Santo Eugênio bispo e mártir, e companheiros (13 de julho) – Como a Revolução gnóstica e igualitária requintou a malícia da impiedade dos primeiros tempos da Cristandade

Santo do Dia, 12 de julho de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

Amanhã, dia 13, é festa de Santo Eugênio e companheiros, na perseguição dos vândalos. Hoje, dia 12, continua a festa, a novena de Nossa Senhora do Carmo e amanhã também.

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Santo Eugênio, estátua medieval (em Milão – Self-published work by G.dallorto, Attribution)

Os Srs. estão vendo que é a festa, portanto, de muitos santos: Santo Eugênio e uma quantidade enorme de outros, que foram vitimados durante a perseguição dos vândalos. Sobre esta perseguição e sobre a vida de Santo Eugênio e esses mártires, Godescard, em “La Vie des Saints”, traz alguns dados impressionantes.

“Em 458, diz ele, Genserico, rei dos vândalos e alanos, apoderou-se da África”.

A situação era a seguinte: antes da queda do Império Romano do Ocidente, a África do Norte toda era colônia romana e perfeitamente civilizada. Com a queda do Império Romano, os bárbaros começaram a invadir o império e em grande número esses bárbaros eram arianos, quer dizer, cristãos já batizados, mas hereges e dotados de um verdadeiro furor contra a Igreja Católica. Uma nação mais feroz do que as outras. A nação dos vândalos atravessou a Gália, que hoje se chama França, depois atravessou a Península Ibérica e foi ter na África do Norte.

Na África do Norte, então, atacou as colônias romanas muito florescentes que havia naquele tempo, em que uma cultura e uma civilização clássicas de alto requinte se desenvolviam. Foi tal a decadência desses lugares que, por exemplo, a agricultura se retraiu e muitas dessas partes, que eram plantadas e férteis, passaram a se constituir em deserto, por causa da decadência no trato da terra. E não é raro encontrar, em pleno deserto, hoje em dia, ruínas de cidades romanas, de tal maneira se tornou infeliz o destino daquela parte da África, em virtude da invasão dos vândalos.

Os vândalos eram a nação bárbara mais feroz e daí vem a expressão usada até hoje de qualificar alguém de “vândalo”, quando é um destruidor estúpido de obras de arte, uma pessoa de uma brutalidade, de uma falta de cortesia e de compostura que faz dela um verdadeiro selvagem. Vândalo e selvagem são palavras que se tornaram mais ou menos sinônimas. Então, é desses vândalos e da ação destruidora deles no norte da África, que trata essa ficha.

Então, está escrito aqui:

“Os vândalos eram arianos e bárbaros, deixando, onde passavam, total desolação, além de terem por costume a perseguição aos católicos, especialmente aos bispos. A pedido do imperador Valentiniano, Genserico permitiu aos fiéis de Cartago que escolhessem um pastor para essa Sé vacante há já vinte e quatro anos”.

Quer dizer, Genserico, rei dos vândalos, não queria nomear um bispo para Cartago, que era a mais importante das cidades da África do Norte. Mas como o imperador romano, que tinha poder e, sobretudo, um grande prestígio, pediu essa nomeação, então Genserico concordou.

“Eugênio, famoso pela santidade, foi escolhido com grandes festas, especialmente dos jovens, que nunca haviam visto sagração episcopal”.

Os Srs. estão observando como mudaram os tempos. A sagração episcopal era um espetáculo bonito, todo mundo gostava de ver. E os jovens, pelo amor às festas, queriam comparecer para ver sagrar um bispo. Os Srs. veem a inocência das condições ainda naquele tempo. Como havia mais apetência, como festa e como divertimento, de assistirem uma cerimônia grave, sublime, como isto atraía as pessoas. Hoje um grande número de pessoas não quer assistir uma sagração episcopal. Por quê? Porque é grave, sublime, e não é uma chanchada que possa ser vista na televisão. Como as coisas mudaram profundamente…

“Entretanto, instigado pelos arianos, o novo rei, sucessor de Genserico, começou a perseguir o prelado, atingindo também os fiéis com sua cólera. Numerosas virgens consagradas foram torturadas horrivelmente. Bispos, padres, diáconos e leigos, em número de cinco mil, foram exilados no deserto”.

Não sei se os Srs. se dão bem conta do que representa ser exilado para o deserto: condições de vida insuficientes, ou de todo em todo inexistentes, e as pessoas reduzidas ali, sem defesa, a viver no meio de feras, de intempéries, uma vida miserável, ou a morrer… Quer dizer, cinco mil pessoas foram assim condenadas para o deserto.

Os Srs. podem constatar, por este fato, a malícia da Revolução.  Ela fala da crueldade da Inquisição. Se a Inquisição tivesse feito uma coisa dessas, seria uma dessas condenações famosas, e todo mundo diria: “E aquelas cinco mil vítimas que a Inquisição mandou para o deserto? Que conta você dá? Criancinhas, velhos, virgens, mães de família?! Você não tem pena dessa gente sentindo sede?! O tremor das crianças durante a noite, vendo uivar os lobos? Para você não diz nada? Fanático!” Porém como isso não foi feito pela Igreja contra Seus inimigos, mas por estes últimos contra a Igreja, silêncio… Não se fala…

Agora, que a Inquisição tenha mandado matar um herege qualquer, ou queimar um ou dois, ou cinco hereges numa cidade espanhola… “ó, pobres hereges… Cinco! Já pensou que representação?…” É desta má fé que é feita a Revolução.

Aliás, eu não quero fazer um Santo do Dia muito extenso, mas não me contenho em mostrar como a Revolução cresceu de malícia num outro ponto: esses vândalos penetravam na África, começando por perseguir os bispos, como foi lido há pouco. É exatamente o que o comunismo e o nazismo não fazem; não tocam nos bispos, mas sim na base e deixam os pastores em paz…

Isto constitui malícia muito maior. Porque o pastor vendo partir uma ovelha, duas, cinco ovelhas, pensa: “Algum dia chega a vez do pastor! Como é este negócio? Depois não se pode dizer que esta gente seja tão ruim assim. Por que vou brigar com eles? Não me mataram… Ora, eu sou a coluna dessa Igreja. Se eles não derrubaram a coluna, vale a pena poupá-la, senão cai toda a Igreja. Então não vamos lutar, mas fazer um conchavo…”

Os Srs. podem se dar conta de que o vândalo que irrompe num palácio episcopal, com uma espada em punho para matar o bispo – o que constitui um crime odioso, que deve ser evitado obviamente -, esse vândalo é menos malicioso do que o político sagaz que diz: “Não persigam o bispo! Deixem-no em paz,  com o fornecimento normal de víveres para seu palácio. Atinjam os outros, mas não toquem no bispo!…”

Então quando se diz “um vândalo”, há qualquer coisa que quase diria de onomatopaico, de fonético, de musicado em “o vândalo”. A gente tem a impressão que eles entram todos aos ventos de uma tropa, de uma horda que chega montada a cavalo sem sela, dirigindo o cavalo à brida solta, de olhos injetados, exclamando brados, passando dentro de palácios e choupanas, parando, matando gente, tocando fogo e depois continuando…

É verdade e é horroroso ser um flagelo de Deus. Mas como a malícia requintada é pior e mais execrável do que a violência. E como cresceu em malícia a Revolução. Aí os Srs. estão vendo o que é o progresso do mal na humanidade. E como era necessário que o ultramontanismo progredisse e que a religião católica se acentuasse, à medida que se acentua o mal. O contrário nem se compreenderia.

Bem, então assistimos a esta cena:

“As virgens consagradas foram torturadas horrivelmente; bispos, padres, diáconos, leigos, em número de cinco mil, foram exilados. O povo seguia seus bispos com velas nas mãos, enquanto mães carregando seus filhos imploravam aos prelados: Quem nos deixais, indo ao martírio? Quem batizará nossas crianças? Quem nos dará a penitência e nos reconciliará com Deus? Quem nos enterrará após a morte? Quem oferecerá o sacrifício divino? Deixai-nos ir convosco”.

Quer dizer, o povo – indignado – pedia para participar do exílio e do martírio. Que coisa linda esses bispos, clérigos, leigos, virgens, caminhando ou para o martírio ou para o deserto, com uma procissão de gente com vela na mão, chorando a partida deles e desejando o martírio ou o deserto para não ficarem privados da companhia de seus verdadeiros hierarcas e pastores. São estas as cenas que a perseguição hoje evita. Ela – de todos os modos – evita que isto se dê. Por quê? Porque ela compreendeu que assim não ganha terreno… e se tornou extraordinariamente mais maliciosa.

Continua a ficha:

“Após uma conferência [doutrinária] entre ortodoxos [católicos] e arianos, exigida pelo rei Hunerico, que implicava com o nome de católico, a perseguição acendeu-se sob várias formas”…

Quer dizer, a conferência não chegou a resultado algum.

“…especialmente contra os vândalos que haviam abjurado o arianismo. Deram os mártires notáveis exemplos. Uma mulher de nome Denise, cruelmente torturada, só se preocupava que seu filho, de delicada compleição, se deixasse abater. Vendo-o tremer ante o suplício, não vacilou”…

Vejam que linda apóstrofe!

“Lançando-lhe um olhar, disse: Meu filho, lembra-te que fomos batizados no nome da Trindade, no seio da Igreja, nossa Mãe. E o jovem enfrentou corajosamente o martírio”.

Se uma mulher romana ou grega tivesse feito isto em favor da pátria, havia estátua em louvor dela… Se ela tivesse um nome qualquer de matrona – Cornélia, por exemplo -, todo mundo diria: “Mas que heroísmo! Cornélia, a grande! Que Roma grandiosa que produziu uma mulher assim que, na hora de sua morte e de seu filho, não pensava na sua própria morte nem se enternecia com a do filho, e só cogitava na grandeza da pátria romana”.

Então, garanto para os Srs. que haveria praça Cornélia, rua Cornélia, Cornelópolis, com ode à Cornélia, hino à Cornélia, a grande mulher…

Como isto não foi feito por patriotismo, mas por um sentimento incomparavelmente mais alto ainda, que é a fé católica, por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, este fato sublime fica enterrado, não se conta!…

Entretanto, os Srs. querem maior superação da natureza pela graça do que esta? Toda mãe, quando vê que vai morrer, pensa no filho que deixa. Mas, se vê a vida do filho ameaçada, ela só se preocupa com isto e dirá ao juiz: “Mate-me, mas solte meu filho!” Pois bem. Esta não estava preocupada com isso. Mas queria que seu filho perseverasse até o fim e seu último pensamento foi de animar o filho! É o uso da autoridade materna, ou da autoridade paterna, não para desviar da vocação, não para afastar do cumprimento do dever, mas para levar até o holocausto.

Esta mãe poderia ser a padroeira de tantas e tantas mães que conhecemos, das quais a Igreja pede que o filho dê tanto menos do que sua vida, apenas a perseverança dentro do Grupo, e que chegam às vezes a se distanciar do filho, só porque o filho segue a verdadeira doutrina católica.

Continua a ficha:

“Deve-se notar” – é outro traço frisante dessa ficha – “que os bispos cismáticos, que eram os bispos vândalos arianos, hereges, tornaram-se cruéis perseguidores”.

Quer dizer, eles foram perseguidores implacáveis. Pois a corrupção do ótimo é péssima, e nada pior do que um mau bispo, porque nada de mais admirável do que um grande bispo. Então, temos Santo Eugênio, do qual daqui a pouco se vai falar, mas temos também essa figura miserável dos bispos apóstatas.

Os católicos que haviam apostatado de medo do martírio, assinalaram-se pela crueldade para com os irmãos que continuaram”.

Isto é característico também. A corrupção do ótimo é péssima. Então, diz:

“Eupidófaro – um desses católicos apóstatas – foi nomeado juiz em Cartago. Trouxeram-lhe o diácono Murita, que o levara a batizar”.

Quer dizer, quando ele era pequeno, esse diácono tinha batizado esse juiz.

“Murita mostrou ao povo a veste branca com a qual cobrira, em criança, o agora juiz. Dirige-se ao povo e disse ao verdugo: “Esta veste te acusará diante de Deus, quando ele vier julgar os homens. Eu a guardei para servir de testemunho de tua apostasia e ela te precipitará no inferno. Esses linhos que te envolveram quando saíste puro das águas do batismo, redobrarão o teu tormento quando estiveres mergulhado nas chama eternas”.

Isto é falar! Quer dizer: “Tu vais ao inferno, abra os olhos! Tu expões a tua salvação eterna e aqui está o contraste: uma veste alva, do tempo em que eras filho de Deus; do tempo em que tua alma era o templo do Espírito Santo. Agora, mede a tua situação, fazes o paralelo e clama, porque o inferno está aberto a teus pés!” E isto voltado para o povo, para cobrir de ignomínia aquele juiz.

Os Srs. dirão: “Mas, Dr. Plínio, isto é muito duro!…” Eu direi: E quando Nossa Senhora, em Fátima, fez ver aos pastores as almas no inferno, condenadas no inferno, para aterrorizar a humanidade e evitar que os homens continuassem a pecar, isto era muito duro também? Então Nossa Senhora é dura? Existe dureza no Coração Imaculado de Nossa Senhora? Isto não é dureza. A dureza é não dizer essas palavras quando elas salvam, é não dizê-las nas ocasiões e nas situações psicológicas em que elas são indispensáveis para a salvação.

Este homem, dizendo isto ao juiz, ele se expunha a um martírio ainda mais terrível, e aí mesmo, ele praticava de modo admirável o conselho de Nosso Senhor: “Quando nós somos esbofeteados numa face, voltemos a outra face”. Porque ele, dizendo isto ao juiz, se expunha a um martírio ainda mais terrível, para salvar o próprio juiz. Isto é o modo admirável de praticar o perdão das injúrias. Admirável pela generosidade, mas também pela inteligência, porque ficava claro o que ele visava: o bem da alma daquele a quem ele confundia; a quem ele, pela salvação, insultava; em prol do qual, daqui a pouco, ele ia ser imolado.

Os Srs. vejam como ainda aí a Revolução requintou: os Srs. acham que ante um tribunal comunista é possível puxar uma túnica dessas e falar ao povo? Não é verdade que imediatamente ele seria morto ali na hora? Quer dizer, os Srs. constatam como, em todos os sentidos, a iniquidade e a Revolução se requintaram e se tornaram pior.

“O sucessor de Hunerico condenou o bispo Santo Eugênio à morte, acabando por exilá-lo no Languedoc, onde ele veio a morrer em julho de 505”.

Santo Eugênio, sendo o bispo de tantos mártires, ficou sendo o símbolo de todos eles e, portanto, a Igreja o colocou como a pedra preciosa num diadema. O diadema de ouro são esses inúmeros mártires; a pedra preciosa é o bispo que levou toda essa gente ao martírio. Um bispo que morreu longe de sua pátria, depois de grande sofrimento, num exílio, com certeza, com ameaça de morte a todo momento.

Aí está, portanto, a figura de Santo Eugênio apresentado no resplendor do rebanho que conduziu ao Céu, como verdadeiro bom pastor.

Rezemos por ele, rezemos pelos nossos pastores, rezemos por nós, para termos, com ou sem esses pastores, a fidelidade que devemos ter à Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, nossa Mãe santa, divina, indizivelmente amada.

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