Santo do Dia, 28 de dezembro de 1968
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
São Tomás Becket (1117-1170)
Amanhã é festa de São Tomás Becket. A seu respeito, temos uma notícia hagiográfica de Dom Guéranger, de seu livro L’Année Liturgique:
“O século XVI veio acrescentar algo mais à glória de São Tomás Becket, quando o inimigo de Deus e dos homens, Henrique VIII da Inglaterra, ousou perseguir com sua tirania o mártir da liberdade da Igreja, até em seu esplêndido relicário, onde recebia há quatro séculos as homenagens e a veneração do exército cristão”.
São Tomás Becket foi um bispo de Canterbury (Cantuária), cidade que resistiu a várias medidas tomadas pelo rei da Inglaterra, Henrique II, no sentido de se apossar do governo da Igreja naquele país. Ele queria dirigir a diocese de Canterbury, transformando o bispo numa espécie de lacaio mitrado. E uma vez que o mais importante dos bispos ingleses cedesse à tentação, era natural admitir que outros bispos menos importantes o imitassem e que a Igreja na Inglaterra, toda ela, se transformasse numa repartição pública.
São Tomás Becket foi morto, por ordem do rei da Inglaterra, na sua catedral, numa noite trágica; foi mártir da liberdade da Igreja. Durante quatro séculos foi homenageado pelos ingleses, tendo sido canonizado, seu corpo jazia num relicário esplêndido na catedral da Cantuária, quando a Inglaterra caiu no protestantismo.
O rei Henrique VIII (1491-1547) da Inglaterra instituiu a Igreja Anglicana, que é, no fundo, uma seita protestante e na qual se realizava o sonho ímpio dos antigos reis ingleses. Henrique VIII proclamou-se chefe da Igreja Anglicana, com a administração também espiritual dessa Igreja. Os senhores sabem que os reis da Inglaterra, na própria cerimônia da coroação existe um trecho em que são investidos no episcopado. De maneira que todos os reis ingleses seriam bispos verdadeiros, se as ordens conferidas pela Igreja Anglicana fossem verdadeiras…
Acontece que é tão artificial dizer que esse rei é bispo, e cria tais dificuldades teológicas a rainha bispa – como já mais de uma vez houve – que nem fotografam, nem cinematografam e reproduzem esse trecho, o qual está reduzido, no cerimonial, ao mínimo. Mas o rei da Inglaterra, depois de Henrique VIII, passou a ser investido na dignidade episcopal, numa espécie de presidência da Igreja da Inglaterra.
A partir do momento em que Henrique VIII se declarou separado de Roma e chefe da Igreja da Inglaterra, ele tinha, naturalmente, que injuriar as relíquias de quem tinha morrido para que esse fato não se desse. Ordenou ele, então, pessoas irem à sepultura de São Tomás Becket para profaná-la, como aqui vem narrado. E nesse ponto Dom Guéranger faz esse comentário: é uma glória a mais de São Tomás Becket que sua sepultura tenha sido profanada pelo homem nefando que separou a Inglaterra da Igreja Católica, que foi Henrique VIII.
Escreve Dom Guéranger:
“Os ossos sagrados do bispo morto pela justiça foram arrancados do altar. Um processo monstruoso foi instituído contra o pai da pátria e uma sentença ímpia declarou Tomás criminoso de lesa majestade”.
Os senhores estão vendo o ridículo: fizeram um processo contra ele de lesa majestade, com os ossos arrancados do altar; foi condenado, para infamar sua memória, como se tivesse sido réu de lesa majestade.
“Esses restos preciosos foram colocados sobre uma fogueira e nesse segundo martírio o fogo devorou os despojos do homem simples e forte, cuja intercessão atraía sobre a Inglaterra os olhares e a proteção do Céu. Também era justo que o país que devia perder a fé por uma desoladora apostasia, não guardasse em seu seio um tesouro que não seria mais devidamente estimado.
“Além disso, a sede de Canterbury estava manchada: Cromwell sentava-se na cadeira dos Agostinhos, dos Dunstans, dos Lanfrancs, dos Anselmos, dos Tomás. E o santo mártir, olhando ao redor de si, não teria encontrado, entre seus irmãos dessa geração, senão João Fischer, que consentiu em segui-lo até o martírio. Mas esse último sacrifício, muito glorioso que fosse, não salvou nada. Desde muito, a liberdade da Igreja perecera na Inglaterra. A fé, lentamente, apagar-se-ia”.
Dom Guéranger – muito a propósito – mostra que era explicável esse processo monstruoso. Pelas suas próprias mãos, a Inglaterra protestante destruiu um tesouro do qual não era mais digna de conter. Ela se privou, pelo seu próprio crime, da presença das relíquias de um santo, que seria um intercessor ainda válido para evitar que a Inglaterra caísse nos últimos degraus da apostasia. E com isso consumou-se até o fim o crime.
E comenta: além disso, a Igreja na Inglaterra não era mais digna desse tesouro. Todos os bispos da Inglaterra, com exceção do cardeal João Fischer, apostataram; padres, freiras etc. na sua quase totalidade, aceitaram a passagem para o protestantismo com uma passividade simplesmente indecente, vergonhosa, como aconteceu na Suécia, na Noruega, na Dinamarca, em certas partes da Alemanha. Foram conventos inteiros, dioceses inteiras, populações inteiras que, com a maior indolência, quando não com a maior alegria, deixaram a religião católica e se fizeram protestantes…
Então diz bem Dom Guéranger: nesse país todo feito de apostasia, se São Tomás Becket estivesse presente, com exceção do cardeal Fischer, não teria encontrado um bispo decente. O resultado: era melhor que seus ossos desaparecessem. E está muito bem raciocinado!
Vejam como se faz a história: de episódios que ninguém conta e que ninguém comenta. Entretanto, nisso há uma verdadeira glória para o santo.
Qual é a glória para o santo nisso? Ser odiado pelos maus é uma glória. Sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma glória. É uma glória que o exemplo dado por um homem tenha sido tão magnífico, que os maus não conseguem violar os Mandamentos da Lei de Deus sem primeiro destruir as relíquias que ele deixou. Isso constitui uma verdadeira glória!
Quer dizer, ele até depois de morto era uma barreira e foi preciso que essa fosse removida, para que a caudal da heresia pudesse continuar.
Ora, não há nada de mais belo do que um homem deitado no seu jazigo, inerte, posto na sombra da morte, ao menos quanto ao seu corpo, e que, entretanto, ainda é uma tal sentinela que só se passa adiante o eliminando. É uma verdadeira beleza! Santa Teresinha dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem sobre a terra, como “chuvas de rosas”. São Tomás Becket, à sua maneira, fez isso. Ele passou quatrocentos anos fazendo bem sobre a terra. Seu corpo era uma trincheira, pavor para os adversários. Isso é ou não é uma verdadeira beleza?
Lembro-me de uma poesia de Louis Veuillot a respeito de sua própria sepultura. Dizia que sua suprema alegria seria que suas cinzas ainda incomodassem o adversário, tão longe quanto possível, e tivessem arrancado a máscara da hipocrisia.
Como eu gostaria de saber que não só a minha sepultura, mas a de cada um dos senhores, é um marco de divisão e de escândalo! Porém mais, muito mais do que isso, gostaria de outra coisa – e sugiro aos senhores que peçam isso para si também – é que, indo ao Céu, nos seja dado voltar continuamente à terra para atormentar e perseguir os maus, confundi-los, passar descomposturas, incutir terror, sugerir falsos planos e batalhar contra a Revolução gnóstica e igualitária de todos os modos possíveis e imagináveis.
Isso, que queremos fazer em vida, devemos querer fazer depois de mortos. E quem sabe se seria um lindo continuar do apostolado da TFP, se todos nós, do Céu, continuássemos a deitar sobre a terra essa e outras magníficas “chuvas de rosas”, à maneira de Santa Teresinha.