que poderia receber não terão descido sobre ele em toda sua abundância.
Por isso, ensinam os autores espirituais que o propósito deve preencher três requisitos:
1) Deve ser firme, isto é, um ato sério da vontade, pelo qual a pessoa toma a resolução clara e deliberada de não mais pecar;
2) Deve ser eficaz, isto é, compreender não apenas um propósito vago de evitar o pecado, mas também a resolução de tomar todas as medidas para não mais pecar. O penitente deve, portanto, tomar a deliberação de rezar para pedir as graças de que precisa; de evitar as ocasiões de pecado; de recorrer a pessoas que o possam auxiliar; de se utilizar, enfim, de todos os meios que tenha à sua disposição;
3) Deve ser universal, isto é, incluir a resolução de não cometer nenhum pecado mortal, tanto aqueles que serão objeto da confissão quanto quaisquer outros. Quanto aos pecados veniais, não há uma obrigação estrita de que sejam todos incluídos no propósito; mas é conveniente que o sejam, pois assim as graças da confissão se derramarão com maior abundância.
Procurar eliminar as raízes dos pecados
Ao fazer o propósito de emenda, não nos devemos limitar à resolução genérica de não cometer pecados: Não mentirei; não pecarei por maus olhares; não terei inveja do próximo etc.
Para que o propósito possa ser plenamente cumprido, e para que produza todos os frutos de renovação da vida, que deve produzir, é da máxima conveniência que atenda às raízes do pecado.
Suponhamos o caso de uma pessoa que tenha cometido vários pecados de respeito humano. Ele poderia fazer apenas um propósito simplista: não mais pecarei por respeito humano. Mas esse propósito provavelmente será difícil de cumprir; no momento em que for necessário tomar uma atitude desassombrada diante de outras pessoas, faltará a coragem, e tudo continuará como antes. Para que o propósito seja bem feito, cumpre perguntar quais são as raízes do respeito humano naquela pessoa. Não será uma ausência geral de espírito de mortificação? Com efeito, quem não se habituou a mortificar a carne e a vencer-se em tudo, dificilmente terá a energia de espírito necessária para enfrentar a onda dominante. Não estará na falta de oração, a raiz do pecado de respeito humano naquela pessoa? Pois há muitas pessoas que se esmeram em aplicar os meios naturais para vencer seus vícios, mas esquecem-se dos meios sobrenaturais, sem os quais nenhuma vitória é profunda e duradoura. A raiz não será, talvez, o orgulho? Ou o oportunismo? Ou a vaidade? É necessário indagar, examinar-se, consultar pessoas de experiência e virtude etc.
Se um formigueiro põe em perigo uma plantação, de nada adianta tapar as bocas do formigueiro e deixar intactos os túneis e cavernas que estão sob a terra. Em pouco tempo as formigas abrirão novas saídas ou desobstruirão as antigas, e voltarão a ameaçar a plantação. Assim são também nossos defeitos. Têm certas manifestações externas, que se comparam às bocas dos formigueiros. Podemos pensar que, eliminando-as, tudo está resolvido, mas na realidade o mal é muito mais profundo, e só será vencido quando nos resolvermos a penetrar nos túneis e cavernas do nosso espírito, que, como os do formigueiro, são os esconderijos a que o inimigo se recolhe quando atacado.
O propósito deve ser concreto
Não basta, entretanto, que o propósito de não mais pecar focalize as raízes profundas do vício. É também conveniente que o propósito seja concreto, isto é, que não se limite a fórmulas vagas e platônicas, mas que desça à realidade viva e palpável dos casos concretos.
Suponhamos que, na hipótese acima referida, aquela pessoa chegasse à conclusão de que a raiz de seu respeito humano se esconde na falta de oração. Ela agiria mal se fizesse apenas o propósito seguinte: “Rezarei mais”. Com efeito, saindo da igreja e caindo no corre-corre da vida de todos os dias, logo esse propósito estaria esquecido. Na melhor das hipóteses, seria lembrado algumas vezes; nesses momentos a pessoa faria uma ou outra jaculatória, e diria a si mesma que é preciso rezar mais, quando puder. Mas quando poderá ela rezar mais? Em que momentos? E o que rezará? Se o propósito não incluir a especificação concreta dessas circunstâncias, dificilmente será praticável de modo pleno.
Para agir bem, aquela pessoa deveria fazer propósitos que descessem a todas as minúcias, tais como as seguintes: todos os dias, antes de me deitar, rezarei um terço ajoelhado; todos os dias, em tal hora, quando costumo passar diante de tal igreja, entrarei e farei uma visita ao Santíssimo Sacramento, de 10 minutos; farei diariamente uma meditação de meia hora, depois da Missa, segundo tal livro etc.
É preciso, entretanto, tomar cuidado com os propósitos retumbantes, na aparência muito bonitos e generosos, mas que são impraticáveis porque vão além do que a realidade comporta. Isso é particularmente frequente nos propósitos feitos em retiros espirituais. A pessoa, arrependida de seus pecados e animada pelo desejo sincero de progredir na vida espiritual, propõe-se mil práticas, que depois é impossível seguir. Esses propósitos são perigosos porque, quando se verifica a sua impraticabilidade, tende-se a cair no desânimo e achar que tudo quanto se pensou durante o retiro não passa de ilusão fugaz.
Os propósitos e a sensibilidade
Propósito firme não significa efusão sentimental. Para que seja sincero, não é necessário que sintamos o coração palpitar, ou que sejamos tomados por uma alegria sensível. Sendo um ato da vontade, e não da sensibilidade, o propósito pode ser frio, e no entanto muito firme e sério. Tivemos ocasião de abordar o problema da sensibilidade nas práticas de piedade, quando estudamos a Comunhão.
No que se refere ao propósito de não mais pecar, o problema da sensibilidade é particularmente importante para a pessoa escrupulosa. Não “sentindo” nada, julga que seus propósitos são falsos e superficiais. Parece-lhe que lhe falta algo de absolutamente fundamental, e que sua confissão estará sendo mal feita, chegando quase a ser um sacrilégio. Então o escrupuloso começa a ginástica interminável, que tem por objetivo despertar propósitos que lhe pareçam sinceros; na realidade ele procura uma certeza “sensível” de que seu propósito é firme. Convém frisar bem, pois, que a sensibilidade não precisa acompanhar a vontade, para que o propósito seja bem feito. Se temos o desejo de não mais pecar, se tomamos as resoluções aconselhadas pela prudência, para não cair nas velhas faltas, estejamos tranquilos e confiemos em Nossa Senhora, a Mãe de Misericórdia que nunca nos há de faltar.
O mesmo se diga daquele que, embora tenha o desejo sincero de não recair na velha falta, sabe entretanto que provavelmente não resistirá à próxima tentação. Se o propósito de evitar as ocasiões é bastante firme, incluindo o emprego de todos os meios naturais e sobrenaturais a que seja possível recorrer, aproximemo-nos do tribunal da Penitência sem escrúpulos. É evidente que não se trata de permitir laxismos; mas pode acontecer que, apesar de toda a boa vontade no momento da confissão, a queda pareça provável. Quem se encontra nessa situação deve rezar muito, e confiar ilimitadamente em Nossa Senhora, certo de que, aos poucos, ela extirpará o mal que parece invencível.
ACUSAÇÃO DOS PECADOS E SATISFAÇÃO
A confissão propriamente dita
Depois de nos termos preparado para receber o Sacramento da Penitência, cumpre acusar os nossos pecados a um sacerdote, conforme manda a Santa Madre Igreja. Essa acusação dos pecados é a confissão propriamente dita.
Não queremos aqui focalizar todos os problemas relacionados com a confissão dos pecados: o sigilo confessional; as vantagens psicológicas existentes no fato de a acusação se fazer a um homem como nós; o que fazer quando o penitente não pode usar da palavra etc. Como já temos observado repetidas vezes, esta circular não tem por objetivo apresentar uma exposição completa da doutrina católica, mas apenas chamar a atenção para alguns problemas que são pouco focalizados em nossos dias, bem como para algumas verdades muito relacionadas com certos pontos da doutrina católica que “Catolicismo” mais desenvolve.
Inicialmente, é oportuno lembrar que os pecados mortais devem ser acusados todos, sob pena de não ser válida a absolvição.
Se o penitente se esquecer de algum pecado, a absolvição terá valor, mas ele está obrigado a acusá-lo mais tarde, na primeira confissão em que se lembrar do pecado. Tratando-se de pecados veniais, não é preciso acusá-los para que a confissão seja válida. Entretanto, é de suma conveniência que também eles sejam objeto da acusação, pois assim o arrependimento poderá ser mais perfeito, a alma se humilhará mais plenamente e as graças derramadas por Nosso Senhor serão mais abundantes.
No momento em que o penitente vai narrar ao sacerdote os seus pecados, o demônio usa frequentemente um ardil contra o qual é preciso nos precavermos com o maior cuidado. Sobretudo quando se trata de pecados graves, ou que tenham algo de especialmente vergonhoso, o demônio nos sugere a ideia de que o Padre não nos vai compreender, e por isso é melhor não acusarmos aquela falta. Lançando a perturbação no espírito do homem, satanás lhe fornece ainda algumas outras sugestões, que servirão de paliativo: “Mais tarde, quando estiver mais calmo, você se confessará“; ou “talvez aquilo nem tenha sido pecado“, ou ainda “se o Padre ficar muito zangado, as outras pessoas que estão na igreja poderão perceber alguma coisa“. Tudo isso não passa de invenções do demônio. Algumas são tão absurdas e ridículas, que nem se compreende como possam perturbar tanto a alma. A verdade, entretanto, é que tais absurdos tomam conta do espírito do penitente, parecem-lhe de uma evidência incontestável, e às vezes acabam impedindo-o de se confessar.
A satisfação ou penitência
Conforme nos ensina o Concílio de Trento, três elementos são essenciais para a validade do Sacramento da Penitência: a contrição, a confissão e a satisfação.
Pela satisfação, também chamada penitência, devemos reparar a ofensa praticada contra Deus. Assim, terminada a acusação dos pecados, o sacerdote nos dá alguns conselhos e nos impõe uma penitência, isto é, determina que pratiquemos certos atos de reparação, a fim de oferecer a Deus uma satisfação pela ofensa que contra Ele cometemos.
Além de reparar os pecados cometidos contra Deus, o homem deve reparar o mal que eventualmente tenha praticado contra o próximo. Assim, por exemplo, se o pecado foi de roubo, não basta que o confessor dê por penitência a recitação de algumas orações. É também preciso que imponha a restituição dos bens roubados. Essa reparação, que tem por objeto os prejuízos causados aos nossos semelhantes, inclui-se também na satisfação ou penitência.
Antigamente a Igreja aconselhava os confessores a impor penitências graves, pesadas, e às vezes públicas. O pecador deveria depois passar certo número de dias pedindo esmolas na porta da igreja, ou fazer uma longa peregrinação, ou ainda usar vestes de penitência. Mais tarde, com o passar dos tempos, a Igreja mitigou esses atos de reparação.
Como se justificavam aquelas penitências duras e públicas? Não eram contrárias à caridade? E não violavam o segredo confessional? Embora devamos reconhecer que a introdução dessas mitigações se fez por causas justas, modernamente apreciadas pela sabedoria da Igreja, entretanto devemos também considerar que as antigas penitências, duras e públicas, eram justas e saudáveis para a alma. Sobretudo a nós, que vivemos numa época em que se perdeu a noção do pecado e de sua gravidade, faz bem analisar aquele costume antigo, pois nas penitências de outrora conseguimos contemplar de modo muito vivo a malícia do pecado.
Com efeito, a ofensa a Deus é de uma gravidade infinita. Bem algum deste mundo poderia repará-la. Compreende-se, pois, que, em virtude de um pecado, um homem passe uma semana em vestes de penitência ou faça uma longa e dura peregrinação. Por outro lado, o pecado causa também males para o próximo. Mesmo nos casos em que não se infligiram prejuízos materiais, podem ter sido causados prejuízos espirituais: escândalo, mau exemplo etc. Para esses casos se aplicavam penitências públicas. É o que faz ainda hoje em dia a Santa Igreja, por exemplo, exigindo que faça uma abjuração pública quem pertenceu a seitas secretas, antes de receber o perdão sacramental.
Devemos, pois, ser exigentes para conosco mesmos, no tocante às penitências. Embora hoje elas sejam fáceis de cumprir, é, entretanto, recomendável que os fiéis façam, por iniciativa própria, penitências especiais para reparar seus pecados.
Cometida uma ofensa contra Deus, seguem-se duas consequências: a culpa e a pena. O homem se torna culpado diante de Deus, e a absolvição apaga essa culpa, restabelecendo a amizade rompida. Mas com o pecado o homem se torna também merecedor de uma pena, pois a todo crime deve seguir-se uma punição. A absolvição redime dessa pena?
Para bem compreendermos o que é a penitência, é necessário observar que essa pena se decompõe em duas: uma eterna e outra temporal. A pena eterna, de que nos tornamos merecedores pelo pecado mortal, e que é o inferno, a absolvição elimina. Mas depois da confissão continuamos merecedores da pena temporal, que são o purgatório na outra vida e os castigos que Deus já nos manda neste mundo. Para nos redimirmos dessas penas temporais, é preciso que façamos penitência. Se conhecêssemos os sofrimentos do purgatório, que não têm comparação com os deste mundo, com que ardor faríamos atos de reparação! É liberalismo e falta de fé ter em pouca estima a penitência.
Há dois tipos de penitência: a sacramental e a extra sacramental. A primeira é aquela que fazemos por imposição do sacerdote, depois da confissão. Costuma ser rápida e fácil. A segunda é muito mais séria, se a quisermos praticar com fervor: inclui todos os atos de mortificação que façamos, ao longo de nossa vida, para reparar nossos pecados. Por meio da penitência extra sacramental, poderemos não apenas obter a remissão de todas as penas de que nos tornamos merecedores, mas ainda conseguir de Deus graças para o nosso próximo. Como Nosso Senhor disse, há certos demônios que só se expulsam pela oração e pela penitência.
Devemos ter também em grande estima as indulgências concedidas pela Igreja. Por meio delas obtemos a remissão das penas temporais que, devido aos pecados, foram merecidas por nós ou por outros. É compreensível que encaremos as indulgências com descaso? Não é isso prova de tibieza e falta de fé?
Notre-Dame de Paris (escultura em seu exterior) – A misericórdia e a intransigência virginal de Nossa Senhora. Teófilo, o monge que entregou sua alma ao demônio