Surpresa surpreendente, Folha de S. Paulo, 16 de novembro de 1969

Plinio Corrêa de Oliveira

Sim, surpresa surpreendente. Não se trata de um erro de revisão ou de Português. É que — em face ao terrorismo “católico” — vejo surpresas certas pessoas de alta categoria e grandes responsabilidades. E essa surpresa me surpreende.

Há algum tempo meu arcebispo, o Emmo. cardeal Rossi, declarou à imprensa que desconhecia a existência de sacerdotes comunistas no Brasil. Mais recentemente, ao chegar de Roma, o sr. arcebispo do Rio, cardeal Câmara, declarou à imprensa haver informado ao Santo Padre Paulo VI que é inteiramente normal a situação do clero brasileiro. Pois não se pode considerar normal a situação de um clero em cujas fileiras o mais terrível dos inimigos haja conseguido notórias infiltrações

Explode agora o tumor da infiltração terrorista no clero. Isto é, da infiltração do comunismo de pior tipo, o que não se limita a defender o ateísmo, o materialismo, o desprezo à família e a negação da propriedade, mas vai além, e monta a matança, o seqüestro e o saque organizados.

Diante desse escândalo, que maior não poderia ser, tudo na atitude dos ilustres prelados — ao menos até esta manhã de quarta-feira, em que escrevo — é como se eles não se tivessem refeito da surpresa enorme que — presumivelmente — os aturdiu.

O público brasileiro, tão solerte e vivaz, não confunde, é claro, as afirmações da polícia com as conclusões de uma sentença judicial. Podem entrar, nos pronunciamentos policiais, imperfeições que cabe ao magistrado discernir, apontar e corrigir. Entretanto, o Brasil inteiro está persuadido de que o grosso dos fatos narrados é verídico. E este grosso é tão grosso — tão grossíssimo, se assim se pudesse dizer — que horrorizou a opinião pública. De norte a sul, os jornais, as rádios e as televisões se pronunciaram sobre o escândalo. Em todas as rodas foi este o tema obrigatório das conversas. De todos os lados nasceram clamores que se fundiram em um só e único clamor nacional.

É claro que a nação esperava encontrar na atitude das mais altas organizações e das mais categorizadas personalidades eclesiásticas um eco do que ela sentia, um grito de dor, um brado de protesto indignado diante das linhas gerais irrecusavelmente verídicas e protuberantemente terríveis do já apurado. Entretanto, o que a nação viu nas mais altas esferas religiosas nacionais foi o contrário: fechamento, reserva, protelação, espera circunspecta de novas informações, como se o que já é notório não bastasse para fundamentar uma calorosa atitude dos mais altos porta-vozes da CNBB.

Entenda-se bem. Não me espanta que esta última procure alegar as circunstâncias atenuantes que eventualmente o caso comporte. Nem que evite pronunciar-se sobre pormenores ainda incertos. Espanta-me, isto sim, que diante do que já é certo, notório, indiscutível, e brutalmente evidente, a CNBB até o momento se tenha calado, à espera de novas averiguações, como se, surpresa ante o ocorrido, ela ainda duvidasse. Essa incerteza diante do que é certo, essa surpresa diante do que era de esperar, isto é o que me surpreende.

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Com efeito, a infiltração comunista no clero, quem no Brasil a negava, a não ser uns poucos ambientes que vivem alheios à realidade atual ou certos meios simpáticos aos infiltradores?

O documento Comblin — que constitui nesta matéria um marco ao qual há que se voltar sempre — pôs às escâncaras as tendências comunistas e os propósitos subversivos de certa facção do clero. Pois ele não envolveu só o padre Comblin, mas quantos clérigos pela imprensa ou outros meios se manifestaram simpáticos ao “comblinismo”. Por isso mesmo, no vitorioso abaixo-assinado da TFP, 1.600.368 brasileiros, entre os quais 15 bispos, numerosos padres e religiosas, ministros de Estado, altas patentes das três Armas, professores universitários, parlamentares, pessoas de todas a classes sociais, pediram a S.S. Paulo VI medidas urgentes sobre o assunto. Todos viam, todos sabiam. Exceto as mais altas esferas da CNBB, onde se continuou a afirmar que ia tudo normal.

Por isso mesmo, o padre Comblin continuou com livre trânsito nos meios eclesiásticos. Tanto é que tem uma série de artigos anunciados para a revista “Grande Sinal — Revista da Espiritualidade e Pastoral”.

Diante de um abaixo-assinado monumental, que já hoje constitui um episódio da História do Brasil contemporâneo, silêncio, inércia, portanto recusa, da alta direção da CNBB. “Silêncio” disse eu há pouco. E disse mal. Pois não houve só silêncio nas declarações otimistas que importavam num desmentido ao abaixo-assinado. Vem agora o caso policial. Reação das mesmas esferas: surpresa.

Essa surpresa para mim é surpreendente.

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Manda a objetividade que eu dê um passo a mais. A surpreendente surpresa é tão grande, que parece ter imobilizado a alta direção da CNBB. Esta se acha, ao que parece, toda posta em acompanhar os inquéritos policiais, e a esperar o que eles revelem. As circunstâncias, entretanto, estão a pedir muito mais da CNBB.

Com efeito, a segurança interna da Igreja clama por que a CNBB abra uma vasta investigação, de natureza inteiramente eclesiástica, para averiguar toda a extensão do tumor que explodiu. Bispos, padres, religiosas, leigos, quantos enfim quisessem depor, perante os órgãos eclesiásticos, deveriam ser chamados a fazê-lo, com amplas garantias contra eventuais perseguições ou pressões (e jamais será suficiente insistir neste ponto). Não vejo que algo disto se esteja fazendo. E, contudo, isto é para a CNBB o único caminho que me parece coerente com a situação catastrófica a que se chegou. A Igreja, assim, estaria em condições ideais para — em colaboração com o Estado — acautelar-se a si própria, e ao Brasil, contra o perigo imenso.

Mas, ao que parece, a surpresa, a surpresa surpreendente, cria tropeços para as providências mais necessárias. Pelo menos até o momento…

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