Santa Maria Madalena: a contemplação, a penitência, a recusa dos bens terrenos, o contrário de Judas * Dois itinerários opostos que se cruzaram

Santo do Dia, 22 de junho de 1965

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Santa Maria Madalena foi a primeira a ver Nosso Senhor ressurrecto (Giotto, capela Scrovegni, Itália)

 

Hoje, dia 22, é festa de Santa Maria Madalena, penitente [atualmente se celebra a 22 de julho, n.d.c.]. O martirológio, a seu respeito, diz que o Senhor expeliu dela sete demônios. Mereceu ser a primeira a contemplar o Salvador ressuscitado.
O famoso episódio de Maria Madalena, porque tudo leva a crer que era dela que se tratava, quando ungiu os pés de Nosso Senhor no banquete, naquele episódio há alguns aspectos colaterais que nos dão bem algumas perspectivas da alma e de sua vida bem como de sua posição no firmamento da Igreja e que seria o caso de comentarmos.
Os senhores se lembram bem do fato: Maria Madalena era irmã de Lázaro e – segundo as tradições, os documentos do Oriente – era uma pessoa de alta sociedade, muito rico era príncipe de um pequeno povo que havia sido incorporado pela nação judaica ao longo de conquistas, guerras etc., mas que continuou a gozar, no seio da nação judaica, das honras de príncipe, embora ele não tivesse as funções políticas de tal.
Assim, suas irmãs junto com ele eram pessoas de alta categoria, mas Maria Madalena tinha decaído muito e tinha se tornado uma pecadora pública. Porém, depois de seu arrependimento, passou a representar duas facetas juntas e que se tornaram claras: de um lado, a contemplação e, de outro lado, a penitência.
Representou a contemplação por distinção com Marta, no famoso episódio em que Nosso Senhor disse a Marta (que censurava Madalena porque não estava se ocupando das coisas da casa e que se limitava a olhar para Ele e ouvi-Lo): “Marta, Marta, Maria tomou a melhor parte que não lhe será tirada!” Realmente ela passou a representar a contemplação não tanto unida à vida ativa, mas a contemplação enquanto estado puramente contemplativo, destacado da vida ativa e vivendo exclusivamente voltada para a contemplação.
E ela, ao mesmo tempo pelo seu arrependimento enorme e definitivo, pela sua fidelidade ao pé da Cruz, depois pelo fato de ter sido ela a primeira que teve notícia da Ressurreição de Nosso Senhor, não representou apenas a contemplação, mas a penitência na sua glória. A penitência no estado do maior perdão. A penitência no estado da maior intimidade com Nosso Senhor, a tal ponto que, com o exemplo de sua vida e da de outros santos, se pôde pretender, da parte de alguns teólogos, que o estado de penitência séria e profunda ainda é mais bonito que o estado de inocência.
Em terceiro lugar, ela representou também a afirmação dos direitos da inocência e dos direitos de Nosso Senhor. Em que sentido? Os senhores se lembram do episódio, Nosso Senhor estava na casa do fariseu quando Maria Madalena entrou e quebrou um vidro de perfume e começou a ungir com esse óleo os pés de Nosso Senhor. E então Judas teve uma censura a esse respeito e Nosso Senhor justificou a atitude dela etc.
Aí se veem a penitência e a contemplação numa espécie de irredutível oposição de espírito em relação à atitude desprovida de qualquer arrependimento por parte de Judas.

 

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Judas é o contrário do arrependimento, Judas não teve arrependimento, teve o desespero, o ato pelo qual se enforcou na figueira não foi um ato de arrependimento, foi um ato de desespero. E enquanto ela como contemplação e como penitência representava uma renúncia a todos os bens da terra, Judas, como ladrão, Judas como traidor e traidor por dinheiro, representava o apego aos bens da terra.
Então fica a oposição flagrante das figuras de Santa Maria Madalena e de Judas, que vai até a Cruz e a Ressurreição.
Enquanto ela estava ao pé da Cruz, ele era o apóstolo maldito, ele era o homem execrando que, pelo contrário, encaminha Nosso Senhor para a Cruz. E enquanto Santa Maria Madalena é a primeira a presenciar a Ressurreição, ele se enforca a si mesmo. E a alma dele cai porcamente no inferno, enquanto Santa Maria Madalena está pronta, disposta para presenciar a Ressurreição de Nosso Senhor.
Quer dizer, as antíteses são tremendas, entre um e outro, e os espíritos são diferentes também. E nos compete então fazer uma análise dos nexos que ligam os traços desses espíritos.
Que nexoentre arrependimento, pura contemplação e desapego dos bens do mundo, de um lado. E, de outro lado, impenitência final, desespero, apego aos bens do mundo, enchafurdamento dentro da vida prática, da vida ativa, completamente como fazia Judas – roubo até -, homem que naturalmente fazia negócios porcos e que roubava para fazer negócios porcos. Que paralelismo existe entra uma coisa e outra?
Há algum tempo, falamos a respeito do espírito de Jacó e o de Esaú. Santa Maria Madalena nos aparece inteiramente no espírito de Jacó. Quer dizer, superior, voltada para as coisas do espírito, portanto, para as coisas de Deus e, pois, indiferente às coisas materiais do mundo.
Judas é o tipo do Esaú: não vende só o direito de primogenitura por um prato de lentilhas, mas vende seu Salvador por trinta dinheiros, o que é uma coisa muitíssimo pior. Depois tem um desespero que ainda é uma projeção disto. É o homem que não tem um verdadeiro arrependimento, em cuja atitude não existe nenhuma forma de virtude. Existe apenas o mal que se enforca por esta forma, que afinal fracassa desse modo totalmente, depois de ter cometido os piores crimes.

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Parece que na cena pintada por Giotto, de Judas tratando com Nosso Senhor, que aparece com um halo dourado e Judas com um negrume junto à sua cabeça, o que exprime bem o filho da perdição, o filho da iniquidade, o apóstolo maldito, cuja cabeça está toda cercada de trevas. Como a fronte venerável de Nosso Senhor, Sua cabeça sacrossanta está cercada de um halo de luz.
Então se pode dizer que Santa Maria Madalena está cercada de um halo de luz e Judas com um halo de sombra, negro. Quanta cabeça com halo preto existe hoje em dia! E se se fosse fazer a coleção de figuras em torno das quais se poderia colocar halo de trevas, não sei se toda a tinta preta que existe em São Paulo daria para isto…
Que nexo existe entre o espírito de contemplação, de arrependimento e o desprendimento das coisas desta terra, esta afirmação de que as pompas devem ser para o Céu?
O nexo é muito fácil de se compreender. Uma pessoa, de qualquer desses pontos,  parte para o outro. Uma pessoa profundamente arrependida, com um arrependimento eficaz, perde o apego às coisas da terra que lhe foram ocasião e motivo de pecado. E porque perde o apego destas coisas da terra, facilmente vai para a contemplação. A pura contemplação, a renúncia das coisas em que ela pecou, levada ao último extremo são o próprio da penitência. A penitência verdadeira não se limita a separar-se daquilo por onde pecou. Ela execra aquilo por onde pecou. E por isso coloca entre aquilo por onde pecou e si mesmo a maior das distâncias. Esta é a penitência verdadeira.
Assim, por isto mesmo, convinha a esta penitência tão grande separar-se completamente do mundo. Não ficar apenas no estado de uma vida contemplativa e ativa, mas permanecer no estado da vida puramente contemplativa, em que tudo foi abandonado, em que qualquer forma indireta de contato com a matéria execranda do pecado foi cortada também. E que então não resta outra coisa senão a contemplação. Contemplação que, por sua vez, nascida da penitência e do desapego, faz compreender a excelência dos bens do Céu e que todas as coisas da terra foram feitas para os bens do Céu. E que, portanto, é justo e é bom derramar um unguento nos pés sacrossantos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ainda mesmo quando haja pobre que precise desta esmola. Como seria bonito um discurso a esse respeito para os padres do Concílio Ecumênico Vaticano II…
Certa comunidade religiosa de São Paulo que possui um esplêndido convento antigo, vai mandar construir um novo convento, porque o atual vai ser arrasado para construírem um outro mais simples, segundo o espírito do Vaticano II.
Uma das objeções que se poderia fazer a este horror – seria uma enciclopédia de objeções contra isto – seria precisamente esse: o convento não tem essa beleza para hospedar senhoras freiras enquanto freiras. Mas é a dignidade da esposa de Cristo, a dignidade intrínseca de uma família religiosa, constituída pela Santa Igreja para o estado de perfeição. É a dignidade do estado religioso que está envolvida nisso. Sem falar na capela que é a residência de Nosso Senhor Jesus Cristo. E é o espírito de Judas que leva a pessoa a não compreender isto e a querer para a Igreja uma pobreza indecorosa, assim como também achar que o unguento derramado aos pés de Nosso Senhor por Santa Maria Madalena estava ruim. Vê-se como essas coisas se ligam…
Judas – O que é que pode ter levado esse miserável a ter tanto apego ao dinheiro, um apego que naturalmente chegou ao ódio de Nosso Senhor, porque ninguém faz uma traição dessas só por lucro, sem ódio, acaba sendo um ódio que domina o próprio espírito de lucro.
O que levou esse miserável a roubar as esmolas que foram coletadas para os pobres, ele que era o “defensor dos direitos dos pobres” na hora de derramar perfume aos pés de Nosso Senhor?
O que levou esse miserável a fazer uma coisa destas, senão porque quando ele estava junto de Nosso Senhor e ouvia Suas prédicas e via os milagres que operava, o seu espírito saía de lá. E começava a pensar em Jerusalém. Na praça ou no templo, onde estavam os tão finos, simpáticos e inteligentes fariseus; a querer ser importante naquela sociedade ultra míope de Jerusalém e achar que perdia algo em sua carreira humana, seguindo a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem os fariseus desdenhavam como um homem sem importância.
O que o levou a isto senão o desejo de se tornar rico para ter uma carreira colateral à de Apóstolo e ser um homem considerado importante nas ruas e nas praças da cidade? Foi porque ele não se reteve nas contemplações de Nosso Senhor e começou a aspirar as coisas do mundo que ele caiu em pecado. E o pecado chegou até o extremo que a História registra. E este pecado chegando até o extremo, conduz à sua consequência: o desespero. Quer dizer, Judas então se enforcou na figueira maldita.
Tudo isto é lógico: a do halo de ouro, e a do halo das trevas.
O que impressiona é que se é levado a admitir a possibilidade de que, em determinado momento, Judas esteve em estado de graça. E Maria Madalena, em estado de pecado portal. E que ela saiu do pecado para subir até aquelas culminâncias. E ele desceu da condição de Apóstolo, para qual tinha sido convidado por Nosso Senhor, quando o Divino Salvador o amou e o amou até o fim, mas também em que ele amou a Nosso Senhor, e depois precipitou-se dessa condição para ser o vendilhão que havia de vender Nosso Senhor…
Quer dizer, vejamos o tremendo: quanto pode subir uma alma que está no lodo e quanto pode cair uma alma chamada para o que há de melhor!
Pode-se imaginar que foram dois itinerários que se cruzaram: é uma coisa que arrepia a gente, que nos enche de terror.
Um comentário para concluir: todos os que têm tratado deste particular afirmam que Judas, com certeza, não tinha devoção à Nossa Senhora. Se tivesse para com Ela um mínimo de instinto filial, um mínimo de simpatia, um mínimo de amor, quando caiu inteiramente em si, ele A teria ido procurar. E teria Lhe pedido que arranjasse sua situação. Mas naturalmente ele tinha raiva dEla, tinha antipatia por Ela. Ele A detestava. O Evangelho diz de um modo tremendo que o demônio havia entrado nele. E o demônio, o tendo possuído, afastava-o, quanto possível, de Nossa Senhora.
Qual o resultado? Ele não foi à fonte das graças. Ele tinha antipatia por Aquela que era a fonte das graças. E por isto fez a sua perdição. São Pedro, depois de ter renegado, talvez tenha tido a tentação de desespero. Mas é moralmente certo que foi a Nossa Senhora. E indo a Nossa Senhora, ele que também tinha pecado muito, foi fiel e deu no grande Apóstolo, o primeiro Papa da Santa Igreja Católica!
Santa Maria Madalena nos aparece sempre intimamente unida a Nossa Senhora. Fazendo parte de Seu cortejo, em todas as horas e – sobretudo – na hora régia da vida de Nossa Senhora quando Nosso Senhor Jesus Cristo, com dores indizíveis, disse: “Consummatum est” e, neste momento, Ela aderiu a esta entrega e se tornou a Corredentora do gênero humano.
Podemos imaginá-la junto a Nossa Senhora, na hora da piedade, quando Nossa Senhora tinha Nosso Senhor Jesus Cristo sobre Seu colo; podemos imaginá-la indo com Nossa Senhora para o Cenáculo naquele momento tremendo em que Nossa Senhora ficou inteiramente abandonada, Nosso Senhor no sepulcro, o Colégio Apostólico vacilante, a cidade de Jerusalém entregue a terremotos, com os justos da antiga Lei andando de um lado para o outro; Nossa Senhora nessa situação tão pouco conhecida, e que tem tanta relação com a história eclesiástica do Brasil, sob a invocação de Nossa Senhora da Soledade. Nossa Senhora completamente só. Tenho a impressão de que não Lhe faltou a assistência de Santa Maria Madalena, mas que estava junto dEla. E por causa disso um rosário de glórias, cada uma maior do que outra, cada uma mais extraordinária do que outra…!
Reverta tudo isto no seguinte: é impossível, quando consideramos tudo isto, não estremecermos com nossa própria fraqueza. É impossível! Mas é impossível também que não nos sintamos concertados com este ponto: por mais fraco que o homem seja, desde que se apegue muito a Nossa Senhora e Lhe peça muito por sua própria perseverança, peça a Ela que o ampare, que nunca o abandone etc., bem, ele encontra aí um ponto de firmeza e de solidez.
A última das pecadoras aproximou-se de Nossa Senhora e se tornou uma penitente gloriosíssima.
Um apóstolo que era distante de Nossa Senhora e se tornou o filho da maldição e da perdição, que Dante coloca no inferno metido dentro da boca de Satanás com as pernas para fora e eternamente triturado.
Podemos imaginar no Céu Santa Maria Madalena posta bem perto do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, agradecendo os favores imerecidos de que ela foi repleta.
Aí os senhores têm então uma consideração a respeito da vida de Santa Maria Madalena.

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Nota: Vide também Santa Maria Madalena (22/7), modelo da alma penitente. Quanto maior a virtude, maior é a tristeza de ter ofendido a Deus

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