Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana

 

Apêndice à edição Norte-Americana

Setembro de 1993

 

ESTADOS UNIDOS: NAÇÃO ARISTOCRÁTICA NUM ESTADO DEMOCRÁTICO

 

 

Capítulo IX

 

AS ELITES TRADICIONAIS NOS ESTADOS UNIDOS DE HOJE

 

No presente estudo foi visto inicialmente como é benéfica e necessária a existência de classes sociais e, entre elas, a de uma elite dirigente. E constatamos que a sociedade norte-americana não sai desta regra geral.

Em seguida foi apresentada uma breve resenha histórica sobre a existência das elites aristocráticas nos Estados Unidos, desde a época colonial, mostrando sua origem, seu apogeu e sua posterior evolução no Estado republicano.

Resta tratar agora a respeito de alguns aspectos da existência atual dessas elites tradicionais, embora no contexto do Estado democrático moderno elas não tenham ocasião de manifestar em toda sua plenitude o tônus aristocrático de sua vida própria.

1. As elites tradicionais na classe alta

Inicialmente pode-se afirmar que as elites tradicionais subsistem como parte integrante da classe alta.

Referindo-se ao lugar de destaque por elas ocupado nessa classe, o sociólogo Lloyd Warner declara: "O sistema de classes sociais nas cidades das diversas regiões dos Estados Unidos é basicamente semelhante.... Na região costeira da Nova Inglaterra, há seis níveis de classes sociais. A classe alta compreende uma nova e uma antiga aristocracia. No nível mais alto do arco social, constituindo sua pedra angular, estão as chamadas Old Families (antigas famílias). Imediatamente abaixo delas estão as chamadas "novas famílias". Novas, mais em relação ao status do que em relação à comunidade. São constituídas por pessoas ricas que subiram a um nível em que participam da vida social do grupo mais elevado, em seus clubes e em seus círculos. Estes (novos ricos) membros da baixa classe alta reconhecem estar abaixo daqueles nascidos numa alta posição, com linhagem de várias gerações. As antigas famílias mantêm sua posição por direito de herança, consolidado por uma reconhecida linhagem social". (W. Lloyd Warner, American Life, Dream and Reality – Chicago, The University of Chicago Press, 1968, p. 74)

Por outro lado, os estudiosos da classe alta da sociedade norte-americana mostram que os critérios utilizados para reconhecer alguém como membro dessa classe coincidem, em boa medida, com os padrões e critérios utilizados anteriormente para que uma pessoa — homem ou mulher — fosse considerada como pertencente às elites tradicionais e aristocráticas.

O sociólogo William Domhoff considera a "classe alta" como sendo um grupo de famílias de alta posição social e grande fortuna, cujos membros se relacionam e se casam entre si, possuindo um estilo de vida próprio. E acrescenta: "A alta classe social pode ser definida como um conjunto de pessoas classificadas em certos registros e indicadores sociais, que freqüentam certas escolas particulares e pertencem a certos clubes sociais exclusivos". (G. William Domhoff, The Higher Circles, The Governing Class in America, p. 32)

O tônus do estilo de vida dos setores mais requintados desta classe social é proporcionado principalmente pelas Old Families, que servem como guardiãs de suas instituições mais exclusivas.

Esta inter-relação entre a classe alta e as elites tradicionais, na sociedade atual, também é afirmada por Lucy Kavaler: "Um verdadeiro registro social teria que ser compilado segundo as listas de membros das organizações hereditárias". (Lucy Kavaler, The Private World of High Society, p. 7). Essas "organizações hereditárias" serão objeto dos itens 3 e 4 deste capítulo.

2. As elites tradicionais em outras categorias sociais

Além de sua presença na classe alta, as elites tradicionais dos Estados Unidos também podem ser encontradas nas seguintes categorias de pessoas, pertençam elas ou não à classe alta:

a. Descendentes de figuras notáveis no campo militar, governamental ou econômico, que desse modo promoveram o bem comum da sociedade de seu tempo, marcando com seu perfil moral uma cidade, uma região ou o país inteiro.

Assim, por exemplo, descendentes de oficiais que participaram de guerras, desde a Guerra da Independência até as mais recentes. Ou dos que marcaram sua época pela habilidade diplomática e política. Podem ainda pertencer a esta categoria os descendentes dos que forjaram o poder econômico do país.

b. Famílias que permaneceram fiéis às suas tradições e à sua hereditariedade, constituindo legitimamente uma elite tradicional.

Entrariam ainda nesta categoria as famílias que não possuem mais um status social comparável ao de seus antepassados, mas que mantêm viva, mesmo em âmbito restrito, a memória destes, e se esforçam para manter ou restaurar um nível de vida condizente com as tradições do passado.

Quando, porém, uma família não mantém mais a continuidade com o seu passado, nem transmite o seu espírito aos seus descendentes, senão de um modo vago, não deve mais reivindicar para si uma posição dentro da elite tradicional do país, porque tal já não lhe corresponde.

c. Elementos da nobreza tradicional européia — ou seus descendentes — que emigraram para os Estados Unidos e preservaram a noção de sua dignidade, posição e honra, provenientes de serviços prestados e de tradições seculares.

3. Associações próprias às elites tradicionais

a. Seu caráter aristocrático

As elites tradicionais, nos Estados Unidos, têm um modo muito próprio de manifestar e preservar seus aspectos mais aristocráticos e hereditários.

Elas o fazem por meio das numerosas associações e entidades que lhes são peculiares e exclusivas, onde vivem com muito mais intensidade e desenvoltura suas tradições, seus hábitos e costumes de outros tempos. Tais associações variam de acordo com sua origem, sua finalidade e as exigências para admissão aos seus quadros.

O impulso que deu origem à formação dessas associações aristocratizantes nasceu da própria natureza e das necessidades do convívio humano. Surgiram elas como solução encontrada por elites que desejavam conservar seu tônus aristocrático, em meio a uma sociedade onde prevalecem hábitos e costumes não aristocráticos.

Em sua análise da alta sociedade norte-americana contemporânea, o historiador social Cleveland Amory reconhece a função dessas associações e seu caráter aristocrático: "Em nossos próprios dias o aristocrata pode ser encontrado mais facilmente, em bom número, se não na sociedade, pelo menos numa sociedade, ou seja, numa das associações patrióticas e particulares desses aristocratas, tais como Cincinnati, Colonial Dames, Colonial Wars, etc.... Embora elas não sejam necessariamente a ‘sociedade’ de hoje, elas seguramente são, até mesmo genealogicamente, a de ontem, o que as torna, naturalmente, a aristocracia de hoje". (Cleveland Amory, Who Killed Society, p. 67)

Algumas associações se destinam a cultuar a memória de antepassados ilustres, que se distinguiram por feitos militares desde o tempo das colônias, e mais especialmente na Guerra da Independência e na Guerra de Secessão. Outras rememoram antepassados que foram colonizadores e fundadores de cidades e de estados, na época colonial ou no período de expansão territorial no século XIX.

Para pertencer a tais entidades é geralmente exigida prova de descender das personalidades em questão, e a aprovação da diretoria ou até da unanimidade dos seus membros.

Existem também associações constituídas por descendentes da antiga nobreza européia radicados em território norte-americano.

E ainda outras que cultivam os hábitos aristocráticos e o requinte dos modos de viver, organizando encontros e festas onde tais hábitos podem manifestar-se em toda sua plenitude.

Por outro lado, a proliferação de associações hereditárias fundamentadas em motivos patrióticos não se explica inteiramente por razões patrióticas. Pois uma organização estritamente hereditária, na qual a admissão é condicionada aos méritos e realizações dos antepassados, pareceria contradizer o ideal das instituições republicanas modernas.

O paradoxo entre o patriotismo democrático e o princípio de hereditariedade que anima tais associações é assinalado por Wallace Davies em seu trabalho sobre as origens das entidades hereditárias norte-americanas: "A excitação do sentimento patriótico e uma absorção no passado norte-americano não conseguem explicar o caráter hereditário dessas sociedades. De fato, um renovado interesse nas instituições republicanas e nos ideais da democracia.... pareceriam inconsistentes com tal imitação da aristocracia do Velho Mundo, e com uma posição baseada na genealogia". (Wallace Evan Davies, Patriotism on Parade: The Story of Veterans’ and Hereditary Organizations in America 1783-1900 - Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1955, p. 47)

Cleveland Amory comenta esta adesão ao aspecto hereditário que caracteriza tais associações: "Apesar das exigências modernas, essas associações ainda têm um senso muito forte do princípio de hereditariedade". (Cleveland Amory, Who Killed Society, p. 71)

Os fundadores do país não quiseram que houvesse um estatuto de nobiliarquia oficial, com direitos políticos. Aristocratas eles mesmos, permitiram que houvesse uma cultura aristocrática apenas em âmbito privado.

É de supor que o desejo de muitos daqueles que fundaram as associações mais antigas teria sido o de fazer algo que fosse reconhecido oficialmente e funcionasse à maneira da nobreza européia. O que indica que, neste particular, foram tão longe quanto as leis e a cultura dos Estados Unidos permitiram. Isso revela no espírito deles uma intenção que se reflete no caráter aristocrático das entidades que fundaram.

Porém, pertencer a uma associação de caráter hereditário, só por si, não faz da pessoa um aristocrata. Aliás, nem todas essas associações possuem características que se possam chamar de aristocratizantes. Mas as motivações de ordem psicológica — nem sempre explícitas — que deram origem a muitas delas, são em geral análogas às observadas em uma aristocracia autêntica.

Também é necessário realçar a importante contribuição oferecida por essas associações para a vida cultural norte-americana em nossos dias. Ao rememorar antepassados — que tanto se distinguiram em benefício da res publica — seus atuais descendentes continuam a promover o bem comum da sociedade através de obras diversas, como manutenção de museus e bibliotecas, restauração de monumentos históricos e auxílio aos estudos relacionados com a história do país, de regiões e de famílias ilustres. Eles desenvolvem assim uma grande atividade em prol da herança cultural dos Estados Unidos.

b. Seu caráter privativo

Lamentavelmente, o tônus aristocrático existente nessas entidades não chega a influenciar o grande público. Este, na maior parte das vezes, nem sequer as percebe. Pois elas são associações exclusivas, que não fazem propaganda de si, algumas delas nem mesmo para comunicar sua existência. Elas não aceitam, em seu convívio, quem não pertença a uma parte restrita da sociedade. O que aí significa marcar uma diferença, uma desigualdade.

Este caráter seletivo produz, segundo as condições requeridas para a admissão de novos membros, círculos concêntricos de entidades compostas de famílias tradicionais, desde as muito abertas até as muito restritas. Enquanto algumas são menos rígidas, em outras é bem mais difícil, ou até impossível, conseguir entrar.

Cleveland Amory dá o seguinte exemplo: "Provavelmente a sociedade patriótica na qual seja mais difícil entrar é a Ordem dos Fundadores e Patriotas.... devido às exigências de ordem genealógica. O membro precisa descender de um ‘Fundador’ — ou seja, uma pessoa que viveu nas colônias anteriormente a 1700 — e de um ‘Patriota’, um homem que lutou no exército de George Washington". (Cleveland Amory, Who Killed Society, p. 70)

Outras associações, como o ramo de Filadélfia da Sociedade das Guerras Coloniais, além das exigências genealógicas, limita seus quadros a duzentas pessoas, mostrando claramente seu caráter exclusivo. (Cfr. Cleveland Amory, Who Killed Society, p. 70)

É de se notar também que todas as associações requerem a aprovação do candidato pelo conjunto de seus membros, ou por uma junta de diretores. Embora mantendo como principal critério de admissão o fator hereditário, este não é suficiente, pois a cláusula "o pretendente deve ser pessoalmente aceitável para a Sociedade" aparece invariavelmente nos estatutos.

Muitas dessas associações foram fundadas, tanto no norte quanto no sul, nos anos que decorreram entre a Guerra de Secessão e a Primeira Guerra Mundial, período que correspondeu também ao surto dos novos milionários e aos novos fluxos de imigração.

Sendo uma época de transformações sociais muito intensas, por causa da industrialização, o aparecimento de um número crescente de fortunas novas — que apequenavam as dos líderes sociais do período pré-guerra — levou as famílias tradicionais a sentirem necessidade de levantar muralhas de exclusão social.

Pois os novos milionários começaram a querer entrar, pelo poder do dinheiro, nos altos círculos sociais. Isso contribuiu para provocar um revide por parte das elites tradicionais, que fundaram associações hereditárias exclusivistas como um meio de se diferenciarem dos novos ricos.

John Ingham descreve esta realidade ao dizer que "a classe alta mais antiga havia construído uma rede de tradições e de maneiras, que muito contribuíram para manter fora os incultos e moderar as aspirações dos impetuosos". (John N. Ingham, The Iron Barons: A social Analysis of an American Urban Elite, p. 20)

Em suas instituições particulares, as elites tradicionais tinham, então, um certo modo de se defender contra a mera posse do dinheiro, pois os novos-ricos que nelas ingressavam o faziam numa atitude de quem presta homenagem à tradição, e não de quem quer pisar o aristocrata empobrecido.

E isto tem muito alcance, pois os donos do dinheiro que entram nessa classe social sentem que, para adquirir o status da classe alta, eles têm que respeitar o modo de ser dos antigos.

Lloyd Warner resume esta distinção social entre as elites tradicionais norte-americanas e os recém-chegados à classe alta, nos seguintes termos: "Freqüentemente uma família só pode ser considerada do nível mais alto da classe alta, se ela teve um comportamento de classe alta por várias gerações. Os membros do setor mais baixo da classe alta (os novos ricos), que subiram socialmente por meio do uso correto do dinheiro para imitar o comportamento da classe alta, só conseguem a admissão final, como sólidos membros do nível mais alto, com o lento passar do tempo, geralmente após três ou mais gerações". (W. Lloyd Warner, American Life, Dream and Reality, pp. 116-117)

Hoje, após várias gerações, muitos dos descendentes dos novos milionários do século passado já podem pertencer a essas associações, tendo sido assimilados por via de casamentos. Digby Baltzell descreve esta assimilação: "Em uma época marcada pela centralização do poder econômico sob o controle do capitalismo financista, os banqueiros e advogados de boa família.... enviaram seus filhos a escolas de elite.... Estes jovens provenientes de várias cidades, educados juntos, vieram a conhecer as irmãs de uns e outros nos bailes de debutantes e nos casamentos elegantes.... Depois de se casarem, quase invariavelmente dentro deste círculo seleto, eles passaram a viver nos mesmos bairros e a freqüentar os mesmos clubes de elite, com seus pares e seus pais. Repetindo o mesmo ciclo por várias gerações, uma nobreza do mundo dos negócios, de âmbito nacional, tornou-se uma realidade nos Estados Unidos". (Digby Baltzell, Who’s Who in America and the Social Register, in: Class Status and Power; Social Stratification in Comparative Perspective, Reinhard Bendix and Seymour Martin Lipset, eds. - New York, The Free Press, 1966, pp. 274-275)

Este processo de assimilação cultural dos novos ricos ao estilo de vida da classe alta tradicional é apresentado por Frederic Jaher em seu exaustivo estudo sobre elites urbanas nos Estados Unidos: "De fato, os recém-chegados sentiram que sua própria elevação em status dependia, em parte, do aprendizado do estilo de seus antecessores. E quem poderia melhor ensinar-lhes, senão os descendentes das antigas famílias! Em conseqüência, os novos ricos que desejavam promover-se socialmente procuravam pertencer a prestigiosos clubes sociais, servir em juntas diretivas de afamadas instituições beneficentes e culturais, comparecer a jantares e bailes exclusivos, e enviar seus filhos a escolas secundárias e superiores de elite". (Frederic Cople Jaher, The Urban Establishment, p. 11)

Este fenômeno revela uma das forças mais significativas de conservadorismo social e de estabilidade nos Estados Unidos.

4. Alguns exemplos de associações de elites tradicionais nos Estados Unidos

a. Sociedades patrióticas de caráter hereditário

Há nos Estados Unidos mais de 120 associações desse tipo, que se manifestam em geral como associações culturais, históricas, "para preservação de monumentos históricos", etc.

A primeira — e, sob certo ponto de vista, a mais importante — dessas associações hereditárias é a "Ordem de Cincinnati", qualificada como "nada menos que uma aristocracia hereditária" (Amory Cleveland, Who Killed Society?, p. 69), "emulando uma ordem de cavalaria européia". (Minor Myers Jr., Liberty Without Anarchy, p.32)

Ela foi fundada no ano de 1783 por um oficial prussiano, General Barão von Steuben, Inspetor Geral do Exército Continental (o exército formado pelas treze colônias, para lutar contra as forças inglesas, sob o comando de George Washington, na Guerra de Independência) e pelo Major General Henry Knox, Ministro da Guerra durante o governo de George Washington, tendo como patrono o então rei de França Luis XVI. George Washington foi convidado a presidi-la.

A Ordem leva o nome de "Cincinnati" porque inspirou-se no patrício romano Cincinnatus, o qual, deixando sua condição de proprietário rural, aceitou a liderança militar para salvar Roma, quando esta se viu ameaçada por seus inimigos. Após a vitória, renunciou à chefia militar para voltar às suas terras.

Seus quadros são constituídos por descendentes diretos dos oficiais que combateram, pelo menos durante três anos, na Guerra da Independência, ou que estiveram no exército até o fim da mesma. Apenas uma pessoa de cada família, nessas condições, pode ser membro da entidade.

Fundada logo depois da Guerra da Independência, a Ordem de Cincinnati visava manter a influência da classe militar — que tanto se distinguira na luta recém-terminada — na vida nacional, para evitar que o país entrasse no caos das transformações do pós-guerra.

Ela se fez notar, durante os primeiros anos do governo republicano, pelas convicções monárquicas de seus fundadores e de muitos de seus membros, os quais, segundo diversos autores, queriam estabelecer oficialmente uma nobreza militar no país, e "uma sábia e limitada monarquia". (Minor Meyers Jr., Liberty Without Anarchy, p. 94)

Eles pertenciam a muitas das mais distintas famílias do período posterior à Guerra da Independência, e eram proeminentes na vida norte-americana da época. Relata Minor Meyers: "Muitos de seus membros [da Cincinnati] vieram dos mais altos níveis de riqueza e proeminência social.... Quer eles se vissem ou não como uma aristocracia nascente ou já estabelecida, o fato é que havia um inegável caráter de grandeza em torno de muitos dos membros da Cincinnati". (Minor Meyers Jr., Liberty Without Anarchy, p. 128)

Na época de sua fundação, a Ordem foi furiosamente combatida pela ala mais igualitária dos revolucionários, tais como Jefferson, Samuel Adams, Franklin e outros. Até o iluminista francês Mirabeau escreveu prevenindo os revolucionários americanos contra ela. Nas palavras do historiador Gordon Wood, "os ataques ferozes à Ordem de Cincinnati, na década de 1780-90, realmente representaram a mais notável expressão desses sentimentos igualitários. Pois essa tentativa ‘descarada e arrogante’ da parte de antigos oficiais do Exército Revolucionário para perpetuar sua honra foi considerada, por homens como Aedaneus Burke, James Warren e Samuel Adams, ‘um grande passo em direção a uma nobreza militar e hereditária, como nunca tinha sido feito em tão curto tempo’". (Gordon Wood, The Creation of the American Republic, pp. 399-400)

O democrata radical Thomas Jefferson denunciou repetidamente as tendências monárquicas da Cincinnati. Em seu trabalho sobre a época da Independência norte-americana, o historiador Daniel Sisson mostra que Jefferson qualificou a Ordem de Cincinnati "como uma tentativa de ’enxertar’ no ‘futuro quadro do governo’ uma ‘ordem hereditária’.... Jefferson, ao que parece, sempre temeu as tendências monárquicas latentes nos Estados Unidos". (Daniel Sisson, The American Revolution of 1800 - New York, Alfred A. Knop, 1974, pp. 127-128)

A intenção primeira dos fundadores da Cincinnati não chegou a se cumprir inteiramente, pois os seus opositores não permitiram que suas pretensões nobiliárquicas se estabelecessem oficialmente. Ela permaneceu apenas na esfera particular, sem reconhecimento do governo republicano revolucionário, a tal ponto que seus membros só podiam usar publicamente a insígnia da Ordem quando viajavam pelo exterior.

"Nenhum inglês se sente mais orgulhoso em ser um Cavaleiro da Jarreteira, ou um escocês um Cavaleiro do Cardo, do que um americano se sente em ser um membro da Ordem de Cincinnati". (The Hereditary Register of the United States of America - Phoenix, Arizona, Hereditary Register Publications, 1981, part I, p. 21)

Além da destacada posição social de seus fundadores, e do importante desempenho que tiveram na Guerra da Independência e na formulação da Constituição norte-americana, a Ordem de Cincinnati tornou-se o sustentáculo da ordem e da tradição nos conturbados anos iniciais da república norte-americana, e também serviu de modelo para as associações que se lhe seguiram, segundo as palavras de Minor Meyers: "Nos anos após a Guerra da Independência, a Cincinnati serviu como modelo para muitas outras associações hereditárias.... No fim do século XIX havia dezenas de tais associações, que rememoravam seus antepassados de todos os períodos da história norte-americana. Todas elas eram reflexos distantes da Cincinnati. E a alta sociedade norte-americana.... moveu-se discretamente em direção às associações de cunho aristocrático". (Minor Meyers Jr., Liberty Without Anarchy, p. 229)

Atualmente a Cincinnati possui mais de 1.500 membros. Não é permitido o acesso da mídia às suas reuniões e convenções.

Daremos alguns exemplos dessas associações posteriores à Cincinnati, e que nela se inspiraram.

Entre aquelas constituídas após a Guerra de Secessão — e por causa dela — está a "Ordem da Bandeira dos Estados Confederados do Sul" (Order of the Stars and Bars), fundada em 1938. Entre seus objetivos está "o de perpetuar o idealismo que animou a causa confederada; honrar a coragem, a devoção e a pertinácia daqueles que dedicaram suas vidas e seus esforços, durante os 4 anos da terrível guerra, à restauração da autonomia dos Estados da Federação, pela qual trabalharam como a herança mais preciosa da Revolução Americana". (The Hereditary Register of the United States of America, p. 233)

Para pertencer a esta associação é necessário ser descendente, por via masculina direta ou colateral, de um dos oficiais superiores das Forças Armadas dos Estados Confederados, que tenha deixado o serviço honrosamente.

Outra associação também ligada à memória da Guerra de Secessão, fundada para celebrar o valor militar dos combatentes sulistas, perpetuado em seus descendentes, é a denominada "Filhos dos Veteranos dos Estados Confederados". Michael Grisson refere-se ao ponto alto de sua convenção anual nos seguintes termos:

"O evento, de três dias de duração, culmina no Cotillion Ball, uma atraente vinheta do "Velho Sul". Senhoras com penteados característicos da época vestem-se com saia balão, enquanto os cavalheiros se apresentam em brilhantes uniformes do Exército Confederado e esplêndidos trajes de gala. Após a apresentação das debutantes na abertura do baile, a orquestra toca tradicionais músicas de dança para estes elegantes sulistas. A compostura é preservada até que a orquestra rompe o "Dixie" (canção simbólica da causa sulista). "Nesse momento, diz Grisson, "o pandemônio se estabelece numa fúria guerreira". (Michael Grisson, Southern By the Grace of God - Gretna, Louisiana, Pelican Publishing Company, Inc., 1992, p. 66). Embora mais de um século já se tenha passado desde a derrota na guerra, aqueles espíritos cheios de recordações saudosas de um inesquecível passado unem-se como sulistas, tanto os cavalheiros como as damas, no estridente brado de guerra dos antigos "rebeldes".

Para celebrar os homens e os feitos que levaram à fundação do estado do Texas, existem os "Descendentes de San Jacinto". Seus antepassados são os que lutaram na decisiva batalha de San Jacinto, na luta pela independência do atual estado. Somente pessoas de caráter, aprovadas pela Sociedade, e que descendam diretamente de um combatente da batalha de San Jacinto, podem pertencer aos seus quadros. (The Hereditary Register of the USA, p. 260)

Outras organizações, fundadas também para honrar os que lutaram para conquistar e manter a independência texana, são os "Filhos da República do Texas" e as "Filhas da República do Texas". (Cfr. idem, pp. 92 e 83)

Deve-se também ter em vista duas sociedades hereditárias, cujos membros se ufanam de ter ascendentes que permaneceram fiéis à Coroa Britânica na Guerra de Independência.

O fato de os "Descendentes dos Colonizadores de Nova Jersey" comemorarem a lealdade de seus antepassados à Coroa Inglesa, durante a Guerra da Independência, confere a esta sociedade um especial sabor aristocrático. São descendentes de colonizadores, homens de cultura e riqueza que, desejosos de permanecer leais à Coroa Inglesa, se deslocaram de Nova Jersey para o Mississippi, onde seus filhos se tornaram os maiores plantadores da região. (Cfr. idem, pp. 239-240)

Uma das entidades de mais difícil acesso é a "Ordem Hereditária dos Descendentes dos Realistas, Leais ao Rei da Inglaterra, e Patriotas da Revolução Americana". Um de seus objetivos é chamar a atenção para o fato de que a Revolução Americana foi também uma guerra civil. Pois, segundo John Adams — um dos mais conhecidos líderes revolucionários da época da independência — nas vésperas da Revolução Americana só um terço da população era favorável a ela.

A Ordem luta por tornar conhecidas as vidas, os sofrimentos, as motivações, os feitos e os ideais desses dois terços de norte-americanos que não eram favoráveis à independência das colônias. Sem isso, dizem eles, não se compreende a posição dos leais ao rei da Inglaterra durante a Revolução Americana.

Para pertencer à entidade, é necessário ser descendente direto ou colateral de alguém que, durante a Revolução Americana, tenha sido leal à Coroa inglesa. Como prova de seu patriotismo aos Estados Unidos, cada membro deve mostrar que pertence também a uma associação patriótica hereditária.

Em seus elegantes encontros anuais, especiais brindes são levantados a Sua Majestade, a Rainha da Inglaterra, e ao Presidente dos Estados Unidos, bem como a figuras históricas da época da Revolução Americana, representativas de ambas as partes litigantes. Todos os discursos têm que ser relacionados com a causa da lealdade à Coroa Britânica. (Cfr. idem, p. 264)

É de se notar ainda que são poucos os estados que não têm uma associação para celebrar suas "First Families" (primeiras famílias).

O exemplo mais notável de tais associações é a "Ordem das Primeiras Famílias da Virginia", devido ao alto significado que tiveram essas famílias na história norte-americana.

Esta sociedade foi instituída com o propósito específico de reviver e preservar, para a honra da nação, a distinção singular de descendentes de homens e mulheres de "dignidade e conseqüência".

Além de manter o inter-relacionamento social de seus membros, ela tem entre seus objetivos o de realizar estudos genealógicos dessas famílias e publicá-los.

A admissão como membro é restrita a pessoas que sejam descendentes diretos de alguém que participou do estabelecimento da primeira colônia inglesa permanente na América — a Virginia — 13 anos antes que do Mayflower tivessem desembarcado os Pilgrims em Plymouth, Massachusetts. Os membros desta Ordem são, na realidade, descendentes não propriamente dos primeiros colonos, mas das primeiras famílias de riqueza e poder da aristocracia colonial. (Cfr. idem, p. 181)

"Sociedade dos Pioneiros da Califórnia", fundada em 1850 e constituída atualmente por muitas das mais antigas, mais ricas e mais tradicionais famílias daquele estado. Para pertencer a esta associação, é preciso ser descendente de uma família residente na Califórnia antes de ela pertencer aos Estados Unidos, ou seja, antes de 1850. Entre seus membros se encontram descendentes dos fidalgos daquela antiga colônia espanhola, titulados pelo Rei Carlos III de Espanha antes da independência do México.

Entre os objetivos desta sociedade está o de honrar a memória daqueles desbravadores cuja sagacidade, energia e empreendimento os levaram a vencer todos os obstáculos para colonizar e povoar novas terras, tornando-se assim fundadores de um novo estado. A entidade é também conhecida por sua considerável contribuição para a vida social e cultural da Califórnia, continuando assim nos descendentes a benéfica ação de seus antepassados. (Cfr. idem, p. 41)

Outra entidade de especial significado é a "Sociedade Nacional dos Descendentes dos Senhores de Manors de Maryland". Seus membros são descendentes, por linha direta e legítima, do primeiro Lord Baltimore ou dos colonizadores que receberam dele, ou de seus herdeiros, os direitos e privilégios referentes a um senhor de manor. Admissão como membro, só por convite. Seu objetivo é promover uma vida social entre as pessoas descendentes dos lords e ladies da aristocracia da Maryland colonial. (Cfr. idem, pp. 229-231)

Outra associação de mesma índole é a "Sociedade dos Senhores de Manors na América", fundada em 1911 por John Henry Livingston, descendente de uma das mais eminentes estirpes norte-americanas de senhores de manors, a qual teve uma destacada atuação na história dos Estados Unidos.

Ao escrever a história de sua família, Edwin Livingston tem palavras duras para com aqueles membros que, "em conseqüência de uma falsa idéia de modéstia, ou devido à ignorância, repudiam aquela nobreza para a qual eles estão inteira e legalmente credenciados". (Clare Brandt, An American Aristocracy - The Livingstons - Garden City, N.Y., Doubleday and Co., 1986, p. 210)

Com uma designação que deixa transparecer todo o sabor de sua tendência aristocrática, as "Damas Coloniais da América" são descendentes das primeiras famílias da aristocracia colonial dos Estados Unidos. A entidade é composta por senhoras que legitimamente descendem de algum antepassado de vida digna, que ocupava um cargo no governo ou nas forças armadas da época colonial. Entre seus objetivos está o de promover uma vida social entre seus membros. (The Hereditary Register of the USA, p. 68)

Como a anterior, a "Sociedade Nacional das Damas Coloniais da América" é também composta por descendentes das famílias aristocráticas da era colonial, acrescentando ainda outras exigências, como a de descender de um signatário da Declaração de Independência, de um membro do Congresso Continental, do poder legislativo ou do judiciário. (Cfr. idem, p. 76)

Estes são alguns exemplos das muitas associações patrióticas e hereditárias, cujo caráter aristocrático varia de uma para outra, mas que se conservam fiéis aos mesmos princípios que dizem respeito à hereditariedade e à tradicão. (Cfr. The Hereditary Register of the United States of America, Cap. I).1

1 - Outras associações: Antiga e Honrosa Companhia de Artilharia de Massachusetts; Ordem Colonial do Acron; Sociedade Colonial da Pennsylvania; Descendentes de 1774; Ordem Hereditária dos Descendentes dos Governadores Coloniais; Sociedade Holandesa de Nova York; Sociedade de Jamestown; Sociedade Geral dos Descendentes do Mayflower; Sociedade Nacional das Senhoras da Nova Inglaterra; Sociedade Nacional dos Descendentes da Colônia de Plymouth; Sociedade Nacional das Damas dos Estados do Sul da América; Sociedade Nacional das Senhoras da Antiga e Honrosa Cia. de Artilharia; Sociedade Americana de Ascendência Colonial; Sociedade das Filhas das Damas da Holanda; Sociedade de Boas-vindas da Pennsylvania; Sociedade das Filhas de Cincinnati; Filhos dos Estados Confederados do Sul; Sociedade Geral dos Filhos da Revolução Americana; Sociedade Geral das Filhas da Revolução Americana; Sociedade Nacional das Filhas da Revolução de 1776; Sociedade Nacional dos Filhos da Revolução Americana; Sociedade dos Descendentes dos Legalistas; Filhos da Revolução Americana no Estado de Michigan; Sociedade Militar da Guerra Mexicana; Descendentes dos Veteranos da Guerra Mexicana; Sociedade dos Descendentes da Guerra Civil; Filhas dos Descendentes dos Veteranos dos Estados Federais da Guerra Civil; Associação da Brigada Hood do Texas; Ordem Militar da Legião Leal aos EUA na Guerra Civil; Damas da Legião Leal aos EUA na Guerra Civil; Filhos dos Veteranos Federais da Guerra Civil; Ordem Militar das Guerras Estrangeiras dos EUA; Ordem Militar do Coração Púrpura; Ordem dos Dédalos; Filhas Nativas do Oeste Dourado; Sociedade de Boonesborough; Descendentes dos Fundadores de Windsor (cidade mais antiga de Connecticut); Sociedade dos Descendentes dos Fundadores de Hartford (capital do Connecticut); Sociedade dos Fundadores de Norwich (Connecticut); Sociedade dos Pioneiros de Indiana; Sociedade Histórica de Indiana; Filhos e Filhas dos Pioneiros de Kansas; Sociedade dos Pioneiros de Kentucky; Sociedade dos Descendentes Coloniais de Louisiana; Pioneiros de Piscataqua; Ordem Hereditária das Primeiras Famílias de Massachusetts; Filhos e Filhas dos Primeiros Colonizadores de Newbury, Massachusetts; Descendentes dos Fundadores de New Jersey; Sociedade dos Descendentes do Condado de Richmond, Virginia; Filhos e Filhas dos Pioneiros Território Cherokee; Filhos e Filhas dos Pioneiros de Oregon.

b. Sociedades de tônus essencialmente aristocrático

Atualmente encontram-se muito difundidas nos Estados Unidos as associações cujo objetivo principal é cultivar, entre seus membros, um estilo de vida aristocrático, próprio à classe alta, e assimilar as novas elites. Tais entidades cumprem assim uma importante função social dentro da classe mais elevada.

Um lugar de destaque na vida social da classe alta norte-americana é ocupado por uma série de eventos, que conduzem anualmente ao baile das debutantes.

O ritual da debutante é um aspecto característico do longo e árduo processo que prepara as novas gerações para as exigências do estilo de vida da classe alta tradicional. O debut é apenas o passo final de uma longa caminhada, uma educação em etiqueta, comportamento e boas maneiras, que se inicia muito cedo, ainda na infância, e continua ao longo da vida da menina, da adolescente e da jovem, até que esta atinja a categoria de sub-debutante. Ele tornou-se a expressão de um elevado status social e de uma crescente tendência, em setores da alta classe norte-americana, para se organizar segundo o estilo da sociedade tradicional.

Em alguns bailes estabeleceu-se o hábito de convidar membros proeminentes da nobreza européia, para receber as debutantes na sociedade.

William Domhoff explica: "A temporada das debutantes consiste numa série de festas, chás e bailes, culminando em um ou mais grandes bailes. Isto anuncia a entrada da jovem de classe alta na sociedade dos adultos, realizada com a máxima formalidade e elegância. São rituais dispendiosos, nos quais grande atenção é dispensada a cada detalhe da comida, da decoração e do entretenimento, e que têm uma longa história na classe alta. Tais bailes surgiram em Filadélfia, em 1748, e em Charleston, em 1762, e variam pouco de cidade a cidade em todo o país". (G. William Domhoff, Who Rules America Now, p. 32)

O baile das debutantes tornou-se assim uma das instituições típicas do estilo de vida da classe alta nos Estados Unidos. Ao descrever a função social desse baile, Digby Baltzell afirma que ele é "um rito de passagem, cuja função é introduzir a pós-adolescente no mundo adulto da classe alta, e assegurar a endogamia nesta classe como um padrão de comportamento". (Digby Baltzell, Philadelphia Gentlemen: Making of a National Upper Class, p. 60)

Certos bailes de debutantes também constituíam um critério para saber quem pertencia ao círculo social mais exclusivo e tradicional da classe alta norte-americana. "Para pertencer ao círculo social mais interno — diz Mary Cable, cronista da alta classe social norte-americana — a jovem devia ser convidada não apenas a todos os bailes de debutante, mas a um baile especial, realizado anualmente. Em Filadélfia, era o baile da Assembly, ao qual não se tinha esperança de ser convidado, a não ser que se pertencesse à elite de Filadélfia, com uma ancestralidade de duzentos anos. O St. Cecilia Ball, de Charleston, tinha uma exigência semelhante, e também uma rainha, escolhida cada ano entre as debutantes.... Receber tal honra trazia para a jovem um prestígio tão grande, que permanecia pelo resto da vida". (Mary Cable, Top Drawer American High Society From the Guilded Age to the Roaring Twenties - Mt. Pleasant, PL., Atheneum Books, 1984, p. 178)

Atualmente existem pelo menos 155 bailes de debutantes em 31 estados, "tendo por modelo os fabulosos bailes de Nova York, Filadélfia, Charleston e Baltimore. Para milhões de americanos, o debut significa a mais alta expressão do reconhecimento do status social. Hoje em dia a apresentação em um dos grandes bailes de debutantes tornou-se o critério pelo qual uma jovem é reconhecida como membro da sociedade. E esta aceitação abrange igualmente a sua família". (Lucy Kavaler, The Private World of High Society, pp. 131-132)

Segundo os que escrevem sobre a vida social das elites tradicionais nos Estados Unidos, a "Sociedade de Santa Cecília", de Charleston, Carolina do Sul, é considerada como um bastião verdadeiramente aristocrático; e seu baile, o mais exclusivo de todo o país.

Fundada em 1737 como uma associação musical — daí o seu nome — e dirigida exclusivamente por homens, é um clube que promove um baile anual, do qual só podem participar seus membros e convidados especiais. A sociedade procura manter um nível moral elevado em suas atividades. A maior parte das exigências para admissão de novos membros nunca foram publicadas; sabe-se, contudo, que para tal admissão se requer a aprovação de todos os demais. Atores e atrizes não são admitidos ao baile ou à sociedade, nem tampouco homens ou mulheres divorciados e recasados. A filha de um membro que não se casar com alguém pertencente à sociedade, poderá estar presente aos bailes, não porém seu marido e seus filhos. (Cfr. Stephen Birmingham, America’s Secret Aristocracy – Boston, Little, Brown, & Co., 1987, pp. 149-152)

No seu livro sobre a alta sociedade norte-americana, Cleveland Amory ressalta o espírito aristocrático desse baile: "Nessa sociedade o dinheiro não exerce qualquer papel social, salvo quando utilizado segundo o estilo de vida verdadeiramente aristocrático. As senhoras da Sociedade Santa Cecília possuem um vestido especial para os bailes da associação, que usam orgulhosamente durante toda a vida. Os cavalheiros sem recursos para custear o traje a rigor, com gravata branca, podem assistir ao baile envergando terno azul-marinho ou preto, com gravata borboleta. Isto se prende a uma tradição.

"Quanto ao próprio baile, as regras são estritas: as danças de todas as participantes são marcadas de antemão, e somente se tocam valsas e foxtrotes lentos". (Cleveland Amory, Who Killed Society? - New York, Harper and Row, 1960, p. 91)

A associação jamais permitiu que a mídia estivesse presente em qualquer de suas atividades sociais.

"The Philadelphia Assembly", fundada em 1748, também promove um dos bailes mais antigos e aristocráticos dos EUA, comparável em prestígio ao da Sociedade Santa Cecília. É uma instituição marcadamente tradicional, e inclui o creme da alta sociedade de Filadélfia. Sobre seu baile anual, o historiador Nathaniel Burt declara: "‘The Philadelphia Assembly’ ainda é, provavelmente o mais prestigioso dos acontecimentos sociais norte-americanos".

E acrescenta: "A admissão é estritamente hereditária, segundo a linha masculina. Filhos e filhas dos membros podem participar do baile, embora não automaticamente, quando atingem a idade adequada. Se uma filha de um dos membros casa-se com alguém que não pertença à entidade, ela não pode mais participar do baile, enquanto um homem da Assembly pode casar-se com quem desejar, sem deixar por isto de pertencer aos seus quadros". (Nathaniel Burt, The Perennial Philadelphians, pp. 95, 278)

Nos bailes que a entidade promove, continuam a ser observadas tradições que, muitas vezes, têm duzentos anos de existência, como por exemplo a de erguer um brinde a George Washington, em cuja honra foi realizada a "Assembly" em 1793.

Homens e mulheres divorciados não podem participar dos bailes, um costume que continua a ser mantido apesar das dificuldades que hoje isto acarreta. Embora a "Assembly" seja, em princípio, hereditária, ela renova seus quadros por meio de casamentos entre os membros das famílias tradicionais que a ela pertencem e os membros das novas elites.

Em Baltimore, logo após a guerra de 1812, em pleno apogeu das grandes famílias patrícias de Maryland, surgiu o "Bachelors Cotillion", dirigido por homens da sociedade mais tradicional da cidade. E ainda hoje tal associação constitui um dos exemplos mais notáveis da existência de sociedades aristocráticas nos Estados Unidos.

O "Bachelors Cotillion" orgulha-se de estar entre os mais antigos bailes de debutantes do país. Reunindo as famílias tradicionais de Baltimore em um dos mais importantes eventos sociais aristocráticos, é também modelo para Cotillions similares em outras cidades e estados.

Em Nova York as famílias mais tradicionais (Old Families) continuam a ter uma vida social própria e exclusiva, na qual suas filhas fazem o seu debut. Ainda na classe alta, porém em nível menos elevado, existem bailes-chave para os diversos status sociais, formando uma pirâmide em cujo ápice estão aqueles eventos sociais quase exclusivos das "Old Families".

O "New York Junior Assembly" é o baile de maior prestígio fora dos bailes particulares das famílias mais tradicionais de Nova York. Nas palavras de Lucy Kavaler, "a vida de debutante em Nova York serve como modelo para tais atividades em todo o país.... Os bailes mais procurados e disputados são os ‘Junior Assemblies’, que tiveram início há mais de 50 anos. Qualquer jovem que seja convidada a participar, entra automaticamente no círculo mais exclusivo da sociedade". (Lucy Kavaler, The Private World of High Society, p. 135)

Em Nova York, além das famílias tradicionais da "Velha Guarda", que mantêm seus próprios e exclusivos bailes para a apresentação de debutantes, algumas das associações patrióticas e hereditárias, tais como a "Sociedade de São Nicolau" e a "Sociedade dos Descendentes do Mayflower", apresentam as filhas de seus membros em bailes e jantares anuais.

Bailes promovidos por associações similares de vários tipos, que se movimentam em torno das elites tradicionais de cada região, marcam a vida social de muitos centros do país, como Nova Orleans, Boston, St. Louis, San Francisco, Los Angeles, Chicago, etc. Os que mencionamos são os mais antigos e conhecidos, tomados como modelos para os outros; os quais, cada um em seu local, desempenham a mesma função social e conferem aos seus participantes diferentes graus de prestígio, de acordo com as circunstâncias de cada local e de cada baile.

c. Associações familiares

São igualmente dignas de menção as muitas associações de descendentes de certos personagens históricos e as sociedades de caráter familiar. Elas se constituíram para comemorar os feitos e o espírito dos fundadores de suas famílias, mantendo o esprit de corps familiar como um todo, através das gerações. Também se ocupam da assistência àqueles membros que se encontram em necessidade, ajudando assim a manter o status familiar.

Mais de duas mil associações familiares de vários tipos existem nos Estados Unidos. (Ver: Family Associations and Societies and Reunions - Munroe Falls, Ohio, Summit Publications, 1991/92 edition))

Um exemplo característico de associação familiar marcadamente aristocrática é a "Sociedade Nacional dos Descendentes da Família Washington". Ela foi fundada em 1954, com os objetivos de amar, manter e fortalecer os laços da família, e de perpetuar a memória de George Washington em seus descendentes.

Para alguém pertencer a ela, é preciso provar que descende de Washington em linha direta e legítima, por via masculina ou feminina, e ser aprovado pela totalidade dos membros da sociedade. Entre seus membros honorários está Sua Majestade a Rainha Elizabeth II.

d. Sociedades de descendentes da nobreza européia

A atração pela mística da nobreza foi sempre muito forte nos Estados Unidos. Prova disso é o interesse com que o público norte-americano acompanha as atividades de casas reais de todo o mundo, e a cordial recepção proporcionada pela sociedade a muitos membros da nobreza européia que, ostentando sua condição, visitam o país.2

2 - Por exemplo, quando Lord Fairfax visitou os Estados Unidos, no seu itinerário constava uma visita ao Condado de Fairfax, Virginia, que na época colonial era um feudo da sua família. Ele foi entusiasticamente recebido pela população do condado.

Por isso, não é de surpreender que haja várias associações de descendentes de famílias nobres ou reais que se radicaram nos Estados Unidos, ainda mais restritas que as precedentes.

A "Ordem Colonial da Coroa", por exemplo, fundada em 1898 por homens e mulheres de comprovada ascendência real ou nobre, estipula que as senhoras pertençam também à "Ordem das Damas Coloniais da América".

A "Ordem da Coroa de Carlos Magno nos Estados Unidos" foi fundada em 1940, como uma "associação patriótica e independente, assim chamada em honra do Imperador Carlos Magno", para perpetuar a sua memória e honrar o seu nome. Seus membros dizem descender daquele imperador e de seus cavaleiros. Ela visa manter e promover as tradições da cavalaria, como também colecionar e conservar documentos e relembrar os feitos do Imperador Carlos Magno e de seus sucessores.

Vale também aqui mencionar a "Ordem dos Barões da Magna Carta". É uma sociedade fundada em 1898, por descendentes dos condes e barões que assinaram a Magna Carta. Da mesma índole é a "Sociedade Nacional das Filhas dos Barões de Runnemede", organizada em 1821 por senhoras também descendentes dos barões que firmaram aquele documento.

De particular interesse é a "Ordem Militar das Cruzadas", fundada em 1934 por descendentes de cavaleiros que participaram das Cruzadas, entre 1096 e 1291. A admissão é só por convite.

Finalmente, entre as mais características associações deste tipo, estão aquelas que congregam os descendentes da nobreza de diferentes países, tais como a "Associação da Nobreza Alemã nos Estados Unidos", a "Associação da Nobreza Polonesa nos Estados Unidos", a "Associação da Nobreza Russa na América do Norte", etc.3

3 - Algumas outras associações que vale a pena notar aqui: Nobre Ordem dos Descendentes dos Conquistadores e de seus Companheiros; Ordem dos Americanos de Ancestralidade Armorial; Descendentes dos Cavaleiros da Ordem Nobre da Jarreteira; Americanos de Ascendência Real; Sociedade Nacional das Damas da Magna Carta; Associação da Nobreza Alemã nos Estados Unidos; Associação da Nobreza Polonesa nos Estados Unidos; Associação da Nobreza Russa na América do Norte; Ordem Militar das Legiões Zuavas dos EUA; Ordem Militar e Religiosa dos Cavaleiros do Santo Sepulcro.

e. Associações tradicionais de outras etnias

Como foi visto, as elites tradicionais na sociedade norte-americana são amplamente constituídas pelas "Old Families", as quais, em termos étnicos, significam naturalmente famílias de origem européia, predominantemente anglo-saxônica, e muitas vezes remontando à época colonial. Entretanto, como seria de esperar, famílias de mais recente imigração e de etnias diferentes, através das gerações, ao adotar costumes e estilos norte-americanos, tornaram-se gradualmente elementos integrantes das elites norte-americanas. Além disso, elas também possuem, dentro de suas comunidades, sua própria hierarquia social.

A antiga condição de escravos sempre acarretou para os negros uma posição pouco favorecida na sociedade. Por isso, raras são as pessoas, mesmo nos Estados Unidos, que têm conhecimento de que existe, entre os negros norte-americanos, uma aristocracia com sua própria e intensa vida social, debutantes, clubes e Old Families, representando no seu meio um papel equivalente ao das elites tradicionais na sociedade norte-americana, em seu conjunto.

Lucy Kavaler chama a atenção para este fenômeno pouco conhecido: "O fato de que exista uma alta sociedade entre os negros constitui freqüentemente uma surpresa para os brancos. Suas atividades não são publicadas em jornais não dirigidos ao público negro. E, no entanto, mil jovens negras são debutantes cada ano. Elas são apresentadas à sociedade em dispendiosos bailes, realizados em cidades de todas as regiões do país. Líderes sociais da velha guarda, clubes sociais exclusivos, grupos filantrópicos, bailes de caridade e cotillions de debutantes, são tão característicos da sociedade dos negros, como o são da sociedade dos brancos.

"Contrariamente à crença popular, a realização pessoal não é o único meio utilizado por pessoas dessa raça para galgar posição social. Existe uma aristocracia baseada no nascimento, um grupo que corresponde, na sociedade dos brancos, às 400 primeiras famílias". (Lucy Kavaler, The Private World of High Society, p. 236)

Entre as mais notáveis associações de negros nos Estados Unidos estão a "Philadelphia Cotillion Society" e o "Pyramid Club", ambos em Filadélfia, este último considerado por muitos como o mais tradicional e seleto clube negro nas Américas.