São Frei Galvão (23/12): preparando o dia em que o Brasil inteiro seria uma grande nação escrava de sua Rainha, Nossa Senhora

Santo do Dia, 12 de outubro de 1970

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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S. Antônio de Sant’Ana Galvão (Frei Galvão, 1739-1822), o primeiro santo nascido em terras brasileiras, canonizado em 2007 pelo Papa Bento XVI quando de sua visita a São Paulo

 

Uma coisa curiosa que soube outro dia é a seguinte: também no Brasil a devoção a Nossa Senhora – a título de escravo dEla – ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort, entrou aqui muito mais cedo do que se supunha.

Sempre tive a ideia — porque quando eu era pequeno, nunca ouvira falar da escravidão a Nossa Senhora. Apenas quando era mais moço e muito mais tarde quando comprei o ”Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora” de São Luís — em francês, vindo da França — e depois conheci algumas pessoas que falavam da escravidão a Nossa Senhora porque tinham lido o “Tratado” em francês.

Assim, fiquei com uma impressão vaga, difusa de que no Brasil nunca ninguém tinha conhecido a verdadeira devoção a Nossa Senhora ensinada por São Luís Grignion e, por causa disso, Nossa Senhora não tivera escravos antes da penetração do livro de São Luís Grignion de Montfort no Brasil.

Lendo outro dia um livro [“Frei Galvão, Bandeirante de Cristo”] com a vida de Frei Galvão, aquele franciscano morto em odor de santidade – aliás vida muito bonita, muito cheia de pormenores interessantes, fundador do Convento da Luz e lá sepultado – vi estampada a fotocópia de um ato em que ele se constituía escravo de Nossa Senhora, com trechos inteiros tirados do “Tratado da Verdadeira Devoção”.

A gente vê que ele adaptou um tanto a consagração de São Luís Grignion, mas no essencial é inteiramente aquilo. É uma consagração muito longa, talvez mais longa que a de São Luís Maria Grignion de Montfort, e que ocupa, na caligrafia muito miúda dele, creio que os dois lados de uma página de papel amarelada, que está exposta, aliás, no Museu de Arte Sacra, contíguo ao atual Convento da Luz.

Tive a alegria, portanto, de saber que Nossa Senhora já teve escravos muito anteriormente a nós. E que neste país onde a propensão sobrenatural para a devoção a Nossa Senhora é uma das bênçãos que existem, talvez tenha tido, desde o início, escravos dEla vivendo aqui, e preparando o dia em que o Brasil inteiro seria uma grande nação escrava de sua Rainha, Nossa Senhora.

Nota: Para ler os artigos na “Folha de S. Paulo” que o Prof. Plinio escreveu a seu respeito, clique aqui.

 

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Fac-símile da “cédula irrevogável de filial entrega a Nossa Senhora” de São Frei Galvão, a 9 de novembro de 1766

 

Da obra “Vida do Santo Frei Antônio de Sant’Ana Galvão – Bandeirante de Cristo”, Maristela, Editora Vozes, 1954:
CÉDULA IRREVOGÁVEL DE FILIAL ENTREGA A MARIA SANTÍSSIMA MINHA SENHORA, DIGNA MÃE E ADVOGADA.
Saibam todos quantos esta carta e cédula virem, como eu, Frei Antônio de Sant´Ana Galvão, me entrego por servo e perpétuo escravo da Virgem Santíssima, minha Senhora com a doação livre, pura e perfeita de minha pessoa para que de mim disponha conforme sua vontade, gosto e beneplácito, como verdadeira mãe e Senhora minha. E vós, soberana princesa, dignai-vos de aceitar esta minha pessoa, sendo filial entrega, não duvideis em admitir ao vosso serviço este vil servo, e por isso não desmerece vossa grandeza, antes ficará de todo engrandecida, com me sublimardes à dignidade de servo vosso, esta vilíssima criatura. Nas vossas piedosíssimas mãos entrego meu corpo, alma e coração, entendimento, vontade e todos os mais sentidos, porque de hoje em diante corro por vossa conta e todo sou vosso; em meu coração arda sempre o fogo da vossa piedade e acenda-se para desejar o mais justo, o mais puro, o mais perfeito das virtudes, e aceito aos vossos olhos; porém, na parte inferior sinto a lei repugnante de meus membros, contrária à do espírito que me retarda e embaraça, temo, Senhora, me impeça o bom desejo, porém vós, piedosíssima Senhora, assisti-me e socorrei-me como vosso discípulo, ajudai-me como filho, obrigai-me como servo, quando eu retardar a resistir às tentações, o que não desejo fazê-lo de vontade, porém cairei de fraqueza, o que não permitais, para que não se glorie o inimigo do gênero humano e não alcance vitória desta batalha e que de vossas mãos arrebate meu corpo e alma pela humana fragilidade, e se por miséria minha vos deixar algum dia, o que não espero, e não haveis de consentir pela vossa piedade, antes me tireis a vida, que ofender o vosso Bendito Filho meu Senhor, não permitais fique desamparado com me expulsardes do ditoso número de vosso servos e escravos, mas antes alcanceis perdão de minhas culpas, reduzindo-me à vida perfeita até a morte, para que nessa glória vos louve e dê graças eternamente, para o que vos ofereço desde agora todos os meus pensamentos, palavras e obras e tudo o mais meritório que fizer, e indulgências que ganhar para que apresenteis junto com os vossos merecimentos a vosso Filho Santíssimo, dispondo de todos eles conforme for vossa vontade e se for de vosso agrado que sejam em sufrágios pelas almas; sejam que também será a minha vontade, que desejo estar sempre unida à vossa, excetuando com licença e beneplácito vosso, alguns merecimentos e obras, que eu aplicar por alguma intenção se assim também for de vosso agrado, ficando tudo o mais aplicado e por aplicar como fica dito, e esta minha determinação e intenção quero que atualmente em minhas obras sempre existam e para que certamente o que por mim indigno desmereço, vos peço pela Paixão, Morte e chagas de vosso Filho de vosso Filho santíssimo, pela vossa pureza e Conceição Imaculada e por todas as graças e dotes que são do vosso maior agrado. Sejam também meus intercessores o Arcanjo São Gabriel e o Anjo de minha guarda e todos os mais anjos de todos os coros angélicos e todos os santos e bem-aventurados, principalmente meu P. [pai] S. Francisco, digo primeiramente os gloriosos santos vossos pais e esposo, meu P.S. Francisco, Santa Águeda, o santo do meu nome, São Pedro de Alcântara, Santa Gertrudes, meu P. [pai] S. Domingos, São Tiago Apóstolo, São Benedito, os reis magos, São Jerônimo, Santa Teresa, São Francisco de Borja, a minha mãe Isabel, irmãos, parentes e amigos, se é que todos gozam da vossa vista como o espero e piamente suponho, e a todos os mais que é de vossa vontade que eu peça em particular. E rogo a todos estes referidos santos que orem a vós por mim e me sirvam de testemunhas irrevogáveis desta minha filial entrega e escravidão. E para que conste que esta minha determinação foi feita em meu perfeito juízo, faço esta cédula de minha própria letra e assinada com o sangue do meu peito.
Hoje, dia do patrocínio de minha Senhora e Mãe de Deus,
9 de novembro de 1766.
De minha Senhora Maria Santíssima indigno servo
Frei Antônio de Sant’Ana”.

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