Conversa durante almoço no Eremo São Bento, 3 de agosto de 1987
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Dr. Adolpho Lindenberg (1924-2024), primo de Plinio Corrêa de Oliveira, costumava contar quanto lhe impressionava o dom que o Fundador da TFP brasileira possuía para a análise dos povos, mais até do que dos indivíduos. Com efeito, os seguidores deste canal já terão visto seus comentários não sómente do brasileiro em geral, mas dos cariocas, paulistas, nordestinos, gaúchos, mineiros; bem como sobre alemães, franceses e assim por diante. Faltavam, porém, seus comentários a respeito dos italianos. Durante almoço no Eremo de São Bento (a 3-8-1987), Dr. Plinio responde a perguntas que lhe foram feitas a tal propósito.
Quem desejar encontrar rápida e facilmente as análises feitas sobre algum tipo de brasileiro ou algum outro povo, basta procurar na LISTA COMPLETA dos áudios aqui postados, em ordem cronológica e com títulos orientados para uma tal pesquisa, clicando aqui.
Igualmente existe uma coletânea de conferências do Prof. Plinio a respeito da Renascença, colocada em uma seção ESPECIAL deste site.
Eu queria saber antes de tudo o seguinte: quais são aqui, entre os presentes, os que pelo menos até o grau avô, tem um sangue italiano de algum lado? Levantem o braço.
[Sala quase inteira – borburinhos].
Pelo explosão verbal que a pergunta gerou, a gente já vê que o sangue italiano está presente. Um cego que não visse as mãos se levantarem já perceberia até que ponto está presente.
Acontece que essas perguntas desse gênero, são perguntas muito sérias, em que nós não podemos absolutamente fazer uma gentileza, uma amabilidade etc., etc. e tal, tanto mais que se dá o seguinte: não é por interesse turístico, mas é porque as perguntas interessam, dizem muito respeito ao desempenho do oficio dele. E eu não posso portanto omitir algum lado da realidade, por gentileza, para que ele depois desenvolva seu trabalho com menos informações, ou menos dados do que o êxito do trabalho exige.
E nesta perspectiva eu entro na matéria.
Eu vou tomar os conceitos correntes que existem a respeito do italiano, e expor aos senhores. Os senhores me dirão até que ponto esses conceitos, no ver dos senhores, correspondem à realidade ou não. Depois nós conversamos a respeito do assunto.
Há uma coisa que ninguém nega: a nação é extremamente inteligente. Compreendendo-se inteligência em todos os sentidos da palavra inteligência. Quer dizer, em qualquer ramo onde eles se metam, desde os mais etéreos e mais altos: metafísica, poesia, literatura, arte, seja o que for; até os mais práticos: coisas técnicas etc., etc. – a nação produz gente muito competente, e que se destaca nisso eximiamente.
Então por exemplo, as indústrias italianas, para falar delas, são eximias, produzem coisas magnificas etc. Mas ao mesmo tempo que a nação revela esse desejo de perfeição que está no fundo de tudo isto, os senhores vem bem como esse desejo é importante, ao mesmo tempo que tem isto, os senhores perceberão que a preocupação do lucro nunca é indiferente. E que se fosse dizer que é um povo indiferente ao dinheiro, não se diria bem a realidade.
E por toda a parte onde se faça uma imigração italiana grande, o número de milhardários é enorme e com uma particularidade difícil de explicar. Se esses mesmos italianos, que vem da Itália para a Argentina, da Itália para o Brasil, para vários outros pontos da América do Sul, se esses mesmos italianos tivessem ficado lá, eles eram, quando vieram de lá, na sua maior parte, eram gente muito modesta, ao menos para o Brasil vieram muitos, muitíssimos em porão de navio. Se eles tivessem ficado na Itália, eles teriam vivido num ambiente correspondente a um porão de navio; chegam aqui em São Paulo, enfim qualquer lugar do Brasil, da Argentina etc. fazem uma fortunaça! Diretamente fortunaça.
E como é que se faz isto?
… ao auge e que a personalidade se mostra, a pluralidade de personalidade, de aspectos, de dons etc., é enorme; e começam a gastar, gastam em geral em coisas que têm sentido; Uns são protetores das artes, outros são benfeitores, são isto, são aquilo, mas com muito sentido; e mostrando uma variedade de almas que é diferente do que costuma ser com os grandes povos, em que tem um certo gênero, que é gênero do povo, e fora disso não fazem nada. Se quiserem, é um povo dotado, dois, três gêneros; não há gênero que não seja próprio ao italiano.
Faz parte desse gênero a politicagem. Os senhores veem aqui pela relação de políticos que há aqui no Brasil, os senhores pegam qualquer notícia, em uma coluna de jornal aparecem pelo menos dois ou três nomes de políticos italianos – quer dizer – brasileiros, com nome italiano que descendem de italianos, herdaram a forma italiana de fazer política.
Então são politiqueiros “accomplis”, de primeira ordem! E onde os nomes são verdadeiramente numerosos é no terreno das artes. E nas artes onde os nomes [italianos] são mais numerosos ainda é no teatro. E mais: não só são os grandes artistas teatrais, mas é o seguinte, vamos dizer por exemplo, num colégio, vai fazer o teatrinho clássico de fim de ano, da festa sem graça: percorram com os olhos a lista das crianças que vão representar: a bancada italiana é respeitável! O primeiro artista, a primeira artista etc., etc., italiano! Chega lá no palco eles podem representar qualquer papel. Podem representar do delegado como do bandido, podem representar o papel de clérigo, como pode representar o de carroceiro! As coisas mais opostas, eles representam inteiramente à vontade, com talento extraordinário.
E dizem – não afirmo e nem nego – eu apenas conto que é, como pelo plebiscito feito aqui parece que o número de italianos, ítalo-brasileiros, ítalo-argentinos, ítalo-hispanos, etc., – no total ítalo-norte-americanos também – o que tem de italiano na América do Norte… você deve saber disso, é uma coisa colossal.
Então, dizem que na vida individual, assim conversando, tratando etc., etc., também comediam perfeitamente bem! E que têm um talento para comédia, para representação, e para a política, um talento muito exímio. Eu nunca vi porque não tenho tratado…
(risos)
Mesmo quando esse sangue corre em veias hispânicas… Apesar do caráter muito pouco teatral do espanhol, o talento italiano sobrevive com todo o seu fogo.
De maneira tal que conservam a possibilidade de representar vários papeis ao mesmo tempo, de vários jeitos etc. etc. Não há problema, é assim.
Isto tudo quando eu estive na Itália, estive algumas vezes na Itália, e eu gosto muito, viajando, prestar atenção nos tipos nacionais. Naturalmente prestei muita atenção no tipo italiano também! E cheguei à conclusão de que isto que se diz a respeito dos italianos, representa realmente uma capacidade maravilhosa de metamorfose etc., etc.
Agora, nasce a pergunta: se há tanta possibilidade de tomarem papeis diferentes, há uma unidade por detrás desses papéis. E uma unidade tão vigorosa que se conserva igual a si mesma, por mais que os papeis sejam diversos.
Bem, eu estou supondo, que embora um pouco filosófico o que eu estou dizendo, esteja claro.
Por exemplo: um artista profissional, que representa papeis muito diferentes, esse artista manifesta muita riqueza de fundo; porque se ele tem “pano para manga” para tanta coisa diversa… mas então a pergunta: o que é que se deve achar do italiano? Essa pergunta dá no fundo o seguinte: por detrás dos papeis quem está? Quem é o homem que fica por detrás desses papeis? Se trata é de conhecer esse homem.
Assim, de aproximação em aproximação, nós chegamos à seguinte conclusão: ele, para ter tantos papeis diferentes, ele não é ele mesmo em nenhum papel. E por outro lado, há algo dele mesmo em todos os papeis.
Como é que se explica isto? Que é que há no fundo disso?
Eu tenho a impressão de que, apesar do otimismo, que é uma das notas características do modo de ser italiano – a “cantata”, e tudo mais, apesar de tudo isto – acontece que esse que está por detrás dos vários papeis é triste, com uma certa tristeza que pode dar até com certa facilidade, em depressão; e que se oculta, porque tem uma sensação curiosa de que se ele se mostrar, ele está desfalcado de alguma coisa. E que esta ausência dessa qualquer coisa que lhe falta é uma coisa que ele teve, mas que lhe foi tirado em determinado momento, e que por causa disso ele sente a necessidade de viver de papel em papel, para não mostrar aquilo que lhe falta.
E eu tenho a impressão de que onde isso se desvenda mais – não me queiram mal.. se quiserem eu posso fazer o seguinte: os que não quiserem ouvir…
Bem. Eu tenho a impressão que há um grau de intimidade que deve realizar-se sobretudo na família, no convívio familiar, em que desaparece esse representa-representa; e que aí a intimidade é muito menos pulcra do que tudo isto que se mostra, e facilmente se transforma numa intimidade prosaica, e conforme o caso até brutal. Com lances de afetividade, com lances de dedicação – pode acontecer -, mas no total, seja como for, um convívio em que as pessoas todas dizem para as pessoas todas o que pensam, e com uma brutalidade sem nome, porque cada um sabe que se não disser isto, o outro já sabe que é comédia, cada um conhece a comédia do outro. E todos se conhecem a todos. E, portanto, o único jeito que tem de conviver, é de dizer no duro.
Em que data isto deve ter-se dado?
Aqui nós passamos para as pequenas cidades que constituíam, com pequenas regiões, que constituíam estados independentes outrora, e que acabaram perdendo sua independência.
Já me aconteceu estar passeando de gôndola, em Veneza, à noite… aqueles palácios lindíssimos ao longo dos canais – eu sou um entusiasta debandado de Veneza, mas simplesmente debandado! Olhar aquilo tudo, em Veneza – hoje em dia pelo menos – em que todo o mundo tem que trabalhar no comércio, na indústria, levantar cedo, deitar cedo; a fantasia deixou de representar o papel na vida, e todo o mundo está ligado a uma máquina de escrever, ou uma máquina de computador, ou uma máquina de logaritmos, ou qualquer outra coisa; mas todo o mundo é acessório de uma máquina.
Veneza não tem mais a vida de outrora, mas eu devo imaginar Veneza do tempo em que aqueles palácios foram construídos e que vivia ali dentro daquelas casas a gente que as construiu, em que vivia com a mentalidade daquilo. A gente pode imaginar palácios inteiros iluminados, bem entendido não com luz elétrica que não existia, e refletindo suas luzes sobre as águas do canal. Dentro dos palácios se tocavam músicas, se cantava, se dançava; as gôndolas passavam revestidas de tecidos de luxo, que eram muito mais amplo do que e própria gôndola, e constituíam uma espécie de tapete ao lado, ia flutuando na água, estragava o tapete, mas que noite tinham passado!
Numa ponta da gôndola ia o gondoleiro, mas o gondoleiro era cantor. E cantava. Por outro lado, na outra ponta, ia um empregado da família, mas que era empregado para tocar música, e que ia em pé tocando música, acompanhado o gondoleiro que cantava.
Lanternas bonitas de vidros coloridos, multicoloridos, ligados à gôndola para iluminar o caminho, e eram músicas que atravessavam avenidas de música.
Aquilo era uma coisa autêntica, aquela era a mentalidade daqueles venezianos; e aí não tinha por detrás a tal personalidade desfalcada. Era gente que era como era, e que se mostrava como era.
Então a gente está vendo que aí existe uma – a fisionomia de Veneza – era verdadeira fisionomia do homem que habitava em Veneza. Mas o mesmo se poderia dizer de Mântua, de Pádua, de Turim, de Milão, de todas aquelas cidades importante, sobretudo do Norte de Itália, mas também Bolonha já perto de Roma, e também Nápoles e também Siracusa, já na Sicília etc. Eram todos mundos com almas próprias, com fisionomia próprias, etc.
O que é que provocou esse destacar da face, de maneira a ficar uma Itália não fácil, vivendo das máscaras do passado, mas que já não têm identidade?
Eu tenho razões para supor – não tenho provas, absolutamente nenhuma – eu tenho razão para supor que se trata de um castigo que começou a vir com o Humanismo e a Renascença. E que vem se acentuando ao longo dos séculos, até chegar o momento em que a Itália ficou tão vazia, que foi possível unificá-la.
Então pegaram um Garibaldi, pseudo casado aliás com uma brasileira, a tal Anita Garibaldi, que foi fassura dele durante muito tempo, parece que depois se casaram – pegaram o Garigaldi, e um Garibaldi qualquer acabou com aquelas pequenas monarquias, pequenas repúblicas da Itália que tinham durado séculos de civilização, de gloria, de características próprias etc., arrasou tudo e unificou. É uma determinada nota que se estabeleceu.
A essa nota acrescentou-se algo a mais, que é – daí nós chegamos daqui há pouco ao Vaticano – que é o seguinte: Com a Revolução industrial, por razões x, y, z, a parte industrial da Itália formou-se muito mais do Norte. De algum modo, sem exagerar as coisas, de algum modo a São Paulo da Itália é Milão, grande centro industrial, etc., o maior é Milão. E de certo ponto de vista é a verdade capital da Itália. E Milão com as suas redes, holywoodizando, modernizado e arrastando a Itália – que já não tinha a sua face, – arrastando a Itália a tomar a face oposta ao que ela teria tido, normalmente.
E aí começa a aparecer uma espécie de absorção do mundo dos negócios na Itália, que vai dominando cada vez mais, mecanizando cada vez mais a Itália etc., etc. Os italianos do norte sempre foram muito dados a negócios, e Milão e Florença – Florença talvez mais do que Milão – eram centros de grandes fortunas, colossais, em qualquer época. Mas era uma coisa muito diferente, dizer que havia uma grande fortuna em Florença no século XVI, ou no século XVII; e dizer que em Florença há uma grande fortuna no século XX. Mas enfim digamos.
Por quê? Porque naquele tempo antigo, ter uma grande fábrica num lugar, a fábrica levava a sua vida de fábrica, mas não marcava a cidade inteira. Enquanto hoje não, é tal a admiração que há pelo dinheiro e por essas cidades industriais etc., etc., que pondo uma grande fábrica numa cidade, ainda que tenha tudo o mais, isto vai marchando, e o ambiente industrial e comercial vai dominando a cidade. Uma coisa que acontece inevitavelmente.
E aí foi acontecendo com a Itália uma coisa que está acontecendo em todos os países civilizados. É uma coisa curiosa: quando começa esse surto industrial, em geral o país é muito mais pobre do que era com o surto industrial, então os monumentos antigos, as coisas antigas se mantêm mais ou menos, porque não há dinheiro para manter inteiramente como deve, as coisas custam caro – por exemplo manter um museu é uma coisa cara. E tudo vai mais ou menos indo água abaixo.
Quando se formam as grandes fortunas industriais, os industriais pagam para manter as antigüidades! Mas ao mesmo tempo eles criam uma atmosfera tão utilitária que o museu e os freqüentadores do museu, ficam uns estrangeiros dentro da cidade.
Eu não sei se estou me exprimindo com clareza?
É uma espécie assim de maníacos que estão fora do fluxo da vida, e que a gente guarda, tem apreço, conserva, porque não inofensivos, também porque são pessoas que fazem umas coisas bonitas, e porque se “máfia” [calúnia] uma cidade industrial, onde o belo e o antigo vai desapercebendo; então para evitar isto, eles pagam. E essas coisas antigas são muito bem conservadas, mas da alma do povo saiu completamente.
… porque a capacidade criativa é muito pequena, com meia cara não se faz nada! A gente pode fazer estudos sobre o que os antigos escreveram. Então pode sair por exemplo um estudo assim: “Do sentimento de cólera na 1ª fase da vida de Metastasio”!
Imediatamente vem um especialista e diz: “Não é um livro sério, não tomo isto a sério”. Por que? “De tal maneira é ampla a produção do Matastasio exatamente nessa época, que seria preciso 5 livros para tratar desse tema”. E se o sujeito escreve 5, o mesmo homem vai reclamar que são 10. Porque o que tem nos arquivos, documentos sobre isto, é fantástico. Mas se quiser escrava uma enciclopédia sobre 1 ano de vida do Metastasio; compram, colocam nas estantes, ninguém lê, a vida está longe daquilo.
Como há estatísticas para calçar qualquer espécie de mentira, vem sempre objetar: “O senhor está louco, o senhor compara o número de alunos que tem na universidade de Pizza, por exemplo, de Bolonha hoje, compara com o número do que tinha em mil setecentos e tanto, é muito menor naquele tempo; hoje nós conferimos grau a tantos homens té-té-té. É verdade. Mas isto é o lado numérico! Portanto é a sola de sapato da realidade!
Eu queria saber é o lado alma, como é que fica? A alma da Itália vai desaparecendo, como de todos os países contemporâneos. As almas muito mais encolhidas dos países hispanos e do Brasil, as almas do mundo inteiro, o fenômeno de alma vai desaparecendo. E vai-se evanescendo também o italiano com seu drama, com sua alegria, com seu otimismo, seu talento. E com sua tristeza e seu desfalque, no fundo.
O que é que é isto? No fundo uma falta de… num ponto religioso. E foi por onde, a meu ver, o Renascimento e Humanismo começaram: é uma fundamental falta de seriedade, que levou o povo italiano, a parte culta do povo italiano, a acreditar cada vez [menos] no sim-sim; não-não. Tudo é “talvez”, “depende do ponto de vista, depende do jeito de olhar, depende do modo de considerar”; mas tudo é talvez, talvez, talvez. Só o que não é talvez é “quatrini”. Dinheiro. E isto, dessorou a alma deles.
Não sei, meus ítalos brasileiros, ítalos argentinos, ítalo qualquer coisa que queiram; eu não sei o que é que me dizem disso?
(Pergunta: Até onde de fato esse relativismo mundial é um produto da Revolução Industrial? E até onde é produto da “heresia branca” e do espírito teatral? Porque a Itália tem colônias… e exerce uma ação de influência não só na Europa, mas em outros lugares. E esse espírito relativista é especialmente italiano. Até onde?).
Eu me terei expresso mal dizendo que é fruto da Revolução Industrial; a Revolução Industrial disseminou isto, mas de fato teria se disseminado menos rapidamente, menos completamente, mas mais profundamente, sem ela. Porque isto veio de um relativismo da Renascença. Aquele espírito todo da Renascença é infiltrado, intoxicado de relativismo. E daí veio todo o resto que o senhor conhece.
(Pergunta: A Renascença não teria raízes, o italiano não teria feito o sucesso que fez no mundo inteiro se não houvesse uma psicologia própria para assimilá-la. O que é que foi feito antes da Renascença, para o italiano ficar tão predisposto a aceitar o que foi feito?)
É um abuso da própria inteligência do povo. Como muito inteligentes, muito capaz de entender qualquer papel; e, portanto, muito capaz de representar. Muito capaz de ver, segundo os vários ângulos, que aspectos toma a realidade. Donde, conclusão: A realidade é uma coisa relativa, conforme um ângulo a gente adota. Não sei se está claro isto?
(Pergunta: O Senhor gostou muito do Campidoglio).
Muito, muito!
(Pergunta: Por quê? O Senhor vê naquilo algo da Renascença?)
Aquilo já é Renascença.
(Pergunta: Apesar de Renascença, por que atrai o senhor? Algo de positivo na Renascença?)
Precisamente isto! Eu não tive tempo de estudar, nem nos guias, a história da Praça do Campidoglio, eu cheguei lá e vi. Eu fui objeto de uma “brasileirada” aí. Eu fui passar uns dias em Roma e Dom Pedro Henrique tinha um amigo, que era diplomata brasileiro lá. Ele me disse: Olha, procure o fulano de tal, porque ele é muito meu amigo, eu gostaria que você o conhecesse, bá-bá-bá. E eu como cortesia telefonei: “Sr. fulano de tal, que quem fala aqui é Plínio Corrêa de Oliveira. – Ah, coisa de tal.”
Convidou-me para irmos visitar Roma, não sei o que. Me meti no automóvel dele, e andou passeando para me mostrar Roma. E conversamos sobre outros assuntos. Em certo momento, eu disse: Olhe meu caro, agora estou compressa, vamos abreviar um pouquinho as nossas visitas
– Ah, pois não, não tem dúvida.
Ele enveredou por uma ruelas quaisquer, que eu não sabia quais eram. Eu vi que ele percebeu que eu me deixava transportar, sem prestar nenhuma atenção qual era o caminho. Para isto existem os “ele”.
Em certo momento ele subiu uma ladeira, sem me consultar. Eu olhei para ele, de esguelha! “Como é que esse tipo vai a um lugar comigo sem me dizer o que é?” Mas não disse nada. Ele não disse nada também. Continuamos a conversar.
Quando cheguei em cima estava no Campidoglio! Eu não sabia que era o Campidoglio. E eu fiquei entusiasmado. Mas que maravilha! E aí o homem falou: “Como eu sabia que se eu lhe oferecesse de vir, o senhor não quereria, eu vim sem lhe dizer onde era, mas eu sabia que o senhor chegando encima teria gostado muito”. E tal qual!
Como o Campidoglio tem uma fama renascentista muito grande, eu queria ver. Eu se soubesse como era, eu subiria a pé se fosse preciso!
E levei gente para ver. Mais de uma vez depois, em outras viagens, eu fui ver o Campidoglio. Me parecia que no Campidoglio existe realmente influência renascentista, mas um quê da seriedade medieval, um quê da nota metafísica medieval, que me agradava desmedidamente. Me parecia que o ponto de gravidade – aquilo tinha um ponto de gravidade, o que mais me exaspera nas coisas da Renascença é bambininho, anjinho, com carro, não mais o que! Que é que é isto!?
A Praça do Campidoglio não, ela tem um centro, e o centro era Augusto – alguns dizem que Constantino – montado a cavalo, com uma atitude de domínio equestre, extraordinário! De um homem que sabe o que quer, e quer o quer! E se faz obedecer. Um homem de altos desígnios etc., etc. E ficou-me na ideia que o Campidoglio também seria uma algazarra, se não fosse aquele estátua de Augusto.
Mas é por isto que eu gostava: Eu achava que este pecado não estava presente.
… intelectuais meio marginalizados na Itália, poder-se-ia dizer também dos teólogos.
O mundo teologal, constante de gente muito inteligente, que estuda com elevação problemas altíssimos, e que faz circular num âmbito restrito, em que a alta cultura temporal nem toma conhecimento daquilo. E que vivem em Roma – viviam, hoje tudo está degradado – em torno do Papa, mais ou menos como todos os artistas viviam em torno da arte. Quer dizer, um centro, um foco onde se cultiva uma certa mentalidade. Mentalidade feita em parte de uma reação – a meu ver não muito bem calculada – contra o Humanismo e a Renascença; não é uma reação propriamente contra o Humanismo e a Renascença, mas uma reação contra o clero deformado pelo Humanismo e Renascença.
(…) mas não tem gosto nenhum pela arte, não tem gosto nenhum pela civilização, nem nada. Ele é ou um homem de escritório, ou um homem de biblioteca! Mas em geral, escritório feio, ou biblioteca feia. O belo saiu. E acabou sendo um businesman de uma certa especialidade, em que todo o pulchrum da Itália antiga desapareceu. E que nem vai ver essas coisas. Mas como artista, como homens que querem estudar Ambientes, Costumes e Civilizações, absolutamente! Nem eles têm noção disso! Essa Roma para eles desapareceu!
Não sei se está claro? Levou um almoço inteiro. Mas ao menos, muito por alto, o assunto foi tratado.
Agora, o que é que se poderia fazer nessa situação? Era, se nós tivéssemos uma equipe de estudos, para apresentar um mundo de dados concretos, que nos permitisse, aos italianos mais inteligentes, mais lúcidos e mais obscuros a explicar para eles o que houve, demonstrar, e criar um movimento de gente inconformada com isto, e capaz de denunciar esses fatos!
De maneira que eles começassem por se dar conta de que foi desfalcado algo da psique deles, e que essa alegria deles é uma alegria fictícia e que esconde um fundo de frustração muito grande etc., etc. Para isto nós precisaríamos ter dois ou três intelectuais inteligentes – não faltam; obscuros – não faltam; que amontoassem os dados necessários para se formarem jovens com essa mentalidade.
Voilá! O negócio está exposto! Mas foi um almoço que fez chorar o meu Fernando! Os senhores estão vendo bem, são 16:35! E é preciso ir embora, porque fugit irreparabile tempus!
(Aparte: Não só o Grupo é pequeno para o senhor, mas o mundo! Se o senhor pudesse dar orientação para todos os países, ainda teria pano para manga…).
O fato é que por exemplo – aqui uma coisa característica – o senhor está dizendo uma coisa com afeto filial…
(é verdade)
Bom, mas espere um pouco! Não proteste desde logo, porque levada a coisa até o fim, não proteste.
Com uma certa dose de exagero, pelo menos quanto ao mundo hipotético. Entretanto isto é um fruto da inteligência italiana, que pega as coisas muito bem, e as orna, entendendo que o homem não deve sair nu à rua, e que a verdade não deve sair nua de beleza; para ela ser ela mesma, precisa ter um certo pulchrum, uma certa fantasia, que não a desdoura, que lhe fica bem; é o traje da verdade, e portanto dizer com um certo charme, uma certa graça, alguma coisa que o senhor tem em conta de verdadeira…
Na realidade, para poder sustentar, por exemplo, que as coisas devem ser ditas assim, e não com uma quadratura, ban-ban-ban-ban, o senhor teria um trabalho medonho com muito intelectual italiano hoje em dia virou “quadrado” [espírito geométrico] – para chamar isto de intelectual…
Porque um sujeito que é um pouco mais elástico, compreende perfeitamente que isto é um… assim como existe o exagero didático, a gente vai explicar para um menino numa aula como é uma aranha; ele pega um quadro negro e desenha uma aranha enorme, para ficar cômodo – ele não está dizendo que a aranha tem aquele tamanho! – Mas um “quadrado” olha e diz: “A 1ª coisa é exagero! Desproporcionando! A aranha não têm esse tamanho!”
A gente tem vontade de dizer: Mas há orelhas de burro que têm esse tamanho…
Para a gente fazer face a gente dessa é preciso ter argumentos “quadrados”. E pegar, olha tem tal fato histórico, tal fato, veja assim, veja assado etc., etc. Compreenda isto!
Para isto nós temos que ter alguns que estudem.
(Aparte: Está cheio de gente aqui).
Notem bem hein, eu fiz uma apreciação da Itália, que no fundo é um elogio colossal! Um elogio colossal! Mas é um elogio condicionado; porque no mundo de hoje, elogio colossal não condicionado, é mentiroso. Nós caímos na Revolução! Estamos todos intoxicados de Revolução, temos defeitos tremendos. Eu descrevi da Itália, se eu fosse falar amanhã do Brasil, o que é que eu vou dizer? É evidente.
Bem. Agora vamos rezar, e descansar.
Ave Maria…