Folha de S. Paulo, 12 de agosto de 1980
Plinio Corrêa de Oliveira

Analisei em meu último artigo um aspecto da reação do público brasileiro ante a personalidade de João Paulo II. Reação esta muito abrangente, pois, à maneira de imensas vibrações, perpassou extensas massas humanas em todos os setores da opinião pública. Homens de esquerda, como de centro ou de direita, católicos, protestantes, cismáticos, judeus, budistas, maometanos, espíritas, ateus: afluíram eles em quantidade para ovacionar João Paulo II, num tumultuoso movimento de alegria. Deixava isto entrever, nessas multidões sobressaltadas, politorturadas de nossos dias, a esperança de que, em contato com os dotes pessoais – personalíssimos – do papa Wojtyla, receberiam, juntamente com eflúvios de otimismo, de alegria, de simplicidade e de saúde, um peculiar “know-how” para resolver, segundo fórmulas inéditas, os problemas de cada indivíduo, de cada família, da nação inteira.
Por certo, no ânimo dos católicos não havia só esta esperança, mas também a convicção de que Karol Wojtyla é o sucessor de Pedro. Mas esta nobre convicção, baseada na fé, era um denominador comum peculiar aos católicos. Entre católicos e não-católicos, o denominador era, o mais das vezes, Karol Wojtyla, como pessoa resplandecente de específicos dotes individuais. E o anseio de receber, no fundo abismo da aflição em que se acham, algo que lhes sacie o desejo de despreocupação, paz e fartura. Transes de aflição – anseios de felicidade: a alternativa é muito tensionante. Do fundo desses anseios de bem-estar, de paz, de despreocupação que faziam arfar milhões de peitos humanos reunidos junto a João Paulo II, pareceu-me exalar-se, pelo próprio jogo dessa tensão, o sonho utópico de inteira felicidade terrena que tantos dos presentes esperavam obter, menos de João Paulo II, do que de Wojtyla.
Tal anseio me deixou, assim, preocupado, pois se apresenta com um potencial de ingenuidade e uma precariedade emocional de que algum demagogo poderá tirar, a qualquer momento, sinistro partido.
Não é deste mundo a concórdia sem jaça, a paz perfeita e eterna entre todos os homens, todas as nações e todas as doutrinas, a felicidade total. Nesta terra de exílio, as carências, as dissensões, as catástrofes são inevitáveis. E numa visão cristã da vida leva, ao mesmo tempo, a circunscrevê-la quanto possível, e a resignar-se a elas porque inevitáveis.
Esta dura lição, tão ingrata ao neopagão de nossos dias, lembro-a num texto áureo de São Luís Maria Grignion de Montfort, o incomparável apóstolo da devoção a Nossa Senhora.
Dissertando sobre a eterna luta entre a Virgem e a serpente, mostra-nos ele a vida dos povos antes de tudo como uma grandiosa, trágica e incessante guerra entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o feio. Batalha esta sem a qual a existência terrena do homem, desfalcada do seu significado sobrenatural, perderia sua dignidade.
Comentando as palavras do Gênesis (3,15): “Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar”, observa com profundidade o grande santo: “Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até o fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio”(cfr. “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, Vozes, Petrópolis, 6ª ed., 1961, pp. 54-55).
