O Legionário, nº 559, 25 de abril de 1943
No calendário litúrgico assinala a data de hoje a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, depois de encerrado por três dias no jazigo em que O havia sepultado a piedade de seus fiéis. Assim como consagramos em nosso último número várias considerações à Paixão e Morte do Redentor, queremos fazer no dia de hoje algumas reflexões acerca de alguns ensinamentos que a gloriosa Ressurreição de Nosso Senhor nos dá. E temos razão. A Ressurreição representa o triunfo eterno e definitivo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o desbarato completo dos Seus adversários, e o argumento máximo de nossa Fé. Disse S. Paulo que, se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria nossa Fé. É no fato sobrenatural da Ressurreição que se funda todo o edifício de nossas crenças. Meditemos, pois, sobre tão alto assunto.
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Cristo, Senhor Nosso, não foi ressuscitado: ressuscitou. Lázaro foi ressuscitado. Ele estava morto. Outrem que não ele, isto é Nosso Senhor, o chamou da morte à vida. Quanto ao Divino Redentor, ninguém O ressuscitou. Ele mesmo a Si próprio Se ressuscitou. Não precisou que ninguém O chamasse à vida. Retomou-a quando quis.
Tudo quanto se refere a Nosso Senhor tem sua aplicação analógica à Santa Igreja Católica. Vemos freqüentemente, na História da Igreja, que quando Ela parecia irremediavelmente perdida, e todos os sintomas de uma próxima catástrofe pareciam minar seu organismo, sobrevieram sempre fatos que A tem sustido viva contra toda a expectativa de seus adversários. Fato curioso: às vezes, não são os amigos da Santa Igreja que vêm em seu socorro: são seus próprios inimigos. Numa época delicadíssima para o Catolicismo, como foi a de Napoleão, não ocorreu o episódio mil e mil vezes curioso de se ter reunido um Conclave para eleição de Pio VII, sob a proteção das tropas russas, todas elas cismáticas e obedecendo a um soberano cismático? Na Rússia, a prática da Religião Católica era tolhida de mil maneiras. As tropas desse país asseguravam, entretanto, na Itália, a livre eleição de um soberano Pontífice, precisamente no momento em que a vacância da Sé de Pedro teria acarretado para a Santa Igreja prejuízos de que, humanamente falando, Ela talvez não se pudesse ter soerguido jamais.
Estes são meios maravilhosos de que a Providência lança mão para demonstrar que Ela tem o supremo governo de todas as coisas. Entretanto, não pensemos que a Igreja deveu sua salvação a Constantino, a Carlos Magno, a D. João d’Áustria, ou às tropas russas. Ainda mesmo quando Ela parece inteiramente abandonada, e ainda mesmo quando o concurso dos meios de vitória mais indispensáveis na ordem natural parece faltar-lhe, estejamos certos de que a Santa Igreja não morrerá. Como Nosso Senhor, Ela se soerguerá com suas próprias forças que são divinas. E quanto mais inexplicável for, humanamente falando, a aparente ressurreição da Igreja – aparente, acentuamos, porque a morte da Igreja nunca será real, ao contrário da de Nosso Senhor – tanto mais gloriosa será a vitória.
Nestes dias turvos e tristonhos de 1943, confiemos pois. Mas confiemos, não nesta ou naquela potência, não neste ou naquele homem, não nesta ou naquela corrente ideológica, para operar a reintegração de todas as coisas no Reino de Cristo, mas na Providência Divina que obrigará novamente os mares a se abrirem de par em par, moverá montanhas e fará estremecer a terra inteira. Se tal for necessário para o cumprimento da divina promessa: “as portas do inferno não prevalecerão contra Ela”.
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Esta certeza tranqüila no poder da Igreja, tranqüila de uma tranqüilidade toda feita de espírito sobrenatural, e não de qualquer indiferença ou indolência, podemos aprendê-la aos pés de Nossa Senhora. Só Ela conservou íntegra a Fé, quando todas as circunstâncias pareciam ter demonstrado o fracasso total de seu Divino Filho. Descido da Cruz o Corpo de Cristo, vertida pela mão dos algozes, não só a última gota de Sangue, mas ainda de água, verificada a morte, não só pelo testemunho dos legionários romanos, como pelo dos próprios fiéis que procederam ao sepultamento, aposta ao túmulo a pedra imensa que lhe devia servir de intransponível fecho, tudo parecia perdido. Mas Maria Santíssima creu e confiou. Sua Fé se conservou tão segura, tão serena, tão normal nestes dias de suprema desolação, como em qualquer outra ocasião de sua vida. Ela sabia que Ele haveria de ressuscitar. Nenhuma dúvida, nem ainda a mais leve, maculou seu espírito. É aos pés dEla, portanto, que haveremos de implorar e obter essa constância na Fé e no espírito de Fé, que deve ser a suprema ambição de nossa vida espiritual. Medianeira de todas as graças, exemplar de todas as virtudes, Nossa Senhora não nos recusará qualquer dom que neste sentido lhe peçamos.
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Muito se tem falado… e sorrido a respeito da relutância de S. Tomé em admitir a Ressurreição. Haverá talvez, nisto, certo exagero. Ou, ao menos, é certo que temos diante dos olhos exemplos de uma incredulidade incomparavelmente mais obstinada do que a do Apóstolo. Com efeito, S. Tomé disse que precisaria tocar com suas mãos a Nosso Senhor, para nEle crer. Mas, vendo-O, creu mesmo antes de Lhe tocar. Santo Agostinho vê na relutância inicial do Apóstolo uma disposição providencial. Diz o Santo Doutor de Hippona que o mundo inteiro ficou suspenso ao dedo de S. Tomé, e que sua grande meticulosidade nos motivos de crer serve de garantia a todas as almas timoratas, em todos os séculos, de que realmente a Ressurreição foi um fato objetivo, e não o produto de imaginações em ebulição. Seja como for, o fato é que São Tomé creu assim que viu. E quantos são, em nossos dias, os que vêem e não crêem?
Temos um exemplo desta obstinada incredulidade no que diz respeito aos milagres verificados em Lourdes, e também com Teresa Neumann em Ronersreuth, em Fátima. Trata-se de milagres evidentes. Em Lourdes, há um bureau de constatações médicas, em que só se registram as curas instantâneas de moléstias sem qualquer caráter nervoso e incapazes de ser curadas por um processo sugestivo; as provas exigidas como autenticidade da moléstia são, em primeiro lugar um exame médico do paciente, feito antes de sua imersão na Gruta, em segundo lugar, ainda antes dessa imersão, a apresentação dos documentos médicos referentes ao caso, das radiografias, análises de laboratório, etc.; a todo esse processo preliminar podem aparecer quaisquer médicos de passagem por Lourdes, ficando autorizados a exigir exame pessoal do doente, e das peças radiográficas ou de laboratório que traga consigo; finalmente, verificada a cura, deve esta ser observada pelo mesmo processo por que se verificou a doença, e só é considerada efetivamente miraculosa quando, durante muito tempo, o mal não reaparece. Aí estão os fatos. Sugestão? Para eliminar qualquer dúvida a este respeito, aponta-se o caso de curas verificadas em crianças sem uso da razão por sua tenríssima idade, e que, por isto, não podem ser sugestionadas. A tudo isto, o que se responde? Quem tem a nobreza de fazer como S. Tomé, e, diante da verdade segura, ajoelhar-se e proclamá-la sem rebuços?
Parece que Nosso Senhor multiplica os milagres à medida que cresce a impiedade. O caso de Teresa Neumann, Lourdes, Fátima, o que mais? Quanta gente sabe destes casos? E quem tem a coragem de proceder a um estudo sério, imparcial, seguro, antes de negar esses milagres?
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Causa admiração o modo pelo qual Nosso Senhor penetrou na sala inteiramente fechada, em que estavam os Apóstolos, e aí Se apresentou. Com esse milagre, Nosso Senhor demonstrou que, para Ele, não há barreiras intransponíveis.
Estamos em uma época em que muito se fala de “apostolado de infiltração”. O desejo de levar à toda a parte o apostolado sugeriu a muitos apóstolos leigos a crer de que é indispensável que ingressem em ambientes inconvenientes ou até francamente nocivos, para aí levar a irradiação de Nosso Senhor Jesus Cristo, e converter as almas. Toda a tradição católica é em sentido diverso: nenhum apóstolo, salvas situações excepcionalíssimas, e portanto raríssimas, tem o direito de entrar em ambientes em que sua alma pode sofrer detrimento. Mas, pergunta-se, quem então há de salvar aquelas almas que se encontram em ambientes onde nunca entra uma influência católica, onde jamais uma palavra, um exemplo, uma centelha de sobrenatural penetra? São condenados em vida? Já têm desde já o inferno por partilha?
Assim como não há paredes materiais que resistam a Nosso Senhor, que a todas transpõe sem as destruir, assim também não há barreiras que detenham a ação da graça. Onde não pode, por um dever da própria moral, penetrar o apóstolo militante, aí penetra, entretanto, por mil modos que só Deus sabe, a sua graça. É um sermão ouvido pelo rádio, é um bom livro que de modo inteiramente fortuito se pega em um bonde, é uma simples imagem que se entrevê em uma casa quando por ela se passa. De tudo isto, e de mil outros instrumentos, pode servir-se a graça de Deus. E, para que ela penetre em tais ambientes, mil vezes mais útil do que a imprudente penetração do apóstolo, são a oração, a mortificação, a vida interior. Elas aplacam as iras de Deus. Elas inclinam a balança para o lado da misericórdia. Elas, pois, penetram em ambientes que muitos reputam impenetráveis à ação de Deus. Aliás, a hagiografia católica nos dá disto mil exemplos. Não houve o caso de uma conversão ilustre, operada em um moço ímpio, tocado de bons sentimentos quando fazia o carnaval usando, por escárnio, o hábito de São Francisco? Foi a própria fantasia que o converteu. Até do escárnio da Religião pode servir-se a sabedoria de Deus para operar conversões. Mas estas conversões, é preciso obtê-las. E nós as obteremos sem qualquer risco para nossas almas, unindo nossa vida interior, nossas orações, nossos sacrifícios aos méritos infinitos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A meu ver, não há melhor nem mais eficaz apostolado de infiltração, do que o que realizam as religiosas contemplativas, fechadas pela sua Regra Monástica entre as quatro paredes de seu convento. Beneditinas, Carmelitas, Dominicanas, Visitandinas, Clarissas, Sacramentinas, eis as verdadeiras heroínas do apostolado de infiltração.