Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana

 

Apêndice à edição Norte-Americana

Setembro de 1993

 

ESTADOS UNIDOS: NAÇÃO ARISTOCRÁTICA NUM ESTADO DEMOCRÁTICO

 

 

Capítulo VII

 

A REPÚBLICA NORTE-AMERICANA ATÉ A GUERRA CIVIL

 

1. A república aristocrática (1788-1828)

As quatro décadas que se seguiram à ratificação da Constituição Federal poderiam ser adequadamente designadas como a era da república aristocrática, cuja presidência foi ocupada por uma sucessão de gentlemen, quer plantadores da Virginia, quer advogados de Massachusetts.

Nessa nova república, ao ser adotado um aspecto cultural aristocrático, a crítica contra a forma aristocrática de governo decaiu e passou a haver mais tolerância para com as aristocracias, o que constituiu uma vitória do aristocratismo. Pois algo neste passou a ser apetecido como um ideal cultural, imprimindo um certo tônus aristocrático à vida política e social.

Na década imediatamente posterior à ratificação, a vida pública, social e econômica do novo país foi dominada pela elite federalista, que a tinha planejado. Foi um período em que os desafios à autoridade federal foram em grande medida superados, estabelecendo-se um governo nacional de base sólida. Schlesinger declara: "O governo da riqueza e da inteligência, tal como foi exercido pelos federalistas, produziu frutos incomparáveis, por meio de uma legislação construtiva, sob Washington e Adams". (Schlesinger, New Viewpoints in American History, p. 83)

O programa federalista era amplamente orientado no sentido dos interesses das elites financistas e mercantis do norte. Por isso ele suscitou oposições dos plantadores do sul e de outros proprietários rurais, os quais se beneficiavam menos com essa política, e assim se aliaram aos republicanos-democratas (como passaram a ser designados os anti-federalistas). Ao fim do século, pela primeira vez em sua história, o país estava dividido politicamente entre dois partidos competidores.1

1 - A eclosão da Revolução na França deu novo ímpeto a esta divisão: "As tensões comuns à implantação de uma nova estrutura de autoridade foram aumentadas, pelo fato de que a nação e os partidos embrionários dividiam as suas preferências entre os dois principais contendores na guerra européia: a França revolucionária e a Inglaterra". (Seymour Martin Lipset, "A Sociedade Americana", p. 57)

Nas palavras de Jefferson, "a forma que nosso próprio governo deveria tomar dependia muito mais dos acontecimentos da França do que se poderia imaginar". (Daniel Sisson, The American Revolution, p. 167).

O período do Terror foi particularmente temido e rejeitado pelos federalistas, parecendo confirmar suas apreensões a respeito do governo das massas. Por outro lado, o mesmo Terror revolucionário francês foi aplaudido por muitos dos republicanos: "Os americanos adotaram diferentes pontos de vista a respeito dos acontecimentos na França; os federalistas os atacaram e os republicanos os aplaudiram. De fato, muitos republicanos imitaram os radicais franceses (jacobinos), usando cabelos curtos e calças compridas, e tratando-se um ao outro como ‘cidadão’. Durante algum tempo era possível deduzir o partido a que um homem pertencia, pelo seu aspecto e pelas suas maneiras. Os federalistas conservavam o cabelo longo ou a peruca empoada da antiga moda, os culotes e a tradicional etiqueta do gentleman". (Williams, Current, Freidel, A History of the USA, pp. 193-194)

Os republicanos-democráticos agiram sobre as bases tradicionais dos líderes federalistas, que dominavam os negócios e os cargos públicos. Eles "desenvolveram organizações partidárias.... para consolidar uma oposição baseada no apoio popular". (Seymour Martin Lipset, "A Sociedade Americana", p. 51). "Os republicanos-democráticos recém-surgidos estavam indo diretamente ao povo, numa tentativa virtualmente sem precedente, não só de representar os interesses e as preocupações populares, mas de monopolizar a oposição popular aos que exerciam o poder". (Seymour Martin Lipset, "A Sociedade Americana", p. 56)

Em vez de atacar a Constituição, como fizeram seus antecessores anti-federalistas, o novo Partido Republicano-Democrático entrou na luta política, fazendo alarde de sua interpretação democrática da mesma Constituição.

Os federalistas, por sua vez, aderiram a uma idéia mais tradicional de estrutura partidária. Formaram eles um partido federalista, em que os membros estavam ligados entre si apenas pelo compromisso com o programa comum, sem haver um mecanismo partidário funcionando em nível local, em contato mais estreito com o povo. Para obter votos, os candidatos federalistas contavam com sua influência social e seu prestígio dentro de suas comunidades.

As eleições de 1800 deram a vitória aos republicanos-democráticos. Tão importante foi a derrota federalista de 1800, para o curso da cultura política, que ela tem sido freqüentemente mencionada como a segunda revolução americana. A presidência foi então sucessivamente ocupada por três representantes das elites tradicionais da Virginia — Jefferson, Madison e Monroe (Thomas Jefferson foi presidente de 1800 a 1808; James Madison, de 1808 a 1816; James Monroe, de 1816 a 1824) — os quais, embora aristocratas pela família e pelos hábitos, eram dirigentes do Partido Republicano-Democrático. Resultou daí um governo praticamente monopartidário, que durou até 1828.

"Derrotados para a presidência em 1800, os federalistas nunca mais foram capazes de reconquistar o poder em escala nacional, e virtualmente desapareceram depois de 1814". (Seymour Martin Lipset, "A Sociedade Americana", p. 58)

Segundo Seymour Lipset, uma das causas desse desaparecimento seria, da parte dos federalistas, "sua relutância ou inabilidade para aprender a se conduzir como um partido de oposição numa democracia igualitária". E sugere que "o erro básico dos federalistas consistiu em que, como homens convencidos de seu direito ‘natural’ de governar, não acreditavam em partidos que apelavam para o povo". (Seymour Martin Lipset, "A Sociedade Americana", pp. 58-59). Os antigos federalistas reuniram-se então aos democratas, ou se retiraram da vida política ativa.

Quanto aos republicanos-democráticos, uma vez no poder, embora continuassem em larga medida com a política de seus predecessores, descartaram muito do formalismo e do cerimonial do regime federalista. A "simplicidade" republicana tornou-se a ordem do dia, enquanto as regras elaboradas de etiqueta, que os federalistas haviam introduzido no cerimonial da presidência, foram quase todas suprimidas. Isso não significou, porém, que a atmosfera de distinção, própria aos plantadores do sul, estivesse inteiramente ausente dos círculos governamentais em Washington.

Esta substituição de elites no poder, no período da república aristocrática, foi comentada por Schlesinger: "No retrospecto da História torna-se claro que o poder político passou de uma aristocracia mercantil, formada segundo o modelo inglês, para uma aristocracia rural, aclimatada ao ambiente americano. Os grandes plantadores do sul proporcionaram a atmosfera de refinamento na qual a administração federal em Washington se movia e existia". (Arthur Schlesinger Jr., New Viewpoints of American History, p. 84)

Seymour Lipset declara ainda que, durante este período, Jefferson, Madison e Monroe — aristocratas e aureolados pelo prestígio que advinha do seu papel na fundação do país e da liderança que exerciam no todo-poderoso Partido Republicano-Democrático — utilizavam seu poder pessoal e a influência de sua classe para legitimar a autoridade nacional e o governo democrático. (Cfr. Seymour M. Lipset, "A Sociedade Americana", p. 63)

A república aristocrática foi um regime de influências e poderes, compartilhados por antigos aristocratas e pelas novas elites. Em alguns setores dominava a antiga aristocracia, e em outros os representantes dessas novas elites. Estes últimos, porém, após terem subido em nome da igualdade, paradoxalmente desejavam igualar-se aos que estavam por cima, diferenciando-se dos que permaneciam abaixo deles.

A república aristocrática foi também o fruto de uma elite colonial já revolucionária. Com seu desaparecimento foi inaugurada uma nova era na vida da república norte-americana, geralmente referida como sendo a "era do homem comum".

A transformação do país nesse período

Durante as quatro décadas iniciais de vida nacional sob a constituição federal, que terminaram com a eleição de Andrew Jackson para a presidência em 1828, o país sofreu imensas transformações.

Ele passou de uma sociedade insular, predominantemente agrária, fortemente enraizada na família e nos laços comunitários interpessoais, para uma sociedade de grande desenvolvimento urbano e industrial, com proporções continentais, marcada pela conseqüente debilitação da família e pela instabilidade social.

Durante todo o período colonial, o povoamento e a colonização raramente haviam ultrapassado algumas centenas de milhas em direção ao interior. No meio século após a Independência, 11 novos estados foram acrescentados à União, vastos territórios foram conquistados ou adquiridos, os quais logo estenderam o país do Atlântico ao Pacífico. A população quadruplicou e o fluxo imigratório cresceu enormemente.

Por fim, as novas condições sociais, provocadas pela industrialização, urbanização e imigração, causaram mudanças profundas no modo de viver em todo o país, transformações estas estimuladas pela influência crescente da ideologia democrática em todas as classes sociais.

2. As etapas análogas de uma Revolução internacional

Ao longo de todo o período colonial da história das futuras nações do continente americano, nas metrópoles colonizadoras vigorava um regime que, com algumas variantes, era o mesmo em todas elas. Era o que se poderia chamar o Ancien Régime, que essas metrópoles levaram às suas respectivas colônias.

Com a proclamação da independência das nações americanas, esse regime cessou de existir em toda a América. Neste sentido, os diversos movimentos de libertação política equivaleram a outras tantas "revoluções francesas", porque acabaram destruindo quase tudo aquilo que representava o Ancien Régime nas Américas. Esse regime foi substituído pelas metas e pelos "ideais" da Revolução Francesa e da Revolução Americana.

É uma ilusão pensar que os diversos movimentos surgidos nas colônias americanas visavam apenas proclamar a independência em relação às respectivas metrópoles. Tratava-se, de fato, de fazer a Revolução, que não era apenas uma revolução pela independência, mas a Revolução igualitária de derrubada do Ancien Régime e instauração de um começo de democracia igualitária em todos os países.

Existe uma idéia generalizada de que no continente americano — preparado com longa antecedência por doutrinas de filósofos e pensadores do iluminismo inglês e francês, em grande voga nas últimas décadas do século XVIII — de um momento para outro se alastrou um só incêndio de caráter republicano e igualitário. E que nessas chamas se consumiram os últimos resquícios da tradição anterior à independência.

Há um visível exagero nessa concepção.

Sem dúvida há um fundo ideológico revolucionário comum em todas essas revoluções. É claro também que elas tiveram uma influência contagiante umas sobre as outras, de maneira que, vitoriosa uma delas em um determinado país, criava a convicção de que podia vencer nos outros países do continente. Isto dava um élan aos revolucionários, que lhes foi precioso para alcançar a sua grande vitória.

Mas enganam-se redondamente os que pensam que este incêndio igualitário e revolucionário se alastrou pelo continente sem qualquer espécie de resistência. Muito pelo contrário, houve resistências importantes, que muitas vezes obrigaram a Revolução a traçar para si mesma, não um itinerário retilíneo — como seria o de um canal artificial — mas um itinerário cheio de voltas, de dobras e de surpresas, como seria o de algum caprichoso rio chinês. Isto é observado sobretudo na história dos Estados Unidos, que é o país, em todo o continente americano, onde a democracia é mais característica, mais coerente, mais inteira, mais poderosa, e com mais força de contágio sobre todos os outros países. Aí houve resistências monárquicas e resistências aristocráticas, que obrigaram o movimento republicano e igualitário a caminhar com muita prudência, adotando fórmulas gradualmente mais intensas.

Este processo gradual foi constatado mais claramente na Revolução Francesa, que percorreu as seguintes fases:

1) Monarquia absoluta, até 1789 (Estados Gerais);

2) Governos revolucionários cada vez mais radicais, com monarquia aparente, até a abolição da realeza em 1792 (Assembléia Constituinte e Assembléia Legislativa);

3) Governo revolucionário republicano radical (Convenção e Terror).

Raramente esta seqüência de etapas foi percorrida com tanta ordem como na Revolução Francesa. Mas nota-se também a presença delas no traçado de grande número de revoluções igualitárias no continente americano.

Além disso, não se pode pretender que essas revoluções, em seu conjunto, tenham tido características de luta de classes. Pelo contrário, em muitas ocasiões a revolução inicial tomou um caráter aristocrático e procurou ganhar a si a aristocracia, procurou habituar a aristocracia a uma ordem de coisas em que ela mesma aceitasse, de bom grado, o evanescimento de suas próprias características.

De fato, a Revolução avançou por meio de homens que tinham a confiança pública, porque eram aristocratas. O povo confiava neles em virtude da categoria social a que pertenciam suas famílias, e do tônus de seriedade e moralidade que eles conferiam à vida pública.

Realmente é digna de nota a presença de numerosas pessoas pertencentes à aristocracia, para facilitar e apressar a vitória dos ideais revolucionários. Vários aristocratas tomaram a direção do movimento democrático, comunicando-lhe confiabilidade e autenticidade junto ao povo, o que tornou possível a aceitação de democracias populistas avant la lettre, nos Estados Unidos e em outros países da América.

Se muitas democracias não tivessem contado no início com o apoio de aristocratas no governo, o povo não teria apoiado esses regimes democráticos, ou os teria apoiado muitas décadas mais tarde.

 

3. A época de Jackson: a democracia popular (1828-1840)

Andrew Jackson, eleito em 1828 e empossado em 1829, foi o primeiro presidente dos Estados Unidos não oriundo das elites tradicionais. Sua elevação à presidência marca o fim da república aristocrática e a maior difusão da ideologia democrática, de modo amplo e profundo, na vida política, social e cultural do país.

Embora haja múltiplas interpretações de estudiosos modernos acerca da pessoa daquele presidente e da era política e social que se inaugurava, o fato é que Jackson representou o símbolo em torno do qual se cristalizou o mito da igualdade democrática norte-americana, cuja formulação mais precisa, como já vimos, foram os escritos de Alexis de Tocqueville.

Andrew Jackson foi um homem de forte personalidade, um self-made man transformado em herói e em personificação do ideal norte-americano do "homem comum", em luta contra aquilo que era considerado como uma injusta predominância aristocrática na vida política e econômica da nação. Ou seja, contra privilégios de ordem social, política e econômica próprios às elites.

Segundo o historiador social James Bugg, "Jackson, o herói da época, simbolizava para os americanos todas aquelas características que fizeram deles um povo escolhido, destinado a converter e salvar o mundo.... Havia de fato dois Jacksons, um como figura histórica, o outro como símbolo do mito americano". (James L. Bugg Jr., Jacksonian Democracy, Myth or Reality, edited by James L. Bugg Jr. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1962, p. 107)

Para Richard Hofstader, "Jackson rompeu as cadeias de uma ordem política fixa e estratificada. Tendo sido originalmente uma luta contra o privilégio político, o movimento jacksoniano se expandiu numa luta contra o privilégio econômico, reunindo em seu apoio numerosos capitalistas do meio rural e empresários de pequenas cidades". (Richard Hofstader, The American Political Tradition and the Men Who Made It, in: Jacksonian Democracy, Myth or Reality, edited by James L. Bugg Jr. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1962, p. 7)

Nos anos decorridos entre a eleição de Jackson e a Guerra de Secessão houve uma gradual transformação na própria natureza do republicanismo norte-americano. O país passou de um governo formado por um "corpo escolhido de cidadãos, cuja sabedoria, patriotismo e amor à justiça fariam discernir melhor qual era o genuíno interesse do país", para um governo de maioria popular. "Por volta de 1837 a palavra "republicanismo" havia sido amplamente suplantada pelo termo "democracia", na linguagem política nacional". (Robert V. Remini, The Legacy of Andrew Jackson - Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1988, pp. 24, 28)

Assim como na fase anterior — dominada pela dinastia da Virginia — houvera um empenho revolucionário para estabelecer uma igualdade política, o democrata jacksoniano "passa agora à fase seguinte, e tenta a realização da igualdade social, de tal modo que a real condição dos homens na sociedade esteja em harmonia com seus reconhecidos direitos como cidadãos". (Citado por Arthur M. Schlesinger, Jacksonian Democracy as an Intellectual Movement, in Jacksonian Democracy, Myth or Reality, edited by James L. Bugg, Jr. - New York, Holt, Rinehart and Winston, 1962, p. 77)

Os democratas jacksonianos aplaudiram as agitações e revoltas que eclodiram pela Europa naquela época, formando com os revolucionários do Velho Continente um intercâmbio de inspirações e ardores revolucionários, como relata Schlesinger: "Os jacksonianos observavam com agudo interesse as agitações e revoltas que ocorriam no exterior. Jackson e seu gabinete juntaram-se às celebrações que se realizavam em Washington, por motivo da revolução de 1830 na França.... Lamennais, a voz eloqüente das aspirações populares francesas, era lido nos círculos jacksonianos.... Os jacksonianos tinham fé no significado internacional de sua luta.... Os Estados Unidos eram o terreno de prova da democracia, e era missão dos democratas americanos exibir ao mundo as glórias de um governo exercido pelo povo". (Arthur M. Schlesinger, Jacksonian Democracy as an Intellectual Movement, in: Jacksonian Democracy, Myth or Reality, edited by James L. Bugg Jr. - New York, Holt, Rinehart and Winston, 1962, pp. 81-82)

a. Conseqüências políticas, econômicas e sociais para as elites tradicionais

Uma das conseqüências mais imediatas de um governo de democracia popular foi o estabelecimento da máquina política para mobilizar as massas, agitando os ressentimentos com a retórica da luta de classes, e aviltando as prerrogativas e o estilo de vida aristocráticos.

Sob este violento ataque, as elites tradicionais iniciaram uma progressiva retirada da vida pública, excetuados alguns estados do sul. Embora elas ainda ocupassem altos cargos e tivessem muita influência nos governos estaduais, a perspectiva de uma classe governante formada por "aristocratas naturais", baseada no mérito pessoal, na preeminência social e na distinção familiar, estava socialmente derrotada.

A posição de liderança não mais dependia do status pessoal, da classe ou da educação. A vida política não era mais o quadro em que o "aristocrata natural" representava o conjunto do espectro social. "Vencer as eleições tornou-se, em grau jamais visto, um negócio de profissionais, que manejavam máquinas poderosas". (Marvin Meyer, The Jackson Persuasion – Stanford, Stanford University Press, 1957, p. 7)

Sob tais condições, "quase todos os ‘aristocratas de talento e virtude’ haviam se retirado da vida pública, impedidos por seus padrões de honra pessoal de atuar na política daquele modo, necessário para ganhar eleições. Eles foram substituídos por um novo grupo de ‘políticos profissionais’, cuja pretensão ao cargo estava estreitamente ligada à sua experiência em manobrar partidos políticos". (Victor M. Litz, Founding Fathers and Party Leaders, in: Harold J. Bershady, ed., Social Class and Democratic Leadership – Philadelphia, University of Pennsylvania Press, p. 268(

Antes do advento da democracia populista, a política era uma atividade na qual se podia demonstrar a honorabilidade e a respeitabilidade que se tinha, e até aumentá-las. Era quase um exercício espiritual.

Porém, na passagem da república aristocrática para a república populista de Jackson, a liderança política escapou, em boa parte, das mãos das famílias tradicionais. Com este fato a própria liderança política perdeu muito de seu prestígio social, tendo em vista o aparecimento de aventureiros e de demagogos sem verdadeira intelectualidade, no cenário político da nova era. De tal maneira que, aquilo que a nova classe política conquistou, em suas próprias mãos se envileceu. Por outro lado, a influência social da elite tradicional ficou intacta, ou até maior.

Realmente, a partir do momento em que o cenário político foi abandonado pelos homens para os quais a honorabilidade era um predicado indispensável para vencer na política, esta passou a ser um tipo de atividade exercida por máquinas eleitorais, com o fito exclusivo de ganhar as eleições.

Ora, como as eleições trazem consigo grandes despesas, devido à propaganda, e esta se foi tornando cada vez mais onerosa à medida que os "homens comuns" começavam a dirigir a política, resultou freqüente uma distorção da democracia, pela qual esta deixou de ser a expressão da opinião pública na sua nobre espontaneidade, para ser como uma "máquina" imensa, feita para produzir a opinião pública.

A política deixou de ser a causa através da qual a opinião pública acionava a democracia. O dinheiro passou a acionar a opinião pública, não para que ela dissesse o que sentia, mas para fazê-la sentir o que o dinheiro queria. Esta ação do dinheiro se exercia através da imprensa, mais tarde também do rádio, da televisão, das técnicas de propaganda.

As eleições se transformaram num empreendimento colossal de manobra de opinião pública, absorvendo incalculáveis quantidades de dinheiro. Para fornecer esse dinheiro era necessária a colaboração dos grandes homens de negócios. Ao mesmo tempo, era indispensável o concurso de especialistas para recolher e gerir esse dinheiro, e para manobrar complexas máquinas políticas com a finalidade de obter a tão almejada vitória eleitoral.

Isto já nada tinha de comum com a democracia idealizada pelos filósofos e intelectuais do século XVIII, onde cada homem aparecia como um pensador político autônomo, desinteressado e sereno na hora de dar seu voto.

b. As novas lideranças

"O período jacksoniano representou uma profunda mudança na composição social da liderança do país. Sem mudar as palavras, ele trouxe um novo significado democrático à Constituição republicana, significado que os Founding Fathers dificilmente teriam antecipado, e certamente teriam reprovado". (Victor M. Litz, Founding Fathers and Party Leaders, in: Harold J. Bershady, ed., Social Class and Democratic Leadership – Philadelphia, University of Pennsylvania Press, pp. 266-267)

"Tornara-se politicamente fatal ser rotulado como um aristocrata" (George Tindall, A Narrative History of the United States, p. 338) — diz George Tindall. Assim, as elites tradicionais se retiraram da cena pública, para cultivar um estilo de vida aristocrático nos círculos privados, na alta sociedade e nos clubes exclusivos. Elas exerciam influência por meio de seu poder econômico e de suas organizações filantrópicas. Não havia qualquer pessoa com pretensões políticas, ou qualquer partido político, que ousasse representar abertamente os interesses das elites aristocráticas.

A retórica democrática da época alimentou divisões sociais, manifestadas sempre como sendo "uma luta dos trabalhadores honestos contra os aristocratas corruptos, entre os poucos (aristocratas) e os muitos (trabalhadores)". (Robert V. Remini, The Legacy of Andrew Jackson - Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1988, p. 21). Esta filosofia social, violentamente ativista, "foi enunciada e repetida em todos os níveis da retórica política, desde as mensagens presidenciais até os discursos de rua, desde os editoriais de imprensa até cartas particulares". (Arthur M. Schlesinger Jr., Jacksonian Democracy as an Intellectual Movement, in Jacksonian Democracy, Myth or Reality, edited by James L. Bugg Jr. - New York, Holt, Rinehart and Winston, 1962, p. 72)

A linguagem da democracia de massas era uma linguagem de conflito e de oposições: disputas entre classes produtoras e não produtoras; os fazendeiros de um lado, os financistas e homens de negócios de outro; tudo num contexto de ânimo crescente contra a riqueza hereditária do gentleman sulista, e contra a elite mercantil tradicional. Uma animosidade que se jactava de ser uma luta da "liberdade" contra a "dominação", da superioridade moral do self-made man contra a corrupção das elites tradicionais ociosas.

A retórica da época de Jackson colocava assim uma oposição essencial entre o "povo" e a "aristocracia". Ele apresentava "a grande luta entre o povo e a aristocracia, pela direção da república.... Para Jackson, havia um só corpo: o povo soberano, coberto pelas chagas da aristocracia". (Marvin Meyer, Restoration of the Old Republic Theme, in: Jacksonian Democracy, Myth or Reality, edited by James L. Bugg, Jr. - New York, Holt, Rinehart and Winston, 1962, p. 112)

A democratização na economia deslocou as elites tradicionais, de seu controle quase absoluto sobre os bancos e o mercado de capitais. Bray Hammond apresenta os conflitos daquele período como sendo uma luta entre as elites novas e as tradicionais, fato inevitável, a seu ver, num país em rápida expansão. Ele afirma que a política econômica da época não era, de modo algum, "um golpe contra o capitalismo ou a propriedade.... Foi um golpe contra um grupo mais antigo de capitalistas, executado por um grupo mais novo e mais numeroso. Como conseqüência da democratização dos negócios, houve a difusão do espírito empreendedor entre o povo, e a transferência da primazia econômica da velha e conservadora classe mercantil para um grupo mais novo, mais agressivo e mais numeroso, de homens de negócios e especuladores de toda espécie". (Bray Hammond, The Jacksonians, in: Jacksonian Democracy, Myth or Reality, edited by James L. Bugg Jr. - New York, Holt, Rinehart and Winston, 1962, p. 94)

Apesar de todos os fatores que contribuíram nessa época para a democratização da vida americana, "certas famílias de prestígio preservaram sua distinguida reputação na era do homem comum.... De fato, praticamente em todas as localidades, desde Portland, no estado do Maine, até Nova Orleans, havia elites rurais ou mercantis. Muitas dessas famílias promoviam casamentos entre seus membros, e eram bastante exclusivas em sua vida social". (Douglas T. Miller, The Birth of Modern America, 1820-1850 - New York, Pegasus Books, p. 119-120)

4. As elites nas décadas anteriores à Guerra Civil

a. Na região norte: ascensão e assimilação dos novos ricos

Na época que precedeu a Guerra Civil, teve início uma tendência que se iria intensificar nos anos posteriores à guerra. Devido ao número maciço de novos ricos na sociedade, multiplicaram-se as instituições privadas da classe alta, como uma barreira social contra a impetuosidade e a ostentação daqueles, e também como um meio de assimilá-los gradualmente nas fileiras da classe alta tradicional.

No norte do país as tendências econômicas já referidas multiplicaram as riquezas e o número de ricos. Novas elites de atividade manufatora surgiram, ao lado das antigas famílias da elite mercantil, as quais mantinham ainda sua posição e seu prestígio. Os novos ricos foram sendo gradualmente assimilados aos antigos, por meio de casamentos. As leis contra a primogenitura e o morgadio produziram seus efeitos: a elite rural tradicional estava em decadência econômica, embora seu status social permanecesse insuperado.

Este fato é constatado por Douglas Miller: "Numerosos oportunistas encheram as fileiras dos ricos, tornando difícil às famílias estabelecidas desde os tempos coloniais preservar sua preeminência". (Douglas T. Miller, The Birth of Modern America, 1820-1850 - New York, Pegasus Books, p. 119)

E o mesmo autor acrescenta mais adiante: "Nos estados costeiros havia uma acentuada tendência para o declínio das grandes propriedades.... Contudo, as antigas famílias respeitáveis podiam preservar-se desse declínio — e muitas vezes de fato o fizeram — unindo-se aos parvenus por meio de casamentos, comerciando a respeitabilidade para obter dinheiro.... Casamentos arranjados entre membros de famílias ricas, porém novas, e de antigas famílias respeitáveis, tornaram-se cada vez mais freqüentes nas décadas de 1830 e 1840". (Douglas T. Miller, The Birth of Modern America, 1820-1850, pp. 120-121)

Enquanto no sul as elites mantinham suas estruturas sociais tradicionais e sua economia de base agrária, as elites tradicionais mercantis e rurais do norte mantinham seu status por meio da diversificação de seus investimentos em empreendimentos industriais.

Segundo Douglas Miller, no norte "a Revolução Industrial — aliando os ganhos provenientes das atividades comerciais e da valorização dos terrenos urbanos — estava criando uma poderosa e prestigiosa classe de magnatas financistas no cerne de um país democrático. Em muitas áreas um grupo limitado estava adquirindo riqueza, status social e uma boa parte do controle sobre os setores de manufatura, transporte e comércio.... Por toda parte o crescimento e a expansão [da economia do país] aumentaram a prévia estratificação". (Douglas T. Miller, op. cit., pp. 133-134)

As antigas elites adaptaram-se às novas condições econômicas e as estimularam. Unidos à tradicional elite mercantil, os novos industriais forneceram os meios para manter o padrão de vida da antiga classe alta, dentro de um clima econômico em transformação. Sobre esta transformação, Frederic Jaher exemplifica com Boston: "[Os novos industriais] se tornaram o novo cerne econômico da aristocracia de Boston, mas praticamente toda família ilustre fornecia acionistas e diretores. A indústria, possuída e administrada por famílias interligadas, era uma empresa comum, que os laços familiares e a herança conservaram em mãos da classe alta pelo restante do século". (Frederic Cople Jaher, The Urban Establishment, p. 51)

Mais adiante o mesmo autor acrescenta: "Além de controlar essas instituições [financeiras], os de sangue azul eram diretores e principais acionistas em cinco dos sete maiores bancos de Boston. O controle sobre a maior fonte de capital, em Massachusetts, permitiu à classe alta exercer um domínio financeiro sobre o estado". (Frederic Cople Jaher, The Urban Establishment, p. 53)

Em Nova York, naquela época, a aristocracia rural estava perdendo importância, enquanto a nova plutocracia crescia em poder e influência: "A aristocracia em Nova York estava em um estado de transição. A classe da gentry estava em declínio, enquanto a classe dos ricos capitalistas estava em ascensão". (Douglas T. Miller, Jacksonian Aristocracy - New York, Oxford University Press, 1967, p. 80). "No norte, e particularmente em Nova York, as classes ricas estavam começando a exercer um poder e uma influência jamais alcançados anteriormente por qualquer elite americana". (Douglas T. Miller, Jacksonian Aristocracy - New York, Oxford University Press, 1967, p. 181)

"A imagem do aristocrata havia passado do esquire tradicional e patriarcal para o rico plutocrata, o negociante citadino ou industrial, mais preocupado com salões e finanças do que com manors e arrendatários. Diversamente da aristocracia rural, cuja posição como grupo de elite declinou continuamente diante das forças da democracia, os aristocratas capitalistas prosperaram sob as condições econômicas de laissez-faire, prevalentes na época jacksoniana". (Douglas T. Miller, Jacksonian Aristocracy - New York, Oxford University Press, 1967, p. 70)

b. Como passaram a viver as elites tradicionais no norte

Nesse período as elites tradicionais representaram um papel menos importante na política do que durante as épocas anteriores. Porém exerciam sua influência nas grandes cidades, por meio de entidades privadas de natureza filantrópica. Segundo Edward Pessen, "New York, Brooklyn, Boston e Philadelphia não eram governadas por um ‘patriciado’, nas décadas anteriores a 1850. Porém as elites das grandes cidades do nordeste dirigiam centenas de associações particulares que complementavam, e em alguns casos superavam em importância, o trabalho realizado pelas instituições políticas municipais. A política era deixada aos homens de fortuna, porém não aos de maior fortuna, e a alguns representantes esparsos de elites familiares". (Edward Pessen, Riches, Class and Power Before the Civil War, p. 294)

Eis como o mesmo autor descreve a situação típica das elites numa grande cidade do norte, na época: "A elite de uma cidade constava tipicamente de algumas centenas de famílias de grande prestígio. Muitas delas haviam ocupado uma posição eminente desde o século XVII, porém um número surpreendente delas se tornaram conhecidas somente a partir do meio e do fim do século XVIII. Estas famílias moviam-se numa órbita social restrita, mantendo relações exclusivas tanto no nível formal como no informal, comparecendo aos mesmos jantares e bailes, pertencendo aos mesmos clubes e associações particulares, vivendo em bairros residenciais próprios, casando-se segundo a regra da endogamia social, e geralmente, embora não invariavelmente, possuindo grande fortuna". (Edward Pessen, Riches, class and Power Before the Civil War, p. 283)

Em Boston, por exemplo, continuava a existir uma elite tradicional antes da Guerra Civil, descendente de antigas famílias da época colonial, e que formava o cerne de sua classe alta: "Dezenas dos mais ricos habitantes de Boston, nas décadas de 1830 e 1840, eram descendentes de famílias que haviam emigrado da Inglaterra para Massachusetts dois séculos antes, e se tornaram proeminentes logo após a chegada, ou pouco depois, permanecendo assim desde então". (Edward Pessen, Riches, Class and Power Before the Civil War, p. 111)

A grande riqueza dessas elites de Boston possibilitou-lhes um aprimoramento social e cultural, como descreve ainda Frederic Jaher: "A aposentadoria precoce do mundo dos negócios, a riqueza herdada e a maior preocupação pela cultura estimularam a atividade social. Apareceram salões, multiplicaram-se encontros sociais de caráter intelectual.... Atividades caritativas e culturais eram conduzidas ao mesmo tempo, o que era característico dos empreendimentos dos patrícios". (Frederic Jaher, The Urban Establishment, pp. 66, 63)

O mesmo fenômeno teve lugar, em graus diferentes, em outras cidades. "As sociedades de Filadélfia e de Baltimore eram similares à de Boston, enquanto inter-relacionadas por estreitos vínculos de parentesco, e fundamentadas no nascimento e na riqueza". (Douglas T. Miller, The Birth of Modern America, 1820-1850, p. 133)

"As origens da classe rica de Filadélfia, no início do século XIX, eram semelhantes às das elites de Nova York e Boston. Como em suas grandes rivais urbanas do norte, as famílias mais prestigiosas eram, com poucas exceções, as famílias mais antigas, que acompanharam William Penn em sua viagem no Welcome.... ou então as que chegaram pouco depois, associando-se aos primórdios da cidade". Os filadelfianos ricos da década de 1840 eram descendentes "das talvez mais aristocráticas famílias de Filadélfia". (Edward Pessen, Riches, Class and Power Before the Civil War, p. 120)

Em Nova York, certas instituições privadas, baseadas na ancestralidade, tornaram-se um dos principais focos da aristocracia na cidade: "A vida social em Nova York movimentava-se em torno de festas elegantes e bailes formais. Ambos oferecidos por particulares ou promovidos por associações". (Douglas T. Miller, Jacksonian Aristocracy - New York, Oxford University Press, 1967, p. 77)

Clubes exclusivos tinham como membros os descendentes da elite mais tradicional na cidade e no estado: "A cidade de Nova York tinha mais clubes sociais, naquela época, do que os outros grandes centros urbanos. Algumas dessas associações eram dedicadas especialmente a assegurar aos seus membros de elite um maior exclusivismo em suas atividades de lazer". (Edward Pessen, Riches, Class and Power Before the Civil War, p. 225)

Em resumo, nos anos que precederam a Guerra Civil as elites tradicionais do norte do país foram obrigadas a aceitar em suas fileiras muitas famílias de recente riqueza. As famílias patrícias passaram a ter uma participação maior nas profissões liberais, enquanto diminuía sua participação direta na vida política. A liderança social permaneceu com as elites tradicionais, cujo estilo de vida a classe dos novos ricos procurava imitar.

A nova aristocracia, que se formou pela fusão da antiga elite tradicional com as novas elites plutocráticas, estava destinada a ser o padrão de uma nova classe alta americana, surgida após os trágicos anos da Guerra de Secessão: "Desprezados pelos patrícios sulistas como ‘novos ricos’, estes novos aristocratas em ascensão estavam destinados a ser os precursores daquela classe, que iria suplantar a aristocracia sulista nos anos que se seguiram à Guerra Civil, e tornarem-se os modernos guardiões das tradições aristocráticas". (Arthur Schlesinger Jr., New Viewpoints in American History, p. 92)

c. No sul: O plantador, ápice social e tipo humano

Anteriormente à Guerra Civil, na sociedade do sul, imbuída ainda de uma mentalidade muito mais ligada à vida rural e à hierarquia social, o impulso rumo à industrialização foi menos notável, as divisões políticas mais superficiais, e as tendências democratizantes menos marcadas que no norte e no oeste.

"A civilização sulista era ordenada e ordeira. A estrutura de classes era nitidamente, embora não rigidamente, definida. Alguns grupos sociais ocupavam posições mais elevadas que outros, porém cada um mantinha um status com o qual estava amplamente satisfeito. Como resultado, a competição entre as classes era mínima.... Todas as classes gozavam uma vida confortável, sem ter que trabalhar demais para isso". (T. Harry Williams, Richard N. Current, Frank Freidel, The History of the United States, to 1867, p. 474)

Malone e Rauch descrevem os valores prezados pela sociedade sulista: "As virtudes mais elogiadas não eram aquelas do mundo do comércio, mas aquelas da aristocracia rural do Velho Mundo e da desaparecida época da cavalaria; não era a eficiência, a astúcia e a agressividade, mas a honra, a generosidade e as boas maneiras. De modo muito evidente, os sulistas mais eminentes encontravam seus modelos no passado, enquanto os do norte olhavam adiante, para uma nova era de negócios e de progresso ilimitado". (Dumas Malone and Basil Rauch; Crisis of the Union, 1841-1877 - New York, Appleton, Century-Crofts, 1960, p. 98)

Segundo Williams, Current e Freidel, "o sul subscrevia o mito democrático, porém, mais que isso, glorificava a liderança aristocrática. Seu sistema agrícola era comercial e especializado, em harmonia com as tendências modernas, porém muitas de suas instituições sociais eram mais feudais que modernas". (T. Harry Williams, Richard N. Current, Frank Freidel, The History of the United States, to 1867, p. 476)

A estrutura social do sul estava constituída em torno dos plantadores. Eles davam o tônus à vida econômica, social e política: "Os plantadores eram reconhecidos, por consenso, como modelos sociais e líderes naturais da sociedade". (George Tindall, American: A Narrative History, p. 551)

"No topo da sociedade sulista estavam os plantadores aristocratas, compreendendo aproximadamente mil famílias.... A este nível social pertenciam alguns dos antigos ‘grandes’ do século XVIII — os quais, apesar das leis contra o morgadio, salvaram o suficiente para manter o estilo de vida da família — e também plantadores mais novos, e até mais ricos". (Dixon Wecter, The Saga of American Society, p. 104). Abaixo deles estavam os plantadores menores e numerosos fazendeiros, profissionais liberais e comerciantes.

As qualificações para ser considerado um plantador eram fluidas e definidas de vários modos, de acordo com o tempo e o lugar. Dentro da própria classe dos plantadores existia uma hierarquia. Os grandes plantadores — em geral os que possuíam plantações de mais de 800 acres, em que trabalhavam 40 escravos ou mais — eram os que constituíam o cume da pirâmide social.

"Os grandes plantadores representavam, do ponto de vista social, o modelo ideal do sul. Enriquecidos por vastos rendimentos anuais, habitando em palacetes, cercados por amplas terras e muitos escravos, eles constituíam a classe à qual todos os sulistas prestavam deferência e todo sulista ambicioso aspirava. Capacitados por sua riqueza à prática das artes de lazer, eles cultivavam a distinção no viver, as boas maneiras, a erudição e a política. Seu padrão social determinava, em considerável medida, o tônus de toda a sociedade do sul". (T. Harry Williams, Richard N. Current, Frank Freidel, The History of the United States, to 1867, p. 478). Assim, ao que tudo indica, a classe dos plantadores do sul constituía, nos Estados Unidos, a condição mais próxima àquela da nobreza européia.

A elite rural das plantações preservava as tradições da aristocracia inglesa, tais como o senso de noblesse oblige, prestação de serviços públicos, a prática da hospitalidade e a adesão ao código do gentleman. Ela prezava especialmente a idéia da dignidade pessoal e da honra.

Ao referir-se especificamente à vida social da aristocracia rural da Carolina do Sul, diz o historiador Clement Eaton: "Eles eram uma classe dirigente bem unida, cujo poder e prestígio diminuíram com a Revolução, mas ainda possuindo grande vitalidade, mesmo após a ascensão da democracia jacksoniana na década de 1820". (Clement Eaton, The Growth of Southern Civilization - New York, Harper and Row, 1961, p. 1)

Enquanto no norte as elites tradicionais consolidavam seu status econômico, pela fusão com os novos ricos negociantes e industriais, e rejeitando freqüentemente uma participação direta na vida política, no sul os plantadores mantinham a preeminência social e a liderança política, embora adotando uma retórica democrática: "Os próprios plantadores faziam concessões, ao adotar um estilo político democrático, porém sua liderança nunca foi seriamente questionada". (Douglas T. Miller, The Birth of Modern America, p. 136)

Segundo Miller, no sul havia "uma retórica democrática envolvendo uma ordem aristocrática.... Desde o início estava presente uma classe de plantadores cuja liderança o povo estava acostumado a aceitar.... Embora o sul continuasse a falar em democracia do homem comum, os movimentos reformistas pujantes, que varreram o norte naqueles anos, não se verificaram no sul". (Douglas T. Miller, The Birth of Modern America, pp. 136-137)

Ainda a respeito da liderança inconteste exercida pela classe dos plantadores na sociedade sulista, declara Frank Freidel, da Universidade de Harvard: "Os plantadores exerciam uma liderança dominadora, porque a grande maioria dos brancos desejava que eles executassem tal função. Como os plantadores eram o modelo social aspirado por todos na região, eles também se apresentavam às massas como os líderes naturais no sul.... Como sua fortuna lhes proporcionava lazeres, eles estavam aptos a cultivar a arte da liderança e a empregar seu tempo em exercê-la, tempo este que pessoas de nível menos elevado freqüentemente não poderiam dispor". (T. Harry Williams, Richard N. Current, Frank Freidel, The History of the United States, to 1867, p. 479)

A classe patrícia sulista resistiu à intromissão das novas elites endinheiradas, mais efetivamente que as antigas elites mercantis do norte. Os arrivistas só eram absorvidos pela sociedade tradicional quando adotavam seus costumes e sua mentalidade conservadora.

Advogados, médicos, militares e políticos estavam ligados, tanto por laços familiares como por interesses econômicos, à classe dos plantadores, cujo prestígio era também manifestado pelo desejo dos negociantes de a ela pertencerem.

No período anterior à Guerra Civil, a classe dos homens de negócios se situava abaixo dos plantadores, políticos, militares e profissionais liberais.... Exceto em poucos centros urbanos, não se desenvolveu um relacionamento capital-trabalho entre os assalariados e os empregadores. O domínio do ideal agrário era manifestado pela aspiração dos homens de negócios a se tornarem plantadores. (Cfr. Williams, Current, Freidel, The History of the United States, p. 480)

A cultura do algodão como produto comercial enriqueceu muitos plantadores sulistas, e estimulou sua expansão pelas regiões do sudoeste. Muitas antigas famílias da Virginia e das Carolinas colonizaram e desenvolveram a região fronteiriça, com a rapidez e eficiência que somente aqueles que possuíam o hábito da liderança e capital suficiente poderiam realizar, cobrindo as melhores terras com plantações de algodão. Assim, como diz Eaton, "a fronteira nunca foi uma região onde o pobre predominava". (Clement Eaton, The Growth of Southern Civilization, p. 18)

O estilo de vida aristocrático foi levado àquelas regiões, onde serviu como modelo aos novos plantadores, que aspiravam obter o prestígio social que viam personificado no plantador tradicional. "O ideal do country gentleman foi transportado pelos emigrantes da Virginia e das Carolinas aos mais remotos rincões do sul". (Clement Eaton, The Growth of Southern Civilization - New York, Harper and Row, 1961, p. 2)

"A vasta expansão da cultura do algodão, entre 1800 e 1830, conferiu uma nova dignidade e importância a esta requintada elite rural. Alguns milhares de ‘primeiras famílias’ viviam dos rendimentos das plantações e formavam a camada superior da sociedade sulista. Elas passavam os invernos em Nova Orleans, as primaveras em Charleston, os verões nas estações de águas da Virginia.... O ideal pessoal dessa aristocracia era resumido pelo termo ‘cavalheirismo’; uma expressão que denotava as qualidades de polidez para com as damas, cortesia para com os inferiores, senso de honra e hospitalidade generosa". (Arthur Schlesinger Jr., New Viewpoints in American History, pp. 90-91)

Os aristocratas sulistas herdaram da autêntica nobreza européia o gosto pelo espírito militar e pela cavalaria: "Os patrícios sulistas compartilhavam com a gentry e a nobreza européias uma inclinação pela vida militar, legado da época da cavalaria, que não era observado nas elites urbanas e comerciais do norte e do oeste.... De acordo com a tradição aristocrática européia, os sulistas constituíam a maioria dos oficiais de cavalaria [no exército dos Estados Unidos]". (Frederick Jaher, The Urban Establishment, p. 386)

Essa aristocracia, embora adepta de algumas concepções revolucionárias, permaneceu mais conservadora em relação à sua congênere progressista do norte, nas décadas anteriores à Guerra Civil.

O "velho sul", apesar de seus defeitos, foi uma civilização onde havia um charm que lhe era próprio, um sadio senso das realidades, uma economia estável com a propriedade bem distribuída, convivendo harmonicamente com valores do espírito. Havia uma ordem social que era bem aceita por todos, pois, em geral, cada um se sentia no lugar que lhe era próprio. A ganância e a competição desenfreadas estavam contidas por uma ética que valorizava tanto o trabalho quanto o lazer. Havia respeito pelo passado, em vista do futuro, e um desenvolvido senso estético, que se exprimiu na arte de bem viver: trajes, conversas, maneiras, refeições, caça, oratória política e religiosa.

O historiador I.A. Newby resume os valores do Velho Sul como sendo os que caracterizavam uma "boa sociedade": raízes profundas, senso religioso, mais rural que urbana, conservadora em sua política e descentralizada em seu governo. Seu povo era leal à família, à classe e às sociedades locais.

E o mesmo autor acrescenta: "Só sua religião não era a certa: O ‘velho sul’ havia sido protestante, quando tudo indicava que ele deveria ter sido católico. O protestantismo era a religião do individualismo e do capitalismo liberal, e não do tradicionalismo e da autoridade. Ou, como afirmou Tate, ‘quase não era uma religião, mas o resultado de uma ambição laica’. O ‘velho sul’ havia sido então uma anomalia, uma sociedade feudal sem uma religião feudal, e isto foi uma das razões pelas quais seu estilo de vida não sobreviveu após a derrota militar". (I.A. Newby, The South: A History - Holt, Rinehart and Winston, 1978, pp. 450-451)

Somente na década imediatamente anterior à Guerra Civil as elites do sul começaram a perder terreno para as tendências democráticas da época. Porém, foi a própria guerra que desfechou o golpe de morte na aristocracia sulista e no seu modo de viver.

Sua tentativa malograda de separar-se do norte e formar uma nação de estados confederados, de civilização agrária e tradicional, teve implicações no contexto da Revolução e da Contra-Revolução nos Estados Unidos daquela época.

"A Guerra Civil desfechou um golpe mortal na mais exclusiva aristocracia que nosso país jamais conheceu. A antiga classe dominante saiu do conflito com o estigma de rebeldes mal sucedidos; eles haviam perdido seus melhores homens e a maior parte de suas riquezas.... A aristocracia do ‘velho sul’, que havia representado um papel tão importante na história da nação e produzido muitos de seus homens mais eminentes, estava aniquilada, destinada a viver apenas como uma esplêndida e romântica recordação dos dias de ‘antes da guerra’". (Arthur Schlesinger Jr., New Viewpoints in American History, p. 93)

A este respeito I.A. Newby tem ainda as seguintes palavras: "Os confederados [os estados do sul] estavam tentando uma anomalia: uma revolução conservadora, uma mudança política para evitar uma transformação econômica e social. Diversamente de outros movimentos modernos pela independência e pela soberania, este era muito mais um movimento conservador e contra-revolucionário do que radical e revolucionário". (I.A. Newby, The South: A History - Holt, Rinehart and Winston, 1978, p. 211)

Nessa ocasião, ao final da Guerra Civil, diversamente do que poderia parecer, não havia no país uma confrontação de caráter principalmente ideológico e doutrinário entre os partidários de um regime aristocrático e os favoráveis ao regime democrático.

Pelo contrário, havia uma forma de alheamento ideológico do conjunto da sociedade norte-americana. Os espíritos mais inteligentes, os intelectuais de primeira linha, as pessoas mais capazes, os jornais mais influentes, não tomavam o tema monarquia-aristocracia-democracia como assunto principal de seus escritos e de suas conversas.

A preocupação por este tema era algo que existia apenas meio difusamente na sociedade norte-americana. Decorria daí que essa luta ideológica se desenvolvia numa espécie de bruma, de relativa desatenção, até mesmo por parte daqueles que tinham nessa luta uma posição tomada e interesses definidos.

5. O anti-catolicismo no período anterior à Guerra Civil

A Revolução Americana, a Declaração de Independência e a Constituição proporcionaram aos católicos, pelo menos oficialmente, uma entrada na vida social e política da nação. Ou seja, passaram a gozar de direitos políticos que até então lhes haviam sido recusados. Entretanto, na prática os resultados desse movimento não foram tão encorajadores para os católicos, como a aplicação da teoria liberal poderia fazer esperar. Realmente, fora de Maryland e da Louisiana, onde a presença de elites católicas tradicionais se faziam notar desde os tempos coloniais, os católicos permaneceram como uma pouco numerosa sub-classe sócio-política.

Com o enorme fluxo de imigrantes católicos nas décadas anteriores à Guerra Civil, a Igreja Católica transformou-se, de uma instituição praticamente inexistente, no maior grupo religioso do país. Este rápido crescimento foi já constatado no Primeiro Concílio Provincial, em 1829.

Nessa mesma época o anti-catolicismo retomou um novo vigor, manifestando-se sob uma nova forma, a do movimento nativista (nativism), que encontrou ampla repercussão em todas as classes sociais.

A hostilidade dos protestantes norte-americanos nativos de todas as denominações foi crescendo, até o ponto de formar uma "cruzada protestante" unificada, contra a influência católica no país. O Papa, os jesuítas e a hierarquia católica eram acusados de formar uma "Santa Aliança" para promover a imigração de católicos, e assim subverter a democracia na América.

Também em 1829, a promulgação da Lei de Emancipação dos Católicos, na Inglaterra, provocou uma inundação de literatura anti-católica naquele país, a qual se difundiu largamente para os Estados Unidos, excitando ainda mais os sentimentos anti-católicos.

Porém este anti-catolicismo não se limitou a uma literatura difamatória. Pregações anti-católicas insuflaram ainda mais essa animosidade, a qual explodiu em violentas manifestações realizadas em várias cidades do país. Em Boston, por exemplo, foram queimados um convento e uma escola católica. Uma década depois, a violência explodiu novamente, desta vez em Filadélfia, onde duas igrejas católicas e dezenas de casas de imigrantes católicos irlandeses foram queimadas, com um balanço final de treze mortos e cinqüenta feridos. Poucos dias depois, a ameaça de uma violência semelhante contra os católicos de Nova York levou o bispo daquela cidade, Mons. Hughes, a agir com decisão, colocando católicos fortemente armados em torno das igrejas, o que esfriou o fervor belicoso dos nativistas.

O fenômeno nativista não era meramente agitação de massa. O anti-catolicismo fundiu-se com o repúdio nativista em relação aos imigrantes, proporcionando o motivo em torno do qual se agruparam segmentos da classe alta, como indica Sydney Ahlstrom: "O sentimento anti-católico difundiu-se pelas classes média e alta de ancestralidade americana.... unindo um vago sentimento de orgulho anglo-saxônico com a consciência de classe". (Sydney E. Ahlstrom, A Religious History of the American People, p. 564)

O movimento nativista constituiu uma sociedade secreta de cunho político, geralmente conhecida como os "know-nothings". Seus membros juravam opor-se à eleição de imigrantes e de católicos aos cargos políticos, e removê-los dos mesmos sempre que possível. A partir de 1854 eles obtiveram vitórias espetaculares em eleições de nível municipal e estadual em todo o país. E pareciam destinados a dominar o Congresso, e até mesmo a obter uma vitória nas eleições presidenciais, quando os problemas e os debates sobre a escravatura e a secessão dividiram sua base política.

Segundo Ahlstrom, assim como o movimento nativista e o anti-catolicismo constituíram poderosas forças sociais anteriormente à Guerra Civil, "o mesmo aconteceria após a dita Guerra. No fundo de quadro das rápidas transformações sociais, tanto o nativismo como o anti-catolicismo se tornariam novamente penosas realidades". (Sydney E. Ahlstrom, A Religious History of the American People, p. 568)

Também em amplas regiões onde o "fundamentalismo" protestante era forte, e havia poucos católicos, estes quase não tinham status social. As poucas famílias católicas existentes em tais comunidades viviam à parte da principal estrutura social da região. Nos locais onde os católicos eram mais numerosos, as famílias católicas tendiam a ser admitidas no sistema social, porém em uma base instável, e somente na medida em que conservassem privada e discreta a prática de sua religião. Assim, os católicos tendiam a constituir um grupo à parte, devido à sua religião. (Cfr. John L. Thomas, S.J., The American Catholic Family - Englewood Cliff, Prentice-Hall, 1958), pp. 139-140)