Santa Bernadette Soubirous (16/4): exemplo de desinteresse, alienação e holocausto

Santo do Dia, 16 de abril de 1970

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

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Eu tenho aqui um extrato do jornal “La… de Messina” (Itália), de 6 de junho de 1965, que dá uma série de pensamentos à maneira de testamento de Santa Bernadette Soubirous. Então diz o seguinte:

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“Moinho Bolly” – Casa da família de Bernadette Soubirous

“Pela miséria de meu pai e pela ruína do moinho (no qual ela e sua família moravam e pelos vários fatos infelizes que se deram em conseqüência), pelo vinho do cansaço, pelas ovelhas doentes, graças vos dou, Senhor.

  Eram vários infortúnios que tinham acontecido ao pai e que tinha reduzido a família do pai à miséria.  

“Pelos meninos acudidos, pelas ovelhas que tomáveis conta, graças vos dou, Senhor. Graças, ó meu Deus, pelo… pelo comissário, pelas polícias, pelas duras palavras de Dom Peyramale.

  Ela foi perseguida, foi levada à polícia, maltratada pelos comissários, e o padre vigário de lá lhe disse muito duras palavras. Então, por tudo isso, diz ela: “graças vos dou, Senhor”.  

“Por aqueles dias em que Vós me aparecestes, ó Virgem Maria. Por aqueles dias em que Vós não aparecestes, eu não vos saberia agradecer de outra maneira a não ser agradecendo-vos no Paraíso. Mas pelos debiques recebidos, pelas injúrias e pelos ultrajes, por aqueles que me mandaram prender como doida, pela cólera que tiveram contra mim, por aqueles que me tomaram como interesseira, graças vos dou, Senhora”.

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Única foto de Santa Bernadette na gruta de Lourdes – 1862

“Pela ortografia que eu jamais consegui aprender, pela memória que eu jamais tive, pela minha ignorância e por todo o meu… mental, graças vos dou, Senhora. Graças, graças porque se houvesse sobre a terra uma menina mais ignorante e mais estúpida do que eu, Vós a teríeis escolhido para aparecer. Por minha mãe, morta há muito tempo; pelo sofrimento que eu tive quando meu pai, em vez de abrir os braços à sua pequena Bernadette, me chamou soror Maria Bernard, graças ó Jesus”.

Ela era freira e o pai foi vê-la. E em vez de chamá-la Bernardette, chamou-a soror Maria Bernard, com cerimônia. Eu creio – não me lembro bem do episódio da vida – mas talvez também com má vontade. E ela teve um choque com isso.

“Graças por ter me dessedentado de amarguras a esse coração por demais tenro que Vós me destes. Por Madre Josefina que me proclamou ‘boa para nada’… “

Quer dizer, não prestava para nada: “muito obrigado”.

“Pelos sarcasmos da madre mestra de noviças, pela sua voz dura, pelas injustiças, pelas ironias, pelo pão da humilhação, muito obrigado. Graças por ter sido Bernadette ameaçada de prisão porque tinha visto a Virgem Maria, olhada pelas pessoas como um animal raro, aquela Bernadette tão mesquinha que, ao vê-la, se dizia…

  “Mesquinha” quer dizer tão “pouca coisa”, tão pequenina.  

… É tudo isso?”

  Bernadette inclusive era muito baixotinha, extremamente baixinha. Então, quando iam ver Santa Bernadette pensavam numa santa que tinha visto Nossa Senhora… e entrava um toquinho de gente com cara de analfabeta. A pessoa dizia: “É isso? É exatamente só isso?!” Depois isso dito por francês…  

“Por esse corpo miserável que Vós me destes, por essa doença de fogo e de fumo… pelas minhas carnes em putrefação, pelos meus ossos com cáries, pelos meus suores, pela minha febre, pelas minhas dores surdas e agudas, graças ó meu Deus. E por essa ânsia que Vós me destes para o deserto da aridez interior, pela vossa noite e pelos vossos relâmpagos, pelos vossos silêncios, mais uma vez, por tudo, por Vós ausente e presente, graças, ó Jesus”.

Oração heróica de quem foi escolhida para ser o arco por onde um raio de sol penetrou no mundo contemporâneo

  Eu compreendo que para muitos ouvidos, essa oração possa ter uma conotação de “heresia branca” [Nota: expressão aqui utilizada no sentido de uma atitude sentimental que se manifesta sobretudo em certo tipo de piedade adocicada e uma posição doutrinária relativista]. Entretanto ela não tem nada de “heresia branca”! É uma oração verdadeiramente heróica.

Qual é o heroísmo que está dentro disso? É o seguinte: ela teve uma graça incomparável: foi a ela que Nossa Senhora apareceu, foi a ela que Nossa Senhora indicou onde é que estava a fonte onde deveria arranhar para que saísse a água que brota até hoje com as curas milagrosas. Foi, portanto, a partir das revelações feitas a ela que Nossa Senhora inaugurou uma série de maravilhas pelo mundo inteiro e que sob a invocação de Nossa Senhora de Lourdes a devoção a Nossa Senhora também se espalhou maravilhosamente.

Ela, pequena; ela, miserável; ela, mesquinha; ela, nula; ela, plebéia; ela, pobre… ela foi o arco por onde quis entrar esse raio de sol no mundo contemporâneo. Já no século dela, tão orgulhoso, tão cheio de incredulidade, tão revoltado, tão adiantado no processo da Revolução gnóstica igualitária. Para todas essas coisas sublimes foi escolhida essa pessoa tão insignificante.

Ela poderia fazer o seguinte raciocínio: “Meu Deus, Vós me destes todas essas coisas. Mas Vós me destes em compensação esses ossos cariados, essa carne putrefata, me destes todas essas doenças, me destes toda essa miséria, me destes todas essas coisas contrárias, mas em compensação, em contrapartida, Vós me destes a grande vantagem de ser a Bernadette, a grande Bernadette escolhida por Vós para iluminar o mundo inteiro. Então, eu aceito de boa vontade tudo aquilo que me destes de triste, de ruim, eu aceito como ação de graças por aquilo que me destes de bom”.

Seria um pensamento que nós consideraríamos legítimo, e que seria legítimo. Mas como ela era uma santa, ela levou a atitude de alma dela diante da conduta da Providência em face dela até o limite da sublimidade. E ela fez o balanço e viu que ela não era nada, que era um toquinho de gente, que tinha uma saúde péssima, pior do que isso: tinha uma cabeça que não valia dois tostões. Ela era apenas uma pessoa muito equilibrada, não tinha mais nada. Mas era ignorante, nunca tinha conseguido direito aprender a ler e escrever. Servia para os ofícios mais modestos dentro do convento.

Por outro lado, era de uma família das mais miseráveis, porque ninguém consegue ser mais miserável do que um moleiro que não consegue tocar para a frente seu moinho e vai viver dentro de uma casa que era quase uma ruína, numa cidadezinha “de lo último” como era Lourdes no tempo dela. E viveu sempre às portas da miséria negra, sempre dentro da indigência.

Santa Bernadette Soubirous, uma vítima expiatória pela glória da Igreja e salvação das almas  

Ela não foi, portanto, nada. Ela agradecia a Deus Nosso Senhor não uma coisa compensando a outra, mas agradecia uma coisa e outra. E ela agradecia que Deus lhe tivesse tirado tudo por causa do bem que ela podia fazer aos outros, Deus lhe tendo tirado tudo. É vítima expiatória, que tomando em consideração os pecados do mundo, tomando em consideração que sem sangue não se faz remissão e que, portanto, se alguns não sofrerem, outros não serão resgatados; e que é preciso que haja algumas almas que sejam como pára-raios sobre as quais se descarregue a cólera de Deus para que não caia sobre outras almas, ela aceitou – ela, nula – ela aceitou tudo aquilo sobre si.

Para quê? Para que, precisamente, inúmeras almas fossem salvas e a Igreja Católica tivesse glória. Compreendeu bem que ela não teve apenas aparições, mas que teve também uma cruz, e que a cruz não era a contrapartida das aparições. A cruz era um complemento das aparições e uma coisa mais preciosa do que as próprias aparições. E ela ter aceito bem a cruz, ter levado até o fim, com amor, com entusiasmo pelo sofrimento, por causa do que o sofrimento significa no plano sobrenatural, isso fez dela uma santa. 

“O que faz a grandeza de uma pessoa não é a grandeza da aparição, mas a grandeza da cruz”  

Os senhores querem ver a prova? Houve na França, no mesmo século, uma grande aparição também. Uma aparição que foi ocasião de uma mensagem que, em última análise, é mais rica de conteúdo do que as aparições de Lourdes. Foi a mensagem de La Salette, inclusive o famoso segredo contado ao Papa Pio IX.

Melânia, a camponesa a quem Nossa Senhora apareceu junto com o camponesinho Maximino, não foi, segundo tudo indica, uma santa. Foi uma mulher que andou perambulando – uma religiosa correta – mas que andou perambulando muito de Ordem religiosa em Ordem religiosa, e que não deixou nenhum sinal de santidade, ao menos que eu saiba, nas biografias que eu tenho estudado dela.

Por que é que ela não é tão grande quanto Bernadette? Ela recebeu uma visão maior, talvez, do que Bernadette. É porque o que faz a grandeza da pessoa não é a grandeza da visão, mas a grandeza da cruz. Então, nós vemos uma pessoa que não é nada, que reconhece que não é nada, que toma esse nada que é e faz desse nada uma hóstia para oferecer a Nosso Senhor. E dizendo o seguinte:

“Meu Deus, enquanto todos perdem a alma para ser alguma coisa, enquanto aqueles que vós sobrecarregastes de dons, dilapidam esses dons de um modo miserável, eu a quem Vós fizestes nada, eu vos agradeço esse nada. Peço-vos que aceiteis a minha conformidade com esse nada para glória vossa. Eu sei que eu sou o rebotalho do mundo, eu sei que eu sou o asco da terra, eu sei que ninguém quer saber de mim, mas eu sei que Vós, três vezes Santo, perfeito, eterno, imutável, onisciente, misericordioso, eu sei que para Vós, ó meu Deus, dentro de meu nada eu sou muito. Eu sou tanto, que por mim Vós vos teríeis encarnado, e Vós teríeis sofrido o tormento da Cruz. Vós, sim Vós me amais. E se Vós amais esse nada, aceitai esse nada. Ele vale pelo amor que Vós lhe tendes. Aceitai esse nada e aceitai-o por aqueles a quem Vós destes tanto. Eles que receberam de Vós dons que eu não recebi, os utilizem segundo os vossos desígnios. Eu vos ofereço, meu Deus, eu vos agradeço os dons que eu não recebi”.

Isso é levar até o sublime o desinteresse. É o amor de Deus sem preocupação por si, é exatamente o puro amor de Deus. A tal ponto que ela, no que diz respeito mesmo às aparições, que deveriam ser para ela um título de glória ela põe…

“Eu sei que eu fui escolhida por ser um nada. Se houvesse alguém mais estúpido na terra, teria sido ele escolhido. Mas eu vos agradeço a estupidez que me valeu, que não foi a contrapartida da aparição, mas que foi a ocasião da aparição. Eu vos adoro, eu vos dou graças”. É um desinteresse completo, é o holocausto completo, é o himeneu completo. Aí os senhores têm um ato de culto perfeito.

Santa Bernadette: um exemplo de desinteresse, de alienação, de holocausto

O que dizer a respeito disso como aplicação a nós? Nós devemos nos lembrar que Santa Bernadette Soubirous e tantas outras, e tantos outros morreram para que fôssemos desinteressados. Para que tivéssemos uma vida espiritual em que procurássemos, mais do que o Céu para nós, a graça de amar desinteressadamente a Deus. Não procurar o Céu para ser feliz no Céu, mas procurar o Céu porque Deus está lá e para amarmos desinteressadamente a Deus. Antes de tudo e acima de tudo, colocando a nossa felicidade no Céu como uma coisa enormemente preciosa, mas secundária em comparação com a idéia de que nós vamos ver a Deus e vamos adorá-Lo, vamos contemplar a glória dEle. Então, exclusivamente para Ele. Que sejamos tais que também nós atuemos em nossa família de almas pelo exclusivo interesse da Causa católica.

Este é o “Santo do Dia”, esta é a ficha do perfeito holocausto, daquilo que o I-DOC e os grupos proféticos (*) chamariam a perfeita “alienação”. Essa é uma pessoa que se alienou a Nossa Senhora completamente. Deu tudo e depois de dar tudo agradeceu o fato de não ser nada. Este é o grande exemplo que recebemos de Santa Bernadette Soubirous.

E com isso fica feito o Santo do Dia, e eu não sei bem se devo dar o exame de consciência, ou esquema. O que preferem: exame de consciência ou esquema? Os que preferem o esquema, levantem o braço. Deixe eu ver um pouquinho. Os que preferem exame de consciência levantem o braço. Bem, então vamos lá ao exame de consciência. 

Exame de consciência

1 – Fixei bem minha atenção no ponto central, ou seja, o desinteresse absoluto?

2 – Se eu me esforço bem por compreender por que esse desinteresse [é fundamental].

3 – Se admiro esse desinteresse. Por exemplo, se eu acho mais bonito ser desinteressado do que ser rico, homem de negócios, gerente de uma fábrica de pneumáticos para caminhões. Se eu acho isso mais bonito do que ser um ator famoso, por exemplo. Ou um político extraordinário: deu um golpe e derrubou o gabinete. Ou um astronauta…

Mas considerar concretamente: se eu visse Santa Bernadette Soubirous, toquinho de gente, doentinha, tossindo de modo feio, com asma, com uma vozinha de falsete, com olho estrábico, se eu a visse e soubesse: a essa apareceu Nossa Senhora. Mas ali está “fulano de tal colosso”. A quem é que eu teria mais admiração? Em concreto!

4 – Quais as vivências que me levam a pelo menos ficar na dúvida? Porque os senhores notem que a dúvida já é um cambaleio tremendo. Evidente! E eu não sei propriamente o que é que eu acho… Então não sabe?! Não devia ser claro como água do pote? Qual é a razão da dúvida de uma coisa que não pode dar margem a dúvida nenhuma?…

Então, escrever essas vivências num papel e pedir a alguém que ajude a ver o que há por de trás dessas vivências. E depois comparar essa doutrina com a doutrina católica. É o processo completo. Não é tão mal achado, não é?

Eu sei que é duro de fazer. Bem, se é duro de fazer, como se procede quando temos uma coisa dura diante de si? Pede-se forças a Nossa Senhora!

5 – Então: temos pedido forças a Nossa Senhora para ter pelo menos um pouco disso? Estamos persuadidos de que fazendo de pouco em pouco, subimos ao alto da montanha?

E se for muito duro, façam como Santa Bernadette Soubirous, que deu graças pela mestra de noviças muito dura, e digam: “Pelo Dr. Plinio tão duro, eu vos dou graças, ó minha Mãe”. E rezem uma Ave-Maria por mim. Essa atitude já será um modo de adiantarem na vida espiritual.

Com isso nós encerramos o Santo do Dia de hoje.

(*) Para uma explicação sobre os “Grupos Proféticos” e o “I-DOC” ver IDOC e Grupos Proféticos em ascensão triunfal – A Heresia Modernista

Para aprofundar sobre Lourdes e Santa Bernadette, basta clicar aqui.

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