Santo do Dia, 19 de outubro de 1970
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Artêmio, Cândida e Paulina diante dos Santos Marcelino e Pedro, ilustração da Speculum Historiale (século XV)
Amanhã nós temos a festa de Santo Artêmio, mártir [no atual calendário, sua festa é dia 6 de junho, n.d.c.]. Comandante das forças imperiais, ocupou, sobre Constantino Magno, postos de honra no exército. Juliano apóstata mandou degolá-lo.
Os senhores se lembram que, para acentuar a veia combativa que existe dentro da Igreja Militante, para pô-la em realce, nós costumamos comentar os santos que foram militares. Daí então Santo Artêmio.
“Juliano Apóstata, diz Rohrbacher, levantara grande perseguição contra os cristãos fiéis. Depois de Ter supliciado um grande número, condenou dois sacerdotes Eugênio e Macário. Enquanto eram torturados, um oficial, que permanecera ao lado do imperador, levantou-se e dirigiu-se a ele”.
Os senhores compreendem a situação: um oficial, para estar ao lado do imperador, teria que ser de categoria.
“Levantou-se e disse a ele: por que torturas tão cruelmente esses santos homens? Não te esqueças de que também és homem e Deus te constituiu imperador. Se dele recebeste o império, acautela-te para que Satanás que pediu e obteve permissão para tentar Jó, não tenha pedido e obtido permissão para usar-te contra nós, a fim de passar pelo trigo de Cristo e semear o joio por toda parte. Mas sua empresa resultará vã. Não tem o mesmo poder antigo. Desde que Cristo veio e foi erguido na cruz, caiu o orgulho dos demônios, seu poder foi calcado aos pés. Não te iludas, ó imperador. Não persigas, por amor aos demônios, os cristãos protegidos por Deus. Pois o poder de Cristo é invencível. Tu mesmo já te asseguraste disto”.
“Ao ouvir essas palavras, Juliano fora de si, indagou quem era o insolente. Responderam ser Artêmio, duque de Alexandria, no Egito, governador dessa província e também da Síria, que acabava de trazer para Juliano tropas para servirem na guerra contra a Pérsia. O imperador ordenou que fosse preso.
“Depois de muitas torturas infrutíferas para levá-lo a apostatar, Santo Artêmio foi condenado à decapitação. Antes da execução, o mártir pediu momentos para orar. Agradeceu a Deus a graça de sofrer pela glória de seu nome, suplicou-lhe que se compadecesse de sua Igreja, ameaçada com terríveis calamidades pelo apostata Juliano. Vossos altares serão destruídos, vosso santuário profanado, o sangue de vossa aliança menosprezado por causa de nossos pecados e das blasfêmias que Ario vomitou contra vós, Filho único e contra vosso Espírito Santo, separando-vos da consubstancialidade do Pai e supondo-vos estranho à sua natureza, afirmando que sois criatura, Vós, o autor de toda a Criação, subordinando-vos ao tempo, Vós que fizeste o século e dizendo: Havia o Filho que não era. Chamando-vos filho da vontade“.
“Depois de dobrar três vezes o joelho, voltado para o Oriente novamente, o mártir orou: “Deus de Deus, só de um só, Rei de Rei, vós que estais sentado nos céus à direita de Deus Pai que vos gerou, Vós que viestes à terra para a salvação de todos nós, Vós que sois a coroa dos que combatem pela piedade, ouvi favoravelmente vosso humilde e indigno servo, recebei a minha alma em paz”.
“Uma voz respondeu-lhe do Céu que sua oração seria ouvida. Além disso, o imperador apóstata pereceria na Pérsia, que teria um sucessor cristão e que a idolatria seria irremediavelmente destruída. Depois de ouvir essas palavras, cheio de alegria, Artêmio apresentou a cabeça à espada”.
É mais uma dessas coisas que a gente não sabe quanto chorar por ter nascido no século vinte. Porque se nesse século se falava de Artêmio e Juliano, neste século de hoje a gente vai falar de quem?… É uma verdadeira tristeza.
Vamos recompor um pouco a cena. Os senhores devem imaginar um circo romano, a tribuna imperial, aliás, com colunas, cobertas por um tecido precioso, o imperador sentado num trono, naturalmente com todo o pessoal por detrás dele. Leques se agitando, flabellis para impedir que as moscas pousem nele, uma série de dignitários dentro da tribuna. Depois o povo lotando todo o resto do teatro…
Provavelmente, como eram habitualmente os espetáculos, quer dizer com galerias, as arquibancadas necessárias para os nobres, depois para os cavaleiros, depois para os burgueses, depois para a plebe creio que já não havia mais a bancada das “vestais” porque elas se tinham extinguido. Mas enfim, os senhores imaginem tudo isso e, ao lado do imperador, um oficial.
Podem imaginar, naturalmente, esse militar revestido do traje de um oficial romano. Quer dizer, com aquele capacete, aquela couraça, aquelas armas, em pé, imóvel junto ao imperador. Esse oficial é um homem de alta categoria. O livro fala aqui em “duque”. É um anacronismo, não havia ainda propriamente duques, mas devia ser “dux”, quer dizer, um chefe. Era chefe de duas importantíssimas unidades do império romano, e que tinha vindo a Roma trazendo tropas para serem encaminhadas na luta contra a Pérsia.
Ele estava, portanto, na tribuna imperial, provavelmente muito mais como uma distinção. Era, portanto, um hóspede de honra. Em certo momento, enquanto dois sacerdotes estão sendo martirizados e enquanto o povo olha para aquilo com uma alegria própria de hienas e de chacais, em certo momento um homem se levanta.
É Artêmio que se levanta e dirige uma apóstrofe ao imperador. E, como os senhores ouviram, longa, durante a qual o imperador, que era um homem odientíssimo e impulsivo, não disse uma só palavra e deixou-o dizer tudo quanto queria. E essa apóstrofe é magnífica! Ela mostra bem o caráter do católico combativo que não se limita a deixar-se matar, mas que toma iniciativa, que interpela. E os senhores sabem que ninguém gosta de responder interpelações…
O resultado é que, em vez do imperador dar razões, pergunta quem é aquele. Informam-no e ele manda torturar para ver se apostata. Não dando certo a tortura, manda matar o homem.
A apóstrofe de Santo Artêmio merece ser considerada um pouco mais vagamente. Pelo menos dar o esquema, a síntese do que disse. Na primeira parte, perguntou ao imperador qual é a razão pela qual tortura aqueles homens santos. E sabendo que o imperador não tem razão para torturar, afirma que tenha cuidado porque ele, imperador, está sendo instrumento de Satanás para torturar a Igreja Católica e para persegui-La. Mas que isso é inútil, porque o poder dos demônios foi quebrado, depois de Nosso Senhor Jesus Cristo ter sido levado ao alto e crucificado. O poder das trevas está quebrado e toda a obra de conter o cristianismo, fracassará porque o demônio não tem mais a força antiga.
Vejam a bonita concepção que está subjacente a isso: a principal força da heresia e do mal está no demônio. E quebrada esta, a força do mal também está quebrada. Isso é uma concepção eminentemente contra-revolucionária, muito profunda, esplêndida!
Depois, prossegue. Ele afirma que o imperador, portanto, está fazendo uma obra além de injusta, inútil, porque será derrotado. Então, intervém o imperador e manda prendê-lo.
Quase que se poderia dizer que a outra cena se abre neste ou em outro circo romano. E é então Santo Artêmio que está sendo martirizado e faz, então, uma oração. E uma voz do Céu lhe diz algo. Os senhores podem imaginar o silêncio na arena e na arquibancada… Aquele homem vigoroso, varonil, de alma inquebrantável, que pede licença para fazer uma oração e faz em alto e bom som.
Qual é o esquema de sua oração? Ele declara que a perseguição que a Igreja está sofrendo é um castigo por causa da heresia de Ario. E então ele tem um duríssimo ato de increpação contra o arianismo. Como é que se pode compreender que a Igreja esteja sofrendo um castigo por uma heresia que Ela condenou?
A resposta é muito simples: Ela condenou a duras penas. A massa quase completa dos católicos ficou ariana. São Jerônimo, se não me engano, foi quem teve essa expressão: que o mundo de repente acordou e percebeu que se tinha tornado ariano. E foi preciso uma luta tremenda para que essa heresia fosse derrotada, em que os santos foram perseguidos, em que se verteu muito sangue, e o mundo não se converteu inteiramente da heresia de Ario.
Depois do arianismo apareceu o semi–arianismo, que era uma tentativa velada de restaurar a heresia de Ario. E então, para esse império romano decadente, decadente enquanto católico e não apenas enquanto pagão, para essa Igreja decadente que saíra das catacumbas e que no último período das catacumbas já engendrava heresias, devia vir um castigo. E esse castigo era o castigo X por causa disso. E ele faz um ato de reparação.
Há aqui um princípio de ordem universal que se aplica a nossos tempos também.
Essa moleza enorme dos que são relativamente bons para combater as heresias do nosso século merece um castigo também. E seria, por si, uma razão para atrair os castigos profetizados por Nossa Senhora em Fátima.
Tudo quanto os verdadeiramente católicos sofrem na defesa da doutrina católica, isso tem como culpa não só os que os fazem padecer, mas também os que não os defendem inteiramente, não se levantam para tomar a posição deles. E quando se aproximam com palavras amáveis dos autenticamente católicos, em geral é para trair ou para fazer qualquer outra forma de mal. E isso merece seu castigo. Assim como o pecado cometido contra a glória de Deus e contra os santos no tempo, vão ter o seu castigo, assim também isso tem o seu castigo.
Uma voz respondeu do Céu que a oração de Santo Artêmio seria ouvida, e que além disso o imperador apóstata pereceria na Pérsia. Portanto, ele e alguns outros tiveram já a profecia da morte do imperador, que teria um sucessor cristão e que a idolatria seria irremediavelmente destruída. Ou seja, apesar de tudo isso, vinha um castigo purificador, poderia ainda haver outras crises, mas a idolatria não renasceria mais.
Depois de ter ouvido isso, Santo Artêmio agiu de modo análogo ao do Profeta Simeão, que disse: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque meus olhos viram o Salvador”. Ele pode bem ter pensado: Senhor agora podeis mandar em paz vosso servo, porque esses ouvidos ouviram, no fim, o anúncio da derrota daquele que é a causa de todos os flagelos e a afirmação de vossa vitória. Morro em paz. Naturalmente, inclinou a cabeça e foi morto.
O que Santo Artêmio não viu nem soube é que tantos séculos depois o seu suplício e sua varonilidade serviriam de estímulo para pessoas e nações que ele nunca imaginaria que pudessem vir a existir, em continentes que naquele tempo estavam – sabe-se lá! – com que tupiniquins, tabajaras, incas e outros por aqui. Assim são as coisas da história da Igreja…
Os senhores sofrem hoje, os senhores lutam hoje, os senhores não sabem, provavelmente, de que auxílio isso será para os católicos dos últimos tempos, que será a aflição suprema quando, afinal de contas, estiverem esperando a hora de Nosso Senhor chegar, porque nada mais se aguenta e está tudo perdido. Eles meditarão, provavelmente, nas lutas e nos sofrimentos dos contra-revolucionários, meditarão na espera da realização das profecias de Fátima e terão nisso um conforto que, de todo coração, desejamos que as almas deles recebam pela ação dos contra-revolucionários.