Para evitar a nicaraguização

Monitor Campista, Campos (RJ), 23 de julho de 1983

A mentalidade católica de nosso País vem sendo minada de modo paulatino e despercebido, por uma doutrina que, ela repudiaria se a visse em seu conjunto e em seus princípios últimos. É o socialismo.

Servido pela finura de instinto político próprio às grandes revoluções, o socialismo vem, de há muito, operando essa transformação nas almas, por processos subtis e eficientes.

Ele visa a conduzir assim o Brasil à aceitação de uma transformação social e econômica incruenta, mas autenticamente revolucionária, que é a “Reforma Agrária”.

A implantação desta criará um estado de tensão entre a mentalidade do País, que é católica à maneira tradicional autêntica, e a legislação que será inspirada por princípios opostos aos da civilização cristã. É bem verdade que a esquerda católica vem promovendo uma agitação de fundo doutrinário favorecendo a “Reforma Agrária”. Mas a ação dela, se bem que fraca, ainda continua superficial. Daí a perspectiva de uma crise religiosa, e sobretudo uma grave questão de consciência.

Cumpre que nosso povo reaja contra o perigo, não só rejeitando o socialismo explícito, mas também muitas opiniões que dão à mentalidade de bom número de brasileiros um cunho socialista, sem que eles o saibam.

Qual o conteúdo da ideologia socialista?

Importa responder sobretudo a essa pergunta para compreender o sentido profundo dessa transformação e os fins últimos a que ela conduz.

Trata-se de uma ideologia que se implantou gradualmente em alguns pequenos círculos “avançados”. Favorecida por uma profunda predisposição de nosso ambiente, ela se vem infiltrando paralelamente nos mais variados meios políticos, socais, técnicos e principalmente nos religiosos.

É o socialismo em marcha, nas múltiplas variantes: o socialismo ateu e radical, o socialismo laico e “moderado”, o socialismo autogestionário francês, e o socialismo dito “católico”. Com efeito, a mentalidade socialista e igualitária tem várias vezes tentado colorir-se de católica com terrível confusão de muitos espíritos.

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Ora, o socialismo é incompatível com a doutrina católica quer por sua concepção do universo e do homem, quer ainda por quaisquer das instituições que são pilares da civilização cristã, isto é, a família e a propriedade.

Pelo simples fato de ser infenso a uma e outra, o socialismo seria inconciliável com a doutrina católica ainda mesmo que não contivesse em seu âmago – como tem – uma concepção errônea do universo e do homem.

Os princípios fundamentais da propriedade privada, como os da família, derivam da própria natureza das coisas, e portanto de Deus, Autor da natureza.

Construir uma sociedade com menosprezo desses princípios é o mesmo que construir um edifício sem tomar em consideração as leis da Física.

Se tal é a incompatibilidade entre o socialismo e a Religião Católica, perguntará talvez algum leitor, como explicar que os Papas tenham falado muito contra o comunismo, e nada, ou quase nada, sobre o socialismo?

Engano. Os textos pontifícios contra este último são muito numerosos. Estes textos não deixam margem à dúvida quanto à oposição entre a doutrina socialista, vista em seus princípios filosóficos, sociais, econômicos etc., e a doutrina da Igreja. Eles constituem a condenação da doutrina socialista considerada em toda a sua extensão. Para corroborar os católicos na rejeição das escolas socialistas “moderadas”, “cristãs” ou “católicas”, a Encíclica “Quadragésimo Anno” foi de grande valia. Nela enuncia Pio XI, com toda a clareza, o problema decorrente da pluralidade de sentidos que depois de Leão XIII a palavra “socialismo” foi tomando.

“O socialismo, quer se considere como doutrina, quer como fato histórico, ou como ‘ação’, se é verdadeiro socialismo, (…) não pode conciliar-se com a doutrina católica, pois concebe a sociedade de modo completamente avesso à verdade cristã” (Enc. “Quadragésimo Anno”, 15-5-1931, págs. 43-44).

“Socialismo religioso, socialismo católico são termos contraditórios: ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista” (Idem, pág. 44).

A “Octagesima Adveniens” de Paulo VI não contradiz a doutrina de Pio XI.

Em toda a América Latina não correriam tão mal as coisas se tudo isso estivesse claro.

Hoje, visto o caso da Nicarágua, a emitir um juízo se sobre o “cristianismo sandinista” ou “sandinismo cristão” pode-se afirmar com segurança que constitui pelo menos uma possante corrente de fiéis “companheiros de viagem” do comunismo. Ou uma mal velada secção do comunismo internacional, especializada em confundir e iludir os meios religiosos, neles infiltrar-se e, por fim, os utilizar como estribo para alcançar o poder.

A revolução vitoriosa na Nicarágua se baseava em dois segmentos distintos: o político e o religioso. Como de costume, na América Latina esse segmento político se mostra radicalmente insuficiente para obter, por si só, a conquista do poder. Bem sucedido em ambiente de intelectuais e de burgueses “snobes”, não logra verdadeiro apoio nas massas inertes e despreocupadas. O segmento religioso é que traz esse apoio por força da tradicional e profunda influência da Igreja nos países de formação ibérica. O fator decisivo está, pois, no clero esquerdista.

Em suma, no caso típico do “sandinismo cristão” se vê uma profunda revolução teológica que deságua na revolução social.

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