Plinio Corrêa de Oliveira

 

ECCE POSITUS EST HIC IN RUINAM,

ET IN RESURRECTIONEM MULTORUM

IN ISRAEL

 

"Catolicismo" Nº 52 - Abril de 1955

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Giotto - Última Ceia - Capela Scrovegni - Pádua

Estamos na perspectiva jubilosa da Semana Eucarística de Campos. E, de outro lado, vivemos nos dias culminantes da Quaresma, em que a Igreja rememora as ignomínias sem nome a que voluntariamente Se sujeitou por amor a nós, o Homem-Deus. Esta conjunção de perspectivas jubilosas, e de dolorosas celebrações, nos leva a pensar nos triunfos e nas humilhações de Nosso Senhor Jesus Cristo: tema útil para meditarmos na Semana Santa e nos prepararmos para a Semana Eucarística, tema fecundo em reflexões oportunas nos dias que correm.

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Examinada a vida de Nosso Senhor, nela nada encontramos que não excite a mais razoável, a mais alta, a mais firme admiração. Como Mestre, ensinou a plenitude da Verdade. Como Modelo, praticou a perfeição do Bem. Como Pastor, não poupou esforços, nem misericórdia, nem severas admoestações para salvar suas ovelhas, e terminou dando por elas o seu Sangue, até a última gota. Atestou sua missão divina com milagres estupendos, que cumulou as almas de incontáveis benefícios espirituais e temporais. Estendendo sua solicitude a todos os homens, em todos os tempos, instituiu esta maravilha das maravilhas, que é a Santa Igreja Católica. E dentro da Santa Igreja prolongou sua presença por dois modos, realmente no Santíssimo Sacramento, e pelo magistério na pessoa de seu Vigário. Tão grande soma de graças e de benefícios, nenhuma mente humana poderia excogitar.

Por isto mesmo, Nosso Senhor foi amado. Há, em ser amado, uma forma particular de glória. E esta, Nosso Senhor a teve em proporções únicas. Em torno d’Ele o tropel do povo era tão grande, que os Apóstolos tinham de protegê-Lo. Quando Ele falava, as multidões O seguiam pelo deserto adentro sem cogitar de agasalho nem alimento. E por ocasião de sua entrada em Jerusalém prepararam-Lhe um triunfo verdadeiramente real. Em matéria de amor, tudo isto é muito. E, entretanto, houve mais do que isto. No momento em que o aparente fracasso da Paixão e da Morte deitava um véu de mistério sobre a missão de Nosso Senhor, e parecia desmenti-Lo definitivamente, houve almas que continuaram a crer e a amar. Houve uma Verônica, umas Santas Mulheres, um Apóstolo-virgem que continuaram a amar. Houve sobretudo, mais do que tudo, sem comparação, Maria Santíssima que praticou então ininterruptamente atos de amor, como jamais o Céu e a terra juntos os poderiam praticar com igual intensidade e perfeição. Almas que continuaram a amar quando, num momento de dor inexprimível, o Sepulcro se selou, as sombras e o silêncio da morte se abateram sobre o Corpo exangue, e tudo parecia acabado, mil vezes acabado.

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Como explicar entretanto que esse mesmo Jesus tivesse suscitado tanto ódio? Porque, inegavelmente, Ele o suscitou. Os judeus O odiaram com um ódio envergonhado, devorador e infame, qual só o inferno pode gerar. Por ódio, procuraram longamente espioná-Lo, a fim de ver se encontravam n’Ele alguma culpa, que lhes servisse de arma de guerra. Prova de que não O odiavam por algum defeito que por engano n’Ele imaginassem ver. Porque então O odiavam? Se não era pelo mal, que n’Ele não havia, e que n’Ele em vão procuravam, porque seria? Só poderia ser pelo bem... Mistério profundo da iniqüidade humana! Este ódio era envergonhado. Com efeito, ocultavam-no sob a aparência de amabilidade, porque não tinham nenhuma razão limpa e honesta para o declarar. À medida que a missão de Jesus foi caminhando para a sua plena realização, o ódio dos judeus foi crescendo de ponto, e tendendo para uma estrondosa explosão. Desanimando de encontrar razões de difamação, recorreram à calúnia. Dela usaram largamente. Tinham tudo para vencer nesta forma de luta: dinheiro, relações com os romanos, prestígio decorrente do exercício das funções sagradas. Entretanto, a guerra pela calúnia fracassou em grande parte. Conseguiram convencer alguns despeitados, semear a dúvida em alguns espíritos grosseiros, embotados, ou viciados em duvidar de si, dos outros, de tudo, e de todos. Mas era impossível afogar em calúnias o efeito maravilhoso da presença, da palavra e da ação de Nosso Senhor. E então veio o plano supremo: desmenti-Lo por uma derrota que O desprestigiasse aos olhos de todos, e O cortasse do número dos vivos. O resto se sabe. Satanás entrou no mais repugnante dos homens, que O vendeu e depois O entregou com um ósculo. Um procônsul depravado mais ainda de alma que de corpo, hesitante, mole, vaidoso, entregou-O a seus inimigos. E sobre Ele caiu a torrente de todo o ódio da Sinagoga, com que afinal os fariseus haviam conseguido contaminar a massa.

Que ódio, e que alívio. Ali estavam, urrando de ódio, tantos cegos e paralíticos curados, tantos possessos libertados, tantas almas aquietadas outrora pelo Filho de Deus.

Mas também! Quando receberam benefícios, sentiram uma secreta humilhação de se verem tão inferiores. Quando receberam ensinamentos, sentiram um fio de revolta a lhes minar quase imperceptivelmente a admiração: porque era Ele tão austero, porque exigia tantos sacrifícios? Vendo-O agora "derrotado", era o desabafo, o triunfo de todos os recalques, todas as vulgaridades, todas as invejas, o suco destilado de todas as infâmias. A grande revolta dos fariseus ímpios e entregues a Satanás, dos seus congêneres em todas as classes do povo, em frente única com as antipatias inconfessadas, e quiçá subconscientes, dos tíbios, produziu este resultado supremo: o deicídio, o maior crime de todos os tempos.

A EUCARISTIA E O PAPA

A Eucaristia é Jesus realmente presente, mas que não fala. O Papa é Jesus que fala, embora sem a presença real.

Em nossos dias, pode-se dizer que Jesus e o Papa são igualmente objeto do amor e do ódio do mundo inteiro. Do amor: as multidões se deslocam de toda a terra, para adorar Nosso Senhor nos Congressos Eucarísticos internacionais, para aplaudir o Vigário de Cristo em Roma. Até no mais fundo de uma sociedade já quase toda pagã, florescem almas que praticam uma virtude ilibada, ardem de zelo pela ortodoxia, e amam de todo o coração Nossa Senhora. São forçadas por vezes a renunciar a carreira, situação, bem estar, a suportar a hostilidade até de suas próprias famílias, mas continuam impertérritas. Os homens não sabem apreciar o valor dessa fidelidade, mas os Anjos louvam a Deus por ela, no mais alto dos Céus. Quando passamos os olhos, da civilização ocidental burguesa para o mundo gentílico, vemos missionários que fazem por Nosso Senhor proezas de atividade ou de heroísmo, só para lhe ganhar uma alma. Se olhamos para o triste mundo que se estende por detrás da "cortina de ferro", vemos almas heróicas que consagram as Espécies clandestinamente e as distribuem a corações devorados de fome eucarística.

Mas de outro lado, quanto ódio. Odeia-se a Eucaristia e o Papa, quando se promulgam leis contrárias à doutrina da Igreja, quando se difundem costumes que levam as almas ao inferno, quando se dá à heresia e ao mal a mesma liberdade que à ortodoxia e ao bem. Odeia-se a Eucaristia e o Papa quando se cruzam os braços diante do progresso do socialismo que nos conduz ao comunismo, negação completa da Eucaristia e do Papa.

E abusa-se da Eucaristia e do nome do Papa, quando se recebe a comunhão com tibieza, e depois se usam trajes, se freqüentam ambientes, se apóiam princípios implicitamente neopagãos, e condenados pelos Papas. Imensa torrente de ódio militante e explícito, ou de inconformismos velados e implícitos, que constitui a força inimiga, a chocar-se contra o amor neste confuso e revolto século XX.

QUARESMA E SEMANA EUCARÍSTICA

Se a Paixão nos faz pensar em tudo isto, a Semana Eucarística nos dará por certo uma esplêndida ocasião para atestar nosso amor a Jesus e ao Papa.

Amor e ódio, sempre os haverá em torno de Nosso Senhor, que é na História o sinal de contradição, o que foi posto para ruína, e para ressurreição de muitos em Israel: "Ecce positus est hic in ruinam, et in ressurrectionem multorum in Israel: et in signum cui contradicetur" ( Luc. 2, 34 ).

Os povos são grandes e felizes, as almas são virtuosas e se salvam quando o amor que votam a Jesus Cristo e a seu Vigário sobrepujam o ódio que a um e outro têm os maus.

Para que o amor se intensifique, se converta em frutos de ortodoxia e castidade, devemos rezar ardentemente ao Divino Rei nesta fase de preparação da Semana Eucarística, apresentando nossas súplicas pelas mãos puríssimas de Maria, sem cuja intercessão nenhum pedido sobe até o Coração de Jesus.