Preparação para a Consagração a Nossa Senhora: 1a. semana dedicada ao conhecimento de si mesmo e contrição pelos próprios pecados

Auditório Nossa Senhora Auxiliadora, Santo do Dia, 11 de março de 1992

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

 * Preparação pára a Consagração a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Grignion de Montfort

Nós devemos hoje passar novamente para a novena de São Luís Maria Grignion de Montfort.

Mas eu confesso aos senhores o seguinte, que eu não tive tempo de ler a preparação dessa primeira semana, que eu vou ler aqui e comentar aqui de improviso porque eu estive trabalhando até o último minuto na elaboração de um livro, que já está realmente nos seus últimos passos e eu estou querendo trabalhar nisso encarniçadamente porque tenho medo que circunstâncias desfavoráveis atrapalhem a publicação do livro.

Portanto, eu vou lendo e fazendo um comentário que, eventualmente, seja feito muito “em cima do joelho.”

Eu peço a São Luís Grignion de Montfort e a Nossa Senhora que em atenção ao motivo pelo qual isso sai assim impreparado, perdoem as faltas e que nós toquemos para a frente.

Então:

Tratado da Verdadeira devoção, números 228, 78-82:

Eu queria dizer uma coisa antes que é a seguinte: eu comecei a dar alguma coisa a respeito do esvaziar-se o homem de si mesmo e ficar com a alma livre para o amor de Deus etc., etc.

Mas o assunto tomou uma tal amplitude e a louvável apetência dos senhores pelo assunto também me convidou a dar ao assunto tal amplitude, que me pareceu melhor suspender o assunto, enquanto corresse a novena. E depois terminado isso eu fico devendo aos senhores dois assuntos: um dos quais, talvez os senhores já não se lembrem mais, mas era a noção de tecido social, e o que é que é, e o que é que não é, como é que se compõe etc., etc.; e outro é a noção do esvaziamento do mundo. São dois assuntos distintos que poderemos dar depois com toda a calma.

* Pedir o conhecimento de si mesmo e a contrição pelos pecados

Hoje então nós vamos passar estes textos de São Luís Grignion.

Durante a primeira semana, aplicarão todas as suas orações e atos de piedade para pedir o conhecimento de si mesmo e a contrição por seus pecados”.

Aqui cabe já um primeiro ponto que é notável no livro de São Luís Grignion, se encontra em todos os livros de piedade, quanto mais é certo que se encontraria neste excelente livro de piedade.

Mas eu tenho notado com muita freqüência em livros de piedade mais recentes uma lacuna a esse respeito. Os livros de piedade bem recentes não falam mais do conhecimento de si mesmo, e nem mais há propriamente livro de piedade. Há livro de oração litúrgica, que são livros de piedade excelentes, mas não é o único gênero, mas não há tratado sobre piedade para o povo, eu não conheço pelo menos. Se houver, faz parte dessa literatura de borra e ninharia que é da esquerda católica, eu nem analiso.

Mas nos livros anteriores à atual crise da Igreja já vinha isso: quando se tratava do conhecimento de si mesmo, da pessoa se conhecer a si próprio, vinham logo as análises psicológicas, emprego dos métodos psicológicos para a pessoa chegar ao conhecimento de si mesmo. O mais importante não é isso, o mais importante para o conhecimento de si mesmo é aqui por onde começa São Luís Grignion, quer dizer, pela oração para pedir, por meio de Nossa Senhora, luzes para se conhecer a si próprio.

* É preciso ter bastante honestidade intelectual e penetração psicológica para que a pessoa de fato se veja como é

Porque é difícil, é árduo uma pessoa conhecer-se a si mesmo. A pessoa tem sempre tendências a ver com uma indulgência cúmplice os seus defeitos, e ver com vidro de aumento as suas qualidades. E é preciso ter bastante honestidade intelectual, e bastante penetração psicológica para que a pessoa de fato se veja como ela é. Ora, ninguém pode operar em si um processo de santificação sem se ver claramente.

Os senhores imaginem – eu usei a palavra operar – uma sala de operação no escuro…

Bem, os senhores imaginem uma sala de operações no escuro, pode alguém operar a outrem no escuro? É inteiramente impossível!

Se eu sou cirurgião e paciente das operações que eu vou fazer em mim mesmo para ganhar a perfeição, ou eu tenho a clareza da graça para me ver como eu sou acompanhado com a contrição, arrependimento, tristeza, tristeza pelo amor de Deus, ou quando mais não seja, pelo temor do inferno – atrição portanto –, ou eu tenho uma luz a esse respeito ou eu não vejo nada! E o emprego de todos os processos psicológicos que são legítimos – muitos são legítimos, tem todo o seu cabimento – o emprego desse processo não adianta nada, é preciso começar por rezar pedindo a Nossa Senhora com empenho que Ela nos conceda essa graça.

Portanto, eu recomendo aos senhores que, por exemplo, daqui até o fim dessas exposições preparatórias da Consagração, os senhores peçam todo dia à Nossa Senhora esta graça: conhecer-se a si mesmo. Há um modo tão simples de pedir.

* Deus apraz em receber nossos pedidos. Exemplo do cego que se apresenta e pede a Nosso Senhor: Domine, ut videam

Houve um cego que se apresentou a Nosso Senhor. Nosso Senhor perguntou a ele o que é que ele queria? Nosso Senhor perguntou para ouvir dele o pedido que ele queria fazer, porque a Deus apraz receber o pedido, o cego se apresentou sem pedir nada, achando que Nosso Senhor, vendo que ele era cego, compreendia o que é que ele estava querendo.

Nosso Senhor induziu a pergunta: “O que queres?” É uma coisa evidente o que ele estava querendo, ele disse: Ut videam Domine! Senhor, para que eu veja. Nosso Senhor atendendo a esta oração, na hora restitui-lhe a vista.

Assim, os senhores poderiam simplesmente rezar, por exemplo, dez vezes essa jaculatória todos os dias na hora da comunhão. Quando Nosso Senhor está realmente presente nos senhores, os senhores têm uma ocasião incomparável de pedir a Ele isso. Pois, as visitas dEle são a ocasião ideal para pedir alguma coisa a Ele; Ele vem a nós, Ele nos visita realmente com o intuito de nos dar o que nós queremos, mas Ele quer que nós digamos o que queremos.

Então, por exemplo: “Senhor, que eu me veja.” bastaria uma coisa dessas, e dito em português, “Que eu me veja, Senhor, eu vos suplico!” Pronto!

Rezem dez vezes isso, por exemplo, logo no começo da comunhão ou no fim, como quiserem. E agiriam muito bem os que todos os dias, indefinidamente, durante a vida inteira, pedissem isso na comunhão, porque mesmo que depois desses exercícios, muito bem acompanhados por cada um, se chegasse a se ver, a facilidade de deixar-se ver depois é enorme! Porque o homem foge da consideração exata dos seus defeitos, e portanto, tende facilmente a pensar em outras coisas, a se esquecer, a se ver com outro aspecto. Então, ut videam Domine, ut videam Domina, nós devemos pedir por meio de Nossa Senhora que é o canal de todas as graças, a Medianeira necessária; podemos pedir durante a comunhão, quer dizer: “Minha Mãe, Vosso Divino Filho está em mim nesse momento, uni Vossas preces às minhas para que eu obtenha dEle que eu me veja.” Isto é uma coisa de uma utilidade enorme!

O resultado é o seguinte também, ninguém na hora da morte venha dizer: “Eu não me vi bem, eu não me conhecia bem.”

Porque a pergunta é essa: “Você pediu para ver? Você pediu para conhecer? Não lhe faltaram conselhos, por exemplo, aqui nós todos estamos recebendo esse conselho.”

É ou não é evidente que o homem tem vontade de não ver os seus defeitos? Entra pelos olhos!

Está bem, se ele tem vontade de não ver os seus defeitos, ele deve desconfiar de si e lutar, a começar por este defeito, o defeito de não ver os seus defeitos. E então, pedir, por exemplo, como acabo de dizer, diariamente na comunhão e pedir também quando vê alguma imagem de Nossa Senhora ou de Nosso Senhor que o incita mais à devoção. Por exemplo, quando passa aqui diante dessa imagem de Nossa Senhora das Graças na entrada, aqui diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima etc.

Ut videam Mater, para que eu me veja minha Mãe, e depois vamos tocando para a frente.

Bem, então, isto é uma coisa muito importante e eu gostaria que os senhores não se esquecessem disso.

* Meditar sobre o nosso fundo de maldade e considerar-se, como uma lesma, um sapo, um porco, uma serpente, um bode

Tudo farão em espírito de humildade. Para isso poderão, se quiserem, meditar sobre o que ficou dito sobre o nosso fundo de maldade, e considerar-se, nos seis dias desta semana, como uma lesma, um sapo, um porco, uma serpente, um bode…”

Isso aí não é uma descompostura: sapo, serpente, bode! São animais que foram escolhidos por São Luís porque simbolizam adequadamente defeitos do homem. Então, o sapo, o sapo pelo menos na nossa linguagem, nós sabemos bem o que é que é um sapo, não é?

* No que o homem pode parecer-se a um sapo

Quer dizer, é um homem que está afeito aos gozos da vida e que dá tudo por esse gozo da vida. Não tem doutrina, não tem elevação de alma nenhuma porque ele só quer aquele tipo de gozo de vida que o sapo tem. Mas, notem bem, para ser sapo não é preciso ser rico, o indivíduo que tem uma vontade enorme de ser rico para poder ser sapo, este já é sapo! Portanto, pode haver sapo mendigo!

Não sei se está claro isso?

E, portanto, nós que na nossa grande maioria não somos ricos, nem por isso devemos nos considerar isentos da obrigação de nos perguntarmos que importância nós damos às riquezas, quanto nós pensamos nelas, que desejo que temos de ser ricos etc., etc.

E nós veremos, para nos reportarmos um pouco à semana anterior – semana! – aquela exposição que eu fiz anteriormente sobre isso, nós veremos o seguinte, que no fundo, no fundo, a pergunta que cada um faz é essa:

No mundo hoje que importância tem o rico? Eu quero ser importante conforme o mundo ache importante. Se o mundo acha importante ser rico, eu quero ser importante para ser importante segundo o mundo.”

Mas se o indivíduo pertence a um ambiente que não dá muita importância à riqueza, mas dá importância, por exemplo, à arte ou dá importância à cultura geral ou qualquer outra coisa, então, quer ter aquilo para ser importante no meio ao qual ele pertence.

Mas este de qualquer maneira é o que quer viver importante e cotado no mundo onde ele vive, este é o sapo.

* O porco evidentemente fala de impureza. Quem é que tem a certeza de que pratica a pureza completamente?

Depois, um porco. O porco evidentemente fala de impureza.

Quem é que tem a certeza de que pratica a pureza completamente? A pureza tem as suas formas típicas de pecado que todo o mundo conhece, mas muitas e muitas vezes há pendores, há simpatias, há preferências etc., que a pessoa não percebe que são diretamente ocasionadas por uma inclinação impura que fica no fundo da alma, mas a pessoa de fato tem uma inclinação.

O não ter percebido essa inclinação e não ter pedido a Deus por meio de Nossa Senhora a graça de não ceder a essa inclinação, esse anda mal.

Então, vamos dizer, por exemplo, que o sujeito é professor num Conservatório Dramático Musical, que ensina música, tem muitas alunas habitualmente esse curso. Ele vai presidir a um concurso para ver qual é a premiada para o toque do violino ou qualquer outra coisa assim. Há uma aluna que ele considera que tocou muito melhor que os outros e que por causa disso terá ocasião de disputar uma final com uma outra pessoa mais uma vez.

Ele, por ter por aquela aluna uma preferência discreta, mas cuja natureza a gente está vendo qual é, ele quer dar a ela um prêmio, que ela não merece, para ter a ocasião de ouvi-la mais uma vez.

Não sei se está claro isso?

Quantas e quantas pessoas cedem a movimentos de alma dessa natureza? E quanto isto pode ser perigoso porque, de repente, explode uma tentação contra pureza a respeito de outra pessoa; a gente diz: “Mas, como apareceu essa tentação de repente?!”

Foi acumulada a pólvora na alma dele a respeito daquele caso em que ele não percebia, não percebia por que não se analisou como devia.

* Serpente é símbolo da traição, da cilada, da deslealdade. Quantas e quantas vezes o homem tende a ser traidor, a armar ciladas, para com outro

Serpente. Serpente é o símbolo da traição, da cilada, da deslealdade etc. Quantas e quantas vezes o homem tende a ser traidor, a armar ciladas etc., para com outro. Às vezes com outros que lhe são próximos, às vezes até entre irmãos.

Qual é a razão disto? Muito freqüentemente é a inveja. O indivíduo se compara com outro, vê que o outro tem mais realce, e ele acha – por exemplo, entre irmãos – que ele deveria ter mais realce. Ele quer ter por que quer, ainda que ache que não merece, ele quer ter. Ele arranja um jeito de desmerecer o irmão a respeito de outra coisa, num comentário contando alguma coisa de família íntima que fica mal para aquele irmão, até exagerando; às vezes caluniando declaradamente, atribuindo a seu irmão um fato que ele não fez, pedindo reserva “não conte a ninguém” porque ele ficaria muito triste se soubesse que outros sabem, mas ele tem tal defeito assim; mas ele não tem. O homem é uma serpente!

Mas ele é uma serpente por quê? Porque tem inveja, ele permitiu que o ódio da inveja se instalasse na alma dele, a partir desse momento ele vira serpente.

Agora, que cuidado nós tomamos para não termos inveja de ninguém?

Será que nós temos bem em mente o princípio de que ninguém se deve comparar com ninguém? Nenhum de nós, nenhum dos senhores, deve comparar-se com ninguém para saber se tem mais qualidade do que outrem, ou se outro tem mais qualidade que a gente. Simplesmente tratar isto como se fosse um pensamento contra a pureza, não se dá atenção a isto, acabou-se!

Porque a partir do momento que começa a comparação – é fatal! -, começa a torcida. A partir do momento que começa a torcida, começa o desejo de diminuir aquele para sobressair em relação a ele, e aqui a inveja está instalada na alma com todas as felonias, com todas as infâmias que ela suscita continuamente nas almas.

Essa inveja não existe apenas de indivíduo a indivíduo, pode existir de família a família; pode existir de povo a povo; ou de dentro de um país, de região a região, podem instalar-se invejas assim. Tudo isto é ruim, é péssimo! Não se deve ser assim, não se deve fazer assim, a gente nunca deve estar pensando nas suas próprias qualidades, ainda que seja sem comparação não se deve pensar nas próprias qualidades.

* Uma tentação que pode dar-se, por exemplo, com alguém que vai pedir donativos

Se há, por exemplo, algum dos senhores que vai pedir contribuição para a TFP. Entra numa casa, senta-se, diz o que é, o dono da casa diz: “Olha, que coletor de donativos simpático é você! como eu gostaria que todos fossem assim! Senta aqui um pouquinho, me conta tal coisa etc., etc.” No fim dá um grosso donativo.

A pessoa sai da casa comentando: “Veja só como esse homem é bom psicólogo, hein! Ele percebeu em mim qualidades que não percebem em mim aqueles com quem eu convivo. Porque ele percebeu que eu sou simpático, ele me deu tal donativo. Esse é verdadeiramente meu amigo!”

E fica então pensando: “Mas, então ele me disse: `Logo que você entrou na sala, o seu modo de pisar e de andar já me deu simpatia.’ Ah, eu não sabia que tivesse um modo de pisar e de andar simpático. Agora eu vou calcar o meu pé no chão ou então vou andar de pé leve ou qualquer coisa, porque assim eu fico sabendo que eu sou mais simpático.”

Bem, é para obter mais donativo? Pode ser que seja mas como concorre para isso outra coisa: é a vontade de… “Ah, então eu sou simpático assim, por toda a parte onde eu for, eu vou bancar o simpático.”

Aparece nisso um apego doido a esse dom que Deus lhe terá dado – que às vezes é uma bagatela, é o modo de pisar no chão – e logo o seguinte:

“O outro não é! Olha o outro com que pé de pato pisa, como é que é pesadão, como é que não sei o quê? Eu não sou esse, eu sou uma gazela, eu deslizo sobre os tapetes. Que coisa bonita! Eu não sabia!”

* Um exame de consciência bem feito deve incluir não só os atos que praticamos que são pecaminosos, mas as tendências que levam nossas almas a praticar esses atos

Um exame de consciência bem feito deve incluir não só os atos que nós praticamos que são pecaminosos, mas as tendências que levam as nossas almas a praticar esses atos. Porque é preciso cortar a raiz do que é mal para não acontecer o mal. E, portanto, nessas condições a pessoa deve evitar de estar pensando nas suas qualidades sob pena de tomar um apego louco pelas qualidades.

Pense nos defeitos e não pense nas qualidades; quando chegar a hora dos defeitos, conforme o caso se compare com os outros, quando sentir que é pior do que os outros. Aí a comparação é boa: “Como os outros são bons e como eu sou indigno de estar no meio deles. Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Ideo precor, etc.”

Está bem, mas fora disso, nada! É matéria em que um homem sério não pensa, e se ele pretende obter as bênçãos de Nossa Senhora em abundância e todas as graças e favores que Ela quer nos dar, tire isto de dentro da alma!

Os senhores me dirão: “Mas, Dr. Plinio, o Sr. está dizendo coisas que eu já sabia.”

Eu digo: meu caro, eu fico triste em saber isso, porque se você sabia essas coisas e não é senão o que você é, é porque você tira muito pouco proveito delas!

Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio esse modo de me tratar não é paterno.” Eu digo: É ultra paterno. O profeta Isaías diz, “o pai que poupa a vara a seu filho, odeia seu filho.”

A vara que toca o corpo não é nada em comparação com as vergastadas que eu estou dando, desde que o indivíduo queira de fato pôr-se no caso e entre seriamente no problema, fora disso evidentemente não…

* “Pensa no que foste: um pouco de lodo; no que es: vaso de escórias; no que serás: pasto de vermes”

… ou, então, estas palavras de São Bernardo: “Pensa no que foste: um pouco de lodo; no que es: vaso de escórias; no que serás: pasto de vermes” (“Cogita quid fueris, semem putridum; quis sis, vas stercorum; quid futurus sis, esca verminum” – São Bernardo, inter opera: Meditação sobre o conhecimento da condição humana.).

O que é que nós somos? Antes de sermos criados nós fomos um pouco de lodo. O que é que eu sou? “Vaso de escória”, quer dizer um receptáculo de escórias, de detritos, de sujeiras que possa haver no homem. O que vou ser? Vou ser comida dos vermes…

Um momento determinado meu corpo será levado para a sepultura e pouco depois de eu estar na sepultura, de todos se despedirem de mim etc., chorando ou não chorando, o que vai acontecer é que os vermes começam o trabalho deles, e vão me comer!

De maneira que eu não posso me esquecer de ter visto uma vez no padre Antônio Vieira, uma frase: “Eu vi com estes olhos que a terra há de comer.” Como que dizendo, eu vi de verdade, não é? Com esses olhos que a terra há de comer.

Eu, no começo eu não entendi bem como é que é a história em que a terra – eu era meninote – vai comer? Mas quando eu caí em mim e verifiquei que a terra vai comer esses olhos, eu fiquei estarrecido. Pensar, eu deitado na sepultura, um verme que entra por aqui, passa por detrás do nariz sai aqui, entra dentro da orelha, no corpo os vermes já estão indo longe, há uma destruição colossal. Isto é o que vai me tocar a mim! É o que eu vou ser!

Ah! então a gente compreende e fica humilde, isso dá humildade. Se eu sou só isso?

“Pedirão a Nosso Senhor e a seu Espírito Santo que os esclareça, dizendo: “Senhor, que eu veja” (“Domine, ut videam” Lc 18, 41.); ou “Que eu me conheça” (“Noverim me” – Santo Agostinho.); ou “Veni Sancte Spiritus“…

Pode ser também Emitte Spíritum túum et creabuntur… et renovabis faciem terrae, para que o Divino Espírito Santo venha sobre mim, para que seja restaurada em mim a minha inocência e a face da minha alma vai ser renovada.

* Conhecer se a si mesmo com humildade é fundamento das outras graças

“Recorrerão à Santíssima Virgem e lhe pedirão esta grande graça que deve ser o fundamento das outras”.

Então o conhecer-se a si mesmo com humildade é fundamento das outras graças.

Com seria bom se, por exemplo, nós fizéssemos um dia o seguinte – não creio que haja tempo para fazer – essa conversa fosse feita numa tarde de sábado e depois de uns quinze ou vinte minutos de recolhimento, os senhores teriam um papel no qual escreveriam os seus próprios defeitos e… mas depois de terem pensado, já estão sabendo desde já que em tal data vai acontecer isso. E, por exemplo, no dia de Nossa Senhora, dia 25 de março, isto tudo na hora, é deitado por cada interessado dentro de uma urna, dentro de uma coisa qualquer, de maneira que não tem perigo de ninguém ver, e é queimado ao pés de uma imagem de Nossa Senhora como um oferecimento a Ela desse esforço que nós fizemos para nos conhecer a nós mesmos e o pedido que Ela nos faça ver bem o que é que somos etc., etc.

Como seria um odor de agradável incenso para Nossa Senhora o ver esse reconhecimento de si mesmo que se eleva ao céu.

Agora, São Luís Grignion parece que toma as objeções que possam fazer contra aquilo que ele escreveu e rebate.

Diz o seguinte:

* Nossas melhores ações são ordinariamente manchadas e corrompidas pelo fundo de maldade que há em nós

Nossas melhores ações são ordinariamente manchadas e corrompidas pelo fundo de maldade que há em nós. Quando se despeja água limpa e clara em uma vasilha suja, que cheira mal, ou quando se põe vinho em uma pipa cujo interior está azedado por outro vinho que aí antes se depositara, a água límpida e o vinho bom adquirem facilmente o mau cheiro e o azedume dos recipientes. Do mesmo modo, quando Deus põe no vaso de nossa alma, corrompido pelo pecado original e pelo pecado atual, suas graças e orvalhos celestiais ou o vinho delicioso de seu amor, estes dons divinos ficam ordinariamente estragados ou manchados pelo mau germe e mau fundo que o pecado deixou em nós; nossas ações, até as mais sublimes virtudes, disto se ressentem”.

Ele diz o seguinte:

Os senhores podem imaginar uma coisa que todos nós temos que reconhecer como sublime, é o voto que os cruzados faziam, os Templários, os cavaleiros da Ordem do Templo, fundado por São Bernardo. Ordem de Cavalaria para combater as invasões dos maometanos, eles faziam o seguinte voto – sob pena de pecado mortal – nunca recuar, avançar sempre!

Passasse as coisas como se passassem, avançar, avançar, avançar!

O resultado é o seguinte é que um homem que está posto nessa situação, se ele involuntariamente, por irreflexão ou cedendo ao medo ele deixar de avançar, não é só não recuar, mas ele deixar de avançar por culpa própria, ele imediatamente cai em pecado mortal! Porque ele violou conscientemente seu voto.

Agora, os senhores imaginem a situação, ele olha em torno de si e não tem nenhum padre para dar a absolvição, ele não pode gritar no meio da batalha: “Padre! Absolvição porque eu recuei!”

Nem o padre ouve isso no meio do alarido todo. Ele continua a avançar porque se ele recuar, ele mais uma vez peca de novo, se ele avançar ele morre em estado de pecado.

Os senhores vejam a situação terrível. É verdade que há quem sustente que ele morre em estado de mártir e que o martírio apaga os pecados, mas há circunstâncias em que isto não é assim.

Ele avança porque a cavalaria vem de trás e empurra ele para a frente, e ele de si está tomado com um tal pânico que ele está olhando de lado para ver se encontra um jeito para fugir. E em que embaraço, em que embrulho, um homem pode se encontrar.

Quer dizer, os senhores vejam o que é o fundo do homem que entrou para Templário para defender o Santo Sepulcro, para salvar a sua alma, faz um voto sublime, mas tem um fundo de medo dentro de sua alma que ele não quis reconhecer porque se sentiria envergonhado, se sentiria humilhado. E por causa disso ele na hora “H”, ele não cumpre o voto, ele pode estar numa situação verdadeiramente desesperadora.

O voto é uma coisa muito bonita, é o fruto de uma graça que ele recebeu, mas é como o vinho de ótima qualidade que é despejado num vaso que cheira mal, que até há pouco tinha nesse vaso vinho azedo, qualquer outra, água suja. Liquida o vinho.

Quanta coisa há assim em nós que mancham as qualidades que nós temos. E quanto é necessário, portanto, estarmos nos examinando sempre, nas nossas propensões mais profundas, no que dá, no que não dá.

Quem não faz uma coisa dessas, expõe sua própria alma à salvação.

E isso, meus caros, pode-se dar com a TFP. Quer dizer, nós temos uma atitude sublime diante da Revolução, nós desafiamos o mundo, pela graça de Nossa Senhora – não é dizer como pouca gente desafia, não, é como muito pouca gente desafia, como quase ninguém desafia – esse é o desafio que nós fazemos ao mundo. Mas se no meio disso entram umas vontades meio conscientes, meio subconscientes de aderir ao estado de espírito do mundo, ou seja, de ter tal ou qual conivência com o espírito da Revolução, se isto acontece assim, a nossa boa disposição fica manchada pela nossa má disposição em relação ao mundo. Resultado: o que íamos fazer, vai água abaixo.

São Luís volta, portanto, à análise implacável de si próprio e eu sei que a palavra implacável soa mal para os ouvidos do homem que deve ser implacável consigo. Mas para quem ama o sacrifício e para quem ama a cruz, não há som mais bonito do que a palavra implacável. A implacabilidade contra si mesmo é a honestidade em relação a Deus, é a honestidade em relação a Nossa Senhora.

* O auge da caridade

Alguém dirá: “Bom, mas não haveria um jeito de fazer isso com caridade?”

Mas, é o auge da caridade ser implacável comigo!

Imagine que um indivíduo tem um começo de lepra, e ele vai e cuida daquilo logo etc., se for preciso corta. Está bom, ele foi implacável consigo? Ele foi implacável com sua lepra, é o auge da caridade consigo mesmo.

E assim nós devemos ser com as nossas lepras porque todo o homem tem coisas dessas em si mesmo, pelo menos por efeito do pecado original.

Nossa Senhora foi concebida sem pecado original. Aí, está acima de todo julgamento, todo juízo, toda qualificação.

Não há no nosso vocabulário o que qualifique suficientemente as qualidades de Nossa Senhora. Mas, tirando Nossa Senhora, tirando São João Batista, que parece que… é certo que não foi concebido sem pecado original, mas foi limpo do pecado original no primeiro instante do seu ser, e assim eu presumo que tenha sido com São José, com um ou outro, [com] raríssimos santos.

* O pecado original atua tão profundamente no homem que o agarra e injeta alguma coisa da sua própria malícia – O polvo é um dos bichos que mais simboliza o pecado

Bem, tirando isto, o pecado original atua tão profundamente no homem, que pelo mais fundo o agarra, e injeta, como um polvo injeta alguma coisa da sua própria malícia naquele homem. E ele tem que ter uma batalha para vencer isto.

Deus faz na criação, nos animais, nos homens e tudo o mais, símbolos sublimes, por exemplo, o polvo.

O polvo tem aqueles tentáculos todos, é um dos bichos que a meu ver mais simboliza o pecado; com aquele olhão enorme, aquela cabeça disforme enorme, praticamente só tem cabeça, e aquele mundo de tentáculos com ventosas que se movem para laçar o adversário que apareça e não só laçar pela força do tentáculo, mas também pela sucção daquelas ventosas. De maneira que o homem fica agarrado de todo jeito, é a imagem do pecado!

Mas quando o polvo percebe que alguém está resistindo a ele com força e que ele está meio atrapalhado, ele tem uma tinta que ele solta no mar, e essa tinha produz uma obscuridão no fundo do mar já tão obscuro, essa tinta produz obscuridão, e o adversário não vê nada.

O polvo como tem uma porção de tentáculos, começa a jogar aqueles tentáculos na escuridão, à certa hora ele sente que pegou e o homem está arranjado. Como é que o homem vai fazer? Ele que só tem dois braços e que braço pequeno em relação àqueles tentáculos macarrônicos do polvo, enormes; que solução?

Bem, assim é o pecado, o pecado quando percebe… o demônio percebe que o homem está se libertando de um pecado, ele solta a tinta por cima do homem, quer dizer, cria uma situação em que o homem não se veja claramente, que é para ele ganhar a batalha.

E assim é que é preciso lutar de fato, com essa perseverança, compreendendo que mesmo na obscuridão se o homem disser: “Minha Mãe, fazei passar o líquido maldito desse polvo para longe, e eu agora vou pegar um punhal que eu tenho e vou cravar nele!” Esse combateu como um verdadeiro filho de Nossa Senhora!

Mas o duro [é] que nesses combates, não é o polvo que nós temos que ferir, nós temos que ferir a nós mesmos. Nós temos que tirar conclusões desagradáveis para nós mesmos, e temos que exigir de nós as coisas. O polvo não é um terceiro em relação a nós, ele está dentro de nós e se chama o pecado original; ou se chama os pecados atuais, que dizer, que o indivíduo cometeu depois do pecado original e cujos efeitos continuam nele, ao menos sob a forma de resíduos. Aquilo tudo fica fazendo um depósito nele que em certo momento o agride.

Como é que pode o homem não estar se analisando sempre? Como é que ele pode estar seguro de sua situação quando coisas dessas se passam? É inteiramente impossível!

* Sem se tomar a sério o que está sendo dito, é dificílimo perseverar, inclusive na vocação

Eu sei bem que dizendo isto eu convido os senhores para uma posição interior que é muito dura de manter, eu sei bem disso. E que, portanto, não é agradável essa exposição que eu estou fazendo, mas eu posso dizer também o seguinte:

Que sem se tomar a sério o que eu estou dizendo, é dificílimo – para dizer pouco – perseverar, inclusive perseverar na vocação.

Nós conhecemos na história de nossa vocação fatos tristes desse gênero: “Fulano ia tão bem, de repente, virou! E decaiu e saiu do Grupo…”

É de uma inocência… inocência não, inocência é uma qualidade; é de uma estupidez rara! Porque há um princípio de moral que diz: Nemo sumum fit repenter; nenhuma ação muito boa ou muito má, se faz de repente. Essa ação vem sendo preparada com muita antecedência, e se Fulano era tão bom e saiu, é porque há muito tempo ele tinha aparência de tão bom, mas não era mais tão bom. Porque do contrário, não teria feito o que ele fez. E é preciso ter isso em vista conosco: não está sendo preparada dentro de mim, dentro de cada um dos senhores, a própria apostasia? É preciso considerar isso! E considerar muito!

* Para adquirir a perfeição, que só se consegue pela união com Jesus Cristo, é preciso despojar-nos de tudo o que de mau existe em nós

É, portanto, de grande importância, para adquirir a perfeição – que só se consegue pela união com Jesus Cristo – despojar-nos de tudo o que de mau existe em nós. Do contrário, Nosso Senhor, que é infinitamente puro e odeia infinitamente a menor mancha na alma, nos repelirá e de modo algum se unirá a nós”.

Quer dizer, é uma coisa que Nosso Senhor não pode fazer, Ele é onipotente, mas Ele não pode fazer o mal. E por causa disso, Ele unir-se a nós, de uma união amorosa, como Ele teve, por exemplo, com São João Evangelista que deitou a cabeça sobre o peito dEle etc.

Esta união Ele só pode ter com uma alma que esteja livre de certas manchas, de certos pecados. Porque do contrário, há nele uma repulsa para aquela mancha que faz com que Ele mantenha longe aquele homem, por mais que o homem reze ele não obtém.

Agora, por que não obtém? Porque está sujo, está impuro, e Deus exige a pureza para Ele condescender numa união com uma alma.

* Sem severidade não há bondade; a severidade é um dos modos de ser da bondade

Eu sei o que São Luís Grignion diz nesse capítulo, é muito severo, mas eu estou resolvido a ser severo, porque eu sei que sem severidade não há bondade. A severidade é um dos modos de ser da bondade, e eu não vim aqui, portanto, fazer uma reunião molenga – “como os senhores todos são bons etc.”… -, para depois os senhores por retribuição dizerem que eu sou também muito bom, e sairmos todos contentes. Isso é uma reunião de mentira, de maldição!

É preciso ver bem as coisas como são e, portanto, eu estou me incluindo nas coisas que eu digo. Por quê? Porque não há homem que se exclua disso! Isto é no duro!

* O que é preciso para o homem arrancar de si as más raízes? É preciso bem conhecer nosso fundo de maldade

Vamos continuar:

Para despojar-nos de nós mesmos, é preciso conhecer”:

Então, o que é que o homem tem que reconhecer para arrancar de si essas más raízes e esses maus frutos que brotam dentro dele?

1º) É preciso bem conhecer nosso fundo de maldade.

“Primeiramente e bem, pela luz do Espírito Santo, nosso fundo de maldade, nossa incapacidade para todo bem, nossa fraqueza em todas as coisas, nossa inconstância em todo tempo, nossa indignidade de toda graça e nossa iniqüidade em todo lugar. O pecado de nossos primeiros pais nos estragou completamente, nos azedou, inchou e corrompeu, como o fermento azeda, incha e corrompe a massa em que é posto. Os pecados atuais que cometemos sejam mortais ou veniais, perdoados que estejam, aumentam em nós a concupiscência, a fraqueza, a inconstância e a corrupção, deixando maus traços em nossa alma.

“Nosso corpo é tão corrompido que o Espírito Santo (Rom 6, 6; Ps 50, 7.) o chama corpo de pecado, concebido no pecado, nutrido no pecado e só apto para o pecado, corpo sujeito a mil e mil males, que se corrompe sempre mais cada dia, e que só engendra a doença, os vermes, a corrupção.

“Nossa alma, unida ao corpo, tornou-se tão carnal, que é chamada carne: “Toda a carne tinha corrompido o seu caminho” (Gen 6, 12.). Toda a nossa herança é orgulho e cegueira no espírito, endurecimento no coração, fraqueza e inconstância na alma, concupiscência, paixões revoltadas e doenças no corpo. Somos, naturalmente, mais orgulhosos que os pavões, mais apegados à terra que os sapos, mais feios que os bodes, mais invejosos que as serpentes, mais glutões que os porcos, mais coléricos que os tigres e mais preguiçosos que as tartarugas; mais fracos que os caniços e mais inconstantes do que um catavento. Tudo o que temos em nosso íntimo é nada e pecado, e só merecemos a ira de Deus e o inferno eterno”.

* Qual é o fruto de reflexões assim?

Os senhores querem ver qual é o fruto de reflexões assim? Isso pode parecer exagerado para pessoas que têm dodóis e que não gostam que se lhes diga a verdade assim.

Mas vejam o resultado:

A França do tempo de São Luís Grignion, era uma França que estava se preparando, – subconscientemente às vezes e às vezes não – para a Revolução Francesa. As sociedades secretas estavam minando a França, as tais “Societé de Pensée” e outras coisas do gênero, estavam minando a França exatamente no modo com que ele descreve isso aqui. E essas pessoas que faziam parte do movimento revolucionário se tinham em muito boa conta, tinham elogios recíprocos de uns para os outros, amabilidades, gentilezas etc., estavam cheios disso.

Acontece que com essa atitude, eles viviam uma vida mole, fácil, agradável. Não só os revolucionários, mas aqueles que deveriam lutar energicamente contra a revolução porque eram contra-revolucionários.

Ao lado disso tinha São Luís Grignion de Montfort com a camponesada [grupo de camponeses] dele, essa camponesada ele educava nesta forma, não eram só camponeses, ele tinha um amigo intimíssimo dele que era um marquês – eu não me lembro bem o nome dele – mas é [Magnan?] uma coisa assim. Que era tão íntimo dele que pediu quando ele morresse, que o corpo dele fosse sepultado ao lado do corpo de São Luís Grignion e as pessoas incumbidas de dar consentimento a isso, consentiram porque acharam que a amizade entre os dois era proporcionada a isso.

A esse marquês de [Magnan?] e a outros ele dizia a mesma coisa, dizia tudo isso que está aqui. Esses eram humildes, se consideravam pecadores, reconheciam os seus pecados, lutavam contra eles e muitas vezes se arrependiam envergonhados porque tinham feito o que não deviam. Mas tinham a sua contabilidade moral em dia, era aquilo.

* Quando arrebenta a Revolução Francesa, os que diziam de si mesmos “nós não valemos nada”, esses valeram tudo! Os que diziam de si mesmos “nós valemos tudo”, esses não valeram nada!

Arrebenta a revolução, os moles fogem e vão fazer o movimento chamado da Imigração, eles eram os que deveriam estar lutando pelo rei, fogem. Vão ficar do outro lado do Reno formando um exercitozinho com pouco dinheiro, com poucos recursos, e sem muita vontade de combater.

Os outros moles nem sequer fugiram e se deixaram matar como gado, a maior parte daquela nobreza que ficou na França, deixou-se matar assim, e com uma certa indiferença até.

Quem é que levantou a cabeça e levantou o estandarte da contra-revolução? Foram os duros de São Luís Grignion, esses que diziam de si mesmos “nós não valemos nada”, esses valeram tudo!

E aqueles pelo contrário que diziam de si mesmos “nós valemos tudo”, esses não valeram nada!

Os senhores compreendem como para uma vocação contra-revolucionária autêntica como é indispensável esta atitude do homem contra si mesmo.

Quer dizer, quando eu vejo um contra-revolucionário que se choca com essa linguagem, eu tenho pena dele, não tenho vontade de expulsá-lo das fileiras da Contra-Revolução, mas fico esperando pacientemente, dez anos, vinte anos, trinta anos, mais! Até que apareça uma hora em que eu perceba que eu possa dizer a ele isto aqui: o que eu quero lhe dizer é isto!

Eu digo isto a mim, ou ao menos procuro dizer, peço a Nossa Senhora que me dê a graça de me dizer isto a mim, e dizer para cada um dos senhores pelos quais eu tenho responsabilidade. [aplausos]

Não é o momento de eu retomar essas apóstrofes que São Luís Grignion coloca aqui e de recomentar mais uma vez, já foram recomentadas.

* A repetição é indispensável como para enfiar um prego na madeira: é preciso bater muitas vezes no prego

Os senhores dirão: “Mas por que é que ele insiste? O livro bem feito não repete, o livro bem feito toma como um defeito uma repetição. Ele diz uma coisa e não a repete, repetir é para o escrever como gaguejar é para o falar. E, portanto, um homem que não gagueja, fala fluentemente não repete as palavras, não titubeia ao pronunciá-las. Assim também um bom escritor, ele não repete o que escreve.”

Isto em tese, no mundo da lua é verdade. Mas na realidade não é verdade. A repetição é indispensável como para enfiar um prego na madeira é preciso bater muitas vezes no prego.

Alguém dirá: “Mas por que você bate tanto nesse prego? Você já enfiou a ponta do prego na madeira?!”

Tenho vontade de dizer: Seu animal! Eu não quero enfiar a ponta, eu quero enfiar o prego inteiro! E, portanto, enquanto eu não acabar de enfiar, não acabarei de bater. Pam, pam-pam!”

E é isso que tem que ser feito!

* É infeliz a condição de uma madeira que é tão viscosa que não adianta colar, tão dura que não adianta prender. Há gente que é tão viscosa e tão dura que não adianta a não ser agradar

Alguém me dirá: “Mas Dr. Plinio, no convívio cotidiano o Sr. é muito amável, o Sr. não tem atos de impaciência, não tem atos de indignação etc., etc. Como é que o Sr. se mostra, de repente, nesta reunião, tão inflexível e nos dizendo coisas que não correspondem ao modo do Sr. nos tratar habitualmente?”

É infeliz a condição de uma madeira para o qual não adiante pôr nem prego nem cola. Porque ela é tão viscosa que não adianta colar, ela é tão dura que não adianta prender. O que é que se faz de uma madeira dessas?

Ora, há gente que é tão viscosa e tão dura que não adianta a não ser agradar. Para que eles fiquem perto à espera da hora de Nossa Senhora, o prego está pronto. Chegando a hora de Nossa Senhora… entra!

E assim é que as coisas devem ser vistas.

* A quem mete o “prego” em si, Nossa Senhora socorre, ajuda e guia

Depois disto, porque admirar-nos de ter Nosso Senhor dito que quem quisesse segui-lo devia renunciar a si mesmo e odiar a própria alma; que aquele que amasse sua alma a perderia e quem a odiasse se salvaria? (Jo 12, 25). A Sabedoria infinita, que não dá ordens sem motivo, só ordena que nos odiemos porque somos grandemente dignos de ódio: só Deus é digno de amor, enquanto nada há de mais digno de ódio do que nós”.

Aqui vem uma coisa que… é dessas frases que se não fossem ditas por um santo, alguém diria: “Esse é um jansenista, é um calvinista, é um exagerado, etc., etc.”

Mas é um santo canonizado pela Igreja e, mais ainda, é um santo que sendo um santo especialmente marial, conheceu mais suavidades da vida espiritual do que quem não é especialmente marial, porque Nossa Senhora é “a clemens, a pia, a dulcis Virgo Maria”. É verdade, para quem mete o prego em si assim, a esse Nossa Senhora socorre, e ajuda, e guia etc., etc.

Porque Ela tem pena da dor a que aquele se sujeita por amor a Ela, então Ela assiste.

Mas quando é um pavão todo empado de sua inteligência, de seu dinheiro, de sua situação, sei lá do que? É ridículo, mas há homens que ficam empados até com a sua beleza…! Quando é uma coisa dessas, “a clemens, a pia, a dulcis Virgo Maria” faz consistir a sua clemência, sua doçura, sua bondade, em abrir os olhos para ele; para ele se arrepender e depois então começar a sentir a misericórdia dEla.

Misericórdia, [Nossa Senhora] tem desde o primeiro instante, mas não sente; ele sente a severidade de Deus que o sacode: “Acorda! Porque a tua hora pode chegar de um momento para outro!”

Nós temos aqui neste salão um fato expressivo: é um cooperador que assistiu uma exposição feita aqui, sobre um tema mais ou menos desse gênero, e assistiu tomando notas, quando ele chegou fora, alguém o convidou para ir para casa de automóvel, ele aceitou, entrou no automóvel, pouco depois ele morria dentro do automóvel.

Isso é um fato permitido pela Providência para abrir os olhos de todos nós, para todos nós termos noção bem clara de como são as coisas, e o que é que pode nos acontecer a todos nós.

* “É preciso morrer para nós mesmos”

São Luís Grignion chega a pôr mais uma nota nisso:

2º) É preciso morrer para nós mesmos”.

O homem tem horror à morte. Agora, “morrer para si mesmo”, o que é que ele entende por aí?

Em segundo lugar, para despojarmos de nós mesmos, é preciso que todos os dias morramos para nós, isto é, importa renunciarmos às operações das faculdades da alma e dos sentidos do corpo, precisamos ver como se não víssemos, ouvir como se não ouvíssemos, servir-nos das coisas deste mundo como se não o fizéssemos (Cf. 1 Cor 7, 29-31.), o que São Paulo chama morrer todos os dias: “Quotidie morior” (1 Cor 15, 31.). “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só, e não produz fruto apreciável” (Nisi granum frumendi cadens in terram mortuum fuerit, ipssum solum manet” – Jo 12, 24-25.). Se não morrermos a nós mesmos, e se as mais santas devoções não nos levarem a esta morte necessária e fecunda, não produziremos fruto que valha, nossas devoções serão inúteis, todas as nossas obras de justiça ficarão manchadas por nosso amor-próprio e nossa própria vontade, e Deus abominará…”

“Abominará”, hein!

“… os maiores sacrifícios e as melhores ações que possamos fazer”.

Porque estão manchadas.

Na hora de nossa morte, teremos as mãos vazias de virtudes e de méritos, e não brilhará em nós a menor centelha o puro amor, que só é comunicado às almas mortas a si mesmas.…”

* “Morrer para o mundo” é renunciar ao tipo de vida que a gente tinha imaginado, para ter uma vida inteiramente consagrada ao que a vocação pedir

O quê quer dizer “morrer para si mesmas?” É o seguinte:

O indivíduo nasce e vai se desenvolvendo, é uma criança e essa criança vai tomando o seu rumo na vida. E por psicologia própria, por temperamento próprio, por modo de ser próprio, pela influência do ambiente, por uma porção de outras coisas, a criança vai sendo modelada e vai ao mesmo tempo que é modelada, vai desejando um certo fim para a vida. Ela quer então alguma coisa para a vida, e o viver para ela é obter aquilo.

Então, um quer ser tal coisa, outro quer ser tal outra, as coisas mais diversas.

Eu me lembro que uma vez conversando com um membro do Grupo, o qual aliás aprecio muito, ele era novinho ainda, ele me dizia… eu perguntei a ele qual era a ambição dele?

Ele disse: “Ah, minha ambição é ser tabelião.”

Bem, comentando isso com outro membro do Grupo, que era bom naquele tempo e depois ficou péssimo, e saiu do grupo, comentando isso com outro, ele me disse: “Nossa Senhora! É a última coisa que eu queria fazer é aquela vida estável de tabelião, passando escritura, volumes enormes colocando, depois passando certidões. Eu queria tudo menos isso!”

Eu disse:

– “Você o que é que queria?”

– “Eu queria viajar, viajar, viajar, viajar sem parar!”

Bem, são dois feitios inteiramente diferentes, mas cada um tinha imaginado para si um tipo de vida.

“Morrer para o mundo” é renunciar ao tipo de vida que a gente tinha imaginado. Renunciar a esse tipo de vida para ter uma vida inteiramente consagrada ao que a vocação pedir, portanto, aquilo que nos mandarem. Não há melhor modo de nós renunciarmos a nós mesmos do que nós fazermos o ato de obediência.

Porque quem obedece não faz o que quer, e com isso renuncia a si mesmo, quem não tem obediência efetiva, um voto de obediência pronunciado nas nuvens não vale nada. Mas quem não tem obediência efetiva, este evidentemente acaba fazendo o que ele quer porque quando ele desobedece, não é para cumprir o dever dele, ele desobedece porque ele não quer cumprir o dever dele.

O resultado? Levar uma vida em que em tudo a gente tenha persuasão de que está fazendo o melhor, que está fazendo todo o sacrifício, e renúncia contínua àquilo que queria fazer, isto agrada a Deus!

Isto é sobretudo verdadeiro para um membro do Grupo, e entre os membros do grupo, tem uma especial aplicação aos eremitas. O eremita que entra para um êremo, que põe esta cruz sobre o peito, e usa esse traje, que leva uma vida regular de uma pessoa que renunciou a si. Mas que depois, por causa de uma miséria qualquer se apega a qualquer coisa e fica agarrado àquilo, esse estraga tudo! É como se os vermes pendurados nele como traças estivessem comendo todo o seu hábito, como se essa cruz magnífica, impressionante que o cobre, passasse a ser um trapo pendurado no seu hábito e arrastado no chão. E ele mesmo nada!

Por quê? Porque se apegou a uma coisa. Ora, tem que não se apegar a nada! Essa é a questão, e é assim que deve ser o verdadeiro servidor de Nossa Senhora.

* É preciso escolher a devoção que mais nos leva à “morte” para nós mesmos

E, São Luís Grignion termina, que é preciso para chegar a esta morte…

3º) Escolher a devoção que mais nos leva à morte para nós mesmos.

Em terceiro lugar, é preciso escolher, entre todas as devoções à Santíssima Virgem, a que nos leva com mais certeza a este aniquilamento do próprio eu. Esta será a devoção melhor e mais santificante, pois é mister reconhecer que nem tudo o que reluz é ouro, nem tudo o que é doce é mel, e nem tudo o que é fácil de fazer e praticar é o mais santificante. Do mesmo modo que a natureza tem segredos para fazer em pouco tempo, sem muitos gastos e com facilidade, certas operações naturais, há segredos, na ordem da graça, pelos quais se fazem, em pouco tempo, com doçura e facilidade, operações sobrenaturais, como despojar-nos de nós mesmos, encher-nos de Deus, e tornar-nos perfeitos.”

O pensamento dele é esse, por exemplo, tomem uma pua. Aquilo é um instrumento pelo qual o homem faz com facilidade e sem muito esforço, ele desenha um círculo perfeito e é capaz de aprofundar esse círculo dentro da madeira indefinidamente. Operação que a ser feita por canivete seria quase impossível de ser feita, com aquela pua facilmente se faz.

Então, diz ele que Deus estabeleceu na ordem da graça uma coisa análoga do que há para a ordem da natureza. E que o que há é uma devoção que faz com que, com facilidade sobrenatural – sobrenatural, e não natural –, se consiga esse ver a si mesmo que é tão difícil.

Essa devoção – não está registrada aqui – mas os senhores já estão vendo qual é, é a devoção à Nossa Senhora.

Quer dizer, quem for muito devoto de Nossa Senhora, esse terá na terra, não os prazeres que o mundo dá, mas vai ter consolações interiores, vai ter tranqüilidade de alma, vai ter força de consciência, vai ter retidão de vida, que valem mais do que todos os prazeres que o mundo dá. Sobretudo, as consolações interiores, que não são o que merece mais; o que merece mais é a retidão de vida, e o deleite que esta dá.

Mas as consolações interiores são como mel, que recompensa a gente daquilo que faz, e que dá uma alegria à vida como não há na vida alegria nenhuma que se compare a isso, e isso tudo Nossa Senhora dá.

Então, toda a argumentação que veio até aqui se resume nisso: é preciso absolutamente cumprir um programa severíssimo, se não se cumprir, estamos perdidos, primeiro ponto.

Segundo ponto: conseqüência, é quase impossível eu me salvar – de fato é impossível, o quase entra como aparato – se, terceiro ponto, não houver um modo de agir pelo qual como a pua abre aquele círculo, assim também este modo me torna praticável, fácil, e às vezes até suave andar nesse caminho.

* Tudo estará resolvido se apelarmos para Nossa Senhora

Então, o paradoxo tremendo, terrível, que desaba sobre nós na primeira parte da exposição, e que é todo ele feito de verdade, não é desmentido pelo que São Luís Grignion vai dizer, apenas o panorama é completado. Ele vai por dentro dessa situação insolúvel, ele vai pôr a solução.

A solução é uma mãe, essa Mãe é Nossa Senhora. Nossa Senhora é Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, está tudo resolvido se nós apelarmos para Ela. E apelarmos pela prática da Sagrada Escravidão à Ela, quer dizer, se nos tornarmos escravos dEla, fazendo a vontade dEla em tudo, neste caso nós veremos como as montanhas se amolecem, como as estradas se retificam por si, precipícios são cobertos por asfalto e tudo passa normalmente. Mas é com a condição de estar ligado a Ela, sem isso não tem nada.

 

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