Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

O anticomunismo e o Reino de Maria

 

 

 

 

 

 

Catolicismo Nº 62 - Fevereiro de 1956

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A prece, impressionante e profunda, redigida pelo Exmo. Revmo. Mons. Joseph Gawlina em favor dos Sacerdotes católicos de atrás da cortina de ferro, publicada por esta folha em seu número de dezembro último, atraiu, mais fortemente do que nunca, a atenção de nossos leitores para o dever de lutar contra o comunismo. Feliz oportunidade para que consagremos ao tema do anticomunismo algumas considerações.

O fundo de quadro em que estas se inspiram é a um tempo simples, complexo e dramático. Há uma pergunta extremamente simples, que domina todo o assunto. Sendo o comunismo sustentado no mundo por uma minoria, e estando o ouro, os canhões, a cultura, em mãos da maioria contrária, como explicar que esta se sinta estarrecida e aparvalhada diante da perspectiva de se ver derrotada? A esta pergunta, a resposta adequada é das mais complexas. E de outro lado este estado de pânico traz consequências das mais dramáticas, como a paralisação das iniciativas, a inibição das reações, a desarticulação dos esforços.

Uma outra forma de ver o mesmo problema consistiria em indagar porque, neste mundo em que são tantos os anticomunistas, os empreendimentos declaradamente destinados a combater o perigo vermelho são - pelo menos relativamente - tão pouco apoiados.

É deste problema que desejamos tratar.

Imagem de Nossa Senhora do Pilar, em Saragoça (Espanha)

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Antes de tudo, é preciso mencionar como responsáveis pela atonia de tantas pessoas em face do problema comunista, as doutrinas, e os hábitos mentais de uma formação liberal que data de há mais de cem anos. O liberal tem certezas, ou pelo menos pode tê-las. Mas são certezas débeis, vacilantes. Uma certeza só é vigorosa quando, posta em face da contradição, se mantém firme, e até cresce em vigor. E esta firmeza não consiste apenas em recusar a tese oposta, mas em estigmatizá-la como errada, em denunciá-la, em persegui-la. Pois diante do erro, ou do mal, a coragem não está simplesmente em recusar a cooperação, em manter neutra a fisionomia e cruzados os braços, mas em reagir, em denunciar, em lutar. Ora, é infenso a isto o espírito liberal. Não se opõe o liberalismo a que alguém afirme qualquer das verdades elementares e básicas que o comunismo brutalmente nega: o direito para cada qual, de professar e difundir a Religião Católica, o direito de constituir uma família reconhecida e protegida pela lei, o direito de possuir bens e dispor livremente de seu próprio trabalho. Mas daí a declarar erradas, evidentemente erradas, monstruosamente erradas as posições opostas, há para o liberal um abismo. E para combater com energia, com perseverança, com perspicácia a propaganda soviética, vai outro abismo. Estes abismos, o liberal não os transpõe. Inerte, tíbio, comodista, cruza os braços. Em tese, é a favor de um mundo baseado sobre a Religião, a família e a propriedade. Na prática, nada fará para impedir que o mundo se construa - se é que a isto se pode chamar "construir" - sobre o ateísmo, o amor livre e o coletivismo.

Claro está que uma atitude tão aberrante nem sempre é consciente. Ela se traduz por vezes em formulas sonoras mas ocas, que revelam um terrível desejo de não brigar.

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Uma delas consiste em afirmar que o comunismo não se combate com a força das armas ou das polêmicas, mas única e exclusivamente com escolas, com obras de assistência e com "diálogos".

Nesta proposição, há alguns fragmentos de verdade, em que estão incubados numerosos erros, dos mais palmares.

É certo que a desorganização da vida temporal, em seu aspecto intelectual ou material, cria uma atmosfera propícia ao comunismo. De onde, em tese, trabalha contra o comunismo quem difunde a boa instrução, a assistência social, a fartura.

Mais ainda. Na medida em que as classes dirigentes negligenciarem o dever de velar pelos interesses espirituais e materiais do povo, estarão fornecendo às intrigas comunistas alguns dos pretextos necessários para desencadear a luta de classes.

Assim, pois, ninguém discute a legitimidade, a necessidade, a urgência, de se proporcionar assistência espiritual e material às classes desamparadas.

Tudo isto é tão claro, tão evidente, que chega a ser banal. Afirmamo-lo taxativamente, só para evitar explorações.

Mas enumeremos agora os erros e os equívocos que nestas verdades estão incubados.

Antes de tudo, um equívoco. Não se pense que a razão principal pela qual se deve fazer bem aos pobres é o medo do comunismo. A razão principal é o amor de Deus. Ainda que o perigo comunista não existisse, seriamos obrigados a agir para com o pobre com justiça e caridade.

Em segundo lugar, não se pense que o perigo comunista resulta da ignorância e da miséria, de sorte que, eliminadas estas, o comunismo deixaria de existir. Há uma diferença essencial entre causa e circunstância favorável.

Assim, por exemplo, a má conduta do Clero em um dado país poderia constituir fator favorável ao anticlericalismo. Entretanto, seria absurdo depreender daí que o anticlericalismo existiu neste ou naquele país em razão da má conduta do Clero. Primeiramente, porque o anticlericalismo é em si mesmo um fenômeno de irreligião que tem causas ideológicas e morais muito mais profundas. Em segundo lugar, porque há regiões muito anticlericais, com Clero modelar, e finalmente houve também cidades com Clero tíbio ou até escandaloso, em que não nasceu qualquer surto de anticlericalismo.

Do mesmo modo, a indiferença de tantos burgueses à miséria do povo certamente favoreceu o alastramento do comunismo. Mas seria ridículo ver nisto a causa principal ou única de tal fato. Este resulta de todo um clima espiritual, cultural e moral. Se o comunismo fosse mero produto da fome, não poderia surgir em ambientes ricos. Ora, é notório que ele se desenvolve vigorosamente em certos círculos burgueses onde não há fome: professores, estudantes de universidade, escritores. E, mais ainda, em certos círculos "ultraburgueses" onde a fartura atinge seu máximo: pessoas de sociedade, altos financistas, políticos de grande projeção, etc.

E, pois, é falso que abrir escolas e instituições de assistência, melhorar salários, etc. baste para eliminar o comunismo. Confinar a reação anticomunista a este campo meritório embora, mas pacífico, e flagrantemente insuficiente, é quase o mesmo que cruzar os braços ante o adversário.

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O mesmo se diga, mutatis mutandis, no plano internacional. Há entre nós quem espere que a inauguração de um regime de encontros internacionais, acompanhados de banquetes, de "toasts", de sorrisos, e de muitas concessões ao Oriente, produza atrás das cortinas de ferro e de bambu uma distensão psíquica, um clima de tepidez, bonomia e cordura, que salve a paz. De onde a luta contra o comunismo se resumiria em sorrir, banquetear-se e ceder.

Que haja utilidade para a causa da paz, em tratar os problemas com o Oriente num ambiente polido, e até cortês, ninguém o pode negar. Que algumas pequenas concessões possam ser necessárias para alimentar este ambiente, é obvio. Mas pensar que as vantagens dessa política possam ir além, e que nossos sorrisos tenham o dom dos acordes maviosos da lira de Orfeu, tornando mansas e meigas as feras, fazendo dos dirigentes comunistas políticos paternais, e até bonachões, é o que só pela ingenuidade mais extrema, ou pela mais funda vontade de não lutar, se pode explicar.

Não desejamos ser contundentes. Mas para tratar do presente assunto inteira e honestamente, é preciso que digamos ser de todo em todo primária tal concepção. Pois ela revela uma ignorância total do que seja o mal, seu fascínio sobre as paixões desregradas do homem decaído, o poder do erro e do demônio, etc. Só assim se compreende que se imagine destruir só com sorrisinhos, com banquetórios diplomáticos, com pequenas amenidades de salão, a fortaleza do anti-Cristo marxista.

Falando em Fátima aos Pastorinhos, Nossa Senhora recomendou outros remédios, bem mais profundos, entre os quais a regeneração moral e a penitência. E o Santo Padre Pio XII, aliás tão cioso de apresentar a todos os homens bons e maus, um semblante paternal e um coração aberto, parecendo fazer eco à mensagem de Fátima, e considerando o assunto "sub specie aeternitatis", deitou o melhor de sua esperança de solução do problema comunista, na consagração da Rússia ao Coração Imaculado de Maria.

* * *

Assim, não há meio de destruir o comunismo só por uma ação extramilitante. É preciso tomar claramente posição contra ele. À propaganda comunista, é preciso opor uma reação nitidamente anticomunista.

Mas o espírito liberal, hostil a qualquer luta, ainda aqui levanta uma dificuldade. "Sou absolutamente contrária a qualquer ação anticomunista, disse-me certa pessoa. Pois toda ação anti é negativa. E todos os ideais que se apresentam sob forma negativa não são senão negação e, portanto, não passam de falsos ideais!"

Pobre subterfúgio, que parece não atender às limitações naturais da linguagem humana, a qual, pela insuficiência que lhe vem da queda original, exprime conceitos dos mais altos e positivos, dignos de constituírem ideais de vida, sob forma negativa.

A menos negativa das coisas é a in-falibilidade do Papa. Não se poderia chamar de negativo o estado de in-dependência de um povo, a in-nocência de uma donzela, a in-abalabilidade de um católico em sua fé, a honra in-acusável de uma esposa, a glória in-alienável de um varão, a in-amovibilidade de um mestre em sua cátedra, o valor in-apreciável de uma jóia, a riqueza in-calculável de um financista, a bondade in-comensurável de um coração, a constância in-defectível de um amigo, o serviço in-dispensável de um cooperador, o direito in-disputável do trabalhador ao seu salário, o vínculo in-dissolúvel do matrimônio, a palavra in-dubitável do homem de bem, a indulgência in-esgotável da mãe, a beleza in-efável de um panorama, a duração in-finita da felicidade eterna, a vida im-mortal da alma, a alvura im-maculada de uma veste, a sabedoria in-sondável de um teólogo, o veredicto in-suspeito de um juiz, a solidez in-vulnerável de um raciocínio, a segurança de alma in-quebrantável de um missionário, etc.

Dizer, portanto, que a ação anticomunista é negativa só porque se delineia em termos negativos, é falso.

Muito melhor se prova entretanto o caráter positivo de uma tal ação, quando bem compreendida, analisando-a em seu próprio conteúdo.

É tarefa de que nos desincumbiremos, Deo volente, em outro artigo (ver Catolicismo Nº 66 de Junho de 1956).

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Desde já, entretanto, podemos dizer que a mais positiva das obras que existem sobre a terra é a implantação do reino de Maria. Ora, a ação anticomunista, na medida em que tende a destruir o mais encarniçado dos adversários desse reino, é uma ação intrinsecamente positiva, se bem que seu aspecto seja meramente negativo.


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