São Toríbio de Mongrovejo (23/3), inquisidor e bispo de Lima

Santo do Dia – 22 de março 1966

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

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Amanhã é festa de São Toríbio de Mongrovejo.

“São Toríbio nasceu em 1.538, em Mayorca, Espanha, de uma nobre família. Desde a infância revelou gosto pela virtude e um extremo horror ao pecado, ao lado de uma grande devoção à Santíssima Virgem. Cada dia recitava Seu Ofício e o Rosário, e aos sábados jejuava em Sua honra.

Com inclinação para os estudos, fê-los em Valladolid e Salamanca. Felipe II veio a conhecê-lo; notando-lhe as qualidades, nomeou-o primeiro magistrado de Granada e Presidente do Tribunal da Inquisição dessa cidade, cargo que exerceu de forma excepcional durante cinco anos. Vagando a sé episcopal em Lima, no Peru, o soberano chamou-o para o cargo apesar de seus veementes protestos. Foi sagrado sacerdote e bispo e assumiu o seu posto aos 43 anos de idade.

Sua diocese era imensa e os costumes dos espanhóis e outros conquistadores, ao lado do clero, deixavam muito a desejar.

“Ao lado do clero”, os senhores entendem o que quer dizer, não é? É juntamente com o clero.

Os selvagens, por sua vez, estavam abandonados ou eram perseguidos. São Toríbio não se deixou desanimar; resolveu aplicar as decisões do Concílio de Trento para reformar a região.

Dotado de excepcional prudência e zelo ativo e vigoroso, começou pela reforma do clero, tornando-se inflexível para qualquer escândalo que daí viesse. Tornou-se o açoite dos pecadores públicos e o protetor dos oprimidos. Foi duramente perseguido por isso.

Como alguns cristãos dessem à lei de Deus uma interpretação que favorecia os pendores desregrados da natureza, mostrou-lhes que Cristo era a Verdade e não um costume e que em Seu tribunal nossos atos seriam pesados não pela falsa balança do mundo, mas pela balança do Santuário.”

Linda a expressão, não?

“Conseguiu o nosso santo o que queria e voltou-se à prática das máximas evangélicas com enorme fervor, principalmente com a chegada do virtuoso Vice-Rei Dom Francisco de Toledo.

Infatigável pela salvação da menor das almas de seu rebanho, não poupava nenhum trabalho. Protegeu os índios, chegando a aprender, em idade avançada, vários de seus dialetos para poder ensinar-lhes o catecismo. Toda essa atividade era iluminada por intensa piedade. Missa, longa meditação diária, longas horas de oração e severas penitências. Sua prece era contínua, pois a glória de Deus era o fim de todas as suas palavras e ações.

São Toríbio caiu doente em Santa, uma cidade distante de Lima. Previu sua morte, e distribuiu seus bens aos seus criados e aos pobres. Repetindo sem cessar as palavras de São Paulo, “Desejo ser libertado dos laços de meu corpo para unir-se a Cristo”, morreu dizendo com o profeta: “Senhor, em tuas mãos entrego meu espírito”. Era 23 de março de 1.606 quando expirou o grande apóstolo do Peru”.

É uma tão bonita biografia que quase não dá vontade de fazer comentários. Em todo caso, vamos tomar alguns aspectos desse assunto e considerá-los.

Primeiro deles, naturalmente, é a excepcional devoção desse santo a Nossa Senhora. Todos nós sabemos bem que sem devoção a Nossa Senhora não há santidade e que a santidade está de algum modo na medida da devoção a Nossa Senhora.

Mas, depois, passamos um pouco para a consideração de coisas do tempo.

Este homem tão piedoso é notado pelo rei Felipe II, e logo que o nota, ele o chama para o poder judiciário.

Os senhores imaginem alguém contar alguma coisa assim: O Presidente X, de tal país, esteve em tal lugar Y e ouviu falar de um homem muito religioso, que jejuava, que todos os sábados fazia penitência e rezava o Ofício Parvo. Quando o Presidente ouviu falar disso exclamou: “Oh! Aqui está o magistrado!” Os senhores acreditam?…

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Felipe II por Alonso Sánchez Coello (1557) Kunsthistorisches Museum, Viena (Áustria)

Se isso fosse publicado, ninguém acreditaria, porque todo o mundo sabe que nenhum chefe de Estado contemporâneo seleciona os homens verdadeiramente piedosos, verdadeiramente religiosos.

Agora, maravilha das maravilhas! Ele encontrou um homem piedoso, mas que não o era de uma piedade sentimental. O rei Felipe II, que era bem o contrário do homem de piedade sentimental – qualidade que não lhe pode ser negada em nenhum caso – vendo esse homem tão bom, chamou-o para a Inquisição. E eis então o nosso homem transformado em inquisidor. E este homem sai das sombras do santuário, das doçuras da sua piedade, para ser inquisidor e exerce tão bem o seu cargo que é depois nomeado bispo do Peru.

Os senhores estão vendo como isso significa, afinal de contas, toda uma atmosfera, toda uma época em que a virtude era procurada, era galardoada, era considerada como um instrumento para o bom andamento do governo de um reino. E os senhores vêem o pensamento de Felipe II mandando para o Peru um homem destes. Quer dizer, compreendendo muito bem toda a corrupção a que uma nação colonial estava sujeita, com a presença da elite na Espanha ou em Portugal, e a vinda do restante das respectivas sociedades para a América do Sul. Então a preocupação dele de tomar um homem eminente desses para implantar o reino de Cristo no Peru, para consolidar os fundamentos do reino de Cristo no Peru. Os senhores, então, podem perceber melhor como havia verdadeiro zelo da parte de Felipe II na propagação da fé.

Há uns patoteiros aí que dizem que a Espanha e Portugal, quando fizeram o descobrimento, só se interessavam por dinheiro. O que lucrava monetariamente Felipe II em implantar, em mandar um homem desse valor para o Peru, para fazer reformas de caráter espiritual? Nada!

Esse homem começa a agir, esse homem se transforma ali no açoite, porque ele é um santo autêntico, que sabe açoitar. Ele se transforma no açoite dos maus padres, reforma o clero, etc., mas sua ação é prestigiada por um outro homem de altas virtudes, que Felipe II manda para o cargo de Vice-Rei do Peru e que é Dom Francisco de Toledo.

Os senhores estão vendo um rei que Santa Teresa chamava de “nosso grande rei”, “nosso santo rei Felipe”. Os senhores estão vendo um santo Bispo Inquisidor, um santo Vice-Rei. Quem ouve falar nessas coisas nos dias de hoje?

Como nós baixamos! Como nós caímos! Como nós estamos em uma ordem de coisas tão tremenda que nossa tentação é até de achá-la natural! Às vezes se fala de certos caiçaras que moram no litoral, que são tão decadentes que até acham natural a vida que levam. Nós espiritualmente somos caiçaras, os homens do século XX. Estamos numa tal decadência que achamos natural haver certas “figuras” por aí, governando, mandando, falando, dirigindo, etc.

Nós não compreendemos o fundo do abismo em que estamos, visto que o normal é isso: que um bispo seja como São Toríbio de Mongrovejo. Isso é o normal! Normal é que o poder político esteja entregue a um rei ou a um vice-rei virtuoso; não a certos homens que vemos por aí. Até já perdemos a noção disso, os padrões disso se arruinaram.

Então, o que é que devemos pedir amanhã a São Toríbio de Mongrovejo?

Nós devemos pedir a ele que nos obtenha a graça de lutar pela cessação deste estado de impiedade em que a normalidade parece um conto de fadas, um conto de carochinha, e é este horror por aí que parece normalidade. E devemos pedir a esse Santo inquisidor a derrota do estado de coisas revolucionário e o triunfo da Contra-Revolução, a ele que tanto lutou como inquisidor pela Contra-Revolução. Do alto dos Céus, certamente, ele ouvirá com benignidade e com alegria a nossa prece.


A título de ilustração das dificuldades pelas quais passavam então os missionários de Cristo, transcrevemos uma

 Carta de Santo Toribio de Mogrovejo, Arzobispo de Lima (1579-1606), dirigida a S.M. Felipe III, Rey de España y de las Indias, referida a la Visita que hizo el Santo a Yauyos, fechada el 18 de abril de 1603:

“Aviendo pasado algún tiempo en la ciudad de los Reyes y celebrado synodo diocesano y acudido (…) en prosecución de la Visita de la Prov. de los Yauyos (…) catorce años que no havia ydo a confirmar a aquella gente en razón de tener otras partes remotas a que acudir (…) donde ningún prelado ni visitador ni corregidor jamás avía entrado, por los asperos caminos y ríos que hay y aviendome determinado de entrar (…) en grandes peligros y trabajos y en ocasión que pensé se me quebraba una pierna de una cayda sino fuera Dios servido de que yendose a despeñar una mula en una questa a donde estava un río se atravesara la mula en un palo de una bara de medir de largo (…) de una silla donde me cogió la pierna entre ella y el palo aviendo jaladome la mula asia abajo y socorriéndome mis criados (…) la fuerza para sacar la pierna apartando la mula del palo fue rodando por la questa abajo asia el río y si aquel palo no estuviera allí entiendo se hiciera veynte pedazos la mula y anduve aquella jornada mucho tiempo a pie con la familia y lo di todo por bien empleado por haver llegado aquella tierra y consolado a los indios y confirmándolos y el sacerdote que iba conmigo casándolos y baptizadolos que son cinco o seis pueblos dellos tiene los a su cargo un sacerdote que por tener otra doctrina no puede acudir allí sino es muy de tarde en tarde y a pie por caminos que parece subir a las nubes y bajar al profundo (…)

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