Rodrigo Coppe Caldeira

 

O INFLUXO ULTRAMONTANO

NO BRASIL

E O PENSAMENTO DE

PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO

Nota da secretaria deste site: A inserção do presente documento não equivale a uma aprovação irrestrita a tudo quanto nele está contido. Sem embargo do que julgamos que seja de grande valia o estudo do Prof. Rodrigo Coppe Caldeira, tanto no Brasil como no Exterior.


 

 

 

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião como requisito parcial a obtenção do título de mestre em Ciência da Religião por RODRIGO COPPE CALDEIRA Orientador: Prof. Dr. Faustino Luis Couto Teixeira

 

 

2005


 

Rodrigo Coppe Caldeira

 

O INFLUXO ULTRAMONTANO NO BRASIL: O PENSAMENTO DE PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA

 

 

 

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradução em Ciência da Religião do Instituto De Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à Obtenção do título de Mestre em Ciência da

Religião.

Área de Concentração: Religião, Cultura e Sociedade

Orientador: Prof. Dr. Faustino Luis Couto Teixeira

Universidade Federal de Juiz de Fora

 

 

 

 

Juiz de Fora

Instituo de Ciências Humanas e Letras

2005


 

Dissertação defendida e aprovada, em 18 de março de 2005, pela banca constituída por:

__________________________________________

Presidente: Prof. Dr. Marcelo Ayres Camurça

__________________________________________

Titular: Prof. Dra. Lucília Delgado de Almeida Neves

__________________________________________

Prof. Dr. Faustino Luis Couto Teixeira

 

 

AGRADECIMENTO 

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora. 

Ao meu orientador Prof. Dr. Faustino Luis Couto Teixeira, que soube, nos momentos oportunos e com maestria, apontar as possibilidades reflexivas, não oferecendo respostas e conclusões, mas permitindo que eu mesmo trilhasse o caminho do conhecimento. Ele soube instigar argutamente todos os pontos que deveriam ser pensados. 

A todos os professores do programa que colaboraram para minha formação acadêmica e que me levaram a alçar vôos por lugares ainda desconhecidos, especialmente Beatriz Domingues e Vitória Peres. 

À Lucília de Almeida Neves e Elizabeth Parreiras que acompanharam o germe deste trabalho e estiveram presentes desde o mais tenro momento de minha formação como historiador: obrigado pela amizade, disposição e carinho destes anos. 

Ao Dr. Hélio e Célio Zenon, que prontamente e, sempre que necessário, me forneceram as obras de Plínio Corrêa de Oliveira e todas as edições do jornal Catolicismo, além de conversas muito interessantes que me ajudaram a precisar algumas informações. 

Aos amigos Irmã Ursula (Mosteiro Nossa Senhora das Graças) e Iuri que colaboraram com empenho e presteza na busca de obras que me auxiliaram diretamente no desenvolvimento deste trabalho. Agradeço também ao meu cunhado Henrique, que contribuiu carinhosamente na configuração final do trabalho. 

Aos meus pais e irmãs, que pelo amor e incentivo de toda a natureza me fizeram permanecer constante na luta e ter certeza do êxito. 

À Renata, pelo amor, carinho e paciência com que acompanhou minhas angústias e alegrias em todo este processo de formação. 

À minha família de Juiz de Fora, que me forneceu tranqüilidade, amor e ajuda contínua na minha adaptação à cidade: obrigado Vó Ção, Marcelo, Tia Patrícia, Tio Élcio Marcela e Luíza. 

Aos grandes amigos Liliane e Sérgio que fiz no primeiro ano do curso, pelos momentos vividos, marcados pela alegria, cumplicidade e simplicidade: obrigado pela experiência de apreender a vida de maneira relacional e contagiante. 

Por fim, e não menos importante, à CAPES, que me concedeu uma bolsa de pesquisa durante os dois anos do mestrado.

 

A meu pai e minha mãe,

que acreditaram no meu potencial

e forneceram, além de todos os meios

para a concretização desse sonho,

estar junto e amor.

Se cheguei até aqui, foi por eles.

Obrigado.


 

SUMÁRIO 

1 INTRODUÇÃO  

2 GÊNESE E FORMAÇÃO DO ULTRAMONTANISMO  

2.1. A Igreja católica romana sob processo 

2.1.1 A sola fidei e a sola scriptura luteranas 

2.1.2 O Iluminismo 

2.1.3 A Revolução Francesa 

2.2 A reação ultramontana da Igreja hierárquica 

2.3 O pensamento ultramontano: o extremo de uma polarização 

3 A INFLEXÃO ULTRAMONTANA NO BRASIL  

3.1. O catolicismo brasileiro e o influxo ultramontano 

3.2. O despontar de Plínio Corrêa de Oliveira 

3.3. Do Legionário ao Catolicismo 

4 O IDEÁRIO ULTRAMONTANO DE PLÍNIO CORREA DE OLIVEIRA 

4.1. Em Defesa contra o progressismo 

4.2. Revolução e Contra-revolução – apontamentos ultramontanos 

4.3. O ultramontanismo em Plínio Corrêa de Oliveira 

5 CONCLUSÃO  

6 FONTES 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

 

RESUMO 

A Igreja católica romana se percebeu ameaçada em vários momentos durante a emergência da modernidade. Inicialmente, com Lutero e suas sola scriptura e sola fides; depois, com a tradição filosófica cartesiana, alcançando seu ápice no Iluminismo e, por fim, fechando o ciclo de consolidação dos novos tempos, com a Revolução Francesa e sua forte mentalidade anticlerical. Na busca de se preservar, a Igreja tomou a precaução de anatematizar e proscrever as idéias que poderiam, por ventura, ameaçar tanto o seu poder simbólico como o temporal. Foi no século XIX que se configurou, de maneira mais clara, um pensamento católico fortemente oposicionista à modernidade, denominado ultramontanismo. No Brasil, a inflexão ultramontana foi sentida a partir do final do século XIX e, sobretudo, na primeira metade do século XX. Com a proclamação de um Estado laico com a proclamação da república, as altas esferas eclesiásticas viram a necessidade de recatolicizar o Estado, buscando exercer influência nas decisões políticas por meio da formação de uma elite intelectual católica. É nesse contexto que despontou a figura de Plínio Corrêa de Oliveira como um importante líder católico. Plínio Corrêa de Oliveira encarnou, desde os primeiros momentos de sua militância, os ideais e a maneira de atuação do pensamento ultramontano. O militante católico situou o inimigo do catolicismo na modernidade, processo que denominou Revolução. Dessa forma, procurou lançar as premissas de uma atuação contra-revolucionária de êxito, que por fim, levaria ao Reino de Maria, sociedade engendrada e fundamentada nos valores católicos inspirados nos momentos áureos da Idade Média.

Palavras-chave: Igreja católica romana, modernidade, ultramontanismo

 

ABSTRACT 

The Roman Catholic Church had discovered a thread in several moments during the emerging of modern age. In the beginning with Luther and its sola scriptura and sola fides; and after, with Cartesian philosophic tradition, reaching in the Iluminism apex and, in the end, closing with consolidation cycle of new age, with French Revolution and its strengths anticlerical thoughts. Searching for its own preservation, the Church had taken the precaution for declaring the anathema and prescribing the thoughts that could threat even the symbolic power than the temporal one. In the XIX century had been configured, in a most clear way, the catholic thought with a strength opposition with modernity, named ultramontanism. In Brazil, the ultramontane inflection was noted beginning in the end of XIX century and, over all, in the first half of XX century. By the afirmation of a secular State with the Republic proclamation, the higher ecclesiastics grades had seen the need of recatholizing the State, searching for more influence on politics decisions by building an intellectual catholic elite. In this context had emerged the figure of Plínio Corrêa de Oliveira as an important catholic leader. Plínio Corrêa de Oliveira had taken, since the beginning of his militancy, the examples and the way of acting of ultramontane thoughts. The catholic militant had placed catholic enemy as the modern age, process named as Revolution. In this way, he tried to introduce a contra revolutionary actuation reason with success, that by the end, would reach Maria Kingdom, a society created and based on catholics worth inspired in the magnificent moments of Middle Age. 

Keywords: Roman catholic church, modern age, ultramontanism

 

1 INTRODUÇÃO 

Os estudos das idéias e dos movimentos da Igreja católica denominados progressistas e católicos populares são abundantes na academia. As lacunas são evidentes no que se refere ao pensamento considerado conservador e aos movimentos que dele se utilizam. Tal fato demonstra certa falta de interesse acadêmico por determinados sujeitos históricos, deixando à margem uma importante faceta na busca de uma compreensão mais abrangente do catolicismo contemporâneo brasileiro. Estudá-los, portanto, é esclarecer, ou, pelo menos, vislumbrar suas características e sua peculiar maneira de perceber a realidade. A necessidade de se compreender esse tipo de pensamento se faz importante, não só pela contribuição à história da Igreja no Brasil, mas também para a sociedade como um todo, já que se presencia uma crescente onda conservadora no cenário internacional.

Por meio de perguntas sobre esse fenômeno no catolicismo brasileiro, constatou-se uma grande lacuna. Na busca de se realizar uma história dos excluídos, reflexo da conjuntura histórica e acadêmica, historiadores, sociólogos e teólogos realizaram inúmeras pesquisas e escreveram vários artigos sobre a ala progressista e sobre a religiosidade popular da Igreja católica. Assim sendo, a pesquisa realizada teve como uma de suas finalidades preencher um espaço nesse hiato do conhecimento de peculiar tendência católica. Tendência que oferece inúmeras possibilidades analíticas não só da história, mas também de disciplinas afins. Como incentiva Poulat, “a história da antimodernidade católica [ultramontanismo] é [...] uma dimensão que ainda não encontrou seu lugar em nenhuma das eruditas histórias da religião de que dispomos” (POULAT, 1992, p. 21).

Pode-se afirmar que os homens movem-se no tempo. Com eles movem-se todas as suas percepções, símbolos e modos de perceber e representar a realidade. Os sistemas religiosos não ficam fora desse movimento. Como pertencem a essa forma de ver e representar o mundo, eles se vêem na necessidade de responder e de oferecer ao homem um caminho e um sentido para sua vida. Mas nota-se que esses sistemas se chocam na medida em que oferecem caminhos diversos e, até, opostos para a realização humana. Hoje, com a realidade da mundialização, esses sistemas, ou seja, essas tradições religiosas, se mostram e interagem de forma nunca vista, já que o desenvolvimento acelerado dos media torna público ainda mais a pluralidade religiosa, demonstrando, de certa forma, a relatividade desses processos de significação.

É importante observar que, dentro dessas tradições religiosas universais, surgem indivíduos e grupos que, percebendo as conseqüências trazidas pela modernidade nos seus conteúdos religiosos, passam a reafirmar sua própria fé e identidade, posicionando-se de forma a contra-atacar. Tais posições, muitas vezes, surgem como respostas a essa incerteza e a tal relatividade. Muitos desses grupos são caracterizados, principalmente, por posições negadoras da modernidade e seus frutos, principalmente seus frutos filosóficos, que, por vários momentos, combateram a religião e o dogmatismo.

Durante vários momentos da emergência da modernidade, a Igreja católica romana percebeu-se ameaçada. Inicialmente, com Lutero e suas novas perspectivas de vivência religiosa; em seguida, com a filosofia cartesiana e seu ápice no Iluminismo e, por fim, com a Revolução Francesa e sua consciência anticlerical. A fim de manter sua importância no tecido social que se transformava profundamente, a Igreja de Roma tomou diversas medidas, como anátemas e proscrições das idéias que poderiam ameaça-la. Contudo, foi no século XIX que se delineou, mais claramente, uma tendência católica fortemente oposicionista às idéias modernas. Tendência que ficou conhecida como ultramontanismo.

No Brasil, o pensamento ultramontano começa a ter influência no fim do século XIX e na primeira metade do século XX, contudo, oferecendo prismas diferenciados do ocorrido na Europa. Assim sendo, a Igreja brasileira tornou-se campo fértil donde surgiram alguns pensadores na linha ultramontana. Plínio Corrêa de Oliveira foi um deles.

Encontraram-se apenas dois estudos referentes a Plínio Corrêa e sua atuação no laicato brasileiro. Um deles é o de Lizanias Lima, que parece ter sido o primeiro trabalho de fôlego sobre o ultramontano, e a obra do italiano Roberto de Mattei, que, inspirado pelo estudo de Lizanias, desenvolveu um trabalho bastante rico em referências (LIMA, 1984 e MATTEI, 1997). Os dois estudos, de forma geral, procuraram por meio de um amplo recorte cronológico, dar conta não só das idéias de Plínio Corrêa como também de toda sua atuação. Contudo, é mister esclarecer que a obra de Roberto de Mattei se concentra, além da atuação de Plínio, um pouco mais na filiação intelectual e espiritual do ultramontano.

Considerando a significação histórica da inserção do ultramontanismo na Igreja brasileira e tendo em vista a escassez de estudos que abordem o tema, este trabalho tem como objetivo principal refletir sobre a gênese do pensamento ultramontano na Europa oitocentista, sua influência no Brasil na primeira metade do século XX e a filiação direta das reflexões de Plínio Corrêa de Oliveira a esse pensamento.

Com efeito, para estudar essa filiação, optou-se por um corte cronológico que estivesse em consonância com a sistematização das idéias do autor estudado. É possível perceber que é entre a entrada de Plínio Corrêa na militância católica, no final dos anos de 1920 e a fundação da Associação para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP, em 1960, que o ultramontano sistematiza as idéias pelas quais seus seguidores irão à luta nos anos seguintes. É nesse ínterim que Plínio escreve, além de inúmeros artigos, as duas obras nas quais estão esboçadas suas principais idéias e ideais e que demonstram claramente sua ligação com o ultramontanismo: Em Defesa da Ação Católica (1943) e Revolução e Contra-Revolução (1959).

Assim assevera Dupront, citado por Chartier (1990, p. 48): “o que importa, tanto quanto a idéia, e talvez mais, é a encarnação da idéia, os seus significados, o uso que dela se faz”. Sabe-se e concorda-se com a frase do autor. Contudo, neste trabalho, buscou-se compreender primeiramente as idéias, sua formação e estrutura de sentido, deixando para estudos futuros a empreitada de vê-las em ação nos mais variados campos. Desse modo, a abordagem escolhida preocupou-se em fazer um estudo exploratório, como demonstram Cook et al. (1975, p. 59), um estudo de caráter inicial sobre a formação do pensamento ultramontano, seu influxo no Brasil e as idéias de Plínio Corrêa. Abordagem que, pela pesquisa do estado da arte, ainda estava por ser realizada.

É importante frisar que o objeto da pesquisa são as idéias que surgem, claro, num contexto temporal e espacial bem definidos, via relações de poder e de diferentes modos de percepção do mundo de certos sujeitos históricos. Dessa forma, para se compreender a formação do ultramontanismo, tanto quanto sua inserção no Brasil e as reflexões de Plínio Corrêa, alguns elementos envolvendo a Igreja brasileira, bem como a sociedade na determinada conjuntura, foram expostos.

A opção por estudar o pensamento ultramontano em Plínio Corrêa se deu por três motivos: 1. porque o autor atuou por décadas na militância católica no Brasil e expressa, de certa forma, ideais de um catolicismo em construção no Brasil (anos 1920/1930) em sua forma mais exacerbada e radical; 2. porque Plínio foi uma das figuras mais polêmicas e que trouxe mais celeumas nos meios católicos brasileiros; 3. porque Plínio Corrêa foi um intelectual que publicou grande quantidade de textos, escreveu dezenas de artigos e produziu uma obra caracteristicamente ultramontana.  

É necessário ressaltar que estudar e pesquisar o pensamento de um ultramontano é um empreendimento carregado de múltiplas variáveis, pois aquilo que uns chamam de fixismo, radicalidade, conservadorismo e reacionarismo, denominações geralmente designados aos ultramontanos, “outros chamarão simplesmente de horizonte verdadeiro de compreensão da realidade, enriquecido pelas respectivas convicções de que é preciso cultivar e possuir” (TERRIN, 1998, p. 43).  Desta forma, um conceito utilizado como o principal recurso metodológico para o estudo foi o de autocompreensão. Esta categoria pode ser entendida aqui como as diversas maneiras pelas quais os fiéis e sacerdotes compreendem o que é ser Igreja em seus vários contextos, espaciais e temporais, chamando a atenção assim para a não-homogeneização de suas características durante a história. Como demonstra Weiler, 

a evolução histórica da autocompreensão da Igreja não foi em linha reta. Grupos importantes da Igreja, originalmente una, desmembraram-se institucionalmente; dentro de cada uma destas Igrejas distintas existem diferenças marcantes em relação àquilo que é e que foi visto como a essência da Igreja (WEILER, 1971, p. 807). 

Poulat (1971, p. 811) esclarece que “apresentar a história da Igreja como autocompreensão da Igreja é uma dessas fórmulas sintéticas e concentradas feitas a propósito tanto para seduzir como para estimular a reflexão, e, ao mesmo tempo, favorecer as interpretações múltiplas”.

Partindo dessa problemática central, a utilização do conceito de autocompreensão da Igreja foi muito pertinente para o desenvolvimento da dissertação, já que ele também “privilegia as estruturas e seu funcionamento interno, portanto, trabalha enfaticamente com a idéia de permanência” (MANOEL, 2000, 142). Desta forma, esse conceito justifica e possibilita o estudo, visto que a pesquisa procurou perceber inserção da reflexão de Plínio Corrêa de Oliveira no pensamento ultramontano  nascente do século XIX.

Outro conceito de cunho metodológico que colaborou na empreitada investigativa foi o de sistema cognitivo. Velho (2003) entende como sistema cognitivo uma construção teórica do observador. Como ele mesmo diz, “é correto falar em sistema na medida em que o pesquisador demonstre através da análise de seus dados que existem categorias, valores, temas, atividades, que se articulam, que fazem sentido uns em relação aos outros” (VELHO, 2003, p. 152). Desse modo, por meio da apreensão da Igreja do século XIX, foi possível visualizar as reflexões de Plínio como integrante de um mesmo sistema cognitivo, que poderia ser designado de espírito ultramontano.

Plínio Corrêa escreveu por diversos anos nos jornais O Legionário e O Catolicismo. Assim, a pesquisa utilizou-se de várias matérias desses jornais a fim de visualizar o pensamento ultramontano do autor. Contudo, é mister esclarecer que as informações trazidas do primeiro jornal vieram de uma fonte secundária, já que o jornal não existe facilmente para manuseio. Já as citações do Catolicismo foram lidas e retiradas de primeira mão. Além desses jornais centrais, utilizaram-se também algumas matérias esparsas dos jornais A Ordem e O Diário. A fonte digital, via internet, também foi empregada, porém em menor escala.

Na segunda parte do trabalho buscou-se perceber a Igreja romana frente aos movimentos que colocaram sua autoridade em xeque. Além disso, procurou-se delinear a formação do pensamento ultramontano na Europa no século XIX, suas facetas, questões e embates.

A terceira parte trata do catolicismo brasileiro e a inserção do ultramontanismo nesse contexto, procurando mostrar as suas transformações, o despontar de algumas figuras de destaque, especialmente, a trajetória e atuação de Plínio Corrêa de Oliveira nos meios católicos do País.

A quarta parte apresenta o ideário forjado por Plínio por meio de suas duas obras centrais e seus pontos de encontro com o pensamento ultramontano tout court, além de algumas polêmicas referentes aos movimentos leigos. Nesta parte também se arrisca uma reflexão sobre a pertença do pensamento do autor estudado ao ultramontanismo.

            Completam o trabalho uma Conclusão, as Fontes utilizadas e as Referências Bibliográficas.

 

2 GÊNESE E FORMAÇÃO DO ULTRAMONTANISMO

 

Avançam os estandartes do rei do Inferno em nossa

direção: à frente, pois, observam e hás de vê-los,

se o teu olhar puder discernir

Dante, Inferno, Canto XXXIV 

 

A Igreja, desde sua inicial formação, adaptou-se e modelou-se de diferenciadas maneiras aos contextos nos quais se instalava. Recebendo influências diversas, rejeitava-as, declarando, assim, heresias, ou produzia releituras, muitas vezes, geniais, como a elaborada por Agostinho e sua teologia patrística e Tomás de Aquino com a escolástica. [1]

Com o despontar da Idade Moderna [2] a Igreja se percebeu ameaçada frente a novas questões que foram colocadas por variados movimentos. Inicialmente, com a sola fidei e a sola scriptura de Lutero; depois, com o Iluminismo e sua lógica racional-empiricista e, por fim, fechando o ciclo de consolidação dos novos tempos, a Revolução Francesa e sua forte mentalidade anticlerical.

Na busca de sua preservação, a Igreja tomou a precaução de anatematizar e proscrever as idéias que poderiam, por ventura, ameaçar tanto o seu poder simbólico como o temporal. Entretanto, é no século XIX que se esboçaram as facetas de um pensamento católico profundamente oposicionista à modernidade.

A importância de se fazer um conciso e sintético histórico das relações entre a Igreja e os movimentos que engendraram a modernidade é necessária a fim de que se compreenda em que medida o aparelho eclesiástico se sentiu ameaçado e como esses movimentos minaram o paradigma dominante. A acuidade dessa retrospectiva também se configura pelo imperativo de se perceber como, particularmente no século XIX, ocorreram a gênese e a formação de um pensamento antimoderno, o ultramontanismo, ponto de extrema centralidade para se visualizar como Plínio Corrêa de Oliveira se apropria de suas idéias centrais e as (res) significa no contexto político e eclesiológico em que atua.

 

2.1. A Igreja católica romana sob processo 

A necessidade de se apreender a modernidade e, especificamente, a relação entre ela e a Igreja católica vem do fato de se compreender como ocorre a formação de tendências antimodernas no interior da instituição religiosa, isto é, do pensamento ultramontano e sua manifestação no Brasil. Para tal, necessita-se entender rapidamente quais foram os meandros dessa relação.

O debate em torno do conceito de modernidade [3] e de seus mais variados aspectos foi objeto de inúmeras formulações e tematizado sob várias perspectivas.  Seja num viés filosófico, seja numa perspectiva sociológica ou histórica, a pergunta sobre seus fundamentos e como eles se demonstram na atualidade está sempre a lançar grandes desafios na empreitada de entendê-lo mais claramente. [4]

A palavra modernidade tem sua origem etimológica no verbete latino modus, cujo significado é recentemente. O adjetivo moderno no latim tardio modernus, baseado em hodiernus-a-um de hodie, hoje, aparece já no francês medieval do século XIV, e daí espalha-se para as demais línguas (VALLE, 1993). O substantivo modernidade somente foi utilizado no século XIX. Assim, modernidade expressa uma idéia de atualidade, daquilo que é recente. Por outro lado, Habermas esclarece que “o substantivo modernitas (junto com seu par antitético de adjetivos antiqui/moderni) já [era] empregado em um sentido cronológico desde a Antiguidade tardia” (HABERMAS, 2000, p. 13).

O processo histórico que levou a cabo o que se conhece como modernidade substituiu a cosmologia aristotélica cristã, ou seja, a escolástica, oferecendo elementos para a configuração de um novo paradigma [5] na estruturação de sentido dos indivíduos. O eixo de percepção do mundo passou a se deslocar de um mundo hierarquicamente construído[6], no qual a instituição religiosa tinha papel significativo, para uma nova forma de organização social, na qual o indivíduo se encontra imbuído de seu próprio destino.

Essa autonomização do homem, ou melhor, esse projeto de autonomização, trouxe em si importante variável: a secularização. Compreende-se por secularização “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos” (BERGER, 1985, p. 39)[7]. A secularização trouxe em seu bojo uma situação de pluralismo, com o surgimento de novas igrejas a partir da Reforma Protestante, além do alargamento da percepção dos ocidentais com as descobertas de terras longínquas e culturas altamente diferenciadas.

Esse processo propiciou algumas outras implicações. Uma delas seria no âmbito das consciências, pois possibilitou aos indivíduos desenvolver (re)significações do mundo, não mais baseados em discursos religiosos totalizantes. Uma outra implicação seria a do deslocamento da questão religiosa da esfera pública para a privada, ou seja, a religião tornou-se uma entre outras interpretações possíveis da vida de que o indivíduo passou a dispor. Nota-se assim que o sujeito chegou a uma nova situação histórica, não se encontrando mais sob o dossel sagrado, isto é, sob discurso religioso que forneceria coesão e significado para todo o tecido social. Com a modernidade e suas novas possibilidades cognitivas, o dossel se fragmentou e o indivíduo passou a se defrontar com múltiplas formas de ler a realidade (BERGER, 1985).

No presente trabalho, opta-se pela concepção de modernidade forjada por Vaz, que a caracteriza como

o terreno da urdidura das idéias que vão, de alguma maneira, anunciando, manifestando ou justificando a emergência de novos padrões e paradigmas da vida vivida [...] e só se constitui como estrutura de um universo simbólico quando a Razão, no seu uso teórico explícito ou formalizado (logos demonstrativo), emerge definitivamente como instância reguladora do sistema simbólico da sociedade [...] (VAZ, 2002, p. 13).

Valle (1993) também contribui para esta reflexão. De acordo com o estudioso, a 

filosofia moderna prefere centrar-se no homem, esvaziando a síntese tomista Deus-Homem-Universo. A subjetividade ganha corpo com a sola scriptura e a sola fides de Lutero (...) com o racionalismo de Descartes, com o panteísmo de Espinosa. Os frutos da subjetividade são colhidos pela Ilustração do século XVIII[8] (VALLE, 1993, p. 13). 

A subjetividade demonstra-se, de tal modo, como um dos fundamentos da modernidade. Essa afirmação é confirmada seguindo as pistas deixadas por Hegel, que foi o primeiro pensador a constatar a subjetividade como o principio dos novos tempos (HABERMAS, 2000).

Um enfoque histórico na perspectiva de apreender o embate entre a Igreja de Roma e algumas facetas dos princípios modernos é de oportuno auxílio para compreender a dinâmica que conduziu a formação de um pensamento católico caracterizado por tendências antimodernas, ou seja, o ultramontanismo. Também se demonstra oportuno pelo fato de que o presente trabalho deseja vislumbrar como Plínio Corrêa de Oliveira se utilizou das características ultramontanas na formulação de seu pensamento; características bastante semelhantes às proposições condenatórias da modernidade dos documentos oficiais do Vaticano e das reflexões de alguns pensadores católicos do século XIX.

Portanto, partindo dessas ponderações, é fundamental para os propósitos do trabalho uma breve delimitação dos movimentos ocorridos no Ocidente europeu, ensejadores da nova realidade, a que se denominou modernidade. Movimentos que entraram, direta ou indiretamente, em conflito com o discurso religioso totalizante da Igreja católica romana.

 

2.1.1 A sola fidei e a sola scriptura luteranas 

A Reforma Protestante, ocorrida na primeira metade do século XVI, perpetrou transformações substanciais no panorama político-religioso e também nas consciências dos indivíduos ao longo dos tempos. De uma angústia existencial particular e de condições históricas específicas engendrou-se um dos eventos históricos mais centrais e determinantes na história do mundo ocidental. [9]

Martinho Lutero, monge agostiniano, vivenciou experiência religiosa bem particular. O monge chegou à conclusão, por meio de meditações acerca da Carta de Paulo aos Romanos[10], que não existiria ato algum que o homem pudesse fazer a fim de garantir a sua presença no paraíso. Acreditando que todos seriam pecadores perante Deus, Lutero entendia que seria impossível qualquer regeneração interior via atos individuais. O indivíduo, desse modo, para alcançar o Reino dos Céus, deveria apenas compreender que a sua salvação estaria ligada exclusivamente à gratuidade divina e que o grande ato meritório já havia sido concluído por Jesus Cristo e sua crucificação. Assim sendo, nada adiantaria ao fiel desenvolver práticas de piedade como ir à missa, usufruir dos diversos sacramentos, emitir votos monásticos entre outras. Nota-se que o papado passou a ser contestado em uma de suas atribuições centrais, a de autoridade doutrinal. Destarte, transferindo apenas ao indivíduo e sua fé particular a responsabilidade de sua salvação, o sola fidei de Lutero projetou, de certa forma, o característico subjetivismo e a crítica voraz à autoridade eclesiástica que iria marcar a Idade Moderna (STROHL, 1963).

Outra idéia central desenvolvida por Lutero e que se concatena com a supracitada é a da sola scriptura. Lutero desenvolveu, a partir do momento em que os fatos haviam apontado seu afastamento do catolicismo, uma eclesiologia altamente diferenciada. Para o agostiniano, os fiéis passariam a ser considerados igualmente sacerdotes, e o ministro não exerceria a função de intermediário entre o sagrado e os homens, como o padre católico. O único critério normativo e central para a compreensão da tradição seriam as Sagradas Escrituras, que poderiam ser livremente examinadas. [11]

Com o surgimento de diversas igrejas e suas diferentes eclesiologias e exegeses escriturísticas ocorreu certa relativização de suas respectivas mensagens, passando assim nada mais que

“determinações contingentes, locais, parciais”. [Tornou-se, desse modo,] “necessário e possível encontrar uma legalidade de outro tipo. Instala-se uma axiomática nova do pensamento e da ação como terceira posição, no intermédio das Igrejas adversas”. [A ética autônoma e universal deveria substituir a moralidade dogmática e total. Como afirma Certeau,] “o que era totalizante não é mais senão uma parte nesta paisagem em desordem que requer um outro princípio de coerência” (CERTEAU, 2002, p. 154). 

Percebe-se, portanto, que a Reforma Protestante difundiu uma nova e revolucionária compreensão de Igreja. Com suas diferentes reflexões teológicas apontando para uma nova eticidade, ela lançou um profundo e desagregador impacto nas estruturas de plausibilidade dominantes. [12]

 

2.1.2 O Iluminismo 

A partir do final do século XVI e por todo o século XVII, uma preocupação se instalou entre alguns estudiosos. Embalados pelo resgate das doutrinas filosóficas gregas e pela crítica às formulações dogmáticas da Igreja católica romana, com a culminação da Reforma, esses estudiosos acreditavam que era imperativo forjar uma nova maneira de compreender a realidade circundante, ou seja, um método pelo qual o pensamento humano pudesse alcançar a verdade integral e irrefutavelmente. Dessa forma, passou-se ao nascimento do que se conhece como ciência moderna.

Descartes, Locke, Spinoza, Berkeley, Leibniz, Hume, Newton, apenas para citar os mais importantes, desenvolveram, cada um à sua época e à sua maneira, sistemas de pensamento que engendraram o paradigma da ciência moderna, colaborando, por sua vez, para pôr fim ao prédio medieval, que já em fragmentos, tentava resistir [13] (ROSSI, 2001).  Pode-se dizer que tais sistemas chegaram a termo com o movimento denominado Iluminismo ou Ilustração.

O Iluminismo compreendeu um movimento de idéias que surgiu na Europa Ocidental no século XVIII. O centro unificador dos variegados aspectos que constituiu o Iluminismo foi uma concepção do homem e da história humana diferente em pontos fundamentais da concepção dos séculos cristãos. Baseada na experiência e na análise, a idéia de Razão dos iluministas ambicionava 

conquistar todos os domínios do saber humano e de tornar-se a norma de uma pedagogia que deve[ria] estender-se a toda a humanidade, universalizando a libido sciendi [...] desse modo, a linha de evolução segundo a qual a Ilustração [ou Iluminismo] lê a história humana é traçada segundo os progressos da Razão (VAZ, 1991, p. 91) 

De acordo com Vovelle (1997, p. 11), “o fato que [o Iluminismo] mais ressalta [...] é provavelmente o repúdio da visão teocêntrica que até então regera a ordem do universo. O Homem deixa de ser considerado no interior do pensamento de Deus, desaparece o além [e configura-se] uma nova visão de mundo através de uma visão do Homem”.

Obviamente que, caracterizado dessa maneira, o Iluminismo se chocou diretamente com as concepções católico-romanas, idéias que representavam um mundo do qual os representantes da razão não queriam mais fazer parte, ou melhor, queriam pôr fim sumariamente. Assim, o nascente modos vivendi se caracterizou por ruptura que iria influenciar sobremaneira a sociedade que estava sendo engendrada: ruptura entre religião e moral. Certeau (2002, p. 153) esclarece que “ao sistema que fazia das crenças o quadro de referência das práticas, se substituiu uma ética social que formula uma ‘ordem’ das práticas sociais e relativiza as crenças religiosas como ‘objeto’ a utilizar”. Dessa forma a ética passava a assumir o papel secularmente outorgado à teologia.

Nota-se que a religião passou a constituir uma das possibilidades de o homem ler o mundo, deslocando-se, assim, para a chancela da esfera privada. Tal deslocamento foi o que possibilitou a realização do projeto de modernidade. Este projeto se viabilizou 

quando esforços se concentram em desenvolver uma ciência objetiva, a moral e as leis universais, e a autonomia da arte, de acordo com suas lógicas específicas, formando uma esfera pública cada vez mais diferenciada”. [Desse modo, entende-se que o indivíduo passou a ser a única e última instância pela qual se dava o processo da assimilação, seja de idéias seculares seja religiosas, colocando] “em xeque a estabilidade promovida pela organicidade da visão de mundo católica [...] e sua ênfase na hierarquia e centralização da prática religiosa” (PAIVA, 2003, p. 25).

 

2.1.3 A Revolução Francesa 

A Revolução Francesa também pode ser considerada um movimento de grande importância e centralidade para se perceber o embate do catolicismo com as novas forças advindas do processo histórico moderno. Parece que esse evento colocou em termos políticos explícitos e irreversíveis o fluxo de pensamentos que se processou a partir do século XVI.

A revolução burguesa ocorrida na França tornou-se paradigmática na história da civilização ocidental. Ao elevar ao poder político a burguesia que se consolidava por alguns séculos, a revolução instaurou uma nova ordem social que viria, mais tarde, se espalhar por todo o hemisfério. [14] Por meio de violentos conflitos, iniciados em 1789, como quer a historiografia contemporânea, ela representou o último ato do cataclismo anunciado do Ancien Régime.

Sendo caracterizado por apresentar estruturas advindas da Idade Média, o Ancien Régime chegou a seu fim levado por causas políticas, econômicas e ideais.  A sociedade do Ancien Régime era dividida em ordens ou estados, constituídos por determinante noção jurídica. À primeira ordem pertencia o clero, à segunda a nobreza e a terceira os servos. Deste modo, ela se caracterizava por “heterogeneidade da sociedade, pluralismo de ordens, hierarquia e multiplicidade das leis” (RÉMOND, 1976, p. 53).

Como atesta Rémond, “essa organização envelheceu [...] a evolução do governo, das relações sociais, da economia foi alterando e rompendo progressivamente o equilíbrio [...] a distinção tradicional em ordens [deixou] de corresponder a necessidades tão prementes quanto na Idade média ou no início dos tempos modernos” (RÉMOND, 1976, p. 54). O pano de fundo, logo, estava dado para a impetuosidade revolucionária.

Como dito anteriormente, a Igreja católica exercia há muito um papel de coesão e legitimação desta sociedade [15] (MAYER, 1987).  Seu discurso religioso construído, essencialmente, seguindo a proposição escolástica na qual a ordem determinada anteriormente por Deus estabelecia todas as coisas no seu devido lugar, tentava se sustentar frente às novas demandas sociais e intelectuais desfiladas desde a época da Reforma.

Nos anos da revolução, ocorreram inúmeros ataques a essa ordem e à amálgama católica que a sustentava. Confisco de bens eclesiásticos e supressão da vida religiosa foram alguns deles. Por outro lado, sugere-se que o fato mais notável em relação ao catolicismo foi a promulgação da Constituição Civil do Clero (1790) que, “ligado em parte à nacionalização dos bens da Igreja” (VOVELLE, 1989, p. 25), buscava criar uma igreja nacional tendo por modelo a Igreja Anglicana da Inglaterra. Esta constituição caracterizava-se por um novo arranjo na organização das dioceses, com a diminuição de seu número, estabelecimento da necessidade de eleição popular para bispos e párocos, sem assim estar submetida ao papado e à instituição da remuneração estatal para os ministros do culto. Desse modo, a idéia que perpassava toda a constituição era de uma ampla subordinação da instituição eclesiástica ao Estado. (MARTINA, 1996). Assim “abria-se [...] um fosso por muito tempo intransponível entre a Igreja Católica e a Revolução. Da fundação de uma Igreja nacional se passava à luta aberta contra a religião, à tentativa declarada de descristianizar a França” (MARTINA, 1996, p. 14). Contudo, as circunstâncias históricas levaram, mais tarde, à retomada, por parte da Santa Sé, da função de erigir seus quadros no Estado francês.

A Revolução Francesa, assim sendo, chocou-se com a Igreja no que se referia ao poder temporal que a instituição religiosa exercia por séculos. Além disso, ela também trouxe ideais que agiam no âmbito das consciências individuais de maneira ampla, como o liberalismo. Aspectos que foram combatidos pela centralização da Igreja no século precedente a revolução.

 

2.2 A reação ultramontana da Igreja hierárquica 

Como se visualizou rapidamente, na época moderna, despontaram vários movimentos que desafiaram o paradigma até então hegemônico no Ocidente europeu. Este paradigma estava estritamente ligado ao discurso religioso totalizante da Igreja católica, que legitimava aquela sociedade. Dessa forma, essa instituição foi uma das que mais sentiram e resistiram às novas idéias que surgiram.

Para se defender frente às novas idéias, a Igreja utilizou variados mecanismos jurídicos. Entretanto, foi no século XIX que a instituição eclesiástica passou a reagir de forma mais patente, dura e sistematizada àqueles pensamentos, [16] levando a cabo mudanças institucionais profundas que durariam até a segunda metade do século XX com a realização do Concílio Vaticano II (ALBERIGO, 1999).

O século XIX é comumente delimitado pelos historiadores como o período que se sucedeu entre o fim das guerras napoleônicas (1815) e a primeira guerra mundial (1914) (RÉMOND, 1974). As relações mundiais nessa fase foram caracterizadas pelo ímpeto imperialista europeu e pela freqüência de eventos revolucionários. Conhecido também como o século das revoluções, esse período viu florescerem inúmeros movimentos que apresentavam “como pontos comuns o fato de quase todos serem dirigidos contra a ordem estabelecida, quase todos feitos em favor da liberdade, da democracia política ou social, da independência ou unidade nacionais”. [17] Além desses movimentos, a Europa Ocidental do século XIX presenciou a consolidação do sistema capitalista com a Revolução Industrial, a transformação do socialismo em força política via marxismo e profundas transformações sociais, testemunhando “a culminância de uma evolução que tornou o Estado servo obediente do capitalismo, e reduziu a Igreja [...] a uma relíquia apenas tolerada do passado” (CORRIGAN, 1946, p. 38).

A situação geral resultava dos diversos movimentos que ascenderam a partir do século XVI. Assinalava-se por pluralidade religiosa, autonomia racional do homem sobreposta à autoridade, ou seja, liberdade de consciência e laicização do Estado. Como reação a essa disposição, a Igreja hierárquica e oficial passou a fechar-se progressivamente, buscando defender com todos os meios disponíveis a tradição que se interpretava ameaçada. Como abaliza Rémond (1974, p. 170), 

é por reação ao perigo revolucionário que se avivam as tendências autoritárias; assim, a evolução interna do catolicismo, caracterizada pelo progresso do ultramontanismo, ao mesmo tempo como doutrina e organização, o reforço da centralização romana, a afirmação da soberania absoluta do papa, acentua ainda mais a oposição entre o espírito do século e a fé tradicional. 

Esse gradativo fechar-se delineou um dos aspectos mais amplos, do que se poderia chamar do pensamento e da prática católica ultramontana, já que era contra os ideais que vinham se consolidando que a Igreja oficial tentava se cerrar. Parece que as tendências antimodernas surgiam entre esparsos mas crescentes grupos de católicos pertencentes ao laicato, baixo e alto cleros, como também entre os papados e os integrantes das cúrias romanas [18] que se sucederam pelo século XIX. É factível distinguir uma faceta desse específico e nascente pensamento tendo em vista diversas condutas e procedimentos que a cúpula da Igreja de Roma passou a exercer.

Em seu texto “Do bastão à misericórdia: o magistério no catolicismo contemporâneo (1830-1980)”, Alberigo (1999) analisa e pontua a política pela qual a Igreja passou a se valer a partir dos oitocentos. O historiador esclarece que a marca fundamental que caracterizou os pontificados no século XIX foi a estruturação de um arranjo interno no qual privilegiava-se a 

“dimensão coercitiva da autoridade” [e o modo inédito pelo qual passaram a recorrer aos documentos oficias. De acordo com o autor ampliou-se] “desmesuradamente a área das decisões doutrinais obrigatórias, reduzindo drasticamente o espaço de pesquisa e do debate teológico”, [atribuindo ao último a curta] “finalidade de sustentar e ilustrar a conformidade da doutrina do magistério eclesiástico com as fontes da revelação”. [Deste modo, a nova política magisterial pontifícia centralizava profundamente as decisões em matéria doutrinal, tirando-as do lugar tradicional, isto é, tolhendo] “das conferências episcopais e das instâncias sinodais” (ALBERIGO, 1999, p. 276). 

Tal conduta justificava-se também pelo receio de que as idéias modernas adentrassem no âmbito teológico, processo que já ocorria lenta, gradual e progressivamente. [19]

 Não obstante pode-se, também, apontar a centralização coercitiva pontifícia, para a tendência a uma uniformização da disciplina, da liturgia e das diferentes formas de piedade, ocorrendo, assim, a “[...] adoção em toda a Igreja, de um ‘estilo de vida’ religioso análogo ao da Itália”; a multiplicação das intervenções dos núncios apostólicos, a obrigatoriedade das visitas regulares ad limina após longo tempo de desuso e o favorecimento da observação integral do direito canônico tal como ensinado em Roma, além do incentivo aos recursos à cúria romana em quaisquer situações [20] (MARTINA, 1996, p. 59).

De acordo com Alberigo, assim era inaugurado o tempo pelo qual a Igreja de Roma e sua maior autoridade, o papa, passariam a se utilizar do “bastão”, ou seja, das condenações e prescrições, contra os possíveis erros modernos, “desagradável mas imperiosa necessidade” (ALBERIGO, 1999, p. 272).

É possível ponderar que o papado o qual prenunciou essa nova era e viveu o princípio da gênese do espírito dessa peculiar tendência designado ultramontanismo, foi o de Gregório XVI (1831-1846). [21] Foi na encíclica Mirari Vos Arbitramur, promulgada por esse papa, em 1832, que era utilizada a metáfora do bastão referida por Giuseppe Alberigo em seu artigo. A encíclica fazia referência explícita a 1 Cor 4, 21: in virga ad vos, an caritate et spiritu mansuetudinis?. Chave hermenêutica muito eficaz para se compreender mais nitidamente a dinâmica da Igreja romana durante o século XX (ALBERIGO, 1999).

Entretanto, Martina (1996, p. 59) constata que foi na segunda metade do século XIX que ocorreu “uma ação sistemática de Roma com vistas a reagrupar em torno de um centro de força único, face ao liberalismo ‘revolucionário e anticristão’, todas as energias católicas”.

A maioria dos documentos produzida pela Santa Sé neste período em que se assume o bastão é marcada por certo denuncismo, ou seja, a necessidade de apontar os desregramentos que estariam presentes na sociedade. São documentos, como diz Congar, “contra: contra erros, contra tendências, contra o liberalismo” (CONGAR, 1978, p. 98).

Seguindo as pistas de Congar (1978) nota-se que foi o pensamento liberal o que mais diretamente se chocou com a sociedade do Ancien Régime e, por sua vez, com a Igreja de Roma. Assim, é possível indicar que é a esse pensamento que a Igreja se referia negativamente em várias passagens de documentos oficiais que foram promulgados durante todo o século. Contra suas concepções era que levantava a sua voz.

Diversas correntes de idéias, oriundas principalmente da Revolução Francesa, nutriam os movimentos revolucionários no século XIX, como a democracia, o nacionalismo e o liberalismo. Não se desprezando a importância das duas primeiras correntes para a constituição do mundo contemporâneo, faz-se mister uma particular apreensão da última, visto a assertiva anterior e a sua específica inserção nos quadros católicos.

O liberalismo foi o primeiro movimento que surgiu sobre os auspícios da capitulação do Ancien Régime e que influenciou, direta ou indiretamente, todos os outros. Este movimento caracteriza-se, em linhas gerais, por ser uma filosofia global e política, pois não se reduz apenas à sua vertente econômica e está voltado para a idéia de liberdade e de que todas as sociedades devem basear-se nela para se constituírem. O liberalismo também se distinguiu por ser uma filosofia social individualista, já que 

“coloca o indivíduo à frente da razão de Estado, dos interesses de grupo, das exigências da coletividade”. [Caracteriza-se por ser igualmente uma filosofia do conhecimento e da verdade visto que] “em reação contra o método da autoridade [...] acredita na descoberta progressiva da verdade pelo indivíduo [e que] o espírito deverá procurar por si mesmo a verdade, sem constrangimento” (RÉMOND, 1974, p. 27).  [22] 

Tal constituição implicava assim rejeição de dogmas, relativização da verdade e tolerância. Implicações que já se faziam sentir há quase três séculos e meio. Menos a última vistas as sangrentas guerras religiosas que ocorreram no século XVII.

Como confirma Martina (1996), o princípio fundamental, que se sugere herdeiro do pensamento liberal e da Revolução Francesa, da estrutura política que se delineava no século XIX era a do separatismo. Este princípio resume-se na idéia de que a “ordem político-civil-temporal e a ordem espiritual-religioso-sobrenatural não são somente diferentes, mas totalmente separadas”. Para Martina (1996, p. 52) o fato religioso foi colocado inequivocamente como “puramente espiritual, sem nenhuma relação com o social [...]”. Assim pode-se argumentar que o “complexo de fortaleza da verdade” da Igreja católica surgiu incentivado, além de próprios e amplos estratos do pensamento católico que percebiam a modernidade como movimento desafiador e desagregador para si, a partir de atos políticos que buscavam submetê-la ao Estado, “fechando-a por assim dizer na sacristia”. De seu fechamento incidia o já conhecido conceito da Igreja societas perfecta que também predominou por grande parte do século XIX. [23]

A tomada de posição da Igreja frente ao liberalismo que se afirmava se impunha visto que “às discussões cada vez mais exaltadas em torno da concepção cristã de sociedade, vinham acrescentar-se outras, que contribuíam para dividir ainda mais [não só] as elites católicas dos principais países” (AUBERT, 1975, p. 40), mas o catolicismo como um todo.  

A encíclica Mirari Vos Arbitramur (1832), que tem como subtítulo Sobre os principais erros de seu tempo, empreendeu uma condenação em bloco do liberalismo. Por meio de vários pontos o documento demonstrou uma Igreja repulsiva aos princípios modernos: aclamação pela imutabilidade da doutrina, reafirmação em defesa do celibato clerical e da indissolubilidade do matrimônio cristão, condenação do indiferentismo religioso, da liberdade de consciência, da liberdade de imprensa e da separação da Igreja e do Estado. Os católicos, assim sendo, não deveriam aceitar as liberdades que eram reivindicadas pela sociedade moderna (MARTINA, 1996). De certa forma, esse documento não causou grande comoção entre a opinião pública, pois encontrava a maior parte dela “consenciente [...] [e] amplamente impregnada do espírito da Restauração [24] [...]” (MARTINA, 1996, p. 242). Fato que não se sucedeu décadas mais tarde, com o documento Syllabus Errorum Modernorum (DENZINGER, 1701, 1780) de Pio IX[25], visto que os princípios modernos já estavam disseminados de forma mais ampla por diversas camadas sociais.

O Syllabus (Silabo), ou seja, o sumário dos erros modernos, foi trazido a público em 1864. Este documento veio como um anexo à encíclica Quanta Cura. Encíclica que reafirmava algumas teses da Mirari Vos de Gregório XVI. [26] De acordo com Martina (1996) a idéia de elencar os erros do mundo moderno e condená-los foi sugerida pela primeira vez no final de 1849 em uma reunião colegial dos bispos de Úmbria. Logo depois, a idéia foi recomendada pelo próprio pontífice e lançada pela Civiltà Cattolica. [27] No início de 1860 foi preparada uma lista de teses a serem condenadas, “na qual se insistia sobretudo no aspecto metafísico das questões; nos princípios últimos de onde se originavam muitos erros, e ressaltavam também várias posições socioeconômicas do liberalismo em contraste com a doutrina cristã”. Por outro lado, Pio IX preferiu o texto que havia sido publicado em 1860 junto a uma carta pastoral de um bispo francês, que trazia inúmeras proposições que deveriam ser condenadas (MARTINA, 1996, p. 237).

O Syllabus constituiu-se de oitenta proposições divididas em dez capítulos. O documento pode ser disposto em três pontos: 1. Panteísmo, naturalismo, racionalismo absoluto e mitigado, indiferentismo, incompatibilidade entre razão e fé; 2. Erros sobre a ética natural e sobrenatural, matrimônio e 3. Natureza da Igreja e do Estado e suas relações. Todo o documento parece estar endereçado ao liberalismo e seus princípios. Da possibilidade de se buscar individualmente e sem o constrangimento de nenhuma autoridade a verdade à separação da instituição eclesiástica do Estado o liberalismo foi categoricamente negado e condenado à condição de erro.

Os pontos que chamam mais a atenção são os referentes à constituição da Igreja, do Estado e das relações entre ambos. São descritos quarenta e três erros alusivos a esses pontos. Constatação que demonstra uma demasiada preocupação da Igreja e sua cúpula sobre o poder temporal que exerciam.

Desde a Revolução Francesa, a Igreja viu seus interesses serem atacados constantemente e 

[...] uma das conseqüências imediatas da revolução [em relação à instituição religiosa foi]: a perda de boa parte das riquezas e do poder temporal que possuía. O confisco de bens eclesiásticos ocorrido na França [...] foi apenas o primeiro exemplo [...] de um processo que se repetiu a seguir com freqüência no século XIX, aquém e além Oceano (MARTINA, 1996, p. 44). 

Constata-se que a Santa Sé combateu o princípio separatista por todo o século XIX e nota-se que, pelo menos no pontificado de Pio IX, ela mantinha-se fiel à idéia de que o Estado deveria discriminar os cidadãos de acordo com as confissões. [28] Desta forma, o que se encontrava em jogo eram as imunidades da Igreja frente ao direito civil e estatal que se afirmavam.

É mister fazer um parêntese a fim de ressaltar que o principio da separação entre a Igreja e o Estado aplicou-se em diferenciadas proporções e maneiras.  Martina (1996) afirma que podem ser divididos em quatro casos como esse princípio foi levado a cabo: o primeiro caso é denominado de separação pura. Característico do mundo anglo-saxão, esse tipo demonstra-se alheio ao anticlericalismo ocorrido nos países latinos, com o Estado não reconhecendo nenhuma religião soberana e independente, havendo liberdade plena de culto, de a Igreja nomear seus bispos e isenção de serviço militar para religiosos; o segundo caso denomina-se separação parcial. Nesse, a Igreja era considerada como sociedade privada e tinha liberdade de nomear seus bispos. O exemplo típico e único é a Bélgica; o terceiro caso é nomeado como separação hostil. Esse, característico de todas as nações latinas, se deu por reação à união estreita que as duas esferas detinham durante o Ancien Régime. Nesse caso, discute-se o uso do termo preferindo-se juridicionalismo aconfessional. Esse caso ocorreu de dois modos: no Ancien Regime, a fim de defender a Igreja, instituição que o absolutismo considerava útil à sociedade e no período liberal não só não reconhecendo “a Igreja como uma sociedade soberana, independente, com poderes legislativos, mas em muitos casos não lhe [concedendo] nem sequer os direitos que competem às sociedades privadas” (MARTINA, 1996, p. 82), encobrindo-se assim lesões à liberdade proposta. Portanto, deve-se ressaltar que a realização dessas tendências separatistas foi variegada e multidimensional, pois havia países em que esses sistemas conseguiam triunfar, enquanto, em outros, a Igreja conseguia fechar acordos e concordatas favoráveis, até certo grau, a sua linha de conduta ultramontana.

Para Martina (1996), as mais graves proposições condenatórias do Syllabus foram as quatro últimas visto as reações da opinião pública. São elas: a proposição de número 77, na qual transparece que a religião católica romana deve ser considerada religião de Estado com a exclusão de outros cultos; a 78, a qual expressa que os fiéis de outras religiões que migrem para países católicos não podem professar sua fé publicamente; a 79 que afirma que a liberdade civil de professar qualquer culto “conduzca a corromper más facilmente las costumbres y espíritu de los pueblos y a propagar la peste del indiferentismo”; e, por fim, a de número 80 que exclama que o romano pontífice não pode e não deve reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna (DENZINGER, 1777-1780).

Com o Syllabus, contudo, 

“[...] o liberalismo não é condenado somente por suas doutrinas, que se referem às relações entre Estado e Igreja, ou por suas asserções de natureza puramente política: [...] condena [-se] sobretudo uma concepção de vida no sentido mais amplo da palavra, uma concepção que rejeita ou limita os direitos de Deus sobre as criaturas” (MARTINA, 1996, p. 241). 

Que limita, poderia se dizer, o poder temporal e sacramental da instituição católica romana perante as consciências, da sua representação legítima da mensagem divina.

Nota-se que as proposições declaradas no documento chocavam-se brutalmente com o espírito da época, embebido com os princípios fundamentais da revolução de 1789. Portanto, é possível afirmar que o Syllabus de 1864 manifesta-se como o documento-modelo que traz os princípios fundamentais do pensamento ultramontano. Pensamento que teve sua gênese mais pontual no pontificado de Gregório XVI e que foi se forjando juntamente e ao mesmo tempo em que os ideais liberais e modernos se consolidavam.

Não obstante, durante o próprio momento da publicação do Syllabus, uma idéia se consolidava entre os meios eclesiásticos: a de se convocar um concílio ecumênico. Convocado oficialmente em 1868 pela bula Aeterni Patris, o concílio iniciou-se em dezembro de 1869 e foi suspenso em outubro de 1870 por tempo indeterminado, visto as condições políticas que se agravaram com a ocupação de Roma pelas tropas italianas. [29]

Mesmo num curto espaço de tempo, o Concílio do Vaticano I, como ficou conhecido, exaltou os espíritos trazendo inquietantes debates e marcando a história da Igreja moderna no que se refere à reafirmação do ultramontanismo. Sugere-se que o concílio de Pio IX sancionou o espírito antimoderno do pensamento ultramontano que se engendrava desde a primeira metade do século XIX. O Concílio Vaticano I, a proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria, em 1854, e o Syllabus dos erros modernos constituíram 

três momentos sucessivos, mas estreitamente conexos de uma mesma campanha: realizar contra o racionalismo teórico e prático do século XIX o que o tridentido tinha realizado contra o protestantismo no século XVI, ou seja, reafirmar numa sociedade que depois da Revolução Francesa era levada a negar no mínimo muitos valores sobrenaturais e aceitar sem muita dificuldade uma política laicista e secularizante as verdades fundamentais do cristianismo e os deveres de um católico mesmo numa sociedade cada vez mais laica (MARTINA, 1996, p. 257).           

O concílio promulgou em seus sete meses de trabalhos e em suas quatro sessões solenes as constituições dogmáticas Dei Filius e Pastor Aeternus. Na primeira, preocupou-se com os problemas relativos à relação entre fé e razão. Nessa constituição, que seguia, semelhantemente a outra, o método do Concílio de Trento [30], ou seja, “ampla exposição da doutrina católica (capítulos), e, depois, condenação das doutrinas opostas (cânones), com fórmulas concisas, claras e definitivas” (COLLANTES, 2003, p. 74), condenava-se as doutrinas que exaltavam e humilhavam excessivamente a natureza e os deveres da razão; a visão que negava outras formas de conhecimento além da razão; refutava-se o tradicionalismo, doutrina que negava a possibilidade da razão alcançar verdades metafísicas e o fideísmo, que “sem negar as forças da razão e sem recusar a fé, separa[va] radicalmente uma da outra, desvinculando a fé de toda relação com as premissas racionais e negando que a razão precede a fé [...]” (MARTINA, 1996, p. 267). Para este autor, no conjunto da constituição percebe-se um certo equilíbrio e uma Igreja que confia nas capacidades humanas, entretanto reconhecendo seus limites. Dessa maneira, a Igreja tomava em âmbito dogmático a condenação de algumas premissas racionalistas que vinham se consolidando desde o movimento iluminista. 

As proposições da Constituição Dogmática Pastor Aeternus, por sua vez, demonstraram e reafirmaram certa tendência que se processava secularmente. O documento, de acordo com Martina (1996), 

repete ao pé da letra as palavras do [...] [Concílio de Florença de 1439 e acrescenta] algumas palavras que indicavam com maior clareza como o poder pontifício poderia coexistir com o dos bispos”. [A constituição afirma a despeito, que o] “papa possui a autoridade suprema de jurisdição em toda sua plenitude [...] [e que o poder papal é] ordinário (ou seja, não delegado [...]), imediato (concedido ao pontífice diretamente por Deus, não por delegação da Igreja), verdadeiramente episcopal, sobre todos os fiéis e pastores [...] [no que diz respeito à fé, aos costumes e à disciplina] (MARTINA, 1996, p. 271). 

Assim, nota-se que a centralização romana que se processou durante todo o século XIX legitimava-se dogmaticamente no Concílio do Vaticano I.

No entanto, era outro tema que despertava paixões por todos os lados: a infalibilidade papal. [31] Várias lutas foram travadas antes da aprovação desse tema. Por outro lado, Pio IX apoiava com toda força as manobras a fim de que ele fosse aprovado, o que ocorreu em dezoito de julho de 1870. Contudo, o resultado não foi o esperado pelo papa e por grupos ultramontanos fiéis a ele: aprovou-se a infalibilidade papal como dogma, mas de certa maneira em sua formulação restrita. Nele se afirma que 

o Romano Pontífice, quando fala ex catedra – isto é, quando, cumprindo seu múnus de Pastor e Doutor de todos os cristãos, define, em razão de sua suprema autoridade apostólica, que uma doutrina de Fé ou de Moral deve ser guardada por toda a Igreja – goza, em virtude da Assistência divina que lhe foi prometida na pessoa do Bem-Aventurado Pedro, daquela infalibilidade com que o Divino Redentor quis que fosse dotada Sua Igreja ao definir uma doutrina de Fé ou de Moral; e que portanto tais definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas[...] (DENZINGER, 3074). 

            A infalibilidade papal designada à categoria de dogma chegou a seu termo levado pela situação, principalmente, das diferentes posições ideológicas que, como conseqüência do liberalismo se digladiavam em busca de maiores influências, mesmo dentro do âmbito eclesiástico. Tal conjuntura “provocou forte reação a favor da autoridade em geral e do magistério hierárquico em particular. Sem a autoridade doutrinária, não parecia viável manter a unidade doutrinal da Igreja” (GOMEZ-HERAS, 1976, p. 68).   

Mesmo que o dogma da infalibilidade não tenha sido promulgado levando em consideração as pressões ultramontanas, que buscavam que ele fosse determinado em sua “extensão máxima”, não seria lícito desconsiderar a importância desse dogma na vida da Igreja do século XIX e XX. Além disso, a promulgação da infalibilidade reafirmava a centralização romana e consolidava legal e juridicamente os passos que haviam sido dados na gênese do ultramontanismo.

O socialismo também era compreendido pela cúpula da Igreja como uma força moderna com que os católicos não deveriam compactuar. O socialismo moderno foi a tentativa de resposta aos problemas estruturais nascidos da revolução industrial. Constituiu uma força política a partir do momento em que evoluiu a idéia de que, só com a conquista e o exercício do poder, a situação degradante do operariado se transformaria. Rémond (1974, p. 118) acredita que foi, em parte, “porque o marxismo prevaleceu [entre as escolas socialistas] que o socialismo se politizou”. Desse modo, o Manifesto Comunista (1848), a Comuna de Paris (1870) e, posteriormente, a Revolução Bolchevique (1917) provocaram prontamente a reação do governo central da Igreja romana. Observam-se alguns documentos do magistério que vieram à tona com o intuito de condenar aquelas idéias.

Pio IX promulgou a Qui pluribus (1846) e Leão XIII a Rerum Novarum (1891) e a Quod Apostolici Muneris (1878). De acordo com Manoel, a encíclica Quod Apostolici Muneris foi a primeira condenação sistematizada do socialismo pela Igreja romana (MANOEL, 2004). Sobre o princípio da igualdade defendida pelo socialismo assim ela se pronunciou: 

segundo os ensinamentos do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que, [...] a todos cabendo a sorte da mesma natureza, todos são chamados a dignidade altíssima de filhos de Deus, e juntamente em que, [...] sinalados todos a um só e mesmo fim, todos serão julgados pela mesma lei, para conseguir, segundo seus merecimentos, o castigo ou a recompensa [...] a desigualdade de direito e poder emana do mesmo autor da natureza [...] A Igreja [...] reconhece a desigualdade entre os homens [...] e manda que cada um tenha, intacto e inviolado, o direito de propriedade e domínio, que procedem da mesma natureza (DENZINGER, 1849, 1851). 

O pontificado de Pio X (1903-1914) também merece destaque na dinâmica gênese-consolidação do espírito católico ultramontano. Mesmo confirmando que é com o concílio de 1869 que se legitima esse espírito, não se poderia deixar de citar Pio X e, especificamente, o decreto de julho de 1907 nomeado Lamentabili Sine Exitu (DENZINGER, 2001) (Erros dos modernistas acerca da Igreja, da revelação e dos sacramentos) e a encíclica por ele promulgada em setembro do mesmo ano intitulada Pascendi Dominici Gregis (DENZINGER, 2071) (Das falsas doutrinas dos modernistas). Outra atitude do papa Pio X que corrobora sua perspectiva negativa frente à modernidade foi a instituição, em 1910, por meio do motu proprio Sacrorum Antistitum (DENZINGER, 2145) do “Juramento contra os erros do modernismo”. Esse juramento deveria ser obrigatoriamente proferido por todos os membros do clero, padres, religiosos e professores em seminários. Esses três documentos são marcados, assim, pela aspereza do tom frente à modernidade.

Aubert (1975) considera que o pontificado de Pio X foi assinalado por ares de defesa católica e de recuo frente ao pontificado anterior no que diz respeito à modernidade.[32] Por outro lado, Pio X desenvolveu grande reforma na Igreja de Roma com decretos relativos à comunhão freqüente e à comunhão das crianças; reforma da música sacra e da liturgia; medidas a fim de melhorar o ensino do catecismo e a pregação; reorganização dos seminários, das instituições eclesiásticas e do direito [33]; reformas que fizeram do papa o pioneiro da Ação Católica no sentido moderno; reorganização da cúria romana e das congregações romanas a fim de que dessem conta “às tarefas cada vez maiores e mais urgentes, provocadas pelo desenvolvimento da centralização eclesiástica a partir de meados do século XIX” (AUBERT, 1975, p. 22).

Portanto, juntamente das atitudes que caracterizariam o pontificado de Pio X como ultramontano, este também foi marcado por algumas atitudes reformatórias da Igreja. Assim, tendo em vista essas várias reformas e reorganizações empreendidas pelo pontífice, é factível conjecturar no sentido de percebê-las como elementos de uma certa modernização. Entretanto, uma modernização que procurava conservar e reafirmar padrões já estabelecidos por alguns de seus predecessores. Desse modo, pondera-se que as atitudes antimodernas foram, indubitavelmente, a marca principal desse pontificado, mesmo quando se leva em conta as reformas empreitadas por ele.

Sabe-se que a Igreja católica romana é formada de vários matizes, espectros, isto é, de “autocompreensões” (WEILER, 1971, p. 805). Também se tem consciência da unilateralidade que seria tomar a Igreja do século XIX e início do século XX em bloco, ou seja, procurando, de uma sua característica marcante, generalizar para todo o seu corpo institucional. Como comprova Martina (1996, p. 141), “[...] em todas as épocas, também no século XIX é difícil de apresentar uma Igreja monolítica, de uma só cor, ou com luzes e sombras que se contrapõem”. Assim sendo, é premente o desenvolvimento de estudos mais verticalizados a fim de se apreender sincrônica e diacronicamente os diferentes aspectos de cada um desses pontificados. O que se procurou desenvolver nesse momento foi um estudo que tentasse abranger apenas um aspecto do pensamento ultramontano. Aspecto possivelmente constatável nas atitudes oficiais perpetradas pelo poder central do catolicismo romano oitocentista. No entanto, não só a Igreja hierárquica e oficial foi marcada por essa perspectiva antimoderna. Grupos também se formaram assinalados por essas tendências e pensadores desenvolveram reflexões nesse sentido.

 

2.3 O pensamento ultramontano: o extremo de uma polarização 

            A visualização da gênese do pensamento ultramontano não se limita apenas pelos atos oficias dos diferentes papados que atravessaram o século XIX. Os substratos de sua constituição também são perceptíveis nos meios clericais mais basais que constituíam a Igreja daquele período. Assim sendo, a formação desse pensamento ocorreu de forma difusa, nas diferentes esferas que compreendiam a instituição religiosa, entre grupos de diferentes naturezas que existiam no seio da Igreja e que se embasavam sobretudo nas reflexões de alguns intelectuais.

            Um amontoado de novas idéias, advindas do liberalismo, desfilava sem cessar frente a muitos olhares católicos assustados e perplexos, os quais procuravam um porto seguro em que pudessem ancorar-se; perguntavam-se como deveriam agir frente aos novos tempos. Os católicos foram, então, se dividindo e polarizando suas idéias: uns a favor de que a Igreja entrasse em diálogo e se adaptasse ao mundo moderno e outros rigidamente contra os princípios daquele mundo, exigindo da Igreja, por outro lado, condenação e afastamento (MARTINA, 1996). Os primeiros ficaram conhecidos como católicos liberais e, os segundos, como representantes do catolicismo ultramontano. O choque entre essas duas tendências marcou todo o século XIX, tendo sua exacerbação durante o pontificado de Gregório XVI (1831-1846) e chegando ao paroxismo no de Pio IX (1846-1878) (MARTINA, 1996). Essa polarização assinalaria de forma particular a história da Igreja e marcaria toda a sua trajetória no século vindouro. [34]

            Como Vaz (1996) esclarece, a divisão entre essas duas diferentes concepções referentes à modernidade “se desdobra em diversos níveis: psicológico, sociológico, filosófico ou teológico. Seu uso torna-se, por isso mesmo, delicado”. Por outro lado, “[a divisão entre as duas concepções] permite definir em primeira aproximação duas soluções globais, fundamentalmente opostas, a um mesmo problema” (VAZ, 1986, p. 141), ou seja, de como a Igreja deveria comportar-se frente aos princípios modernos.[35]

            O pensamento ultramontano, além de apreendido em seu âmbito institucional, pode ser visualizado para efeito de análise a partir de duas frentes: a primeira no que diz respeito ao liberalismo em meados e até o final do século XIX; a segunda por meio da visualização das reações polares que se processaram no catolicismo frente à relação das novas descobertas científicas e as verdades da religião no final do século XIX e início do XX, originando a conhecida crise modernista.

            A luta a qual a cúpula eclesiástica romana empreendeu por todo o século XIX a fim de manter de alguma forma seu poder temporal com a não submissão ao Estado moderno também foi desenvolvida pelos seus mais fiéis seguidores. A liberdade professada pela Revolução Francesa foi combatida como o grande mal a exterminar. Na maior parte da imprensa católica veiculava idéias de que 

a liberdade [...] [era] a amiga mais fiel e cara do demônio porque [...] [abria] o caminho a inúmeros e quase infinitos pecados, qualquer migalha de liberdade [...][deveria] ser condenada, a liberdade de consciência [...][era] loucura, a liberdade de imprensa [...] um mal que jamais [...] [seria] suficientemente deplorado (MARTINA, 1996, p. 150). 

            Era por essa imprensa especializada e oficiosa, principalmente, que as idéias ultramontanas, além de disseminar-se, legitimavam-se teoricamente trazendo para sua causa inúmeros católicos.

            Para Aubert (1974), a revista La Civilttà Cattolica dos jesuítas italianos, a revista francesa L’Univers e seu redator chefe Louis Veuillot e o espanhol Donoso Cortés foram as figuras mais influentes da reação ultramontana e, poderiam ser apontados, como os mais significativos representantes do peculiar pensamento que dela advinha. Esses pensadores procuravam justificar e confirmar essa atitude de reação de vários católicos, especialmente da hierarquia, mediante considerações doutrinais e teológicas que circulavam pelas revistas. Em linhas gerais, essas duas revistas condenavam em bloco o mundo moderno e o liberalismo. Apresentavam, como unicamente compatíveis com a ortodoxia, as suas concepções política-religiosas, que apontavam, por sua vez, para um regime de privilégios para a Igreja e um Estado oficialmente católico (AUBERT, 1974). Isto quer dizer que defendiam a restauração da ordem anterior à revolução de 1789. 

            Fundada em Nápoles por um grupo de jesuítas, a revista La Civiltà Cattolica levou seu primeiro número a público em abril de 1850 [36], sob o pontificado de Pio IX. Pontificado, que, por sinal, demonstrou-se bastante condescendente com suas idéias (MARTINA, 1996). A revista italiana trabalhou em quatro direções: 

[1. desenvolvimento de uma crítica dos princípios liberais que] chegou a uma extraordinária profundidade captando os pontos essenciais da dissensão entre as duas concepções [liberal e católica] da vida e da sociedade [...], [combatendo] com rigor a laicização e a separação entre Igreja e Estado, unida de fato à liberdade política [...] [e sustentando] por muito tempo a tese [...] da derivação protestante da Revolução Francesa, do liberalismo, do sufrágio universal; 2. [defesa do poder temporal da Igreja de Roma; 3.  ampla propaganda do tomismo pelos escritos de Pe. Taparalli e Pe. Liberatore; e 4. exposição dos princípios da doutrina social da Igreja] (MARTINA, 1996, p. 172) [37]           

           Por sua vez, a L’Univers, por meio de Louis Veuillot (1813-1883), também clamava pela volta do poder espiritual e temporal e desejava fazer novamente do catolicismo romano a religião de Estado. Buscava, de forma extremada, defender os valores vitais do catolicismo que o movimento histórico revolucionário parecia colocar em perigo (AUBERT, 1996). Louis Veuillot tinha toda sua atividade voltada para fazer a Igreja amada e conhecida. Ao mesmo tempo atacava o que considerava o seu inimigo principal, 

“o liberalismo, e [procurava agir] para neutralizar os esforços de todos os que, tomados por um entusiasmo segundo ele pouco iluminado, abriam caminho ao liberalismo por meio de concessões que lhe pareciam vis e inoportunas”. [Como ele mesmo havia dito numa das edições da L’Univers] “desde que se possa provar que somos um bom filho, um bom marido, um bom pai, um bom cidadão, um bom católico, não nos preocupemos com quaisquer outras liberdades” (VIDLER, 1961, p. 78). 

Suas idéias fundamentais eram a de que o erro não poderia ter os mesmos direitos que a verdade e que o catolicismo liberal era um “compromisso híbrido, que acaba[va] não sendo nem católico e nem liberal” (AUBERT, 1974, p. 261). As idéias que perpassavam a conduta da L’Univers era a de exaltação da Inquisição, da teocracia medieval e da religião de Estado. Numa de suas polêmicas, Louis Veuillot teria dito: “se há alguma coisa a lamentar, é que John Huss não tenha sido condenado à fogueira mais cedo e que Lutero não tenha sido condenado como ele [...]” (MARTINA, 1996, p. 167). Pio IX, mesmo reconhecendo os defeitos do francês, compartilhava de suas orientações, principalmente nos últimos anos de seu pontificado, a convicção de que os católicos liberais constituíam o maior perigo para a Igreja (MARTINA, 1996, p. 166). A simpatia conquistada cada vez mais pelo pontífice levou o francês a ser considerado como “el niño mimado de Pio IX” (HAYWARD apud AUBERT, 1994, p. 289). Martina (1996, p. 166) acredita que em Louis Veuillot é possível perceber “aquela tendência maniquéia que divide de modo adequado os homens em bons e maus, enquadrando sem escrúpulos neste último grupo todos os que têm opinião contrária”.

            Outro nome notório que pode ser colocado entre os representantes do pensamento ultramontano é o do francês Joseph de Maistre (1753-1821). De Maistre desenvolveu como tema central de sua reflexão os fundamentos da coesão social. Para ele, o seu núcleo estava na aceitação do poder estabelecido. Segundo Seiblitz (1992), de Maistre era inimigo do Iluminismo e da Revolução Francesa além de acreditar que o homem seria um ser que aspirava à obediência. Desse modo, “a superação dessa aspiração à obediência acarretaria a dissolução dos vínculos sociais e, com isso, o desaparecimento do homem individual, vítima de seus próprios apetites” (SEIBLITZ, 1992, p. 254). Para o pensador francês, Deus é a autoridade suprema, que, por sua vez, tem, na terra, o papa, no âmbito espiritual e, o rei, no âmbito terreno, seus representantes que devem ser obedecidos; a união entre essas duas esferas manteria, assim, a coesão social.

            Sua obra principal foi o livro Du Pape (1819). Nela de Maistre opunha-se categoricamente contra o galicalismo [38] francês, exaltando a infalibilidade papal e seu papel benéfico para a civilização; sublinhava o aspecto jurídico da Igreja como encarnação do princípio da autoridade e louvava, também, “a Inquisição, aceitando a intolerância quando muito como tática provisória para dar ocasião aos católicos de recuperar as forças e oprimir depois os adversários [além de negar] energicamente a igualdade de direitos” (MARTINA, 1996, p. 164).

            Felicite de Lamennais (1782-1854) também se destaca como representante do ultramontanismo, contudo, com suas devidas considerações. Apenas a primeira fase do pensamento de Felicite de Lamennais pode ser considerada marcada por proposições ultramontanas.  Nascido de uma família burguesa, demonstrou-se como um brilhante escritor, além de ser uma das figuras mais influentes e controversas da Igreja francesa. Suas obras mais importantes, representantes desse pensamento, foram Essai sur l’indifférence em matière de religion (1817) e De la religion considerée dans ses rapports avec l’ordre politique et social (1825-1826). É possível resumir suas idéias dessa fase nos seguintes pontos: 1. descrença em que o homem somente pelas suas forças possa alcançar a verdade, aceitando como seu critério o senso comum, ou seja, “o consenso dos homens, que se fundamenta numa revelação divina primitiva comunicada pelos homens juntamente com a palavra e transmitida de maneira extrínseca e estática de geração em geração pela sociedade” (MARTINA, 1996, p. 165). Esse pensamento é a idéia-chave do tradicionalismo, sistema que, ao reagir ao racionalismo do século XVIII, buscava desprestigia-lo, indo até seu extremo oposto [39]; 2. consideração da religião mais pela sua função social do que pelo seu aspecto sobrenatural; 3. crença de que as estruturas sociais necessitariam de uma inspiração cristã para seu bom funcionamento; 4. crítica feroz ao galicanismo; e 5. defesa do poder indireto da Igreja sobre o Estado (MARTINA, 1996).

            Entretanto, Felicite de Lamennais passou por profunda evolução, das idéias ultramontanas para o catolicismo liberal. Primeiramente, defensor do papado, logo passou a defender os princípios liberais como a separação do Estado e da Igreja, a liberdade de consciência, da educação e da imprensa. Em 1830, juntamente com Henri Lacordaire (1802-1861) e Charles Montalembert (1810-1870), proeminentes representantes do catolicismo liberal, fundou o jornal L’Avenir. No entanto, em 1832, Gregório XVI promulgou a encíclica Mirari Vos, que parecia ser endereçada a Felicite de Lamennais e seus amigos do L’Avenir. A partir de então passou a atacar o papado e as monarquias européias, escrevendo o livro Paroles d’un croyant, condenado na encíclica Singulari Vos, de 1834. [40] Na última fase de sua vida deixa a Igreja definitivamente. Contraditoriamente, tanto os católicos ultramontanos quanto os católicos liberais buscaram inspiração em suas idéias (MARTINA, 1996).

            Na Espanha, o pensamento ultramontano é perceptível via escritos de Juan Donoso Cortés (1809-1853). Deputado liberal nas Cortes espanholas, converteu-se a reação ultramontana diante do anticlericalismo que ocorria entre os radicais espanhóis. Seu estudo mais destacado é o Ensayo sobre el catolicismo, el liberalismo, y el socialismo de 1851. Para ele “a sociedade moderna é caracterizada por um naturalismo mais ou menos ousado, fruto do deísmo e do panteísmo. Conseqüências inevitáveis desses princípios são o utilitarismo econômico, como a liberdade de pensamento, e em geral a democracia, que desemboca no comunismo, na anarquia, no sufocamento da pessoa humana [...]” (MARTINA, 1996, p. 173). O espanhol acreditava que sua tarefa principal era a de denunciar “el abismo ensondable, el antagonismo absoluto” entre a civilização moderna e o cristianismo (AUBERT, 1974).

            O sacerdote Félix Sardá y Salvany (1844-1916) e seu livro El Liberalismo es Pecado! (1884) são também referências desse peculiar pensamento católico. Sardá y Salvany dá seu parecer em relação à modernidade do seguinte modo: 

Todos os erros que produziram nossa revolução caíram, para parafrasear Santo Agostinho, como numa imensa cloaca, que quiseram chamar de liberalismo [que] se insinua com as lisonjas de liberdade, de luzes, de progresso, de pátria e com seus cem tentáculos acaba dessangrando os povos como um polvo, e, tendo sugado o ouro de seus bolsos e o sangue de suas veias, visa a alma, da qual tira todo o tesouro do céu, toda a fé, esperança, conforto, para joga-los nos braços da dúvida, no desespero, no suicídio (SARDÁ Y SALVANY apud. MARTINA, 1996, p. 150). 

            A corrente de idéias representantes do pensamento ultramontano avoluma-se e desenvolve-se durante o percorrer das décadas da primeira metade do século XIX, alcançando maior influência sob Pio IX. Durante esses anos, a influência do ultramontanismo encontrava-se disperso, exclusivamente em alguns locais da França e Alemanha. A Santa Sé acompanhou com atenção o progresso destas idéias, entretanto sem tomar nenhuma atitude de apoio ou condenação do movimento. Para Tocqueville “el papa fue mayormente impulsado por los fieles a convertirse en dueño absoluto de la Iglesia que aquéllos lo fueron por él a someterse a su potestad. La actitud de Roma fue más un efecto que una causa” (TOCQUEVILLE, apud AUBERT, 1974, p. 309). Assim, é possível ponderar que a tendência ultramontana seguida pelos papados do século XIX partiu da base. Concluindo que o processo crescente de centralização romana que perpassou todo o século foi uma resposta institucional às idéias e pressões que partiam de baixo.

            Vaz (1986, p. 141) argumenta que foi “sobretudo a partir da primeira crise modernista que as posições e opiniões na Igreja, [...] irão dividindo-se cada vez mais.” O modernismo foi uma tendência, uma orientação que surgiu na passagem do século XIX para o século XX. Esse movimento caracterizou-se por apontar para uma renovação intelectual que se pautava entre a relação dos ensinamentos eclesiásticos clássicos e as novas ciências religiosas que se formavam confessionalmente independentes.  A crise modernista, assim sendo, teve sua origem no debate que foi suscitado por alguns teólogos em relação à aplicação dessas novas ciências na compreensão das verdades cristãs, ou seja, do emprego de métodos histórico-críticos e da crítica literária à Bíblia e à história das origens cristãs. A crise teve a França como seu epicentro e alcançou praticamente todos os países europeus (AUBERT, 1975).

            Alfred Loisy (1857-1940) é considerado o nome central do movimento. Loisy apresentou sua obra L’Evangile et l’Eglise como sendo “um esboço e uma explicação histórica do desenvolvimento cristão [...], uma filosofia geral da religião e um ensaio de interpretação das fórmulas dogmáticas, símbolos oficiais e definições conciliares, com vista a [...] conciliá-los com os dados da história e com a mentalidade dos contemporâneos”(AUBERT, 1975, p. 183). Na sua obra, presumia-se que o pesquisador que quisesse empreender um estudo sobre o cristianismo deveria tomar as Escrituras como qualquer outro documento histórico; deveria também considerar que os “dogmas não são verdades caídas do céu” (AUBERT, 1975, p. 186) e assumiu uma posição evolucionária na maneira de encarar os dogmas e a organização da Igreja. Idéias que foram insinuadas, mas não afirmadas em sua obra. Alfred Loisy, com seus estudos colocados no Índex Librorum Prohibitorum a partir de 1903 e excomungado em 1908, catalisou toda a efervescência que ocorria nos meios teológicos católicos. Não obstante, vários estudiosos também participaram do movimento e, posteriormente da crise como Tyrrell, Hébert, Ed. Le Roy, Laberthonnière, Bremond, Schell, Ehrhard entre outros.

            De acordo com Aubert (1975), a 

“quietude tridentina de todo um mundo eclesiástico” encontrou-se bruscamente abalado, quase de modo simultâneo, numa série de pontos fundamentais: natureza da revelação, da inspiração bíblica e do conhecimento religioso, personalidade do Cristo e seu verdadeiro papel na origem da Igreja e de seus sacramentos, natureza e função da Tradição viva no sistema católico, limites da evolução dogmática, autoridade do magistério eclesiástico e alcance real da noção de ‘ortodoxia’, valor da apologética clássica. Todos esses assuntos constituíam verdadeiros problemas que estavam por exigir respostas (AUBERT, 1975, p. 186). 

            O movimento modernista despertou assim os ultramontanos da cúria papal, que viam com muita cautela as questões que eram discutidas, especialmente a questão já levantada por Döllinger e Acton entre 1860 e 1870, a da autonomia dos estudiosos frente à autoridade do magistério da Igreja.

            A reação do pontificado, que, no auge da crise, era o do papa Pio X, empreendeu várias atitudes a fim de contê-la: colocação de obras consideradas perigosas no Index, controle sistemático de seminários, afastamento de professores e inúmeras advertências. Contudo, tais medidas não debelaram as reflexões que ocorriam na inteligentisia católica. Assim, Pio X promulgou o decreto, já citado, Lamentabili Sine Exitu, documento que estava em processo de gestação há vários anos e que condenava sessenta e cinco proposições do modernismo bíblico e teológico. Logo depois, para ser mais exato, dois meses, o papa promulgou a encíclica Pascendi Dominici Gregis. A encíclica tinha a preocupação com a 

refração que [as idéias modernistas] poderiam ter na consciência da comunidade. [Vinculava] as diferentes posições denunciadas ao agnosticismo [...] e a filosofia da imanência [e rejeitava a] concepção modernista da crítica bíblica e as novas orientações da apologética, bem como as pretensões do modernismo reformador, encerrando-se com uma série de medidas destinadas a suster a propaganda do mal, sobretudo nos seminários (AUBERT, 1975, p. 192). 

O final do pontificado de Pio X foi marcado por grande denuncismo, mesmo sendo o momento pelo qual o modernismo encontrava-se controlado.

            O grupo de católicos que se esforçou para defender a Igreja por meio de um esquema de delação frente aos princípios do modernismo consideravam-se católicos integrais. Como esclarece um de seus órgãos, aclamavam que “acima de tudo e de todos não apenas o ensino tradicional da Igreja na ordem das verdades absolutas, mas também as diretrizes do papa na ordem das contingências práticas [e que] a Igreja e o papa constituem um todo único” (AUBERT, 1975, p. 175). Esses católicos organizaram-se numa “rede secreta internacional antimodernista”, a Sodalitium Pianum, que foi aprovada e incentivada por Pio X. Além disso, Pio X organizou pessoalmente uma polícia secreta eclesiástica, “para ele inteiramente justificável ante a dramática situação em que julgava estar a Igreja” (AUBERT, 1975, p. 196).

            Os católicos integrais, segundo Pierucci (1992), surgiram de uma diferenciação interna dos católicos que ao longo do século XIX, opuseram-se duramente à idéia de a Igreja se conciliar com os princípios do mundo moderno, ou seja, uma diferenciação no interior do catolicismo ultramontano que estava em formação. Enquanto os ideais liberais, durante todo o século XIX, apontavam para a crítica da autoridade do Ancien Régime, os católicos ultramontanos buscavam restabelecer a ordem e a autoridade como anteriormente arranjada à Revolução Francesa; enquanto a ciência e alguns intelectuais católicos, no início do século XX, reivindicavam o princípio da liberdade da crítica frente à autoridade eclesiástica, os católicos integrais exigiam a obediência irrestrita ao papa. Pode-se perceber, por exemplo, que a lista de erros do decreto Lamentabili era introduzida com teses que se referiam à autoridade do magistério eclesiástico (ALBERIGO, p. 1987). Como corrobora Felício, a “crítica histórica e filosófica é outra forma de questionar o princípio da autoridade que as correntes liberais também e desde sempre contestaram”. [41] Portanto, considerado os diferenciados matizes, pode-se ponderar que tanto os católicos ultramontanos do século XIX e os católicos integrais do início do século XX estavam inseridos numa mesma dinâmica histórica e num mesmo projeto: o de lutar contra os princípios modernos, quer eles no âmbito político ou intelectual, e de empreender o retorno à ordem anterior aos acontecimentos que levaram a Igreja à situação de tamanha crise.

            Os elementos que colaboraram para a formação do pensamento ultramontano estão no forte conservadorismo (que, no século XIX, toma maior fôlego visto os desafios revolucionários); o medo de perder antigos privilégios; desconfiança de tudo o que era desconhecido; esforço psicológico necessário para abandonar antigos hábitos e adaptar-se a novos; respeito e veneração por tradições; preferência dada mais à ordem do que a valores como justiça; tendências a soluções definitivas, válidas para sempre e que não podem ser discutidas e convicção de encontrar na revelação a solução para todos os problemas (MARTINA, 1996).

            Seria possível apontar para a idéia-chave de todo pensamento que se forma e que chega a termo na construção do pensamento denominado ultramontano: que a história moderna consistiu “essencialmente numa progressiva apostasia, que atingiu seu ápice com a revolução, ataque desenfreado das potências do mal contra os filhos da verdade, imunes da toda culpa e de todo erro” (MARTINA, 1996).

            Desse modo peculiar de compreender a modernidade, surgiriam, então, as várias concepções que caracterizariam esse pensamento, como visão unicamente negativa da sociedade moderna; nostalgia em relação à cristandade e ao Ancien Règime; preconização do poder do papa e da Igreja acima do poder do Estado; negação da razão humana como único caminho para apreender o verdadeiro e o falso, o bem e o mal; reafirmação do método escolástico para os estudos teológicos; a organização de sociedades especiais a fim de defender suas idéias e utilização clara do tom polêmico no intuito de chamar a atenção para seus propósitos. Como sugere Martina (1996), outras características desse pensamento também podem ser vislumbradas, como convicção em defender a autoridade, olhar desconfiado sobre quem não compartilha de suas idéias, percepção de que a Igreja seja uma instituição que recebe total e passivamente as diretrizes de Deus e, convencimento de que tudo depende da causa última que é Deus. Não obstante, o ideal mais marcante e que permeia todas essa idéias é o desejo da restauração do cristianismo como amálgama da sustentabilidade social e a situação política que se apresentava na Idade Média (e no seu prolongamento no Ancien Régime). Os católicos ultramontanos não imaginavam a possibilidade de outra forma de sociedade cristã. Na verdade, sociedade cristã propriamente dita, era aquela antes de 1789. Destarte, fazer parte da contra-revolução era o papel que todo católico digno do nome deveria impor-se.

 

3 A INFLEXÃO ULTRAMONTANA NO BRASIL

 

Vem ver tua Roma, que em deplorável estado, viúva e só, noite

 e dia chora e clama: “Por que não me acodes, ó César?”

Dante, Purgatório, Canto VI

           

A Igreja católica que despontou no início do século XX caracterizou-se, principalmente, por sua forte centralização. Esse processo centralizador sucedeu-se durante todo o século XIX, caracterizando-se pela luta pela manutenção do poder temporal e pela tentativa de barrar o influxo das idéias modernas em seu interior.

A instituição eclesiástica romana estendeu os seus tentáculos burocráticos por todos os lados, a fim de trazer para mais perto de seu controle as igrejas locais, refletindo, assim, sua perspectiva ultramontana nessas igrejas. O processo centralizador da Igreja católica logo se fez sentir no Brasil.

A Igreja brasileira, submetida há séculos pelo regime do padroado português, tornou-se livre num Estado livre, isto é, claro que na concepção liberal de liberdade. Entretanto, com a proclamação de um Estado laico pela carta constitucional, as altas esferas eclesiásticas viram a necessidade de recatolicizar o Estado, buscando influenciar as decisões políticas por meio da formação de uma elite intelectual católica.

O despontar da figura de Plínio Corrêa de Oliveira como um importante líder católico deu-se nesse contexto. Plínio Corrêa e o grupo que se formou em torno de si encarnaram radicalmente o projeto da cúpula eclesiástica e desenvolveram durante, três décadas, um caminho bem particular na história da Igreja no Brasil.

            A exposição da história de Plínio Corrêa e do grupo que o seguiu é central para a compreensão do caminho seguido por eles na formação de um ideário católico marcado pelo viés ultramontano. Desse modo, buscar-se-á, primeiramente, perceber como a reação católica ultramontana e oficial refletiu na Igreja do Brasil. Em segundo lugar, procurar-se-á visualizar o despontar da figura de Plínio Corrêa como importante liderança nos movimentos católicos a partir da década de 1930, principalmente, seu papel de aglutinador das tendências ultramontanas. Num terceiro e último momento, pretende-se compreender o processo que incide desde a entrada de Plínio e de seus colaboradores para posições de destaque no jornal O Legionário até a fundação da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Propriedade.

 

3.1. O catolicismo brasileiro e o influxo ultramontano 

A história do Brasil moderno constituiu-se indubitavelmente ligada à presença da Igreja católica. Desde a chegada dos portugueses às terras que hoje são conhecidas como brasileiras, a Igreja de Roma fez-se presente.  Os colonizadores chegaram não só com o intuito de buscar riquezas, mas também com o propósito de levar a mensagem de Jesus Cristo e de sua única e legítima porta-voz a todo o mundo que se fazia conhecer a partir das navegações. Enquanto na Europa ocorria o esfacelamento da cristandade, modelo que perdurava desde o século IV, no Brasil, como em toda a América Latina, se incentivava a instalação daquele modelo. Entretanto, em vez da integração entre o Estado e Igreja, característica-chave do modelo de cristandade, a Igreja na colônia estava subordinada aos mandos e desmandos do Estado português (BRUNEAU, 1974). [42]

Essas relações entre a Igreja e o Estado ficaram conhecidas como regime de padroado. Esse regime “será a forma através da qual o governo de Portugal exercerá sua função de ‘proteção’ sobre a Igreja católica, religião oficial e única permitida na nação”. Em termos práticos, esse sistema fornecia amplos poderes aos reis de Portugal sobre a Igreja em suas terras, especificamente, a nomeação para cargos eclesiásticos e o pagamento pelo Estado aos funcionários da instituição religiosa (AZZI, apud. HOORNAERT, 1977, p. 160). O sistema do padroado continuou imune mesmo após a independência do Brasil em 1822, contudo transferindo agora para o rei do império brasileiro os encargos para com a Igreja.

Não tarda até que incida sobre a Igreja do Brasil o influxo ultramontano que tomou fôlego e firmou-se como tendência dominante da Igreja católica romana no século XIX e início do XX. A Igreja de Roma nesse período, como anteriormente vislumbrado, pautou-se cada vez mais por uma política de centralização, ponto que foi caracterizado como a faceta institucional e hierárquica do pensamento ultramontano. Como tal, a afirmação da autoridade da Igreja e de seus representantes institucionais, os bispos, e principalmente, o papa, também se fez sentir além-mar, ocorrendo a “transição do catolicismo colonial ao catolicismo universalista, com total rigidez doutrinária e moral” (BASTIDE, apud. BENEDETTI, 1984, p. 108). [43] Esta transição foi denominada como romanização.

Iniciando, a partir da segunda metade do século XIX, a romanização foi o processo de rearranjo institucional do aparelho eclesiástico que buscou, sobretudo, a “integração sistemática da Igreja Brasileira, no plano quer institucional, quer ideológico, nas estruturas altamente centralizadas da Igreja católica romana, dirigida de Roma” (DELLA CAVA, 1985, p. 43). Os bispos que se destacaram nessa tarefa de rearranjo foram D. Antônio Ferreira Viçoso (1787-1875), D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878) e Dom Antônio de Macedo Costa (1861-1890). [44]

A romanização em consonância com a proclamação da república em 1889 e sua primeira constituição em 1891, que instituía o Estado laico, levou a Igreja brasileira a uma nova perspectiva. Por um lado, desligou a instituição religiosa do Estado, acabando, assim, com o regime do padroado, por outro, estabeleceu um maior vínculo com a Igreja universal e centralizada da Roma ultramontana, o que já vinha ocorrendo há alguns anos.

Entretanto, é necessário esclarecer que o influxo ultramontano centralizador romano ocorreu de forma diferenciada da que ocorria na Europa no âmbito da Igreja oficial, haja vista as condições históricas específicas do Brasil e da Igreja aqui presente. O clero brasileiro, com a proclamação da república, sentiu-se livre das engrenagens que o afastavam de sua verdadeira missão evangélica. Assim, exclama a Pastoral Coletiva do episcopado brasileiro de março de 1890: “se no decreto há cláusulas que podem facilmente abrir a porta a restrições odiosas desta liberdade, é preciso reconhecer que, tal qual está redigido, o decreto assegura à Igreja Católica no Brasil uma certa soma de liberdade que ela jamais logrou no tempo da monarquia” (MARIA, 1981, p. 103). Como corrobora Mainwaring, “embora o Vaticano oficialmente considerasse a separação legal entre Igreja e o Estado como sendo uma heresia da modernidade, no Brasil esse desmembramento legal libertou a Igreja de uma relação de subserviência ao Estado” (MAINWARING, 1989, p. 42). Dessa forma, nota-se que a faceta ultramontana da Igreja oficial que predominou no Brasil foi perceptível apenas pelo processo romanizador e não pela defesa dos clérigos da volta à união do trono ao altar.

Os bispos brasileiros, na segunda metade do século XIX e início do XX, ao mesmo tempo em que representavam “o pensamento do Syllabus, a doutrina antiliberal, o antimaçonismo”, ou seja, a Igreja ultramontana, lutavam pela liberdade eclesial perante o Estado (VILLAÇA, 1980). Fato extremamente interessante e complexo que deve ser investigado com cuidado por um estudo mais verticalizado.

Desse modo, grande parte dos bispos do Brasil procurou desenvolver, a partir de então, uma pastoral que buscasse inserir os valores cristãos no século, não desejando e combatendo, como a Igreja européia e alguns de seus pensadores, pela restauração da situação na qual o trono estava de braços dados com o altar. Como diz em 1888 Dom Antônio de Macedo Costa, fazia-se urgente “restaurar moral e religiosamente o Brasil! [grifo do autor da dissertação]” (VILLAÇA, 1975, p. 60).

            Se, por um lado, parte da hierarquia católica brasileira sentia-se feliz, visto a liberdade que passaram a usufruir com a proclamação da república, por outro, sentia-se ameaçada e colocada para fora da cena pública, já que com o início do novo regime, assegurou-se a separação entre a Igreja e o Estado. Como assevera o padre Júlio Maria [45], 

grande, completa seria a glória da república, despedaçando assim os grilhões da Igreja brasileira, se os elementos deletérios e subversivos que se introduziram no novo regime não tivessem conseguido desfigura-lo, arvorando na bandeira de uma nação católica o emblema de uma seita; secularizando a constituição; desconhecendo, na esfera da representação parlamentar, direitos sagrados da liberdade individual e religiosa; banindo a religião do ensino e da educação; prescrevendo sem as condições possíveis e aceitáveis de um simples registro oficial, o casamento civil (MARIA, 1881, p. 106). 

            Em vista dessa situação, a Igreja passou a despender suas forças na reconquista de um lugar político de destaque, buscando desenvolver novas formas de influir no espectro público. Da proclamação até a década de 1930, a instituição desenvolveu estratégias políticas e reformas em vários âmbitos a fim de aproximar-se das esferas estatais de poder.

            A crise generalizada e contínua que se instalou durante esse período, marcada por manipulações políticas, por corporativismo, pelo coronelismo e por agitações sociais foram vistos pelos católicos como resultado da negação de Deus na Constituição de 1891. Acreditavam que essa situação só poderia ser resolvida com uma reação católica. Como expressa Júlio Maria, a crise no Brasil seria produto de uma crise moral, “resultante da profunda decadência religiosa, desde o antigo regime, das classes dirigentes da nação, e que só pode[ria] ser resolvida por uma reação católica” (MARIA, apud MATOS, 1990, p. 20). Disseminava-se entre as camadas do catolicismo brasileiro a idéia de que somente a Igreja, com seu sentido de ordem e obediência, seria capaz de recuperar a dignidade do povo brasileiro como nação e pátria e assim, regenerar a sociedade.     

            Desde a separação da Igreja e do Estado em 1891 até a metade da década de 1910, a instituição eclesiástica pautou-se pelo desenvolvimento interno. Já, entre 1916 e 1945, diversos líderes católicos tentaram imprimir essa reação e, incentivados pela hierarquia, envolveram-se no jogo político a fim de fazer dos ideais dos católicos os ideais da nação brasileira.

Na primeira década do século XX, esboçava-se, desse modo, uma reação frente às novas demandas. A fim de repelir e combater os erros, os católicos brasileiros entraram “num período de guerra doutrinária, de reação apologética e de afirmação intensa das verdades que devem propagar e, segundo as quais viver” (VILLAÇA, 1975, p. 63). Assim sendo, o tom que perpassou essa reação foi marcado por polêmica, afirmação da doutrina e dos direitos da Igreja, insistência em temas históricos e jurídicos e pouca discussão de temáticas metafísicas. Os católicos que dão o tom dessa linha de ação e pensamento foram os convertidos Joaquim Nabuco, Felício dos Santos e o já citado Júlio Maria, os descobridores do valor teórico do catolicismo, como prefigura Villaça (1975). Nesse esboço inicial, surgiram os primeiros jornais católicos e realizaram-se os primeiros congressos de leigos (o primeiro na Bahia, em 1900, e, o segundo, no Rio de Janeiro, em 1910) (MOURA, 1978).

 O momento que marca o início da reação católica propriamente dita foi da promulgação da Carta Pastoral de D. Sebastião Leme (LIMA, 1943), arcebispo de Olinda e Recife, em 1916. A pastoral de D. Leme fazia parte de um ciclo que se delineava desde a proclamação republicana, quando a instituição eclesiástica imprimiu suas forças na tentativa de consolidar as reformas internas, como o recrutamento de novos membros estrangeiros para as ordens religiosas e a criação de novas dioceses. D. Leme e sua pastoral marcaram de tal modo o início de uma nova era para a Igreja brasileira que sua influência começaria a ser enfraquecida apenas a partir de 1942, ano de sua morte (MAINWARING, 1958).

Nesse documento pastoral, D. Leme mostrou preocupar-se principalmente com a falta de influência da Igreja na sociedade, em vista da constatação de que a grande maioria dos brasileiros fosse católica. Contudo, acreditava que os católicos não estavam conscientes de suas obrigações religiosas e sociais. Sobre essa situação, assim expressava o arcebispo: 

na verdade, os católicos, somos maioria do Brasil e, no entanto, católicos não são os princípios e os órgãos da nossa vida política. Não é católica a lei que nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da autoridade [...] Na engrenagem do Brasil oficial, não vemos uma só manifestação da vida católica (DOM LEME, [s.d.}, p. 42). 

O fator principal que levava a essa situação, para D. Leme, era a falta da educação religiosa, a ignorância doutrinal dos brasileiros. Júlio Maria ratifica: 

a principal necessidade das paróquias brasileiras é a doutrinação; mas o nosso púlpito, se ainda fala, isto é, se faz panegíricos e sermões de festa, não ensina. Nas paróquias a maioria dos fiéis não tem idéia clara do que crê e pratica, não conhece o valor do sacrifício da missa; não sabe o que é um sacramento; não discerne as partes da penitência; não conhece senão literalmente o Decálogo... (MARIA, apud TORRES, 1968, p. 178). 

O que estava sendo criticado, deplorado e em franco processo de abafamento por meio  da romanização, era o catolicismo que havia se formado no Brasil durante a sua concepção como Estado e nação. A ignorância religiosa, aclamada por D. Leme como o grande mal do catolicismo brasileiro, referia-se ao catolicismo professado pelo povo; o dito catolicismo tradicional ou popular, caracterizado pelas suas confrarias, ordens terceiras, companhias, folias e reisados (WERNET, 1987, p. 19).

Desse modo, como demonstra Beozzo (1977), o período entre 1880 e 1920 foi assinalado pela ruptura do equilíbrio “entre o abrasileiramento do catolicismo pela sua convivência com a senzala e com o índio, pelo cruzamento de tradições reinóis e da terra, catolicismo mestiço e barroco [...] e sua ‘europeização’ embutida na luta por um catolicismo mais ‘puro’, mais ‘branco’, mais ortodoxo, mais próximo de Roma [...]” (BEOZZO, 1977, p. 743). Destarte, para poder ampliar a influência da Igreja sobre a sociedade brasileira, era imperiosa a reeducação religiosa em novos parâmetros.

A solução, portanto, deveria ser, primeiramente, a organização e unificação de grupos de pressão a fim de exigir do governo posições que favorecessem. Uma vez instalados nessas posições, as dificuldades seriam amainadas a fim de levar a cabo a promoção da educação católica e o aumento da influência da Igreja como um todo (BRUNEAU, 1974). A grande meta e o dispendioso esforço para D. Leme deveria ser o de penetrar nas principais instituições sociais a fim de imbuí-las do espírito católico. Contudo, é mister ressaltar que a questão da educação, ponto mais debatido entre a Igreja e o Estado nos primeiros quarenta anos da república, não atingia a grande massa da população, que já se encontrava excluída do sistema educacional. Nota-se que a estratégia da Igreja visava não diretamente o povo mas as elites. Era “estabelecendo uma rede importante de colégios em todo o país que a Igreja conta em cristianizar as elites, para que estas por sua vez ‘cristianizem’ o povo, o Estado, a Legislação” [46] (BEOZZO, 1984, p. 280).

Essa nova fase na Igreja brasileira que coincidiu com o pontificado de Bento XV (1914-1922) e, principalmente, com o de Pio XI (1922-1939), chegando ao fim na década de 1950, foi denominada a época da neocristandade, como afirmou Mainwaring (1989). [47]

O modelo da neocristandade teve seu apogeu de 1930 a 1945, período do governo de Getúlio Vargas. Os interesses característicos da Igreja da neocristandade pautavam-se especialmente pela influência católica no sistema educacional, na moralidade católica, no antiprotestantismo e no anticomunismo. A cosmovisão católica que se constituiu durante o período enfatizava a separação e a diferença entre a Igreja e o mundo. A Igreja não era do mundo, mas no mundo. Assim sendo, os católicos deveriam rejeitar o mundo secular, essencialmente mal e que buscava exterminar a Igreja de Roma, e tentar catolicizar de todas as maneiras as suas instituições (MAINWARING, 1989, p. 43).

Para Matos, esse modelo orientou-se por meio dos seguintes pontos: 1. valorização da vida familiar com a luta contra o divórcio, censura da evitação de filhos e propagação da obra da “entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares”; 2. ignorância religiosa como preocupação central e que deveria ser sanada; 3. incentivo à freqüência sacramental e a retiros reclusos e; 4. apostolado entre os intelectuais (MATOS, 1990).

Azzi (1994), por seu turno, denominou esse período a fase da restauração católica. A palavra restauração, que passou a ser utilizada pelos bispos brasileiros, fazia referência ao lema do pontificado de Pio XI: restaurar todas as coisas em Cristo. O ponto principal da restauração era, segundo Azzi (1994), o esforço para que a fé católica voltasse a ser um dos elementos constitutivos da sociedade brasileira. Essa era a idéia que se disseminava e dominava os círculos católicos do Brasil: fazer dele uma nação orientada explicitamente pelos valores cristãos. Alguns fatos simbólicos exemplificam o período, como a instituição pelo papa Pio XI, em 1925, da Festa de Cristo-Rei, a proclamação de Nossa Senhora Aparecida Conceição a padroeira oficial do Brasil, em 1930, e a inauguração do Cristo Redentor no Corcovado, em 1931. [48] Desse modo, a política que dominou a hierarquia e os leigos nessa fase não era a que desejava reeditar o período da cristandade medieval, mas a de desenvolver uma “forma de elaboração harmônica entre os dois poderes [...] restabelecer um novo tipo de relacionamento entre Igreja e Estado que se caracterize por uma colaboração que respeite a nítida distinção entre a esfera espiritual e a temporal” (AZZI, 1994, p. 32).

Durante esse período e em anos anteriores, a Igreja angariou para seus quadros importantes figuras do laicato pertencentes à classe média em consolidação e à elite brasileira. Estritamente ligados ao controle da hierarquia eclesiástica, surgiram movimentos leigos que mobilizavam milhares de pessoas por todo o País: União Popular (1909), Liga Brasileira das Senhoras Católicas (1910), Aliança Feminina (1919), o Centro Dom Vital (1922), as Congregações Marianas (1924), os Círculos Operários (1930), a Juventude Universitária Católica (1930) e a Ação Católica Brasileira (1935). Além desses movimentos, surgiram centros de estudos teológicos e filosóficos; multiplicaram-se conferências com temáticas religiosas; em 1933, no Rio de Janeiro e no Centro Dom Vital, D. Thomas Keller, futuro Abade do Mosteiro de São Bento, ministrou curso de teologia para leigos, fato até então desconhecido no País; revistas, jornais, editoras e livrarias católicas foram fundadas; nasceram os Institutos de Estudos Superiores e as Universidades Católicas por todo o Brasil (MOURA, 1978).

Instrumento amplamente utilizado pelos católicos durante esse período foi a imprensa. Vozes, O Mensageiro do Coração de Jesus, Ave Maria, Lar Católico, Mensageiro do Rosário, O Lutador, Almanaque de Nossa Senhora Aparecida, Leituras Católicas, O Horizonte, O Diário, O Legionário são exemplos dessa imprensa católica militante que buscava atingir um maior número de fiéis possível.

De grande destaque e influência foi o Centro Dom Vital. Além de seu fundador Jackson de Figueiredo, o instituto católico, relativamente pequeno, reuniu vários intelectuais católicos como Alceu Amoroso Lima, Durval de Morais, Andrade Muricy, Hamilton Nogueira, Sobral Pinto, Lúcio José dos Santos, Augusto Frederico Schimidt, Perilo Gomes, Allindo Vieira, J. Francisco Carneiro, Alberto Deodato, Jônatas Serrano, Gustavo Corção e, inclusive, Plínio Corrêa de Oliveira. O Centro foi fundado em 1922 com o intuito de, por meio da apologia da fé, defender a Igreja contra o liberalismo, o comunismo e o protestantismo (MOURA, 1978; ANTOINE, 1980). É interessante notar que no mesmo ano, ocorreu no País a prestigiada Semana de Arte Moderna e a fundação do Partido Comunista Brasileiro.

O Centro Dom Vital e sua revista A Ordem exprimiam claramente as posições políticas de Jackson de Figueiredo [49] e de seu grupo. Marcadas por forte oposicionismo às ideais liberais advindas da Revolução Francesa, essas posições se identificaram com a postura ultramontana da Igreja e de alguns de seus pensadores do século XIX. Lima, apud Azzi (1994) afirma que é no Syllabus de Pio IX

que Jackson de Figueiredo encontra estímulo à formação de sua ideologia ativista de caráter antiliberal, conservadora e reacionária. O pensamento filosófico de toda essa tendência é inspirado em Joseph de Maistre e de Bonald, defensores da monarquia de direito divino. A sorte, a sobrevivência e o prestígio dos regimes dependem do poder sobrenatural, representado pela Igreja católica, à qual devem servir (LIMA, apud AZZI, 1994, p. 116). 

Percebe-se assim que o pensamento ultramontano também ganhou adeptos no Brasil e se configurou tendo por base aqueles pensadores europeus que deram seu contorno primeiro, que se encontraram e colaboraram em sua gênese. Assinalado por diferentes matizes, obviamente decorrente de conjuntura histórica específica, o pensamento ultramontano brasileiro, construído nas bases, era imbuído pela mesma meta central do seu correlato europeu: o de construir uma ordem social marcada pelos valores católicos, na qual a Igreja exerceria papel de grande destaque para o arranjo social. Como ratifica Iglesias (1981), 

apesar de diferenças de enfoque ou temperamento, há um fundo comum em todos eles, que é o desagrado com as idéias em voga, com a tendência que denunciam como revolucionária – identidade de adversários, portanto – , ao mesmo tempo que preconizam certa ordem, com acatamento da autoridade e da hierarquia, fruto do que supõem a desigualdade natural dos homens (IGLÈSIAS, 1981, p. 112). 

O catolicismo ultramontano presente no laicato brasileiro tem na figura de J. de Figueiredo e seu movimento seu ponto inicial. Contudo, nesse mesmo centro encontravam-se três personalidades que, anos mais tarde, seriam os pivôs do antagonismo que surgiria no catolicismo brasileiro: de um lado, Alceu Amoroso Lima, que tenderia para posições liberais, e de outro, Gustavo Corção e, especialmente, Plínio Corrêa de Oliveira, que, com seu ideário marcado estritamente pela insígnia do contra-revolucionarismo, da defesa da união do Estado com a instituição religiosa e da Igreja Triunfante da cristandade medieval levariam aos últimos termos os elementos mais marcantes do ultramontanismo no Brasil.

 

3.2. O despontar de Plínio Corrêa de Oliveira 

É no cenário conjuntural da neocristandade e de todo o seu empenho restaurador que surge nos meios católicos Plínio Corrêa de Oliveira e o seu ideal ultramontano, marcado por negação total de qualquer forma de adaptação da Igreja à modernidade e a seus valores. Nas atitudes de Plínio no movimento leigo brasileiro e, principalmente em seus escritos, que vão de anos 1930 até 1990, quando falece, é possível perceber um grande exemplo do pensamento ultramontano no Brasil. Plínio, com seu carisma e inteligência, foi a grande figura que catalizou de forma drástica os anseios do movimento que foi perpetrado por Dom Leme a fim de trazer o catolicismo novamente para um lugar de destaque. Poder-se-ia dizer que até ultrapassou aqueles anseios numa perspectiva mais incisiva de defesa da ortodoxia.

Iglesias (1981) esclarece que “Jackson de Figueiredo divulgará os nomes e as idéias dos teóricos da contra-revolução, lançando sementes que outros vão desenvolver, em sentido e de maneira que ele talvez recusasse” (IGLÈSIAS, 1981, p. 110). Plínio foi um desses homens que desenvolveram com afinco tais idéias durante sua vida de militância, passando, assim, a desenvolver uma reflexão permeada por ideais ultramontanos.

Falar em Plínio Corrêa e em suas idéias desperta cismas, paixões e controvérsias. Quer no âmbito estritamente religioso, com sua defesa intransigente dos direitos da Igreja e da sã doutrina, quer no político, com seu antiliberalismo e ataque feroz ao comunismo, Plínio e suas reflexões merecem um devido apreço da história das idéias religiosas no Brasil. Desse modo, é necessário, antes de chegar ao estudo de seu ideário, apreender sua trajetória desde seu nascimento até sua entrada e militância no movimento leigo católico no final dos anos 1920.

A obra de Roberto de Mattei, O Cruzado do século XX – Plínio Corrêa de Oliveira, é a que fornece para este trabalho a maioria dos dados sobre a vida de Plínio. Obra de envergadura e rica em informações, Mattei (1997) desenvolve seu estudo com rigor metodológico. Contudo, em alguns momentos, resvalando na apologia do líder católico, perigo eminente em estudos biográficos (PEREIRA, 2002).

Plínio nasceu em treze de dezembro de 1908 na cidade de São Paulo. Seus pais, João Paulo Corrêa de Oliveira e Lucília Ribeiro dos Santos, casados em 1906, pertenciam a antigas famílias da aristocracia rural que se formaram no Brasil a partir do final do século XVI e que “pela posição social e esmerada educação pode ser equiparada à nobreza européia do mesmo período” (MATTEI, 1997, p. 34). Segundo Mattei, o advogado João Paulo Corrêa de Oliveira descendia de senhores de engenho de Pernambuco e a mãe de Plínio, Dona Lucília, de bandeirantes e aristocratas do café. Assim sendo, os pais do futuro líder católico pertenciam a alta sociedade paulistana de seu tempo.

Atos de bravura e heroísmo já se notavam em relatos sobre a mãe de Plínio. Um deles conta que, pouco tempo antes de nascer a criança, o médico da família avisou a Dona Lucília que o parto seria de risco e que um dos dois provavelmente morreria. Perguntada se desejaria fazer um aborto, enfureceu-se prontamente. Decidiu, mesmo assim, fazer o parto, o que ocorreu sem seqüelas quer para o filho quer para a mãe.

Plínio atribuiu a sua mãe o caminho espiritual que tomou em sua vida. Assim ele expressa a importância maternal: “a minha mãe ensinou-me a amar Nosso Senhor Jesus Cristo, ensinou-me amar a Santa Igreja Católica. Eu recebi dela, como algo que deve ser tomado profundamente a sério, a Fé Católica Apostólica Romana, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora” (MATTEI, 1997, p. 39). Em seu último livro, dedicado à sua mãe, assim expressa: “À minha querida mãe, Lucília, que me ensinou a dizer ‘Jesus’ antes mesmo de ‘mamãe’, e a colocar a devoção à Fé Católica e à Santa Igreja acima de todos os bens terrenos” (OLIVEIRA, 1993, dedicatória).

O início da formação espiritual de Plínio coincidiu com a propagação da obra de entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares. Matos esclarece que “os valores cristãos, compendiados nesse culto, são propostos às famílias como contrapeso às forças deletérias que ameaçam o lar católico” (MATOS, 1990, p. 23). Desse modo, percebe-se que Plínio já se encontrava num processo de formação que buscava repugnar e denegrir os valores modernos desde sua mais tenra infância. Como aponta Mattei (1997), os anos 1920, com todas as suas novidades, não influenciaram Plínio e sua família, “que sob o influxo materno [...] ainda representava uma orla do Ancien Régime que sobrevivia e se opunha às vagas da modernidade” (MATTEI, 1997, p. 52).

No princípio de 1919, Plínio iniciou seus estudos no Colégio São Luis, escola pertencente à Companhia de Jesus e na qual se encontravam entre seus estudantes os filhos da classe dominante tradicional de São Paulo. Foi com os jesuítas e seus ensinamentos que “Plínio reencontrou o amor pela vida metódica, que já lhe tinha sido inculcado pela governanta Mathilde Heldmann e, sobretudo, aquela concepção militante da vida espiritual a que sua alma aspirava profundamente” (MATTEI, 1997, p. 52). Na sua educação transparecia a predominância que a cultura francesa refletia entre as classes dominantes brasileiras. Educação refinada que mais tarde, fez dele um militante inflexível contra os modos decadentes da sociedade moderna.

Mattei (1997) insiste que a aprendizagem espiritual de Plínio foi marcada pelo espírito de combate, espírito que caracterizaria a legítima e autêntica vida cristã, aprendendo de Inácio de Loyola que a alma do homem é um campo de batalha no qual lutam o bem e o mal, encontrando-se entre essas duas polaridades o livre arbítrio humano. Assim sendo, Plínio “compreendeu que o fundamento de tudo aquilo que ele amava era a religião, e escolheu o caminho de uma luta sem quartel em defesa da concepção de vida em que fora educado” (MATTEI, 1997, p. 53). Essa perspectiva militante que transparecia no espírito de Plínio refletia bem os anos 1920 e 1930 da Igreja brasileira, que se encontrava em ofensiva frente aos inimigos da fé católica, ou seja, contra o protestantismo, o espiritismo, a maçonaria, o comunismo.

Ao falar de sua vocação, Plínio a professava do seguinte modo: 

Era a concepção contra-revolucionária da religião como uma força perseguida que nos ensina as verdades eternas, que salva a nossa alma, que conduz para o Céu e que imprime na vida um estilo que é único estilo que torna a vida digna de ser vivida. Então, a idéia de que era preciso, quando fosse homem, empreender uma luta, para derrubar esta ordem de coisas que eu repudiava revolucionária e má, para estabelecer uma ordem de coisas católicas (OLIVEIRA, apud MATTEI, 1997, p. 54). 

Destarte, Plínio desenvolveu, desde sua infância e adolescência, determinada estrutura de sentido que permearia toda a sua vida posterior de militância católica e que também traria para perto de si outros jovens atraídos por suas idéias. Vivendo no ambiente de neocristandade e restauração católica, Plínio desenvolveu peculiar maneira de compreender o mundo e de agir nele. Maneira que seria enriquecida por novas perspectivas que se desenvolveriam no decorrer de sua atuação.

Em 1925, Plínio concluiu seus estudos secundários e inscreveu-se no ano seguinte na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Junto das leituras jurídicas, interessava-se também por filosofia, moral e espiritualidade. De acordo com Mattei, as obras que marcaram a formação de Plínio nesses anos foram: Tratado de direito natural do Padre Luigi Taparelle d’Azeglio (1793-1862) [50] e A alma de todo o apostolado de D. João Baptista Chautard (1858-1935), sendo esta última obra um de seus livros prediletos (MATTEI, 1997). Formou-se em dezembro de 1930 em direito e ciências políticas, tendo como pregador de sua missa de formatura o aclamado padre Leonel Franca. [51]

Giddens (2002, p. 40) considera que “responder a mais simples questão cotidiana, ou reagir à observação mais corriqueira, demanda pôr entre parênteses uma gama potencialmente quase infinita de possibilidades abertas ao indivíduo. O que torna uma resposta ‘apropriada’ ou ‘aceitável’ precisa de um referencial compartilhado [...] da realidade”. Assim sendo, Plínio passou a reunir em torno de si homens que se sentiram compelidos por ideais semelhantes aos seus e que haviam cruzado por seu caminho na primeira fase de sua vida pública. Esse agrupamento inicial demonstrava, sobretudo, a necessidade de manter aqueles ideais plausíveis. Desse modo, a coesão do grupo que foi se formando junto a Plínio forneceu para os seus membros a capacidade de conservar aquela estrutura de sentido, ou seja, determinada estrutura de plausibilidade que se transformou no “mundo do indivíduo, deslocando todos os outros mundos” (BERGER e LUCKMANN, p. 210).

O esboço da formação dessa comunidade em torno de Plínio foi contornando-se a partir da atuação do leigo em várias frentes católicas que se desenvolveram influenciadas por D. Leme e sua política de restauração. Estimulado principalmente pelo arcebispo metropolitano de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva, o movimento das Congregações Marianas [52] constituiu importante papel no impulso que ocorria no catolicismo brasileiro nas décadas de 1920, e principalmente, 1930. Como demonstra Malatian (2001, p. 39), “no final da década de 1920, o movimento mariano estava em ascensão no país, atendendo à diretriz do Vaticano no sentido de expansão do catolicismo, como reação à secularização das instituições”.

Dr. Joaquim Moreira da Fonseca, num de seus artigos na coluna Vida Católica do jornal belorizontino O Diário, exclama que as 

Congregações Marianas [...] são esta jóia preciosa que representa a fina flor da juventude christã. [Fonseca lembra que, em 1920, a Congregação do Santo Ofício exortava] os bispos, encarecidamente, para que [...] [fundassem] em suas dioceses as Congregações Marianas para jovens, como melhor meio de preserval-os (sic) da contaminação dos erros que os cerca[vam] e que os persegu[iam]. [O articulista declara ainda que] nas Congregações Marianas o [...] jovem encontrará tudo o que necessita para o bem de sua alma e para sua salvação. [Por fim exorta para que] a juventude brasileira abrace cordialmente e tenha gravado no seu peito esses dois meios de salvação: Maria Immaculada e Jesus Eucharistico. Esses são também os meios de salvar o Brasil. [53] 

Congregado mariano no colégio São Luís, Plínio entrou em 1928 para a Congregação Mariana da Legião de São Pedro, anexa à paróquia de Santa Cecília na qual editava o jornal O Legionário. Essa fase da atuação de Plínio foi marcada por constante apostolado individual, reuniões, conferências e discursos na capital paulista, no interior de São Paulo, no Rio de Janeiro e em outros estados. Atividades que não se limitavam apenas aos meios católicos. [54]

Em 1929, Plínio e outros membros de destaque do laicato brasileiro fundaram no Rio de Janeiro, ligada ao Centro Dom Vital, a Ação Universitária Católica - AUC. Aprovados por D. Leme, em maio de 1930, os estatutos do movimento apontavam seus principais fins como “completar a instrução e a educação religiosa de seus membros; preparar católicos militantes na vida particular como na vida pública; coordenar as forças vivas da mocidade brasileira, a fim de ser restaurada a ordem social cristã no Brasil [...]”.[55]

Através das palavras de Moacyr de Oliveira, um dos diretores da AUC por volta de 1932, é possível visualizar de maneira mais clara os ideais que embalavam o movimento. Moacyr chama atenção para a necessidade de “falar sobre o grande problema que interessa a todos aquelles que pensam, a todos os que querem verdadeiramente a salvação da nossa civilização: - a christianização da juventude”. Após afirmar que “é horrível o homem sem opinião; e é degradante o jovem sem ideal” clama para que os jovens optem “por aquillo que [...][os] conduz à Verdade Integral” e que tenham a “coragem de proclamar : ‘Somos Catholicos!’, pois como assevera “só nós estamos com a Verdade integral; só nós seguimos o verdadeiro Caminho; só nós possuímos a verdadeira Vida”. [56]

Plínio também participou ativamente dos trabalhos do Centro Dom Vital em sua vertente paulistana. Fundado em 1931 e dirigido por Papaterra Limongi, o Centro Dom Vital de São Paulo caracterizou-se por ser a maioria de seus associados patrianovistas, inclusive Plínio Corrêa de Oliveira. Liderados por Arlindo Veiga dos Santos, os patrianovistas, em sua maioria profissionais liberais, lutaram a fim de reconquistar o espaço da Igreja católica no cenário político republicano. Criado em 1928, o Centro Monarquista de Cultura Social e Política Pátria-Nova visava 

responder à ‘desordem’ das rebeliões tenentistas, do movimento operário, da fundação do Partido Comunista, do Modernismo, do domínio oligárquico, com a proposta de um governo forte, capaz de impedir a ‘excessiva’ liberdade. [O credo do centro monarquista era] Credo; Monarquia; Pátria e Raça brasileira; Divisão Administrativa do País; Organização Sindical; Capital no centro do país; Política Internacional altiva e cristã (MALATIAN, 2001, p. 37). 

Outro movimento político em que Plínio também atuou foi a Sociedade de Estudos Políticos - SEP. Fundada em fevereiro de 1932 por Plínio Salgado, a SEP, que se tornou oito meses mais tarde em Ação Integralista Brasileira - AIB - , reuniu vários jovens intelectuais de São Paulo, sobretudo da Faculdade de Direito. Mesmo sob um pano de fundo antiliberal, duas tendências esboçavam-se no interior da SEP: por um lado “o grupo que tendia a considerar os estudos e os debates da SEP como uma atividade instrumental e serviço da ação” e que se reunia em torno de Plínio Salgado; a segunda, representada pelos monarquistas do Movimento Patrianovista, que embora tivesse idéias comuns com o primeiro grupo era partidária de um regime fundado sobre a realeza do catolicismo. A falta de uma definição dos dirigentes da sociedade em relação a essas idéias monarquistas acabaram afastando os patrionovistas, inclusive Plínio Corrêa, da SEP e, mais tarde, da AIB (TRINDADE, 1984).

O catolicismo brasileiro do início dos anos 1930 passava por momento de grande vitalidade. Com as mudanças conjunturais que ocorreram com a tomada do poder por Getúlio Vargas, a Igreja passou a uma nova fase na vida pública do País. O novo cenário político que se delineava, marcado pela ruptura histórica com o regime oligárquico, foi entendida pelas autoridades católicas, especialmente por Dom Leme, como a oportunidade a Igreja ampliar seu raio de ação e influência. O arcebispo, que era amigo pessoal de Vargas, buscou incessantemente influir nas decisões governamentais, conseguindo algumas vitórias (MAINWARING, 1989).

Segundo Bruneau, a inconstância política que tomou conta do Brasil na década de 1920, com tentativas revolucionárias, conflitos e distúrbios, fez com que o poder público e as elites buscassem apoio junto à Igreja. Por outro lado, “o apoio da Igreja não era ainda apreciado como uma utilidade comerciável, pois o governo não se dispunha a legalizar a aproximação”. [Com a crescente instabilidade política e a queda do regime, Vargas tomou o poder, logo compreendendo que a legitimidade da Igreja era uma] “vantagem preciosa para o governo” (BRUNEAU, 1974, p. 78). Dessa forma, no período que se estende entre 1930 e 1945, com o fim da Era Vargas, percebeu-se uma aproximação e uma estreita relação da Igreja e do Estado brasileiro. Tal fato ocorreu por vários motivos, entre eles as afinidades ideológicas, principalmente pela atitude anticomunista que se encontrava em disseminação e progressiva expansão no País (MOTTA, 2002).

Sofrendo pressões em favor da reconstitucionalização do País, já que tinha chegado ao poder via movimento armado e era o presidente do Brasil em caráter provisório, Vargas marcou para 1933 a Assembléia Constituinte na qual resultariam os novos rumos políticos nacionais (SKIDMORE, 1976). Assim sendo, os líderes católicos que já vinham despendendo forças a fim de que emendas religiosas fossem implementadas na constituição de 1891, constituíram a Liga Eleitoral Católica - LEC - para pressionar por seus interesses na assembléia. [57] As várias manifestações da população católica, como a semana em comemoração de Nossa Senhora Aparecida e a semana do Cristo Redentor que reuniram milhares de pessoas, e de seus líderes resultaram assim na institucionalização da LEC. [58]

Encabeçado no âmbito nacional pelo próprio Dom Leme, com intima colaboração de leigos como Alceu Amoroso Lima e Sobral Pinto, a LEC instituiu-se como um grupo de pressão suprapartidário que tinha como principais objetivos “alistar, organizar, e instruir o eleitorado católico; e assegurar o voto católico para os candidatos que aceitassem o programa da Igreja e concordassem em defendê-lo na convenção da futura assembléia constituinte” (BRUNEAU, 1974, p. 82).

Além da junta nacional, que tinha como presidente Pandiá Calógeras e como secretário-geral Alceu Amoroso Lima, existiam as juntas estaduais regionais e locais. Plínio Corrêa de Oliveira, que já se destacava nos meios marianos, foi empossado como presidente da junta estadual paulista da LEC pelo arcebispo D. Duarte Arcoverde. São Paulo formou chapa única integrada pelo Partido Republicano Paulista - PRP - , o Partido Democrático - PD - e a Federação dos Voluntários juntamente com duas forças extrapartidárias: a Associação Comercial de São Paulo e a LEC. Flaskmam e Konis (1954, p. 1820) ponderam que “embora contrariasse a orientação oficial da LEC, essa aliança constituía a garantia de um campo mais amplo para a propaganda e a defesa dos ideais católicos, aceitos por todas as forças que nela se uniam”.

Para Plínio, a eleição para a Assembléia Constituinte era de suma importância para o rumo que o País tomaria. Acreditava, desse modo, que ou o Brasil optava pelo catolicismo ou seria tomado pelo socialismo. Assim se expressou num artigo do Legionário de janeiro de 1933: “Ou o Catolicismo conseguirá vencer nas urnas, e fazes progredir resolutamente o país no caminho da restauração religiosa ou o socialismo extremado se apoderará do Brasil para fazer dele a vítima dos numerosos Galles e Lenines que pululam nos bastidores de nossa política sequiosos de ‘mexicanizar’ e ‘sovietizar’ a Terra de Santa Cruz” (LIMA, 1984, p. 46).

A maioria dos candidatos que foram apoiados pela LEC nas eleições de 3 de maio de 1933 foi eleita. Entre eles estava Plínio Corrêa, que, com apenas 24 anos foi o candidato mais votado em todo o Brasil. [59] De acordo com Löwenstein apud Bruneau (1974), mesmo antes de a assembléia ocorrer Vargas havia decretado uma autorização para a educação católica nas escolas públicas. Desse modo, logo instalada a assembléia, não foi preciso a utilização de estratégias políticas e praticas de coerção ainda em voga a fim de que os interesses de Vargas fossem respondidos afirmativamente. Interesses que se alinhavam, por sua vez, com as idéias políticas dos líderes católicos (LOWENSTEIN, apud. BRUNEAU, 1974).

Portanto, todas as exigências da LEC [60] foram incluídas na Constituição de 1934 como: indissolubilidade do vínculo conjugal, o ensino religioso livre nas escolas públicas, a assistência religiosa facultativa às forças armadas, o direito de voto dos religiosos, o reconhecimento civil do casamento religioso, o direito ao descanso dominical, a faculdade de o clero prestar o serviço militar obrigatório na condição de capelães das tropas e a invocação do nome de Deus no preâmbulo da Constituição.[61]

Logo depois de encerrado os trabalhos legislativos para a constituinte, Plínio assumiu, juntamente com suas atividades como advogado e jornalista, a disciplina de História da Civilização no Colégio Universitário anexo à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Fez-se mais tarde catedrático de História Moderna e Contemporânea na Faculdade de Filosofia de São Bento, que se tornou mais tarde Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo, e na Faculdade Sedes Sapientiae, as quais se tornaram anos mais tarde, por meio de sua integração, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.[62]

É importante registrar que a Faculdade de Filosofia de São Bento estava inserida nos anos 1920 no movimento de recuperação da filosofia de São Tomás de Aquino, iniciada por Leão XIII com a encíclica Aeterni Patris (1879). Dessa forma, 

o retorno à filosofia tomista adquiriu [...] o sentido de resposta aos problemas enfrentados pelo catolicismo no final do século XIX: a origem e a legitimidade do poder, a melhor forma de governo, as relações entre Igreja e Estado, o estatuto do trabalho [...] ao revigorar uma visão de mundo medieval, a Santa Sé procurou, no recurso a tradição tomista, uma filosofia que servisse à fé sem confrontar a ciência (MALATIAN, 2001, p. 39). 

Plínio, portanto, deve ter vivenciado essa “retomada” da visão escolástica de forma bastante presente. Fato que iria repercutir indiscutivelmente no seu modo de compreender a realidade e em seus escritos, em que a noção de ordem e a hierarquia seriam centrais.

Com o fim da assembléia constituinte e a promulgação da constituição que refletia as várias exigências católicas, a LEC tornou-se inútil, e um vazio na atuação pública da Igreja fez-se presente. Como esclarece Beozzo (1984, p. 321), “a experiência da LEC, apoiada no trabalho dos leigos, estendendo-se em âmbito nacional, oferece pistas para a criação de um instrumento de ação permanente, formado por leigos e com estrutura nacional”.

O instrumento que se formou foi a Ação Católica Brasileira - ACB - em 1935. [63] Desde o início do século XX, os pontificados estimulavam a criação de associações de leigos. Esse estímulo foi oficializado pela encíclica de Pio XI Ubi arcano Dei (1922). Dessa forma, “Pio XI sugeria a instalação de um movimento mundial com ramificações em vários países [...] cuja tarefa seria evangelizar as nações, como uma ‘extensão do braço da hierarquia eclesiástica’” (FLAKSMAN e KORNIS, 1984, p. 511).

A organização da Ação Católica no Brasil foi o resultado de dois caminhos que foram colocados em prática por D. Leme desde sua chegada ao Rio de Janeiro em 1921. O primeiro foi o de estimular o movimento entre os intelectuais católicos com o Centro Dom Vital e unificar os diferenciados e dispersos grupos que já existiam. O segundo caminho perpetrado por D. Leme teve seu inicio com a organização das Associações Católicas do Rio de Janeiro, fundada no final de 1922 e que demonstram ser o germe propriamente dito da Ação Católica no País. A Ação Católica Brasileira “foi formalmente o primeiro programa oficial com um raio de ação nacional, [com] D. Leme [...] seu chefe máximo no país [...]”. Para Bruneau (1974), a ACB teve sucesso em sua mobilização inicial, contudo vitimou-se pelo fracasso visto que sua razão de ser teria sido alcançada rapidamente. Segundo o autor “não havia mais necessidade de um corpo leigo mobilizado, pois Vargas cuidava dos comunistas e também da Igreja” (BRUNEAU, 1974, p. 89).

Todas as organizações católicas deveriam submeter-se a uma única orientação e coordenação. Entretanto, a implementação da Ação Católica no Brasil foi acolhida de maneira fria e reticente. A orientação única que deveria ser impressa em todas as associações de leigos criou várias indisposições. O relacionamento da ACB, por exemplo, com as congregações marianas, que estavam bem organizadas e espalhadas por todo o País, com as conferências vicentinas, entre outras, não foi sempre pacífico (BEOZZO, 1984).

Plínio Corrêa atuou na ACB inicialmente via movimento das congregações marianas de São Paulo. Anos mais tarde, em março de 1940, foi convidado por D. José Gaspar de Affonseca e Silva para o cargo de Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica. Assim Plínio compreendia sua nova missão, 

O nosso programa resume-se num lema que aceitamos com entusiasmo, porque é-nos ditado pela própria natureza das coisas, estabelecida pela Providência. É o dístico que se encontra no brazão de armas do Exmo. E Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano: ‘para que todos sejam um’. (...) A união entre católicos é a justaposição tranqüila de elementos heterogêneos. Ela é a coordenação pacífica de pessoas unidas pela comunhão de idéias, pela comunhão de vida, pela identidade da acção. Que idéias? Que vida? Que acção? Idéias, só as da Igreja. Vida, a vida sobrenatural da graça. Acção, a Acção Católica (MATTEI, 1997, p. 127). 

Segundo Mattei (1997), depois de três anos à frente do movimento em São Paulo a “Acção Católica paulista conheceu um florescimento sem precedentes”. O historiador oferece como exemplo o Congresso Eucarístico realizado na cidade em 1942 com a presença de um milhão de pessoas. Entretanto, depois de menos de três anos de sua posse como presidente da Junta Regional, Plínio Corrêa perdeu o seu cargo no grupo devido a dissensões e conflitos internos no meio católico (MATTEI, 1997, p. 135).

Tentar visualizar a história pessoal de Plínio Corrêa de Oliveira é apreender alguns aspectos da história da Igreja católica no Brasil. Por meio da atuação de Plínio nos movimentos e via compreensão da própria história desses movimentos é possível entrever o esboço dos ideais católicos ultramontanos que vão se tornando hegemônicos em sua vida até se tornarem sistematizadas em suas obras.

 

3.3. Do Legionário ao Catolicismo 

Depois de cinco anos como congregado mariano em Santa Cecília, Plínio foi convidado a assumir a direção do jornal O Legionário, órgão oficial dessa congregação, dirigida por Mons. Marcondes Pedrosa e que era um pequeno folheto quando do início de sua publicação em 29 de maio de 1927. Plínio foi levando para o quadro redatorial do jornal vários jovens que haviam se destacado no movimento mariano e que seriam no futuro, especificamente em 1960, colaboradores na fundação da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Entre eles, estavam Fernando Furquim de Almeida, José Carlos Castilho de Andrade, José de Azevedo Santos, Adolpho Lindenberg, José Fernando de Camargo, José Gonzaga de Arruda, Paulo Barros de Ulhôa Cintra e dois jovens sacerdotes que iriam marcar a história da Igreja do Brasil, Pe. Antônio de Castro Mayer e o Pe. Geraldo de Proença Sigaud. [64] Esse grupo que se encontrava à frente do Legionário e formava sua comissão redatorial reunia-se regularmente a fim de ler e discutir, sob a luz da doutrina católica as notícias que estavam sendo veiculadas pela imprensa em geral (MATTEI, 1997).

Mattei (1997) sugere que, em 1936, o Legionário, que não passava de um quinzenário de duas folhas, transformou-se em semanário de oito folhas e na “voz católica mais influente do Brasil”, saindo de sua circunscrição paroquial. Em 1937 chegou a uma tiragem de mais de dezessete mil exemplares (MATTEI, 1997).

Juntamente as notícias referentes à Congregação Mariana de Santa Cecília, no Legionário apareciam também os principais inimigos e preocupações do grupo que se encontrava à frente do jornal. De acordo com Lima (1984), os objetivos do jornal eram os seguintes: 

1.      Luta para a obtenção de favores do Estado para a Igreja;

2.      Articulação e formação de intelectuais católicos capazes de conquistarem espaços nos meios de produção e divulgação ideológica;

3.      Ação política em favor dos interesses da Igreja, mas sem envolvimento partidário;

4.      Vigilância constante sobre a produção cultural: livros, revistas, cinema, teatro, etc. Sempre pronto a identificar nela a infiltração comunista;

5.      Preocupação com a educação, com a preservação dos bons costumes, com a ameaça da permissividade à família, à religião, etc (LIMA, 1984, p. 74).

 

 Num artigo de 1944, assim o líder católico compreendia a missão do Legionário

Qual o ideal inicial do Legionário? Qual a direção em que se movia a reação espiritual que começava a clarear os horizontes ideológicos do Brasil em 1927? Estávamos na liquidação final do regime liberal. Saturados do ceticismo, de latitudinarismo, de materialismo, deformados pelo linguajar baixo e deprimente da imprensa, pelo espírito dissoluto do teatro e do cinema, pelo ambiente de crassa trivialidade em que se desenvolvia a juventude, aspirávamos todos por um ideal mais alto. Não tínhamos dúvida sobre esse ideal. Era o catolicismo, plenitude de todos os ideais verdadeiros e nobres. Na atmosfera que respirávamos, duas circunstâncias nos afastavam desse ideal. De um lado, os inimigos declarados da religião: maçons, espíritas, protestantes, ateus. De outro, os barateadores do espírito cristão: semi-católicos, muito rezadores e... muitos pecadores, gente que cria neste dogma mas não cria naquele, gente que conservava com um rótulo cristão todos os sintomas do comodismo, displicência, indiferentismo do espírito do século. Católicos, enfim, para os quais a Igreja era um fardo que carregavam sem entusiasmo, um ideal com o qual procuravam sofismar, um espírito que procuravam de todos os modos acomodar com o da época, a fim de terem também a sua parte, lauta e confortável, no grande festim de Baltazar, que foram os últimos anos da democracia liberal (LIMA, 1984, p. 64). 

Desse modo, o Legionário colocava em prática a estratégia desenvolvida por D. Leme a fim de demonstrar aos brasileiros a importância da Igreja católica para o País e de levar adiante a tarefa de recatolicizar a nação.

O primeiro artigo de Plínio Corrêa no jornal apareceu em setembro de 1929 e era dedicado à universidade católica. O segundo, que foi publicado em novembro do mesmo ano, intitulado O Vaticano e o Kremlin, demonstrava a tônica que iria marcar profundamente sua militância católica: “a impossibilidade de qualquer acordo entre a Igreja Católica e o comunismo” (MATTEI, 1997, p. 74).

Mesmo antes de sua entrada no Legionário, Plínio tendia para o catolicismo ultramontano enriquecido com um viés anticomunista. Na revista A Ordem encontra-se um artigo de P. Correa, que sugere ser Plínio Corrêa de Oliveira, intitulado O Verdadeiro perigo comunista. Plínio buscava defender a tese de que a 

influencia semítica, [...] constitui para o Brasil o verdadeiro perigo communista. [Plínio aponta para o fato de que a] maioria dos judeos conspira permanentemente contra a Igreja e a Civilização catholica [e acredita que] os principais agentes do communismo não são os proletarios propriamente ditos [...] O communismo tem vencido até agora graças a uma conspiração da plutocracia judaica e do maçonismo, que vem solapando há muito tempo a civilização christã. [Acentua que] esta these [...] defendida na Europa há muito mais de um século [...] é quase desconhecida no Brasil, mercê do bloqueio que a grande maioria de nossas livrarias faz a todas as obras conservadoras e catholicas vindas da Europa. [65] 

Em outro artigo da A Ordem, de dois anos anteriores ao supracitado, Plínio desenvolve sua percepção das relações entre a Igreja e o judaísmo, já demonstrando nele os princípios de sua filosofia da história de caráter conspiratória que iria marcar profundamente seu ideário. Partindo da referência de um escritor judeu, Plínio acreditava que 

foram os judeos que pela infiltração do espírito de duvida, prepararam a Reforma, suscitaram novas concepções artísticas, que inspiraram os pintores e esculptores da Renascença, despertaram na intelligencia dos sábios as primeiras noções de humanismo, prepararam a mentalidade da qual sahiram os espiritos increos de Voltaire, Rousseau e outros, provocaram a Revolução Franceza, o movimento liberal de 1830 em França, e finalmente o socialismo. [66] 

Em referência às relações entre judaísmo e comunismo perguntava-se: 

Quem ignorará que Marx era um judeu? Quem ignora que a grande maioria dos cargos da actual administração sovietica está confiada a judeus?. [Por fim conclui:] Quem é que não receia a influencia de um povo governado por um Código religioso [Talmud] que considera peccado o não se prejudicar o mais possível os christãos? [...] Oremos para que os judeos, emfim convertidos, não nos mereçam mais a prevenção de que os culpados são elles próprios, e não nós. [67] 

Plínio orientou o Legionário “no sentido do combate ideológico que visa[va] uma conscientização e mobilização dos católicos, reagindo contra as investidas dos adversários na imprensa e nos demais meios de comunicação [...] a missão do Legionário não era a de ‘atrair os incréus’, e sim orientar a opinião dos que já eram católicos” (LIMA, 1984,p. 52). Como o próprio líder dizia, “muita gente há que, recebendo as informações sobre o que se passa no mundo inteiro através dos jornais diários, adquire uma noção inteiramente viciada de todos os grandes problemas contemporâneos. Assim, a maioria dos católicos ingere sem antídotos todos os venenos que lhes são ministrados pela imprensa cotidiana” (LIMA, 1984, p. 52).

Esta era a questão magna do órgão mariano, ou seja, “atingir as ‘classes cultas’ e ‘semi-cultas’ [...] [deveria ser o] principal objetivo da imprensa católica. O papel da imprensa no jogo do poder era visto pelo Legionário como fundamental no mundo moderno” (LIMA, 1984, p. 60). Dessa forma, Plínio se expressava da seguinte forma sobre a imprensa católica: “Falta-nos entretanto o grande jornal formador da consciência social católica, construtor de uma sociedade que não será nova, pois será apenas a volta depois de vários séculos de erros liberais, à sociedade informada pelos puros princípios do catolicismo” (grifo do autor da dissertação) (LIMA, 1984, p. 61). Plínio, destarte, além de demonstrar uma grande preocupação com a imprensa e creditar ao Legionário a tarefa primeira de fornecer aos católicos os fundamentos doutrinais para que andassem no reto caminho da Igreja de Roma, apontava com nostalgia para o tempo em que os princípios católicos eram hegemônicos.

A atuação do grupo do Legionário ocorreu num contexto político muito particular no Brasil. Sua ação passou por dois momentos da atuação de Getúlio Vargas frente ao poder federal. O primeiro foi marcado pelos esforços explícitos das autoridades eclesiásticas de influenciar os rumos políticos do País, juntamente com a utilização do poder central dos símbolos religiosos. O segundo, a partir da ruptura institucional perpetrado pelo golpe de Estado de Vargas em 1937, que, legitimado pelo medo generalizado do comunismo, iniciou a fase que ficou conhecida como Estado Novo. [68]

Motta (2002) afirma que, no Brasil, houve duas grandes ondas anticomunistas: a primeira entre 1935 e 1937 e a segunda entre 1961 e 1964. [69] De acordo com o mesmo autor, a década de 1930 é marcada pelo ápice do anticomunismo católico, pois “o assassinato de padres e freiras e a profanação de igrejas e objetos sagrados, ocorridos [na Espanha] no decorrer da luta entre republicanos e franquistas, provocaram uma reação violenta dos católicos contra o comunismo” (MOTTA, 2002, p. 21). Com o início da Guerra Civil Espanhola, em 1936, as instituições católicas passaram a denunciar as atrocidades comunistas ocorridas na Espanha. Momento que coincide com a primeira onda anticomunista no Brasil, provocada pelo levante de 1935, a conhecida Intentona Comunista. [70]

As forças que a Igreja desse período acreditava serem perniciosas para sua legitimação eram o protestantismo, o espiritismo, a maçonaria, o comunismo e também o carnaval, a moda indecente entre outros. Circulavam nesse período, na imprensa católica e nos folhetos distribuídos nas igrejas, uma grande quantidade de artigos referentes a esses inimigos (MATOS, 1990). O Legionário era um destes jornais que se empenhavam nessa luta sem trégua. Mattei (1997, p. 76) esclarece que “a quem o acusava de ser pouco ‘caridoso’ para com seus inimigos, Plínio respondia que a atitude do Legionário era de luta sim, mas defensiva e não ofensiva”. Era pela defesa da Igreja e pela implantação de uma ordem social cristã que lutavam. Plínio dizia: 

quem hipertrofiar o papel do Estado será necessariamente socialista, quaisquer que sejam as máscaras que procure afivelar no rosto. E o fundo da vertente socialista é o comunismo. Quem hipertrofiar os direitos do indivíduo ou dos outros grupos será necessariamente individualista, e o fundo dessa vertente é a anarquia. Da anarquia completa, que seria o nihilismo, ou da anarquia estável e organizada que é o totalitarismo, devemos libertar-nos formando para nós uma consciência católica vigorosa e firme, na qual não haja lugar para complacências para com os erros de qualquer jaez. Os católicos devem ser anti-comunistas, anti-nazistas, anti-liberais, anti-socialistas, anti-maçônicos, etc..., porque são católicos (grifo do autor da dissertação) (MATTEI, 1997, p. 87) 

Dessa forma, o grupo do Legionário entendia sua missão por meio de uma negação de idéias que supostamente eram contrárias às do catolicismo romano. Eles compreendiam sua missão por meio de uma perspectiva que se dava na negativa. Acreditavam que deveriam reagir frente à ofensiva que a Igreja sofria dessas forças. Reação era a palavra que marcava a Igreja brasileira da primeira metade do século XX e que assinalou profundamente a Igreja universal do século XIX com sua perspectiva ultramontana. Entretanto, o grupo de Plínio foi o que abraçou radicalmente essa missão de reagir a todas as conseqüências dessa perspectiva que viriam anos mais tarde.

Sobre os inimigos a serem combatidos, Plínio julgava que “quando um homem combate a verdadeira fé ou a moral, ou ele está persuadido de que está com a razão, ou não está. Se está, anda mal, porque não estudou o assunto com a diligência e a humildade necessárias nem pediu como devia a graça de Deus. Se não está, anda mal porque propaga uma opinião sabidamente falsa” (LIMA, 1984, p. 33). Assim sendo, Plínio não dava margem para qualquer tipo de diferença do seu esquema, desconfiando prontamente de qualquer um que não compartilhasse de sua idéias. Uma das marcas do catolicismo ultramontano.

No Legionário encontravam-se artigos sobre a maçonaria, sobre a moda indecente, o cinema, a literatura, a educação. Contudo, o que demonstrava sua peculiaridade era a visão que transparecia no jornal sobre o comunismo e seus males.

Como defendiam a estrita obediência dos ensinamentos papais, característica basilar dos ultramontanos, parece que o grupo do Legionário assumiu profundamente as idéias do mais forte pronunciamento do papado sobre o comunismo: as contidas na encíclica Divinis Redemptoris, promulgada por Pio XI, em 1937. A idéia mais marcante do documento era a da necessidade de os católicos reagirem e combaterem os inimigos da Igreja, principalmente o maior de todos, o comunismo ateu.

Esse viés anticomunista que o grupo do Legionário assumia era uma nuance especial de toda a organização do movimento mariano no Brasil. De acordo com Maia (1992), as congregações marianas empenharam-se em cinco tipos de atividade que marcariam o perfil do militante católico: 1. atividades anticomunismo; 2. magníficas paradas de fé; 3. retiros fechados durante o carnaval; 4. atividades sociais e; 5. congregações femininas. [71] Percebe-se que o anticomunismo é citado por Maia como o primeiro tipo de atividade do apostolado mariano, preocupação que, acredita-se, encontrava-se diluída em todas as outras. Como expressa o mesmo autor, era “a pressão azul [em referência ao manto de Nossa Senhora] contra as hostes vermelhas do comunismo ateu!” (MAIA, 1992, p. 60).

Contudo, mesmo sendo o comunismo o alvo principal dos legionários de Maria, outras formas políticas também foram atacadas, como pode ser observa neste artigo de 1943: 

Tanto o erro liberal, de conceder a liberdade ao bem e ao mal, quanto o erro totalitário de oprimir igualmente o bem e o mal, são graves e procedem da mesma raiz. Em presença da Verdade que é a Igreja, tanto o Estado liberal quanto o Estado totalitário tomam uma atitude idêntica à Pilatos, perguntando ‘quid est veritas’ – ‘o que é a Verdade?’. O agnosticismo, o indiferentismo entre a verdade e o erro, o bem e o mal, é sempre uma fonte de injustiças. E o católico não pode compactuar, nem com uma, nem com outra coisa (MATTEI, 1997, p. 87). 

               Em relação ao socialismo, o Legionário o via como utilizador de mesmas práticas de aproximação com a Igreja utilizadas pelo liberalismo no século XIX: 

O socialismo de hoje [...] como o nazismo ontem, como anteontem o liberalismo, ostenta mil faces, sorri com uma à Igreja, ameaça-a com outra, e discursa contra ela com outra ainda. Contra esse novo socialismo, como outrora contra o liberalismo, a atitude dos católicos no mundo inteiro, mas sobretudo na Europa, só pode ser uma: combate decidido, franco, inflexível, destemido (MATTEI, 1997, p. 105). 

Dessa forma, parece que o grupo liderado por Plínio defendia, como ele mesmo faz transparecer, inflexibilidade quanto qualquer tentativa que buscasse reconciliar a Igreja com valores políticos modernos, principalmente com os do socialismo. 

Observa-se, portanto, que o período da atuação de Plínio e de seus amigos no comando do Legionário, entre 1933 e 1947, foi caracterizado fortemente pela propaganda anticomunista, seja pelo governo central seja pela Igreja no âmbito universal, situação que alimentava e legitimava as ações perpetradas por eles.  

As questões políticas demonstravam-se muito importantes para o grupo do Legionário. Entretanto, a preocupação que passou a ter mais centralidade e destaque em sua atuação por volta dos últimos anos da década de 1930 foi o meio católico. Lima (1984) afirma que o primeiro artigo em que se lê críticas de Plínio à militância católica foi publicado em 1938. Nele, o intelectual apontava três equívocos na formação dos militantes: o burocratismo, fazendo alusão a reuniões formais de associações católicas em que não se resolvia nada de importante; a sociologite, referindo-se a reuniões em  que se discutiam apenas questões sociais e políticas, esquecendo-se da santificação; e o pietismo, que significava o descuido desmedido dos militantes no estudo da doutrina católica.

De acordo com o livro Meio século de epopéia anticomunista (1980) organizado pela TFP, e que em conseqüência comunga das idéias de Plínio, foi a partir de 1935 que começou a chegar ao Brasil 

as lufadas cheias de vitalidade de alguns grandes movimentos – de si mesmo excelentes – que caracterizavam o surto religioso da Europa no primeiro pós-guerra. Neles, entretanto, achava-se incubado o vírus de uma mentalidade discrepante da boa doutrina. [Esta mentalidade, como demonstra o livro citado], era dominada pela obsessão de conciliar a Igreja com o mundo neopagão [leia-se moderno], por meio de uma nova formulação do Dogma e da Moral, de uma reforma das leis eclesiásticas, da liturgia, do modo de ser, enfim, da Igreja. Era o progressismo que apontava veladamente. [72] 

Plínio e seu grupo percebiam o progressismo como a ameaça que corroia a autoridade da Igreja. Parece que dentro do conceito progressismo colocavam todas as idéias defendidas pelos movimentos de renovação que haviam nascido desde o fim do século XIX e que perpassou todo a primeira metade do século XX, tendo seu ápice com o Concílio Vaticano II (1962-1965). Entre esses movimentos estavam a nova teologia, que buscava reconciliar o pensamento teológico com a modernidade por meio das figuras de T. de Chardin, Y. Congar, H. de Lubac, J. Daniélou, P. Chenu, G. Lagrange entre outros (MONDIN, 1979); o movimento social católico com a experiência dos padres operários e a fundação da Juventude Operária Católica - JOC -; o movimento bíblico, com os estudiosos católicos assumindo descobertas de exegetas protestantes; as crescentes iniciativas católicas no movimento ecumênico; o movimento litúrgico, que alimentando-se da tradição beneditina, buscava abrir caminhos para a participação mais efetiva do leigo nas cerimônias e o movimento dos leigos como um todo, refletido na Ação Católica (LIBANIO, 2000).

Um bom exemplo a fim de visualizar a compreensão que Plínio e seus sequazes faziam desses empenhos renovadores foi o movimento litúrgico. Esse movimento teve seu começo no Brasil a partir de 1933. Seu iniciador foi Dom Martinho Michler. Beneditino recém-chegado da Alemanha, Dom Martinho foi incumbido de lecionar um curso de liturgia no novíssimo Instituto Católico de Estudos Superiores do Rio de Janeiro, cativando rapidamente os meios universitários e intelectuais católicos. A partir de 1935, com a fundação da Ação Católica Brasileira, o movimento litúrgico ampliou-se ainda mais. As idéias do movimento como missa dialogada, Ofício Divino recitado pelos leigos, difusão do Missal ganhou amplitude em todo o Brasil (SILVA, 1983).

Logo as divisões acerca das novas práticas litúrgicas surgiram e vários episódios permeados de controvérsia sucederam-se.  A principal controvérsia que envolveu o grupo do Legionário ocorreu no final de 1947 por conseqüência da encíclica de Pio XII Mediator Dei. Neste documento, Pio XII traçava as “linhas doutrinais e pastorais e os limites na promoção da vida litúrgica para toda a Igreja” (SILVA, 1983, p. 207). O documento foi recebido pelo Legionário como uma vitória frente à heresia litúrgica que acreditavam estar em desenvolvimento.

Assim diz a manchete do jornal em 7 de dezembro de 1947: “Pio XII condena o liturgismo quietista e naturalista” (SILVA, 1983, p. 208). Em outro número do final do ano, o colaborador Mons. Ascâneo Brandão declara: 

ao ler a Encíclica ‘Mediator Dei’, tive uma das maiores consolações de minha vida de jornalista católico; - foi a de ver como de há muito defendia aquelas idéias, aqueles princípios, e mais ainda, tinha sofrido muito por ter sustentado e defendido o que o Papa sustenta e defende hoje neste oportuno documento!... Combati os absurdos dos Liturgistas, nunca a piedade litúrgica. Si isto era ser embolorado, retrogrado, felicito-me por me achar em boa companhia agora – com Pio XII! Tudo passou, graças a Deus! Triunfou a verdade e hoje hão de estar murchos os liturgeiros... (BRANDÃO, apud SILVA, 1983, p. 208). 

Acreditavam que os dirigentes do movimento 

conduziam ao solapamento do princípio hierárquico e dos ensinamentos da Igreja sobre o Sacramento da Ordem, identificando e nivelando de algum modo o Sacerdote celebrante com o simples fiel. [Entendiam que o movimento litúrgico disseminava] frieza e reservas face à devoção a Nossa Senhora, aos Santos e às imagens, [além de que] qualificavam de desatualizadas certas normas da ascese clássica, como a fuga das ocasiões de pecado, o combate às paixões desordenadas etc. [73] 

A apreensão com os movimentos que procuravam estabelecer uma ponte entre a Igreja católica e a modernidade tornaram-se, desse modo, a preocupação central do grupo do Legionário. O exemplo sobre a compreensão do grupo sobre a renovação litúrgica nos meados dos anos 1940 refletia todo um ideário a respeito da Ação Católica que Plínio havia desenvolvido e condensado em um de seus mais importantes livros, intitulado Em defesa da Ação Católica (OLIVEIRA, 1943), de junho de 1943.

De acordo com o próprio Plínio, foi por meio do movimento litúrgico e na Ação Católica que se disseminava o progressismo no Brasil. Para ele, os traços comuns que passaram a existir nesses movimentos e que deveriam ser combatidos pelo católico eram o “igualitarismo, isto é, a tendência a um nivelamento antinatural na Igreja e no Estado; o liberalismo, no caso, a obsessão por ajustar a Igreja às transformações continuamente mais extremadas do mundo neopagão; horror ao esforço, ao sacrifício e à ascese”. [74]

Com a morte do arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, em 1943, figura que já demonstrava preocupação com o movimento encabeçado por Plínio, contudo sem tomar nenhuma medida contra ele, foi empossado Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta. O novo arcebispo, cuja visão era contrária à defendida pelo Legionário, propôs um armistício à situação de conflito gerada nos meios católicos pela publicação de Em defesa da Ação Católica. De acordo com Mattei (1997, p. 139), “seguiu-se uma tempestuosa campanha de difamação, da qual Plínio e os seus amigos não puderam defender-se publicamente, por causa do ‘armistício’ imposto pelo arcebispo”. Segundo a obra Meio século de epopéia anticomunista, “dos arraiais progressistas soprou contra este grupo [Legionário] um tufão de diz-que-diz, de detrações e de calúnias [...] O número de paróquias em que se vendia o Legionário começou a diminuir a olhos vistos”. [75]

Além da diminuição do espaço em que o Legionário chegava, outras conseqüências aconteceram. Plínio perdeu o cargo de Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica. Mons. Antônio de Castro Mayer, um dos mais importantes colaboradores do Legionário e que tinha fornecido o imprimatur da obra, em 1945, passou de vigário geral da Arquidiocese para vigário-ecônomo da paróquia de São José de Belém. Pe. Geraldo Proença Sigaud, o fiador político do grupo e propugnador do livro, foi removido para a Espanha. Os vários redatores do jornal foram perdendo seus cargos no movimento católico e, em dezembro de 1947, cessou a colaboração do grupo que seguia Plínio no Legionário.  De destacados católicos militantes, Plínio e seu grupo passaram a um ostracismo que durou três anos. Já, em 1945, passaram a se reunir numa pequena casa no bairro de Santa Cecília, buscando organizar as idéias e esperando o momento mais propício para voltarem à atuação pública. Visto “o reduzido número de amigos, postos em convivência quotidiana em torno dos mais altos ideais, formou-se, entre eles, uma tal coesão no pensar, no sentir e no agir, que elevou o grupo à condição de uma verdadeira família de almas”. [76]

Em janeiro de 1947, o grupo recebeu uma notícia que esperavam ser um sinal da providência divina: Pe. Sigaud foi sagrado bispo de Jacarezinho (PR) por Pio XII. No ano seguinte Mons. Mayer foi nomeado bispo coadjutor de Campos (RJ). Tudo sugeria que o tempo das catacumbas havia terminado. Essa 

sucessão de fatos [tinha um] [...] significado ineludível: dois Sacerdotes, afastados do centro dos acontecimentos pelo apoio que haviam dado ao livro Em defesa da Ação Católica e ao grupo do Legionário, e em conseqüência da luta que desenvolviam contra a infiltração esquerdista e progressista nos meios católicos, eram honrados pela clara manifestação de confiança da Santa Sé com sua elevação ao Episcopado, uma em seguida à outra! [77] 

Em 1951, D. Mayer fundou o mensário Catolicismo, que, com uma linha editorial semelhante à do Legionário, passou a ser o baluarte das idéias de Plínio e seus seguidores. O novo jornal era dedicado, como o Legionário, ao público católico em geral e tinha como objetivos alertar os católicos contra os fatores de 

deteriorização religiosa, moral e cultural” do mundo moderno e principalmente promover a luta contra o progressismo e o “esquerdismo católico”. [Por outro lado, na fase inicial do jornal, as matérias, principalmente as escritas por Plínio, possuíam caráter] “mais de proselitismo, preocupado em difundir princípios ideológicos, como que indicando uma tentativa de reagrupamento de forças (LIMA, 1984, p. 106). 

Recolocava nestas matérias as questões referentes à luta do bem contra o mal, do ideal da cristandade, dos desvios da democracia, da refutação da soberania popular, da identificação da mazelas e desvios da sociedade moderna.

No mensário, cuja redação ficou por conta do grupo liderado por Plínio em São Paulo, eram escritas várias colunas de interesse. A coluna Ambientes, Costumes e Civilizações, de autoria de Plínio Corrêa, buscava analisar vários tipos de obras de arte cristãs, tentando evidenciar por meio de contraste com a arte moderna os desatinos da civilização neopagã. [78] Outra sessão que demonstra claramente o ideário que se formava entre os membros do grupo era a nomeada Os católicos franceses no século XIX. Escrita por Fernando Furquim de Almeida, essa coluna exaltava a Igreja do século XIX e defendia os ideais dos franceses ultramontanos. Os membros do Catolicismo passaram a organizar viagens por todo o Brasil, buscando apoio, expondo as idéias do grupo e fundando vários centros. Em 1953, já havia grupos no Rio de Janeiro, em Campos e Belo Horizonte, tendo notável expansão posteriormente por toda a década.

Parece que a voz de Plínio e de seus seguidores eram as únicas no empenho católico anticomunista como caracterizado nas duas décadas anteriores. Nota-se que, a partir de 1950, especialmente depois da fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - em 1952, ocorreu uma mudança de perspectiva pastoral da maioria do episcopado. Em uma declaração conjunta dos arcebispos e bispos participantes da Semana Nacional da Ação Católica, em 1957, lia-se a seguinte recomendação: “evitar e fazer evitar as aparências de compromisso da Igreja com as estruturas capitalistas; evitar, diante do comunismo, uma atitude negativa, de simples anticomunismo, sem combater, também, o materialismo capitalista que trouxe a revolta e, portanto, o comunismo [...]”. [79]

Vivenciando um contexto de desenvolvimentismo econômico e de populismo, situação que teve a cúpula da Igreja brasileira como cooperadora e legitimadora dessa política, o grupo liderado por Plínio acreditava que as transformações que provocariam o desenvolvimento econômico apresentavam grande ameaça ao seu ideal de sociedade, “na qual estavam garantidas as desigualdades ‘naturais’ entre as classes harmonicamente hierarquizadas” (LIMA, 1984, p. 108).

 Abril de 1959 é um ano especial para a compreensão do caminho seguido por Plínio em suas reflexões sobre a história humana e cristã. Nessa data, o jornal Catolicismo publicou, na sua edição de número 100 e em primeira mão, o ensaio de Plínio Corrêa intitulado Revolução e contra-revolução, obra que marcou profundamente a história do pensamento do carismático líder e de seus seguidores. Nessa obra, os membros do grupo do Catolicismo viram reunidos os traços essenciais de seu ideário e uma visão panorâmica do espírito da luta que estavam imbuídos de continuar a combater.

Em julho de 1960, como o fim natural de um caminho e início de uma nova fase de luta, abre-se um novo capítulo da história de Plínio e de seu grupo: é fundada a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP. O crescente número de adeptos das idéias defendidas por Plínio e seus companheiros no Catolicismo por todo o Brasil levaram a possibilidade de instituir uma associação que operacionalizasse de forma mais eficaz a atuação do grupo.

 

4 O IDEÁRIO ULTRAMONTANO DE PLÍNIO CORREA DE OLIVEIRA

 

Todas as coisas criadas seguem uma disciplina harmoniosa;

o universo semelha Deus. Os espíritos perfeitos podem

  perceber nele nítida a perfeição divina,

fim supremo que é a Ordem Universal

Dante, Paraíso, Canto I 

 

Depois de anos à frente do movimento católico brasileiro e cada vez mais imbuído do pensamento ultramontano, Plínio se convencia de que exercia um papel importante na defesa da Igreja de Roma e sua pura doutrina. Desse modo, sistematizou em duas valiosas e representantes obras do ultramontanismo brasileiro os variados aspectos de seu pensamento anterior.

No Em defesa da ação católica procurou demonstrar as influências de um certo modo de ser da Ação Católica que, para ele, não condizia com os documentos pontifícios que versavam sobre o tema e os objetivos originais que a instituição deveria prezar. Plínio, assim, lançou na obra as premissas que deveriam direcionar a Ação Católica e, sobretudo, a diversidade de erros que estavam se infiltrando na organização. Pela sua defesa intransigente dos valores imutáveis do catolicismo, o autor e o jornal Catolicismo viveram inúmeras espécies de conflitos e polêmicas com outros intelectuais católicos que defendiam maior abertura por parte da Igreja frente aos novos desafios colocados pela modernidade ao mundo e a sua pastoral.

Obra de suma importância para se compreender a perspectiva histórica de Plínio, além de outros aspectos de seu pensamento, Revolução e contra-revolução é o escrito fundamental do autor. Nele, o ultramontano coloca a nu o que acredita ser a Revolução multisecular que busca incansavelmente destruir a ordem cristã e sua basilar instituição, a Igreja romana. Além disso, procura apontar caminhos pelos quais o católico contra-revolucionário pode auxiliar na sua extinção e na implantação de uma nova sociedade, marcada por ideais que se assemelham profundamente com os que vigoravam na Idade Média e seu período áureo.

Este capítulo procurou salientar os mais importantes aspectos dessas duas obras, além de propor uma reflexão sobre o pensamento ultramontano de Plínio Corrêa de Oliveira. 

 

4.1. Em Defesa contra o progressismo 

Como esclarecido anteriormente, Plínio Corrêa acreditava que o catolicismo brasileiro, a partir da segunda metade da década de 1930, foi pouco a pouco sendo influenciado por idéias que, para ele, não coincidiam com a sã doutrina e a ortodoxia católica.

Desde 1938, Plínio denunciava por meio das páginas do Legionário elementos que, acreditava, infectavam o catolicismo brasileiro: as idéias de católicos que buscavam empreender um diálogo entre a Igreja e a modernidade. Católicos que ficaram conhecidos como progressistas ou liberais. Da seguinte maneira, em um de seus livros, Plínio versava sobre o progressismo: 

o progressismo – tomado o termo em seu uso corrente – é um movimento religioso. Comporta ele vários matizes, desde os mais iniciais e limitados em sua frente de contestação contra a tradição e estrutura católicas, até os mais arrojados e radicais [...] lembremos que o progressismo visa a realizar na Sociedade espiritual reformas de sentido muito análogas às que o esquerdismo tem por meta na sociedade temporal. Isso explica os pontos de convergência existentes entre progressistas católicos e esquerdistas católicos (OLIVEIRA, 1976, p. 51). 

Desde aqueles anos, Plínio caminhou para a sistematização de suas reflexões sobre o que vinha ocorrendo, resultando, assim, na obra de envergadura Em Defesa da Ação Católica. Este estudo foi publicado em março de 1943 e era prefaciado pelo núncio apostólico brasileiro Dom Bento Aloisi Masella, com o imprimatur do Arcebispo de São Paulo Dom José Gaspar. Em 1949, a edição do livro passou a contar, além das referidas corroborações eclesiásticas, com uma carta da Secretaria de Estado da Santa Sé, assinada pelo futuro papa Paulo VI, Cardeal Montini.[80]

De acordo com Plínio, 

o livro despertou frenética indignação nos círculos em que se incubavam os erros nele denunciados. E causou um generalizado sobressalto na grande maioria sonolenta que pela ingenuidade de uns e pela modorra de outros preferia que tais problemas não viessem à luz do dia, à espera de que eles se resolvessem por si mesmos, nas penumbras das sacristias e nos vastos meandros do movimento católico (OLIVEIRA, 1976, p. 48). 

Na obra Em Defesa da Ação Católica, o autor já esboçava sua percepção marcadamente ultramontana da história da Igreja e da modernidade. Exclamava que, por meio da leitura dos documentos pontifícios de duzentos anos até a publicação do livro, era possível perceber referências constantes de “uma desagregação social catastrófica, que implicaria na desarticulação e destruição de todos os valores de nossa civilização” (OLIVEIRA, 1943, p. 12), ou seja, da cristandade. Plínio cita a Revolução Francesa como “agitação devoradora e progressiva”, momento sobre o qual “Pio XI dizia já ser tempo de se perguntar se esta aflição universal não pressagiava a vinda do Filho da Iniqüidade” (OLIVEIRA, 1943, p. 12).

O líder do Legionário via a instituição da Ação Católica como o “grande remédio” para tantos males do mundo moderno, pois ela apontava para o “único meio de salvação” (OLIVEIRA, 1943, p.13). Entretanto, acreditava que vários “entusiasmos se manifestassem de modo menos equilibrado do que fora de desejar” o que “concorreu para desviar para o campo dos erros já condenados pela encíclica Pascendi e pela encíclica contra o Le Sillon tanto espíritos animados das mais louváveis intenções” (OLIVEIRA, 1943, p. 13). Os erros, de acordo com Plínio, teriam se disseminado por vários campos da Ação Católica: na vida espiritual 

(“a fuga das ocasiões de pecado, a mortificação dos sentidos, o exame de consciência, os Exercícios Espirituais passaram a não ser compreendidos devidamente”); [quanto o apostolado] (“Dir-se-ia que o respeito humano, que nos leva à verdade, a adocicá-la, a fugir de qualquer luta e de qualquer discussão, passou a ser a fonte inspiradora de uma nova estratégia apostólica, a única a ter curso oficial na Ação Católica, formando-se um espírito de concessão ilimitada diante do surto das novas modas e novos costumes”); [quanto à disciplina] (“exageros cuja conseqüência sistemática é o alijamento da influência do Padre na Ação Católica”) (OLIVEIRA, 1943, p. 13). 

Por essa linha de pensamento Plínio desenvolveu toda a obra. O livro foi dividido em cinco partes e buscava refutar os erros que o líder ultramontano acreditava estar se disseminando no interior da instituição. 

Na primeira delas, Plínio discute a natureza jurídica da Ação Católica, ou seja, a que prestava e como se davam as relações das diversas associações católicas atuantes, constatando que a Ação Católica não apresentava mandato especial do papa e que todas as associações não eram essencialmente diferentes entre si e nem estavam desobrigadas da submissão do clero. Na segunda parte, Plínio demonstra que os erros cometidos por alguns elementos da Ação Católica eram erros já condenados como modernistas, erros que resultavam em divisões e “[contrapunham] a Ação Católica à outras organizações católicas anteriores a ela no Brasil” (LIMA, 1984, p. 98). Na terceira parte, dedica-se a analisar os problemas internos da Ação Católica relativos à liturgia, espiritualidade e métodos de apostolado. No quarto momento, aponta para práticas equivocadas de apostolado, que buscavam moldar as verdades católicas e suas condenações frente ao mundo a fim de conquistar mais fiéis e popularidade. Na quinta e última parte, o ultramontano traz várias citações do Novo Testamento, buscando, por meio delas, legitimar e defender suas posições.

               O que é patente na leitura de Em Defesa da Ação Católica é a preocupação constante de Plínio em assegurar a autoridade eclesiástica e a diferença entre hierarquia e laicato. Plínio se preocupa especialmente com as forças que estariam levando a um nivelamento dessas duas esferas, isto é, forças que buscassem democratizar a Igreja. Desse modo, para fundamentar suas argumentações, cita em várias passagens documentos pontifícios de papas marcadamente ultramontanos. 

Passados treze anos da publicação da obra, assim percebia Plínio o impacto do livro: “Desse livro, colhemos frutos tipicamente inacianos: dissabores, inimizades, um prefácio orientador desse grande Núncio, hoje Cardeal Masella, e uma carta de louvor enviada em nome do augusto Pontífice Pio XII”. [81]

O autor escreveu vários artigos referentes às linhas de atuação da Ação Católica antes mesmo da publicação do livro, como atesta Lima (LIMA, 1984, p. 90). Num deles, defendia uma acurada seleção dos participantes do movimento. Acreditava que a Ação Católica deveria ser “uma arregimentação de católicos de escolta em cujas fileiras não se encontrem senão elementos cuidadosamente selecionados”. A preocupação da seleção dos membros das associações católicas baseava-se no medo de que elas fossem permeadas por idéias políticas que não condissessem com a doutrina católica em sua plena ortodoxia. A pureza das idéias que circulavam pelo movimento e a formação dos leigos participantes eram as preocupações mais caras do líder do grupo do Legionário.

            Plínio Corrêa pregava que a atuação da Ação Católica deveria estar em harmonia com as outras associações católicas, indo de encontro às vozes que acreditavam que ela tinha um papel diferente daquelas. Assim dizia: “faz parte desse messianismo a afirmação mais ou menos velada de que o espírito que as Congregações Marianas devem em tese ministrar a seus filiados é um espírito incompatível com o que deve ter um membro da Ação Católica. Há nisto um erro” (LIMA, 1984, p. 93). Pensando essa conjuntura, Beozzo defende que “a Ação Católica veiculava o mais das vezes uma nova espiritualidade, um novo espírito litúrgico, uma militância que provocava retraimento e críticas dos grupos mais tradicionais” (BEOZZO, apud. FAUSTO, 1984, p. 325).

            Outro ponto que Plínio relutava no movimento era o que dizia respeito ao apostolado de infiltração, ou seja, como o católico deveria viver sua fé no mundo. O ultramontano defendia que o verdadeiro católico necessitaria de acentuar sua ruptura com as idéias modernas. Desse modo, o paradigma de apostolado proclamado pelo líder era o praticado anteriormente por Jackson de Figueiredo, apostolado marcado pela reação: “reação contra a democracia liberal, reação contra o indiferentismo religioso, reação contra o catolicismo desfibrado, nominal, não-doutrinal dos brasileiros, a que Julio Maria e Dom Sebastião Leme fizeram críticas severas” (NOGUEIRA, 1976, p. 2).

Plínio também criticava a tendência que, segundo ele, buscava diminuir o papel desempenhado pelos sacerdotes na Ação Católica. Assim assegurava:

 

no entanto, quem ousaria negar esse espírito hoje morto na maior parte das irmandades renasce em certas concepções acerca da situação do assistente eclesiástico na Ação Católica? Alguns entendem que o assistente tem apenas um direito de veto puramente doutrinário. Caso nada se diga ou se resolva contra a doutrina católica seu papel é calar-se respeitosamente. Outros lhe concedem o direito de voto também nas outras questões. Mas um simples voto individual, que pode ser derrotado pela maioria. São os mais generosos, os mais indulgentes, em uma palavra os mais clericais [...] (LIMA, 1984, p. 94).

           

            Nessa passagem, é possível visualizar a preocupação que permeia todo o pensamento ultramontano e, conseqüentemente, a obra Em Defesa da Ação Católica: a autoridade instituída, principalmente a autoridade eclesiástica.

            Plínio deplorava constantemente a tolerância para com os inimigos do catolicismo, atitude vinda de círculos que acreditava representarem a “ressurreição do liberalismo religioso atrás do qual se escondia o ‘espírito maçônico’, liberal e ‘bonacheirão’ que pretendia” ‘apossar-se da direção do movimento católico’” (LIMA, 1984, p. 94).

Em vários artigos posteriores, Plínio discutia a questão da tolerância. Num deles exclamava: “só há tolerância na anomalia, e proclamar a necessidade de muita tolerância é afirmar a existência de muita anomalia”. [82] Em referência aos católicos que pregavam a tolerância dizia: “Em linhas gerais, é este o católico da ‘terceira força’ [...] quando trata com os que professam doutrinas velada ou abertamente erradas, os católicos da ‘terceira força’ são ‘moderantistas’. Mas sempre que se defrontam com os que lutam pela pureza absoluta da doutrina ele ataca...”. [83] Afirmava, ainda, fazendo alusões a condenações de intelectuais católicos pelo Santo Ofício, que “sempre que se trata de afastar alguém de um cargo ou situação em que sua influência poderia ser perigosa, o moderantismo está em desacordo. É que seria faltar com a caridade [...]”. [84] O líder ultramontano percebia esses católicos como vítimas da idéia de moderação que, segundo ele se alastrava pelo Ocidente moderno: 

É a era dos moderados, isto é, dos jornalistas que prognosticam a próxima solução de todos os problemas, dos pensadores sorridentes que amortecem com dextreza (sic) as polemicas encontrando ‘meios termos’ hábeis entre as opiniões extremadas [...]. [Da seguinte forma via o mal da tolerância e da moderação:]O que o hipermoderantismo tem de característico, é que leva praticamente a uma posição de ‘terceira força’ entre a verdade e o erro, o bem e o mal. Se num extremo está a Cidade de Deus, cujos filhos procuram difundir por todas as formas o bem e a verdade, se no outro extremo está a Cidade do Demônio, cujos soldados procuram difundir o erro e o mal sob todas as suas formas, é claro que a luta entre estas duas Cidades é inevitável. Pois duas forças agindo num mesmo campo em sentidos opostos têm de se combater necessariamente. De onde não pode haver uma difusão da verdade e do bem que não implique num combate ao erro e ao mal, e ainda aos fautores do erro e do mal. [85]           

Plínio também caracterizou essa onda moderantista com o termo heresia branca. Esta seria “uma atitude sentimental que se manifesta sobretudo em  certo tipo de piedade adocicada e uma posição doutrinal relativista que procurava justificar-se sob o pretexto de uma pretensa ‘caridade’ para com o próximo” (MATTEI, 1997, p. 135).

Como presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo, Plínio afirmava que a orientação correta dada ao movimento era a que provinha de sua Junta, citando para legitimar suas afirmações, textos recheados de afirmações ultramontanas de Pio XII, o apoio do Arcebispo de São Paulo e do assistente geral da Ação Católica D. Antonio de Castro Mayer. Desse modo, Plínio “não hesitava em condenar os ‘católicos mornos’ que se irritavam com o ‘radicalismo na verdade’ do Legionário” (LIMA, 1984, p. 96). Mas do que Plínio queria defender a Ação Católica? Contra quais forças e idéias ele levantava muralhas e construía trincheiras?

Várias disputas ocorreram no interior da Ação Católica Brasileira na sua primeira década de vida. Plínio, de um lado, apontava uma orientação para o movimento marcado pelo pensamento ultramontano e, como figura de destaque do laicato paulista, buscava a toda força que sua orientação fosse hegemônica nacionalmente. Do outro lado estava Alceu Amoroso Lima, ou Tristão de Ataíde (pseudônimo de crítico literário). Líder nacional da Ação Católica e ligado ao pensamento neotomista de Jacques Maritain, Alceu também buscava imprimir suas idéias e orientações no movimento. Souza atesta que 

de um lado era o esforço para entender o mundo contemporâneo, repensar o problema da liberdade, da democracia e da participação social e de outro a atitude de rejeição a tudo o que era moderno e considerado anticristão. [...] [do outro, o modelo da] velha cristandade medieval, sobre o qual [Plínio] Corrêa de Oliveira ensinava na Universidade. Frente a ela, Maritain, em seu livro Humanismo Integral, de 1936, falava da Nova Cristandade, numa sociedade pluralista. O conflito ideológico era profundo e irreconciliável (SOUZA, apud SCHÜHLY e KÖNIG, 1984, p. 1.984). 

A publicação de Em Defesa da Ação Católica, desse modo, demonstrava o ponto a que haviam chegado as divisões no meio católico referentes às novas idéias de apostolado e atuação, defendidas por Alceu de Amoroso Lima, e que vieram estampadas principalmente na obra de 1938 Elementos de Ação Católica (LIMA, 1938).  Não só Plínio e o Legionário levantavam-se barreiras contra as idéias de Maritain. Outros intelectuais publicavam artigos contra elas em variadas revistas católicas: Osório Lopes (A União), Antônio Guedes de Holanda (A Cruz), Mesquita Pimentel (Vozes de Petrópolis), Pe Antonio Fernandes (Fronteiras). Mas a principal figura de reação antimaritainista no Brasil vinha do Rio de Janeiro na figura do padre jesuíta Arlindo Vieira [86] (OLIVEIRA, 1976, p. 45).

A grande ponta de lança que fez Plínio escrever a obra e caminhar deliberadamente contra qualquer idéia que por ventura pudesse colocar a autoridade da Igreja e a desestabilização da ordem em xeque foi a chegada ao País das idéias que conquistaram muitos intelectuais e clérigos: as reflexões do francês Jacques Maritain, que eram vistas pelo ultramontano paulista como o início da infiltração esquerdista na Igreja.

Plínio defendia a idéia de que a Igreja no Brasil, até 1948, teria sido inspirada pelo seguinte princípio: o comunismo como adversário da Igreja e também como o maior inimigo de todas as nações. Após esse ano, a Igreja brasileira, que, como visto, já sofria as influências maritainistas desde o final dos anos 1930, teria sofrido, de acordo com o líder ultramontano, o influxo da manobra da politique de la main tendue, como todo o Ocidente. Assim ele analisou: 

O filósofo neo-escolástico Jacques Maritain, então no auge de sua influência, apoia na França a “politique de la main tendue”. Esse gesto teria inevitável repercussão nos pequenos grupos de intelectuais e homens de ação aninhados nos “Centros Dom Vital”, os quais existiam então nas mais importantes cidades do Brasil. Sob a influência de Tristão de Athayde, presidente do Centro Dom Vital do Rio de Janeiro, se constituiria aos poucos em todo o Brasil, freqüentemente com apoio em Centros Dom Vital de outras cidades, uma agitada corrente de maritainistas. Todos ou quase todos curvaram disciplinadamente a cabeça e aderiram à “politique de la main tendue” quando começou a ser preconizada como novo oráculo, pelo intelectual francês. Contudo, muitos outros católicos previdentes, também intelectuais e homens de ação, dentro e fora dos Centros Dom Vital, nas Congregações Marianas e em outras organizações católicas, discordaram. Começou então nas revistas e jornais católicos uma ardorosa e inevitável polêmica que se alastraria rapidamente para temas filosóficos e teológicos mais conexos ou menos, em que também se dividiam maritainistas e não mairitainistas (OLIVEIRA, 1976, p. 44). 

É certo que “a partir dos anos 50 a Igreja Católica no Brasil muda sua ‘estratégia de influencia’ [...] Esta mudança significaria, a médio prazo [...] ir ao encontro das aspirações populares [...] fechando-se desse modo o ciclo meramente defensivo ou de ofensiva puramente verbal” (PIERUCCI, 1984, p. 355). Plínio via essa nova orientação, principalmente depois de 1952 com a fundação da CNBB, “uma omissão completa, ou quase completa, ante a maré montante do esquerdismo-progressismo. E pelo favorecimento implícito ou explícito do prestígio pessoal e do programa de ação dos corifeus da corrente católica inovadora, cada vez mais em ascensão”. Acreditava como conseqüência dessa nova tendência a agonização que se apossou em todo o país das “imensas organizações católicas fundadas e recrutadas sob o signo da ortodoxia (e portanto do anticomunismo militante e do antiprogressimo potencial) das eras antigas” (OLIVEIRA, 1976, p. 52).

Antes mesmo de 1948, Plínio e seu séquito já haviam se envolvido com discussões polêmicas em torno das idéias de Maritain. Em outubro de 1943, iniciou-se uma polêmica com o grupo do jornal O Diário de Belo Horizonte em referência à obra do francês Os direitos do homem e a lei natural. Segundo Lima (1984), Alceu Amoroso foi um dos que neste caso assumiram a defesa de Maritain dos ataques dos ultramontanos do Legionário.

As polêmicas acaloradas em torno do maritainismo arrastaram-se por décadas. Muito se escreveu e se discutiu acerca das idéias do filósofo francês e seu liberalismo em âmbito não só teológico. Plínio via em Maritain e em seu tradutor e defensor brasileiro, Amoroso Lima, uma busca incessante para fazer a Igreja entrar em dialogo com a modernidade, aceitando algumas de suas premissas.

 Em abril de 1951, Tristão de Ataíde publicou um artigo no Diário chamando a atenção para um texto que atacava as idéias de Maritain: “[a] ‘Revista Eclesiástica Brasileira’, tão respeitável e útil em si mesma, mas tão unilateral em suas posições filosófico-politicas, acaba de publicar mais um bestialógico contra os ‘maritaineanos’ [...]”. [87] Tristão de Ataíde se esquiva ao debate com José Azeredo Santos, um dos homens próximos de Plínio Corrêa, autor do bestialógico artigo [88] que versava sobre algumas divergências sobre as idéias de Maritain, e passa a resumir um capítulo da nova obra do francês, O homem e o Estado. Em maio de 1951, assim se refere Santos ao texto de Ataíde: 

antecipadas bordoadas àqueles que ousarem discordar do ‘mestre’ [...] Devem, portanto, Alceu de Amoroso Lima e demais maritainistas deste e do velho continente renunciar ao recurso de injuriar seus adversários no campo das idéias. Tanto mais que a terminologia usada por eles é rigorosamente a mesma usada pelos inimigos da Igreja. Reacionários, fanáticos, fixistas, agentes do Santo Ofício, clericais e ultramontanos, são opodos (sic) comuns que nos dirigem tanto os maritainistas quanto os livres pensadores tipo-1870 [...] Indo adiante em seu desespero ao verificar os entraves que a Igreja lhes oferece, dirigem também suas baterias contra os ultramontanos, isto é, contra os que procuram ser fiéis e leais servidores do Papa. Que maior titulo de glória pode ter o católico do que ser ultramontano, isto é, estar com o Santo Padre em todos os terrenos? (Grifo do autor da dissertação). [89] 

Acredita-se que a obra de Maritain que causou o primeiro impacto sobre o catolicismo brasileiro foi o Humanismo integral. Esta obra, que foi publicada em 1936, 

significava ousadia, vanguardismo, o que tínhamos de mais avançado no mundo católico [...]. [De acordo com Villaça a obra de Maritain] teve enorme repercussão no pensamento católico do Brasil. Foi um impacto. Foi um divisor de águas. Separou fundamente. Suscitou divergências terríveis. A partir daí, o pensamento católico brasileiro se diversifica: os maritainianos e os antimaritainianos (VILLAÇA, 1975, p. 14). 

As idéias de Maritain chegaram ao País via Alceu Amoroso Lima. Convertido ao catolicismo em 1928 e discípulo de Jackson de Figueiredo, com o qual correspondeu por anos, Alceu foi um dos principais líderes do laicato católico nas décadas de 1930 e 1940. Villaça (1975, p. 13) aponta para o fato de que “se Jackson marcou profundamente a alma de Alceu, não lhe mudou a tendência liberal, que permaneceu intacta”.

Pode-se perceber, ao manusear algumas edições do final dos anos 1920 da revista A Ordem, que Alceu e Plínio estavam lado a lado, se não pelas semelhanças das idéias, pelo menos, escrevendo para uma mesma revista, que tinha por sua vez uma linha de atuação marcada pelo ultramontanismo jacksoniano. Entretanto, com a influência de Maritain cada vez mais clara e forte no líder nacional da Ação Católica, Alceu e seus seguidores se tornaram alvos fáceis e constantes dos ultramontanos, especialmente de Plínio e de seus amigos. [90]

Em Humanismo integral, Maritain lançou as bases teóricas do que denominou a Nova Cristandade. O intelectual francês buscou na parte central de seu livro levantar as premissas do ideal histórico dessa nova cristandade. Tentando construir uma ponte entre o catolicismo e o mundo moderno, designava a nova cristandade como “um regime temporal ou uma era de civilização cuja forma animadora seria cristã e corresponderia ao clima histórico dos tempos em que entramos” (MARITAIN, 1942, p. 128). Assim, Maritain (1942, p. 135) ao mesmo tempo perguntava e respondia: esta cristandade nova deveria 

nas condições da era histórica em que entramos, encarnando os mesmos princípios [...], ser concebida segundo um tipo essencialmente [...] distinto daquele do mundo medieval? Respondemos afirmativamente[...]. [Maritain defendia que] [...] o ideal histórico de uma nova cristandade, de um novo regime temporal cristão, fundando-se nos mesmos princípios [...] que o da cristandade medieval, comportaria uma concepção profana cristã e não sacral cristão do temporal [e] [...] em lugar do predomínio da marcha para a unidade, que nos pareceu tão típica para a idade média [...] ter-se-ia uma volta a uma estrutura organica que implique certo pluralismo, uma cidade pluralista, que reúne em sua unidade organica uma diversidade de grupos e de estruturas sociais que encarnam liberdades positivas (MARITAIN, 1942, p. 156). 

Fica claro nessas palavras que Jacques Maritain defendia uma sociedade cristã democrática, assumindo assim posições políticas modernas, principalmente um certo pluralismo de princípio, o que era inviável e extremamente condenável para um católico, de acordo as idéias ultramontanas de Plínio Corrêa.

Da seguinte forma Plínio pensava a questão: 

Tudo quanto nela [idade média] foi inspiração dos princípios católicos, devemos desejar vê-lo revigorado no mundo inteiro. Mas o que foi circunstancial pode mudar. Como distinguir o essencial do circunstancial? [...] deve fazer-se com muita prudência, muito tacto, muito amor à Igreja. E muita desconfiança de que nos influenciem os erros tão pertinazes, tão aliciantes, de nosso século. [...] A Igreja ensina ser obrigação do Estado professar a Religião Católica oficialmente, e organizar-se segundo os ditames do Evangelho. Na Idade Média, os Estados Cristãos cumpriram este dever. O mesmo ideal continua a ser o de todos os católicos... não maritainizados [grifo do autor da dissertação][...] Mas isto não quer dizer que muitos dos pormenores concretos dessa união – estilos e protocolos, por exemplo – não mudem conforme os tempos e lugares [...] Se pois os católicos podem e devem inspirar-se no passado, é para imita-lo, e não para o copiar servilmente [...] A própria Idade Média tomou inspiração em épocas e culturas anteriores [...] o que significa que tomou elementos culturais contingentes, para fazer sua grande obra. De onde decorre que, embora ela tenho sido uma cultura católica, outras culturas católicas são possíveis, igualmente fiéis ao espírito da Igreja, mas alimentadas de seivas diferentes. [91] 

Fica claro que Plínio tinha, como todo ultramontano, a Idade Média como paradigma de ideal católico, percebendo que, mesmo mudando os tempos, os católicos deveriam lutar por aquele ideal de Estado, no qual o poder político estaria ligado ao religioso e não fosse possível qualquer tipo de convivência entre diferentes. Dessa forma, sua visão de reino social de Cristo não aceitava os postulados maritainianos, mas, sim, a vinculava ao modelo medieval, que não deveria ser copiado mas imitado, além de servir como inspiração pra ela. Exclama: 

Esta é a nossa finalidade, o nosso grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo moderno, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Avançamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a decisão de enfrentar e vencer a todos os obstáculos com os quais marcharam rumo a Jerusalém. [92] 

Desde o inicio de sua atuação nos meios católicos, Plínio foi se apegando cada vez mais aos ideais da Igreja ultramontana e, conseqüentemente, organizando suas idéias seguindo aquele paradigma. Desse modo, percebendo a história moderna como uma grande apostasia e seus porta-vozes como organizadores da luta contra as hostes católicas, Plínio buscava desenvolver sua própria compreensão frente aos fatos. Compreensão que levou a esperança de que, da revolução dos ímpios e da marca contra-revolucionária dos católicos nasceria sobre os escombros do mundo moderno o Reino de Maria.

                

4.2. Revolução e Contra-revolução – apontamentos ultramontanos 

Livro de cabeceira dos que seguiram Plínio Corrêa de Oliveira após a década de 1950, Revolução e Contra-Revolução foi a obra que condensou o pensamento político, histórico, sociológico, religioso e no qual foram traçadas as linhas principais da reflexão do ultramontano paulista.

Revolução e Contra-revolução foi publicado a primeira vez no número 100 do jornal Catolicismo, em 1959. A partir daí sucederam-se várias edições não só em português.[93] O texto original dividia-se em duas partes: uma que versava sobre a Revolução e a outra sobre a Contra-revolução. Entretanto, nos fins de 1976, editores da terceira edição italiana pediram ao autor uma resenha e uma análise dos acontecimentos relacionada com as teses do livro desde sua primeira publicação. O que “pretendia ser apenas um prólogo à nova edição italiana, na realidade tomou proporções de uma verdadeira Parte III. Por vontade do Autor (sic), essa Parte III foi encaixada no corpo do livro, depois da Parte II e antes da Conclusão”. [94]

Plínio buscou na obra esclarecer qual é o verdadeiro inimigo da Igreja de Roma e como o católico deveria reagir frente a ele. O ultramontano concluiu que o inimigo é a Revolução. Com ela identificava todos os movimentos centrais que marcaram a idade moderna. A Revolução, explosão de orgulho e sensualidade, desencadeou diversos sistemas ideológicos: especificamente o liberalismo e o socialismo.  Plínio entendia que as crises que perpassavam a contemporaneidade eram resultantes desse processo revolucionário. Tal processo é para ele “o desenvolvimento, por etapas, de certas tendências desregradas do homem ocidental e cristão, e dos erros delas nascidos”. Entretanto, afirma que todas as crises espelham os variados aspectos de uma mesma crise. Esta se caracteriza, para o autor, pela sua universalidade, unicidade, totalidade, dominância e processividade (OLIVEIRA, 1998, p. 23). Por meio da leitura da obra é possível afirmar que esta crise central é identificada com o fim da cristandade e a emergência dos valores modernos, processo histórico que nomeia como Revolução. Assim esclarece resumidamente seus aspectos: 

o orgulho leva ao ódio a toda superioridade,e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. È o aspecto igualitário da Revolução. A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da revolução (OLIVEIRA, 1998, p. 13). 

De acordo com o líder paulista, é possível 

observar na Europa no século XVI uma transformação na mentalidade, no qual os apetites dos prazeres terrenos se vai transformando em ânsia”. [Esta transformação seria oriunda da Reforma (que chama de Pseudo-Reforma) e da Renascença. O movimento da Renascença e da Reforma] “já eram os legítimos precursores do homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da cultura e da civilização materialistas em que cada vez mais vamos emergindo”. [Tanto um movimento quanto o outro eram, considerados por Plínio, como filhos do] “orgulho e da sensualidade”. [O protestantismo, em especial, teria dado origem] “ao espírito de dúvida, ao livre exame, à interpretação naturalista da Escritura (OLIVEIRA, 1998, p. 13). 

Num de seus artigos, afirmou o seguinte sobre o protestantismo: 

a obra do orgulho e da revolta: nivelou todas as seitas, afirmando o livre exame, negaram o Magistério da Igreja, fazendo de cada homem o Papa de si mesmo. Por suas concepções sobre a Missa e o Sacerdócio, reduziram o clérigo a um mero delegado dos fiéis, e fizeram de cada fiel o seu próprio sacerdote. [95]  

Sobre a Renascença, intuiu o deslocamento das preocupações humanas: “a Renascença desencadeou na Europa uma sede de diversões, de opulência, de prazeres sensuais, que impeliu fortemente os espíritos a subestimar as coisas do Céu, para se ocupar muito mais com as da terra”. [96]

Em relação à Revolução Francesa, outro movimento considerado por Plínio como desagregador da ordem e fruto da mentalidade que surgiu no século XVI, exclama: 

profundamente a fim com o protestantismo, herdeiro dele e do neopaganismo renascentista, a Revolução Francesa realizou uma obra de todo em todo simétrica à da Pseudo-Reforma. A Igreja Constitucional que ela, antes de naufragar no deísmo e no ateísmo, tentou fundar, era uma adaptação da Igreja da França ao espírito do protestantismo. E a obra política da Revolução Francesa não foi senão a transposição, para o âmbito do Estado, da “reforma” que as seitas protestantes mais radicais adotaram em matéria de organização eclesiástica: revolta contra o Rei, simétrica à revolta contra o Papa; revolta da plebe contra os nobres, simétrica à revolta da “plebe” eclesiástica, isto é, dos “fiéis”, contra a “aristocracia” da Igreja, isto é, o Clero; afirmação da soberania popular, simétrica ao governo de certas seitas, em medida maior ou menor, pelos fiéis (OLIVEIRA, 1998, p. 29). 

Seguindo a linha de pensamento, o comunismo seria a última etapa do processo revolucionário, no qual seriam transpostas as máximas centrais da Revolução (espírito de dúvida, liberalismo religioso, igualitarismo eclesiástico) para o campo social e econômico. Sobre este, Plínio afirma: 

é a negação completa. Materialista, nega ele toda Religião. Igualitário, nega todos os princípios da verdadeira ordem social. Contrário  família, nega toda a ordem natural concernente à perpetuação da espécie. Contrário aà propriedade individual, subverte e seus próprios fundamentos toda a economia reta e sadia. Amoral por essência, por princípio, por definição, nega ele toda possibilidade de um convívio humano suportável [...] Sanguinário, nega o direito à integridade física e à vida, de quem quer que se oponha a seus desígnios. [97] 

O autor afirma que “estas três revoluções são episódios de uma só Revolução, dentro do qual o socialismo, o liturgismo, a ‘politique de la main tendue’, etc., são etapas de transição ou manifestações atenuadas”. [98]

Desse modo, percebe-se que Plínio vê uma conexão profunda entre os movimentos que nasceram no século XV e XVI com os movimentos políticos do século XVIII, XIX e XX. Para ele, todos resultantes de uma mesma matriz maligna que buscava subtrair da sociedade os valores cristãos, os únicos verdadeiros e legítimos, e o poder ordinário da Igreja.

Plínio acredita, portanto, que o processo revolucionário se metamorfoseia e suas forças são desprendidas ou recuadas de acordo com as situações e táticas exigidas para o momento. Assim sendo, ele afirma que a Revolução segue três etapas de ação, que se interpenetram: agindo primeiramente nas tendências, depois nas idéias e, por fim, nos fatos. Aponta que nas 

tendências desordenadas [...] já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto [...] nas idéias. [Deste ponto a crise passaria para o terreno ideológico. Com efeito], inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem [...] procuram por vezes, de início, um modus vivendi com as antigas, e se exprimem de maneia a manter com estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper em luta declarada. [A transformação nas idéias, assim, estende-se aos fatos], onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera religiosa quanto na sociedade temporal (OLIVEIRA, 1998, p. 40). [99] 

O ponto que Plínio inova e agrega em relação a seus pares ultramontanos do século XIX, que procuraram demonstrar a lógica e o encadeamento dos erros da Revolução, foi o de esforçar-se em levar em conta os aspectos passionais do fenômeno (MATTEI, 1997, p. 174). O autor acredita que a abordagem, nesse sentido, dos ultramontanos oitocentistas, foi limitada, o que levou a uma visão incompleta da Revolução e, conseqüentemente, acarretou “a adoção de métodos contra-revolucionários inadequados” (MATTEI, 1997, p. 94).

Para chegar aos aspectos passionais, Plínio utiliza a noção de pecado original e defende a idéia de ele ser a origem pela qual a modernidade e seus valores, que denomina Revolução, nascem. Assim, o mal que espelha a Revolução e que busca destruir a cristandade tem sua origem na alma humana, tratando-se inicialmente de uma manifestação do pecado. Ele afirma que a Revolução “induz seus filhos a subestimarem ou negarem as noções de bem e de mal, de pecado original e Redenção” (MATTEI, 1997, p. 83), negando, assim, toda uma ordem na qual essas noções estavam postas indiscutivelmente em todas as esferas. Para Plínio “[...] esta ordem de coisas representava um pleno [...] aproveitamento de todos os recursos do Estado para promover a glória de Deus: luta contra os hereges e infiéis, repressão dos crimes, propagação da Fé, estímulo à virtude com toda a força da lei”. [100]

O que tem sido destruído pela Revolução é 

a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se quer implantar é, per diametrum, o contrário disto. Portanto, a Revolução por excelência [...] por seu radicalismo, por sua universalidade, por sua pujança, foi tão fundo e está chegando tão longe, que constitui algo de ímpar na História, e faz perguntar a muitos espíritos ponderados se realmente não chegamos aos tempos do Anticristo (OLIVEIRA, 1998, p. 57). 

O ultramontano pensa a alma humana como um campo de batalha no qual o bem e o mal lutariam entre si. Em conseqüência do pecado original, todo homem teria inclinações profundamente desordenadas que o levariam a pecar. Atos pecaminosos reforçados muitas vezes pela ação do demônio. Para os atos de bondade o homem contaria com a graça divina. Entre estes dois pólos estaria o livre arbítrio humano. Da seguinte forma Plínio ensina como se sucede esta luta: 

como se trava esta luta? Por meio de uma intransigência absoluta com tudo quanto possa direta ou indireta, clara ou veladamente conduzir ao mal [...] O homem deve neste estado de desolação redobrar de vigilância contra o demônio e a carne [...] Ora, sempre que uma concessão alimente o desregramento das paixões, sempre que um sorriso pareça um recuo diante do espírito de revolta que com isso se torna mais insolente, sempre que um gesto de fraqueza possa dar ao erro, ao vício ou ao crime a impressão de que está autorizado a expandir-se, é preciso recusar este sorriso, evitar esse gesto, negar essa concessão. Mais: é preciso substituir o sorriso pelo semblante sombrio e carregado, substituir a concessão por uma ameaça, e impedir o mal com todos os recursos de que se possa dispor [...] é preciso lutar, e lutar até o fim. [101] 

Plínio identifica o revolucionário (entendendo aqui o revolucionário como os sujeitos históricos que participaram de movimentos modernos) com o próprio demônio: 

O espírito revolucionário é o próprio espírito do demônio, e seria impossível, para uma pessoa de fé, não reconhecer a parte que o demônio tem no aparecimento e na propagação dos erros da revolução, desde a catástrofe religiosa do século XVI até a catástrofe política do século XVIII e tudo quanto a esta se seguiu. [102] 

 Contudo, Plínio não crê que 

o mero dinamismo das paixões e dos erros dos homens possa conjugar meios tão diversos, para a consecução de um único fim, isto é, a vitória da Revolução. Produzir um processo tão coerente, tão contínuo, como o da Revolução [...] parece impossível sem a ação de gerações sucessivas de conspiradores (OLIVEIRA, 1998, p. 53), 

reunidos em seitas e principalmente na seita-mestra, a Maçonaria.

Do mesmo modo que polariza as forças do bem e do mal no campo de batalha da alma, também o faz com as duas concepções ideais de sociedade que constrói, não deixando, assim, menor espaço de confluência entre elas, 

de um lado a civilização cristã, construída pela Igreja sobre a grande base das virtudes de Fé, Castidade, Disciplina e Heroísmo que os missionários da Alta Idade Média implantaram na alma rude dos bárbaros, e, do outro lado, o mundo céptico, sensual, egoísta e revoltado, que nasceu da heresia de Luthero, se afirmou com a Revolução Francesa, e procura hoje alcançar com o triunfo do comunismo a realização de uma ordem de coisas plenamente conforme às suas mais fundamentais disposições de alma. [103] 

Dessa forma, Plínio não vê nenhuma possibilidade de ocorrer um diálogo entre a Revolução (valores modernos) e a Igreja, pois a última representa ainda um dos resquícios da única ordem legítima, a cristandade, “realização, nas circunstâncias inerentes aos tempos e lugares, da única ordem verdadeira entre os homens” (OLIVEIRA, 1998, p. 56). Por outro lado, e na contramão do desregramento que é a modernidade, procura desenvolver linhas de atuação contra-revolucionárias para os católicos. Linhas que derrotem a Revolução e colaborem para a construção de uma sociedade genuinamente cristã, como foi outrora a cristandade medieval. Como ele mesmo clama, o católico deve 

resistir inteiramente a este ambiente cuja ação ideológica nos penetra até por osmose e como que pela pele, é obra de alta e árdua virtude”. [Além disso[ “o católico deve aspirar uma civilisação (sic) católica como o homem encarcerado num subterrâneo deseja o ar livre, e o pássaro aprisionado anseia por recuperar os espaços infinitos do Céu. [104] 

Plínio pensa a modernidade como um processo revolucionário contínuo que visa destruir a ordem cristã e sua grande base, a Igreja romana: “o grande alvo da Revolução é, pois, a Igreja, Corpo Místico de Cristo, Mestra infalível da verdade, tutora da Lei natural e, assim, fundamento último da própria ordem temporal” (OLIVEIRA, 1998, p. 135). Em um artigo do Catolicismo brada: 

Capitães, potentados, navegadores, mercadores, isto é, os homens-chave de seu século, movidos todos pela impiedade, pela ganância, pela sede de honrarias, depravados por vícios graves, constituem com as massas que os seguem – salvas as exceções [...] – uma multidão de ébrios, bandidos e réprobos que pelas vastidões das terras e dos mares se unem para combater a Igreja”. [105] 

Desse modo, entende que ela e sua doutrina trazem os fundamentos principais da Contra-revolução.

            A Contra-revolução é uma reação contra os valores propagados pela Revolução e está para ela “como, por exemplo, a Contra-Reforma está para a Pseudo-Reforma” (OLIVEIRA, 1998, p. 91). Assim entende a Contra-revolução: “Se a Revolução é a desordem, a Contra-Revolução é a restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, antigualitária e antiliberal”. (OLIVEIRA, 1998, p. 93). Contudo, Plínio não acredita que a ordem nascida da Contra-revolução (que para ele é invencível) [106] seja a mesma ordem existente antes da Revolução, pois “por força da lei histórica [...] o imobilismo não existe nas coisas terrenas” (OLIVEIRA, 1998, p. 93). O autor levanta três pontos pelos quais esta sociedade idealizada por ele deverá se basear: 

Um profundo respeito dos direitos da Igreja e do Papado e uma sacralização, em toda extensão do possível, dos valores da vida temporal, tudo por oposição ao laicismo, ao interconfessionalismo, ao ateísmo e ao panteísmo, bem como a suas respectivas seqüelas; um espírito de hierarquia marcando todos os aspectos da sociedade e do Estado, da cultura e da vida, por oposição à metafísica igualitária da Revolução; uma diligência no detectar e no combater o mal em suas formas embrionárias ou veladas, em fulminá-lo com execração e nota de infâmia, e em puni-lo com inquebrantável firmeza em todas as suas manifestações, e particularmente nas que atentarem contra a ortodoxia e pureza dos costumes, tudo por oposição à metafísica liberal da Revolução e à tendência desta a dar livre curso e proteção ao mal (OLIVEIRA, 1998, p. 94). 

Para defender seu ponto de vista, Plínio levanta a seguinte premissa: 

Se Jesus Cristo é o verdadeiro ideal de perfeição de todos os homens, uma sociedade que aplique todas as Suas leis tem de ser uma sociedade perfeita [ e cita o Papa Pio X] ‘Não há verdadeira civilisação (sic) sem civilisação moral, e não há verdadeira civilisação moral se não com a Religião Verdadeira’. [107] 

Se essa sociedade idealizada por Plínio não apresenta as mesmas características da cristandade medieval, pelo menos parte de seus princípios fundamentais. Principalmente aquele que coloca a Igreja como detentora de um poder jurídico especial e altamente atuante no combate ao mal, isto é, ao erro ou à heresia.

Para o ultramontano, a Igreja é a maior força contra-revolucionária existente, pois sua “verdadeira força [...] está em ser o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo”. (OLIVEIRA, 1998, p. 197). Sobre a relação entre a Contra-revolução e a Igreja comenta: “a Contra-revolução não é destinada a salvar a Esposa de Cristo. Apoiada na promessa de seu Fundador, não precisa Esta dos homens para sobreviver. Pelo contrário, a Igreja é que dá vida à Contra-Revolução, que, sem ela, nem seria exeqüível, nem sequer concebível” (OLIVEIRA, 1998, p. 137). É possível perceber que Plínio se recusa a compreender a Igreja além de seus aspectos sobrenaturais, ou seja, também como uma instituição histórica, limitada a um determinado tempo e, por isso, influenciada por diferentes forças.

Plínio demarca fortemente as diferenças da Revolução e da Contra-revolução. De acordo com ele o contra-revolucionário é aquele indivíduo que 

conhece a Revolução, a ordem e a Contra-revolução em seu espírito, suas doutrinas, seus métodos respectivos; ama a Contra-Revolução e a ordem cristã, odeia a Revolução e a ‘anti-ordem’; faz desse amor e desse ódio o eixo em torno do qual gravitam todos os seus ideais, preferências e atividades (OLIVEIRA, 1998, p. 99). 

Dessa forma, o autor acredita que o contra-revolucionário é um sujeito que faz de sua vida uma ação constante contra os males da Revolução. Sobre a possível neutralidade frente os dois movimentos comenta: “Em face da Revolução e da Contra-Revolução não há neutros. Pode haver, isto sim, não combatentes, cuja vontade ou cujas veleidades estão, porém, conscientemente ou não, em um dos dois campos” (OLIVEIRA, 1998, p. 103).

Se um dos erros da Revolução é o de buscar estabelecer a igualdade entre os homens, um dos objetivos da Contra-revolução seria o de “ensinar o amor à desigualdade vista do plano metafísico, ao princípio de autoridade, e também à Lei Moral e à pureza; porque exatamente o orgulho, a revolta e a impureza são os fatores que mais impulsionaram os homens na senda da Revolução” (OLIVEIRA, 1998, p. 121).

Plínio vislumbra a certeza da vitória contra-revolucionária no fato ocorrido em maio de 1917 com a sugerida aparição de Nossa Senhora, na cidade de Fátima, Portugal. Este evento é entendido por Plínio como o mais importante do século XX e um forte sinal dos tempos, o que resultou num papel especial de Maria no pensamento do leigo ultramontano. Assim propõe: 

Filhos da Igreja, lutadores nas lides da Contra-Revolução, natural é que, ao cabo deste trabalho, o consagremos filialmente a Nossa Senhora. A primeira, a grande, a eterna revolucionária, inspiradora e fautora suprema desta Revolução, como das que a precederam e lhe sucederam, é a Serpente, cuja cabeça foi esmagada pela Virgem Imaculada. Maria é, pois, a Padroeira de quantos lutam contra a Revolução. A mediação universal e onipotente da Mãe de Deus é a maior razão de esperança dos contra-revolucionários. E em Fátima Ela já lhes deu a certeza da vitória, quando anunciou que, ainda mesmo depois de um eventual surto do comunismo no mundo inteiro, ‘por fim seu Imaculado Coração triunfará’” (OLIVEIRA, 1998, p. 192). 

A história contada após o evento em Fátima resume-se em que a Virgem, em sua aparição, teria confiado três mensagens a três pastorzinhos: na primeira delas a Virgem teria mostrado o inferno às crianças, e lhes explicou que a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1917) foi provocada pelos pecados dos homens; o segundo afirmava que a Primeira Guerra acabaria, alertando para o fato de que, se os homens não emendassem de seus pecados, uma guerra pior ocorreria (Segunda Grande Guerra Mundial) além de prever a expansão do comunismo, como castigo divino, caso os homens não se reparassem.

Da seguinte forma Plínio analisa a situação do mundo na década de 1950, à luz da mensagem de Fátima: 

Se analisarmos a vida interna de cada nação, notamos um estado de agitação, de desordem, de desbragamento de apetites e ambições, de subversão de valores [...] O elemento essencial das mensagens de Nossa Senhora e do Anjo de Portugal em Fátima, no ano de 1917, consiste exatamente em abrir os olhos dos homens para a gravidade dessa situação, em lhes ensinar sua explicação à luz dos planos da Providência Divina, e em indicar os meios necessários para evitar a catástrofe (OLIVEIRA, apud. MACHADO, 2000, p. 24). 

Plínio acreditava que a Virgem tinha uma missão central na restauração da civilização cristã e na derrota da Revolução: “Nossa Senhora delineou perfeitamente, em suas aparições, a alternativa. Ou nos convertemos, ou um tremendo castigo virá. Mas, no fim, o Reinado do Imaculado Coração se estabelecerá no mundo [...] de qualquer maneira, com mais ou menos sofrimentos para os homens, o Coração de Maria triunfará” (OLIVEIRA, apud MACHADO, 2000, p. 32).

O papel da Virgem na reflexão de Plínio não se inicia especialmente com o evento de Fátima, mas com os exemplos de São Vicente Ferrer, que, de acordo com ele, profetizou o ocaso da Idade Média e, especialmente, com as idéias de São Luís Maria Grignion de Montfort, que previu os males da Revolução Francesa (OLIVEIRA, apud MACHADO, 2000, p. 24). Foi da obra central de São Luis Maria Grignion, Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem (MONTFORT, 2003), que Plínio se inspirou para escrever Revolução e Contra-Revolução e proclamar o futuro reino de Maria (MATTEI, 1997). No prólogo da edição argentina de Revolução e Contra-Revolução, o ultramontano explica a importância do santo francês na estruturação de seu pensamento (OLIVEIRA, 1992). De acordo com o próprio Plínio, o santo francês “construiu toda uma mariologia que é o maior monumento de todos os séculos dedicado à Virgem Mãe de Deus” (OLIVEIRA, 1992, p. 21).

Não se esquecendo de que o demônio tem um papel relevante na Revolução, a idéia de Plínio de que Maria é a marca principal da Contra-revolução parece vir da obra de S. Luís Maria Grignion:

uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio. Ele lhe deu até, desde o paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo de Deus, tanta clarividência para descobrira malícia dessa velha serpente, tenta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso (MONTFORT, 2003, p. 54). 

A constatação do privilégio da Virgem Maria de aniquilar o demônio faz Plínio ter a grande convicção da vitória do catolicismo contra a Revolução. Baseando-se na idéia de S. Luís Maria Grignion de que “foi por intemédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio dela que Ele deve reinar no mundo, o ultramontano crê que um reino de paz se instalará com a vitória e a plenitude de Jesus no mundo” (MATTEI, 1997, p. 335). O Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem aponta que este reino de Jesus profetizado por S. Luís Maria Grignion não é ainda o momento do fim da história, com a segunda vinda de Cristo, mas com o triunfo do Corpo Místico de Cristo, a Igreja, sobre o mundo moderno, graças a união do Espírito Santo e a Virgem.

S. Luís Maria Grignion exclama que nos fins dos tempos surgiriam grandes santos que,

com a mão direita combaterão, derrubarão, esmagarão os hereges com suas heresias, os cismáticos com seus cismas, os idólatras com suas idolatrias, e os ímpios com suas impiedades; e com a esquerda edificarão o templo do verdadeiro Salomão e a cidade mística de Deus [...] Por suas palavras e por seu exemplo, arrastarão todo o mundo para a verdadeira devoção e isto há de atrair inimigos sem conta, mas também vitórias inumeráveis (MONTFORT, 2003, p. 49). 

Pode-se sugerir que Plínio e seus seguidores, possivelmente, se viam como esses homens que estariam na linha de frente da luta que inauguraria o reino de Maria. Sempre aprofundando a devoção à Virgem. Plínio, baseando-se no Tratado, esclarece: 

o Reino de Maria [...] será, pois, uma época em que a união das almas com Nossa Senhora alcançará uma intensidade sem precedentes na História [...]. Qual é a forma dessa união em certo sentido suprema? Não conheço meio mais perfeito para enunciar e realizar esta união do que a sagrada escravidão a Nossa Senhora, como é ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort no ‘Tratado da verdadeira Devoção’ (OLIVEIRA, 1992, p. 29). 

A expressão Reino de Maria exprime a idéia de que a sociedade temporal e todos os indivíduos seriam subordinados ao ideal cristão, ou seja, uma sociedade sacral e inteiramente submissa a Deus e às orientações da Igreja. O Reino de Maria, nascida dos escombros do mundo moderno, seria semelhante à Idade Média, contudo atenta às lições dos erros que levaram aquela a sua decadência (MATTEI, 1997).

Toda a construção da reflexão proposta por Plínio lança alguns pontos que, se não esclarecidos, devem pelo menos ser explanados. O primeiro deles diz respeito à representação temporal da história que perpassa seu pensamento.

Como herdeiro do pensamento ultramontano, Plínio não poderia construir sua interpretação da história fora do arcabouço cristão, que tem como principal figura santo Agostinho. A visão cristã da história forjada pelo bispo de Hipona é, sobretudo, teleológica, isto é, a historia caminha, num progresso continuo, em direção a uma determinada realização, a instalação do reino definitivo de Deus sobre a terra. Partindo de um acontecimento único, a encarnação do Verbo na pessoa de Jesus, Agostinho vislumbrou a inauguração do fim da história. O caminho dos homens sobre a terra passou, a partir de então, a apontar para o futuro e a segunda vinda de Cristo sobre a terra e a instalação de seu reino. Dessa forma, a história passou a ser compreendida como o tempo da salvação humana.

Na obra do ultramontano não se nota uma preocupação em refletir sobre a “história escatológica da fé”, na qual “todo o curso da história apenas se torna progressivo, significativo e inteligível pela esperança de um triunfo final, para lá do tempo histórico” (LÖWITH [s.d.], p. 161), ou seja, do Juízo Final e da instalação definitiva do reino de Deus. Por outro lado, preocupa-se em defender a tese de que antes do fim, como já dito, se instalaria na terra um reino cristão no qual toda a raça humana estaria congregada, como prefigurado por S. Luis Maria Grignion. Tal referência lança problemas que questionam se Plínio desenvolveu em seus textos e, principalmente, em Revolução e Contra-Revolução, uma perspectiva milenarista. Segundo ponto que deve ser esclarecido pelo menos provisoriamente.

Se tomada a citação de Delumeau (1997, p. 17) na qual esclarece que o milenarismo é a “espera de um reino neste mundo, reino que seria uma espécie de paraíso terrestre reencontrado, está, por definição mesma, estritamente ligado a uma idade do ouro desaparecida”, poderia se enquadrar o pensamento de Plínio no conceito. Também se o conceito fosse tomado “como um retorno a um modelo de principio e um aperfeiçoamento dessa mesma matriz” (SÈGUY, apud CHAZEL, citado por DELUMEAU, 1997, p. 16), a categoria se encaixaria a reflexão do ultramontano, já que ele visualiza a Idade Média como o ideal a ser alcançado novamente. Assim continua Delumeau conceituando milenarismo: 

deve-se chamar milenarismo a crença num reino terrestre vindouro de Cristo e de seus eleitos – que deve durar mil anos. O advento do milênio foi concebido como devendo situar-se entre uma primeira ressurreição – a dos eleitos já mortos – e uma segunda – a de todos os outros homens na hora de seu julgamento. O milênio deve, portanto, intercalar-se entre o tempo da história e a descida da “Jerusalém celeste”. Dois períodos de provação irão enquadrá-lo. O primeiro verá o reino do Anticristo e as tribulações dos fiéis de Jesus que, com este triunfarão da forças do mal e estabelecerão o reino da paz e da felicidade. O segundo, mais breve, verá uma nova liberação das forças demoníacas, que serão vencidas num último combate (DELUMEAU, 1997, p. 18). 

Por outro lado, tomando a referência mais completa de Delumeau (1997) sobre a caracterização do fenômeno, fica mais difícil querer enquadrar Plínio e sua tese sobre o Reino de Maria num puro e simples conceito de milenarismo. Dessa forma, mesmo com características em seu pensamento que remetem para algumas caracterizações do pensamento milenarista, não seria de todo justo considerar seu pensamento representante de um milenarismo estrito, já que ele não diz sobre a duração do Reino de Maria que está por vir nem quando ele se instalará. [108] 

 

4.3. O ultramontanismo em Plínio Corrêa de Oliveira 

As duas obras fundamentais de Plínio Corrêa de Oliveira, Em Defesa da Ação Católica e, principalmente, Revolução e Contra-Revolução, além de seus muitos artigos, delinearam um pensamento declaradamente ultramontano [109] e altamente central e influente junto aos indivíduos que o seguiam e aos meios políticos mais conservadores não só brasileiros. Suas idéias e atitudes passaram a lançar novos elos a um imaginário católico específico, que mesmo tendo perdido terreno no Brasil, principalmente na década de 1950, contribuiu para os rumos políticos no País depois de 1964.

Lendo a história do catolicismo brasileiro na primeira metade do século XX, pode-se sugerir que Plínio se enquadrou no tipo de pensamento denominado ultramontano. Herdeiro do pensamento de Jackson de Figueiredo, Plínio caminhou numa direção que buscava defender a qualquer custo a ortodoxia católica. Pensando e desenvolvendo sua reflexão no sentido de demonstrar os perigos dos valores modernos para a Igreja e para o mundo todo e lançando a perspectiva de um futuro reino de paz permeado pelos valores católicos, o autor lançou novas particularidades ao pensamento católico ultramontano. 

Claro está que as idéias de Plínio apresentam um forte viés ultramontano e que ele buscou definir os limites de seu pensamento tendo em vista um pretenso inimigo: a Revolução e sua crescente influência nos meios católicos. Dessa forma, o que interessa neste momento é perceber a pertença de suas reflexões ao que se denomina ultramontanismo.  Como disse Velho (1994), “uma das questões mais interessantes e polêmicas é verificar até que ponto a participação em um estilo de vida e em uma visão de mundo, com algum grau de especificidade, implica uma adesão que seja significativa para a demarcação de fronteiras e elaboração de identidades sociais” (VELHO, 1994, p. 97).

Como visto, Plínio construiu uma autocompreensão que buscava se opor firmemente à visão do que entendia como progressismo. Desse modo, seu discurso, que se pautou em demarcar incansavelmente seu lugar de militante na defesa da doutrina católica contra os germes progressistas, foi construído de modo a responder a outras falas – speech acts (FALCON, 1998, p. 97) – forjando, assim, uma concepção própria sobre seu papel na Igreja e no mundo que partia no caminho de negar certas proposições e se defender frente a um determinado inimigo.

A noção de reversibilidade utilizada por Orlandi (1983) apresenta uma contribuição no sentido de compreender a construção da fala de Plínio. De acordo com essa noção, é necessário “não fixar de forma categórica o locutor no lugar do locutor e o ouvinte no lugar do ouvinte [...] esses pólos, esses lugares, não se definem em sua essência, mas quando referidos ao processo discursivo: um se define pelo outro, e, na sua relação, definem o espaço da discursividade” (ORLANDI, 1983, p. 214). Dessa forma, o discurso de Plínio e, conseqüentemente, o projeto de identidade que nasceu a partir dele surgiram em contraposição a uma Igreja que, acreditava, se perdia em sua ortodoxia cada vez que alguns de seus integrantes tentavam dialogar com a modernidade e, a um mundo fruto do orgulho e sensualidade humanos. Como esclarece Neves (2000, p. 113), a identidade é “um processo através do qual o reconhecimento das similitudes e a afirmação das diferenças situam o sujeito histórico em relação aos grupos sociais que o cercam”. Portanto, nota-se que a identidade sugerida na obra do ultramontano foi construída em oposição a um outro.

A identidade católica contra-revolucionária nascente das idéias de Plínio surgiu, assim sendo, “de seu contato [...] com um ‘outro’ determinado [...] [e] com uma deriva geral da civilização que lhe parece perigosa” (SANCHIS, 1994, p. 8). Pode-se dizer que ela nasceu de um imaginário específico que organizava suas representações e condutas, ou seja, da noção que o ultramontano paulista apresentava da figura do católico progressista e suas atitudes e da modernidade e seus valores. É via imaginário que um indivíduo ou “uma colectividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição de papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de ‘bom comportamento’” (BACZCO, 1985, p. 309).

 A noção de identidade utilizada por Sanchis (1994, p. 62) para se pensar as idéias de Plínio é muito eficaz. Ele esclarece que a identidade é “o que o sujeito pretende ser aos olhos dos outros e a seus próprios olhos, eventualmente até o que ele se esforça para se persuadir que ele é”. Assim sendo, a cada novo embate, a cada nova polêmica, Plínio reforçava suas idéias, definindo e convencendo-se de seu papel mais claramente, que, por sua vez, tomava contornos cada vez mais grandiosos na medida em que, possivelmente, se encarava como um dos apóstolos dos últimos tempos expressado por São Luís Maria (MONTFORT, 2003).  Cada experiência conflituosa com seus inimigos, destarte, intensificava expressões e propagandas que visavam, por sua vez, legitimar a ação do ator social, aqui Plínio Corrêa, lançando assim mais elos aglutinadores (ASNART, 1978) as concepções ultramontanas .

Como demonstra Asnart (1978, p. 9), “toda ação social, seja de cooperação ou de conflito, desenrola-se numa estrutura de sentido, numa troca de significados que possibilitam a ação comum, ou a rivalidade”. Dessa forma, pode-se dizer que a estrutura de sentido que Plínio desenvolve suas idéias e entra em conflito com os seus diferentes é a continuação da que viu desenrolar no século XIX as lutas entre ultramontanos e católicos liberais. É possível sugerir que Plínio se pensava como um novo Luis Veuillot, que procurava defender a Igreja das investidas de pensadores, que na linha dos modernistas condenados por Pio X, continuavam na busca incansável de colocar a Igreja em diálogo com a modernidade. Portanto, Plínio e seu brado intransigente contra o novo, refletido nas suas duas principais obras e em vários artigos, se situavam numa dimensão de um “imaginário coletivo, através do qual [...] aponta[va] a sua identidade, as suas aspirações e as linhas gerais” (ASNART, 1978, p. 13) de seu pensamento: o imaginário ultramontano e suas expressões.

O ultramontano paulista debatia e interpelava com seus inimigos, remetendo a aspectos de um imaginário que se desenrolava no interior da Igreja desde o século XIX: retração e fechamento, ataque e impiedade para com o erro. Plínio segue resolutamente a prescrição da Igreja ultramontana, isto é, de não oferecer possibilidade alguma de concessão ao espírito da Revolução, pois, isso fazendo, era o mesmo que estar selando a decadência da Igreja romana e a perdição de seus filhos mais fiéis. Como demonstra Rodeguero (1998), o imaginário 

Interfere nas práticas dos indivíduos ou instituições: forja sentidos, identidades; define comportamentos; inculca valores; atribui méritos; corrobora ou condena atitudes, dele derivando uma poderosa força de instauração ou de legitimação social. Além disso, o imaginário propõe esteriótipos e paradigmas que são apresentados como verdades, definindo-se alguns papéis como naturais e desqualificando-se outros considerados como inconcebíveis (RODEGUERO, apud ZANOTTO, 2003, p. 101).              

Dessa forma, o imaginário contra-revolucionário ultramontano de Plínio exibe enlaces e reforça padrões que, por mais de um século, estimulava vários procedimentos da Igreja romana e muitos de seus fiéis. O autor se desloca numa mesma estrutura de sentido, pensa e cria por meio de um mesmo imaginário, que, por sua vez, se reforça com novos elementos que insere, como especialmente o anticomunismo e o seu ideal Reino de Maria. Como demonstra Baczco (1985), o imaginário 

elaborado e consolidado por uma colectividade é uma das respostas que esta dá aos seus conflitos, divisões e violências reais ou potenciais. Todas as colectividades têm os seus modos de funcionamento específicos a este tipo de representações. Nomeadamente, elaboram os meios de sua difusão e formam os seus guardiões e gestores (BACZCO, 1985, p. 309). 

Portanto, o imaginário de que Plínio comungava fornecia subsídios para a formação de um projeto identitário e ao mesmo tempo um suporte simbólico para legitimar o que este projeto procurava defender. Parece que Iglesias (1981) resume bem os aspectos do imaginário ultramontano: 

 ignora ou quer negar que há um processo que leva à permanente mudança: vê a realidade de maneira idílica, perfeita e bela, não reconhecendo o movimento, pensa em termos de uma filosofia que supõe eterna, livre do tempo ou do ambiente. Como a realidade que lhe é dado viver não é a que idealizou, condena-a como erro, desvio da verdade, loucura dos homens. E passa a combatê-la, a fim de restaurar o que lhe parece certo. Para ele, é absurda a pretensão de igualdade, uma vez que os homens são naturalmente desiguais; existe então uma hierarquia, com diferentes atribuições a cada um, em sociedade em que há os que mandam e os que obedecem. Os movimentos pela liberdade parecem-lhe não só perigosos como falsos, frutos da ótica viciada, vistos antes como libertários, libertinos e liberticidas (IGLÉSIAS, 1981, p. 112). 

O pensamento católico ultramontano que é enriquecido pela reflexão de Plínio pauta-se, sobretudo, pela resistência e, por essa atitude, pode ser considerado uma manifestação do que Castells (2001, p. 25) denomina “exclusão dos que excluem pelos excluídos, ou seja, a construção de uma identidade defensiva nos termos das instituições/ideologias dominantes, revertendo o julgamento de valores e, ao mesmo tempo, reforçando os limites da resistência”.  Pode-se afirmar sem receio que a principal característica do pensamento do líder católico é a alta resistência que quer levantar contra os fautores da Revolução demoníaca em curso e seus valores subversivos da ordem cristã.

O discurso ultramontano dos intelectuais e dos documentos pontifícios oitocentista foi apropriado por Plínio e (re)significado à luz de interpretações do momento histórico que presenciava, contudo mantendo as linhas mestras do ultramontanismo clássico. [110] Ele defendeu a todo o momento a necessidade da manutenção de uma leitura hermeneuticamente fechada dos documentos condenatórios da modernidade, pensada assim, como totalmente antagônica à tradição católica, tomando tais documentos como inerrantes e de indiscutível importância e centralidade. Pode-se dizer que essa forma específica de pensar o catolicismo e o mundo moderno apontava para um projeto identitário em vias de construção.

Claro está de que a base que parte Plínio para desenvolver seu pensamento é o ultramontanismo clássico. Contudo, seria falacioso querer provar que suas reflexões delineariam uma identidade que se encaixaria estritamente naquela do ultramontanismo do século XIX, que é por si só também um tipo ideal auxiliador da análise. Como demonstra Santos (1993, p. 11) “as identidades culturais não são rígidas nem, muito menos, imutáveis [...] escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de transformação [...] identidades são, pois, identificações em curso”.

Sawaia (1996, p. 85), por sua vez, esclarece: 

se identidade é identificação em curso, é encontro da igualdade e diferença, por que multiplicam-se as indagações sobre ela? E, mais, por que alguns perguntam e outros não? Essas indagações reforçam a tese de que identidade é uma categoria política disciplinadora das relações entre pessoas, grupo, ou sociedade, usada para transformar o outro em estranho, igual, inimigo ou exótico. 

Desse modo, é mister ressaltar que Plínio negocia com os pressupostos do ultramontanismo, relê suas premissas e, com seu olhar no tempo vivente, o enriquece com novas direções, frutos de sua experiência particular.  Com a finalidade sempre presente de apontar seus inimigos e seus erros e de disciplinar relações, a construção de uma identidade desencadeia, conseqüentemente, a constituição de um projeto político, que, por seu turno, reflete as suas crenças.

Castells (2001) sugere em seu estudo sobre as sociedades contemporâneas a categoria de identidade de projeto. Segundo o autor, esse tipo de identidade ocorreria “quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social” (CASTELLS, 2001, p. 24). Meta pela qual Plínio lutava incansavelmente: a Contra-revolução e a subseqüente instalação do Reino de Maria.

Não é possível entender esse reino de que Plínio fala como a chegada de um novo messias, nem mesmo a parusia e o fim da história. O ultramontano nem mesmo prevê, pelo menos até 1960, em seus principais escritos, quando ocorrerá o tão esperado reino. Por outro lado, baseado no seu modelo civilizacional, esclarece algumas de suas características. Sua expectativa para essa nova fase áurea do cristianismo não poderia deixar de projetar para uma determinada organização política, pela qual a união do trono e do altar estaria dada, resplandecendo, assim, toda a ordem e harmonia que um dia, segundo Plínio, havia se sucedido e que, pela força das trevas e pela fraqueza humana, caíra por terra. As premissas principais do retorno a esta idade de ouro, paradigma único e insubstituível de civilização para o ultramontano, deveria ser recomposta dentro dos limites da historicidade e, sobretudo, tendo confiança de que, depois da queda e das aflições, o Imaculado Coração de Maria triunfaria, como ela mesma teria previsto em Fátima. Sua estratégia de evasão [111] aponta, assim, não para um fim, mas para um meio e, posteriormente, para aonde se chegará colocando em prática os ideais daquele meio.

Como na Idade Média, o autor defende que, nessa nova sociedade, deveria ocorrer um controle da circulação das idéias. Dessa maneira, o erro não contaminaria a sociedade como um todo. O erro, entendido por ele como toda manifestação cultural, política, entre outras, que não se encontrem dentro do arcabouço doutrinal católico, principalmente aquele manifestado pelo mundo medieval em sua fase áurea, não teria o direito de existir. Plínio torna tais manifestações ilegítimas na sua sociedade ideal, condenando, assim, a pluralidade como um dos maiores males do mundo moderno.

É interessante notar que aquela sociedade idealizada por Plínio remete a um processo mitificante pelo qual passaram, não só o autor estudado, mas os ultramontanos de um modo geral. A formação desse tipo de mito político ocorreria no interior de grupos minoritários e ameaçados, surgindo como resposta à não-identificação com a ordem e a lógica dominante (GIRARDET, 1987). Como vislumbrado anteriormente, Plínio, suas idéias e seu grupo foram sendo colocados à margem do catolicismo brasileiro, perdendo seus privilégios e influência nos meios católicos na medida em que forças mais liberais começaram a se expandir, principalmente, depois de 1950.

Para se alcançar seu objetivo supremo, a instalação do Reino de Maria, e colaborar para que a instalação do reino pudesse ser realizada o quanto antes, defendia que as elites teriam um papel de destaque em todo o processo contra-revolucionário. Assim ele esclarece: “um estudo exato da História nos mostra, com efeito, que não foram as massas que fizeram a Revolução. Elas se moveram num sentido revolucionário porque tiveram atrás de si elites revolucionárias. Se tiverem atrás de si elites de orientação oposta, provavelmente se teriam movido num sentido contrário” (OLIVEIRA, 1998, p. 105).

Como demonstra Manoel (2004), a Idade Média representa para os ultramontanos, a “estabilidade do pêndulo” da história. Com o fim do medievo, o pêndulo retomou seu movimento em direção aos extremos indesejados. Desde o momento 

em que o pêndulo da história se afastou do centro do equilíbrio, toda estabilidade, paz, liberdade e justiça, que teriam reinado no milênio medieval, foram quebradas e novamente o homem presumiu poder criar uma sociedade [...] assentada exclusivamente na Razão, no direito e na moral contratual, sem a tutela e a ingerência católica (MANOEL, 2004, p. 123). 

Segundo o mesmo autor, o pensamento ultramontano delineou perspectivas políticas com o objetivo de perpetrar o que acreditavam ser o mais prudente: paralisar o pêndulo da história; “tratava-se acima de tudo, de fazer o pêndulo retornar ao seu ponto de repouso, tal como, supunham, ocorrera na Idade Média” (MANOEL, 2004, p. 124).

Claro que tal perspectiva, também vislumbrada na obra de Plínio, não poderia deixar de apontar para repercussões em suas opções políticas e também religiosas. Ainda mais que o ultramontano não separava a esfera religiosa e política da sua leitura do mundo. A grande questão é que a passagem do projeto político à prática revela certa perversidade “senão das filosofias e dos projetos, com certeza dos grupos que os operacionalizam” (MANOEL, 2004, p. 15). É factível afirmar que Plínio caminha no sentido de se manter isento de idéias políticas como o fascismo, e a elas imune. Artigos escritos pelo autor no Legionário demonstram sua incredulidade com movimentos políticos de cunho totalitário ou autoritário. Entretanto, principalmente depois de 1960, ele e seu grupo agiram em prol da tomada de poder pelos militares, disseminando o pavor que sentiam frente ao comunismo que parecia mais presente e pronto para um golpe fatal na sociedade brasileira; e no campo religioso, passaram a organizar forças e idéias para que as barreiras a suposta infiltração esquerdista na Igreja alcançasse êxito num momento de extrema importância: o da realização do Concílio Vaticano II.

 

5 CONCLUSÃO 

Os movimentos que vieram com seus princípios e ideais a engendrar o que se conhece hoje como modernidade foram a Reforma Protestante, o Iluminismo e a Revolução Francesa. A Igreja de Roma foi ameaçada frontalmente pelos ideais desses movimentos já que eles traziam críticas profundas ao establishment o qual ela legitimava com seu discurso religioso. Sugere-se que o pensamento ultramontano apresentava-se a partir desses movimentos em estado de latência. Entretanto, mesmo com as reações suscitadas por eles nos meios eclesiásticos, a Igreja não realizou uma reação sistemática frente a eles, o que aconteceu apenas no século XIX, momento em que o homem tomou consciência de que um novo tempo havia começado no século XVI. [112]

Desse modo, paralelamente às idéias modernas, principalmente as provindas do liberalismo pós-revolucionário, que minguavam consideravelmente o poder temporal e doutrinal da Igreja, surgiram amplos grupos católicos e pensadores que defendiam que a instituição eclesiástica deveria empreender uma reação a fim de restabelecer a sociedade do Ancien Régime. Nota-se que a questão a qual perpassava a crise que se instalava entre a Igreja e a modernidade era a questão da autoridade. É esse o ponto em que ela estava sendo questionada a todo o momento e o qual parece possibilitar o surgimento da tendência ultramontana.

A cúpula da Igreja, assim, empreendeu, durante todo o século XIX, uma forte centralização a fim de defender seus interesses. Essa centralização foi acompanhada pela promulgação de vários documentos nos quais condenava os variegados princípios modernos, especificamente a liberdade como concebida pelo liberalismo. Esse século, portanto, presenciou a gênese do pensamento que iria marcar o que se denominou pensamento católico ultramontano.

A abordagem que focou a formação desse pensamento específico no catolicismo do século XIX não deve ser tomada como uma abordagem que fosse capaz de abarcar todas as nuances que coexistiam no seio da Igreja. Tal perspectiva buscou apenas apreender a gênese do ultramontanismo e os principais pontos que o caracterizam a fim de visualizar como ele se deu no Brasil na primeira metade do século XX por meio do pensamento de Plínio Corrêa de Oliveira e seus seguidores.

A Igreja brasileira também sofreu influências do pensamento ultramontano. A romanização foi claramente o processo que colocou em prática a tendência ultramontana no âmbito institucional do catolicismo brasileiro.

Com a proclamação da república, em 1889, e a afirmação constitucional do Estado laico, a Igreja foi desligada do poder político, levando ao fim, desse modo, o regime secular do padroado. A partir de então, vários bispos entenderam que era necessário um rearranjo das forças católicas a fim de colocar a Igreja num papel de destaque na esfera pública. O ano de 1916, com a Carta Pastoral de D. Sebastião Leme, foi o marco da nova estratégia católica. D. Leme valorizou principalmente a formação intelectual dos católicos com o intuito de angariar posições políticas vantajosas. Com esse objetivo foram organizados o Centro Dom Vital, a Liga Eleitoral Católica - LEC - e a Ação Católica Brasileira - ACB - , além de outros movimentos que sofreram seu impulso.

Plínio Corrêa de Oliveira iniciou sua militância católica nesse contexto. Provindo de uma família abastada, Plínio começou sua participação nos meios católicos via Congregações Marianas. Logo assumiu a direção do Legionário, jornal da Congregação Mariana de Santa Cecília, em São Paulo, e teve papel de destaque na LEC e na ACB. Dono de um grande carisma, conseguiu reunir um grupo coeso em torno de si, de leigos e sacerdotes, que passou décadas a seu lado, comungando de suas idéias e estratégias de luta. Tornou-se o líder intelectual desse grupo, mantendo, assim, uma dominação duradoura sobre ele. Influenciado pelo espírito geral de reconquista que se disseminava nos meios católicos brasileiros e por ideais ultramontanos, Plínio desenvolveu, junto de seus amigos e seguidores, uma linha de ação que assumiu explicitamente a negação da modernidade e seus valores.

Preocupado com a infiltração comunista nos meios eclesiais no início da década de 1940, escreveu Em Defesa da Ação Católica e foi afastado do movimento católico visto a má receptividade de sua obra, passando, assim, ao ostracismo. Contudo, no início dos anos 1950 voltou à cena pública vivenciando uma progressiva expansão de suas idéias não só dentro do Brasil e congregando, em torno de si, centenas de jovens.

Como caminho natural de sua militância e reflexão política e religiosa, Plínio Corrêa desenvolveu duas grandes obras representantes do pensamento ultramontano brasileiro. Na obra Em Defesa da Ação Católica, o autor procurou demonstrar toda uma gama de erros que deveriam ser execrados da maior associação católica da Igreja. Observa-se que Plínio preocupava-se especialmente com a questão da autoridade e a hierarquia dentro da Ação Católica. As idéias do ultramontano paulista nessa obra refletiam um dos lados da polarização de tendências que ocorria no interior do catolicismo brasileiro. Diversas polêmicas se sucederam a partir daí, com discussões ferozes entre os partidários de Maritain, que Plínio via como progressista e, por isso, não confiável, e os ultramontanos do jornal Catolicismo e de outros meios.

            Em 1959, escreveu Revolução e contra-revolução, manual de combate do católico, que reunia as idéias que desenvolvera nas décadas anteriores e que, influenciado por ideais ultramontanos, transformou-se no livro de cabeceira de seus seguidores. Nota-se nesse livro todo o esforço de Plínio em encaixar numa lógica temporal e supostamente maligna todos os movimentos que se sucederam nos tempos modernos. Para ele, tanto a Renascença, a Reforma, que chamou de Pseudo-Reforma, quanto a Revolução Francesa e o comunismo, fazem parte de um mesmo movimento que visa destruir a ordem cristã medieval e seus alicerces. Plínio designou esse movimento como a Revolução.

Sugere-se que com as obras Em Defesa da Ação Católica e, principalmente, com Revolução e contra-evolução, o pensamento de Plínio passou por uma espécie de cristalização, visto que é a partir daquelas idéias principais e de um projeto de identidade nascente que o grupo da TFP organizou sua futura militância. Dessa forma, a visualização das idéias principais contidas nessas obras e a visualização de alguns artigos do Catolicismo auxiliaram na percepção do pensamento ultramontano em Plínio Corrêa de Oliveira.

É possível concluir que o pensamento católico forjado por Plínio Corrêa pertença ao filão denominado ultramontanismo. Construído, portanto, a partir de seu próprio contexto histórico, Plínio desenvolveu seu pensamento numa específica estrutura de sentido, ou seja, no mesmo arranjo de forças e lutas que havia se organizado no interior da Igreja de Roma desde o Concílio de Trento e, especialmente, desde o século XIX. Tempo pelo qual presenciou o aferrecimento do combate entre a instituição religiosa e a modernidade e a afirmação de um imaginário específico em relação aos valores modernos.

Claro está que o presente trabalho não esgota a análise da inserção do pensamento ultramontano no Brasil, nem como ele se dá nas obras e nos escritos de Plínio Corrêa de Oliveira. Como visto, Plínio escreveu dezenas de artigos entre 1930 e 1960. Querer abarcar todos esses escritos seria uma grande pretensão para o desenvolvimento de uma dissertação de mestrado. Além disso, depois de 1960, com a fundação da TFP, Plínio continua seu trabalho intelectual, escrevendo outros livros e outras dezenas de artigos, agora não só no Catolicismo, mas também em jornais de circulação nacional, como a Folha de S. Paulo.

A presente pesquisa procurou alcançar seu objetivo principal ao demonstrar o surgimento do pensamento ultramontano e sua influência no Brasil, especificamente, nas idéias de Plínio Corrêa. A contribuição particular da pesquisa foi a de estudar a trajetória do pensamento do ultramontano paulista e sua ligação com a tendência e linha de atuação que sucedeu na Igreja romana do século XIX. Por outro lado, também refletir, mesmo que rapidamente, sobre a relação da Igreja brasileira com o poder central da Igreja ultramontana do início do século XX, os diversos propugnadores do pensamento ultramontano no País, assim como os conflitos referentes às diversas formas de pensar a relação da Igreja como a modernidade. Questões que continuam abertas a incursões mais específicas e profundas.

A perspectiva que se abre para estudos futuros, que vai da própria atuação do grupo que se forma em torno do líder ultramontano nas décadas posteriores no campo político ao religioso, demonstra-se como um campo rico e vasto. Como vislumbrado, Plínio e seu modelo de sociedade, o Reino de Maria, não davam espaço algum à possibilidade da convivência pacífica num mundo marcado pela pluralidade. Tal constatação abre espaço para perspectivas investigativas muito particulares e inovadoras. Como se sabe, o grupo de bispos que se agrupava em torno de Plínio e de suas idéias foram atuantes no Concílio Vaticano II (1962-1965), defendendo a perspectiva eclesiológica tridentina e do Concílio Vaticano I (1869). Assim sendo, a negação da pluralidade religiosa e a insistência num modelo defensivo de compreensão da Igreja foram temas amplamente debatidos no evento conciliar e alvo de inúmeras disputas tendo esses atores como protagonistas. [113] Portanto, seja num viés que preze sua atuação no campo político brasileiro, seja no campo propriamente religioso, Plínio, suas idéias e os indivíduos que delas comungaram no pós-1960 são potenciais e instigantes objetos de estudos.
 

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[1] A teologia patrística foi uma corrente teológica que surgiu através da leitura pelo cristianismo do platonismo e que abarcou seis séculos: desde a época dos apóstolos até os que preparam a teologia medieval e tem sua fase de esplendor nos séculos IV-V com Agostinho, Jerônimo, Ambrósio, Leão Magno, Efrem; já a teologia escolástica compreendeu uma leitura do aristotelismo e abarcou os séculos VIII-XV, tendo como expoentes da Alta escolástica (século XII) a Escola Dominicana, Alberto Magno, Tomás de Aquino e Mestre Eckhart (LIBANIO e MURAD, 1996).

[2] De acordo com a divisão clássica da historiografia, a história moderna iniciou-se com os “Descobrimentos” do século XVI (HABERMAS, 2000).

 

[3] Além da questão conceitual, a discussão cronológica sobre quando realmente se dá o nascimento da modernidade é tão debatida quanto a primeira.  De acordo com Beatriz Domingues, a tese mais difundida é que a modernidade teria seu início em 1630, ano em que ocorreu a publicação das Meditações filosóficas e do Discurso do método de Descartes e o julgamento de Galileu (DOMINGUES, 1996).

[4] O que o presente trabalho não tem pretensão de fazê-lo, visto os objetivos propostos.

[5] Thomas Kuhn é o nome central das discussões teóricas sobre a concepção de paradigma. Para o estudioso, “paradigmas [seriam] as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2000, p. 13). Entretanto, este trabalho utiliza-se do termo paradigma como “a totalidade de pensamentos, percepções e valores que formam uma determinada visão de realidade, que é a base do modo como uma sociedade se organiza [...]” Capra apud (VASCONCELLOS, 2002, p. 39).

[6] “Embora seja possível dizer que o homem tem uma natureza, é mais significativo dizer que o homem constrói sua própria natureza, ou, mais simplesmente, que o homem se produz a si mesmo” (BERGER e LUCKMANN, 1985, p. 72).

[7] Os estudos sobre as causas do processo de secularização dividem-se em dois campos de análise: numa primeira “linha de raciocínio hermenêutico, a fé bíblica, desde seus primórdios aponta e secunda a secularização do homem e do mundo. A par disso, estão aqueles que consideram a secularização como um valor religioso a partir da Reforma, quando a teologia reformatória de todos os matizes demoliu o edifício sacral da Idade Média”. (FILHO, 1999, p.76) Cf. (BERGER, 1985), (DREHER, 1999).

[8] Aqui também deve ser citada a Revolução Francesa e sua política de secularização do Estado, ou seja, a separação da Igreja e do Estado em instâncias diferenciadas.

[9] Para Weber, o ethos que foi construído pelas doutrinas protestantes influenciaram fortemente a formação do capitalismo moderno (WEBER, 2000).

[10] Especificamente no trecho que diz: “De fato, no Evangelho a justiça se revela única e exclusivamente através da fé, conforme diz a Escritura: ‘o justo vive pela fé” (Romanos 1, 17).

[11] Os fatos que se sucederam até a condenação oficial das idéias de Lutero, em 1520, pela bula Exsurge Domine (DENZINGER, 741-781) foram diversos e de diferenciadas dimensões. Passando por dimensões econômicas, político-sociais e religiosas, o pensamento de Lutero, demasiado complexo e amplo para se abordar neste trabalho, contribuiu significativamente para o fim do mundo medieval e para a afirmação do indivíduo e suas relações intersubjetivas que se buscaram autônomas (ROPS, 1962).

[12] De acordo com Berger (1997, p. 65) “é que a plausibilidade, no sentido daquilo que as pessoas realmente acham digno de fé, das idéias sobre a realidade depende do suporte social que estas idéias recebem”.

[13] Neste momento é necessária uma rápida matização. Rossi (2001) diz de uma ruptura com o passado medieval na constituição do mundo moderno e, especificamente, da ciência moderna. O estudioso levanta alguns pontos a fim de comprovar que houve uma descontinuidade entre a tradição científica medieval e a ciência dita moderna, buscando legitimar o uso da expressão revolução científica. Por outro lado, Richard Morse esclarece que a matriz à qual surgiram “os diferentes padrões do que se chama de ‘civilização ocidental’ [...] estaria situada entre l2l0, quando um sínodo de Paris declarou que os libre naturales de Aristóteles eram inconvenientes ao estudo até que fossem corrigidos e, l323, quando da canonização de Tomás de Aquino”. Claro, que a construção teórica de Morse na obra citada, não se limita a esta constatação, passando também em alguns pensamentos que, de acordo com ele, formaram o embrião do mundo ocidental como os de Pedro Abelardo, Guilherme de Occam e do próprio Tomás de Aquino (MORSE, 1995).

[14] De acordo com Arruda (1980, p. 136) existem duas linhas historiográficas na abordagem da Revolução Francesa: a primeira entende a revolução num sentido largo, ou seja, “como parte integrante do amplo conjunto das revoluções atlânticas ou ocidentais”. Desse modo, não existiria propriamente uma Revolução Francesa “e sim uma revolução européia que atinge seu ponto culminante na França”. A segunda abordagem compreende a Revolução Francesa no sentido de aprofundamento, buscando “acima de tudo sua especificidade, o seu processo social particular”. Baseado em Soboul (1982), este trabalho opta pela abordagem no sentido de aprofundamento. Este historiador constrói seu pensamento nos seguintes exemplos: a Revolução Inglesa, ao mesmo tempo em que viu o surgimento de teorias políticas baseadas nos direitos do homem, via Locke, não proclamou a universalidade e igualdade desses direitos, permanecendo “burguesa e conservadora” enquanto a Revolução Francesa universalizava os direitos e se demonstrava “burguesa e democrática”. Também a revolução Americana não chegou nos termos da francesa. Como diz Soboul, “malogrado a invocação do direito natural e de solenes declarações, nem a liberdade nem a igualdade foram de todo reconhecidas: os negros permaneceram escravos, e se a igualdade de direitos foi admitida entre os brancos, a hierarquia social não sofreu nenhum atentado”. A singularidade da Revolução Francesa está no fato, para Soboul, de que “a revolução camponesa e popular estava no âmago da revolução burguesa e a impelia para frente” (SOBOUL, 1982, p. 115).

[15] “Intimamente ligado tanto à coroa como à nobreza [...] o alto clero [...] exercia uma vasta influência e desfrutava de importantes isenções fiscais e legais. Como uma grande instituição corporativa, a Igreja dispunha de considerável autoridade, por meio do quase-monopólio dos serviços educativos e sociais e do controle exclusivo sobre os ritos sagrados de nascimento, casamento e morte” (MAYER, 1987, p. 17).

[16] Para Alberigo (1996, p. 86) “foi no século XIX que nasceu no seio da Igreja romana o complexo de fortaleza da verdade sitiada pelos vagalhões sucessivos da heresia, e posteriormente, da impiedade”.

[17] “Essa agitação revolucionária, a princípio, apresenta-se como um contragolpe a revolução de 1789 [...] todos esses movimentos revolucionários não se reduzem [...] a seqüelas da Revolução de 1789”. Outras características afirmam-se, passando à frente da herança da Revolução Francesa, como demonstra as escolas de pensamento socialistas (RÉMOND, 1974, p. 13).

[18]  “A cúria romana é o complexo de congregações cardinalícias, de repartições (officia), de órgãos jurídicos, de secretariados e de representações pontifícias fora do Vaticano de que serve o papa para o governo da Igreja Universal”  (HUIZING e KNUT, 1979, p. 4).

[19] Como demonstra Vidler, estudiosos católicos perceberam-se “atingidos pela incompatibilidade, entre muitos dos dogmas tradicionais do catolicismo e as descobertas do estudo moderno e viram-se forçados a usar métodos de estudo científicos e histórico-críticos”. Assim, sentiram a necessidade de rever todo o sistema escolástico buscando, por fim, “elaborar uma nova representação dos ensinamentos da Igreja que se adaptassem ao mundo moderno” (VIDLER, 1961, p. 182).

[20] A reação a centralização pontifícia ocorreu de diferentes maneiras: na Alemanha a resistência ocorreu no mundo universitário contra a “invasão dos romanos” e indisposição entre bispos por achar “excessivas certas formas de centralização romana”. Na França formou-se grupo assumidamente contra tais medidas. Este grupo se deu oriundo de duas correntes: bispos de formação galicana e amigos de Dom Dupanloup (bispo francês considerado de tendências liberais). Cf. (AUBERT, 1975, p. 61)

[21] Contudo é possível notar que, já no pontificado de Pio VI (1775-1799), delineava certa tendência para o que Alberigo chama a atenção em seu artigo: o magistério eclesiástico como instância de decisões doutrinais. Esta afirmação pode ser corroborada pela leitura da constituição Auctorem Fidei (1794) que se utiliza da numeração de erros a serem reprovados pela autoridade eclesiástica (COLLANTES, 2003).

[22] Essa pequena exposição da corrente liberal se faz no caminho de apreender os princípios básicos, as idéias que corriam e que nutriam os diversos movimentos do século XIX. Não obstante é necessário esclarecer que “na prática, esses princípios sempre foram aplicados dentro de limites restritos [...] [pois] o liberalismo é a expressão, isto é, o álibi, a máscara dos interesses de uma classe”, a burguesia (RÉMOND, 1974, p. 27). 

[23] Do conceito de societas perfecta também advinha o conceito de Igreja como Corpo Místico de Cristo. O primeiro esquema escrito por Schrader para a constituição sobre a Igreja no Concílio Vaticano (1869-1870) insistia nessa idéia. Contudo, Kleutgen reconstrói o esquema usurpando o conceito de Corpo Místico de Cristo pois a “acentuação dos aspectos invisíveis e místicos [...] [poderiam] pôr em segundo plano  e menosprezar os aspectos visíveis e jurídicos, privando a Igreja dos necessários meios de defesa” (MARTINA, 1996, p. 52). De acordo com Granfiel, o galicanismo, o febronianismo, o josefismo, a Revolução Francesa e o Kulturkampf foram movimentos que surgiram a partir do século XVII e motivaram-se por nacionalismo que procurava restringir o poder de Roma sobre as Igrejas locais e aumentar o poder dos governantes civis nos assuntos eclesiásticos. Na medida em que esses movimentos buscavam limitar a sociedade da Igreja, ela própria reagia. Desse modo, do confronto contínuo entre Estado e Igreja nasceu o conceito de societas perfecta (GRANFIELD, 1982 e ALMEIDA, 1988).

[24] Entende-se por Restauração o nome do “regime estabelecido na França durante quinze anos, de 1815 a 1830, mas essa denominação convém a toda a Europa”. Consiste na restauração do espírito monárquico e na busca de restaurar totalmente as instituições do Ancien Régime. Contudo, incidiu de diferentes modos e amplitudes (RÉMOND, 1974, p.17).

[25] O pontificado de Pio IX estendeu-se de 1846 a 1878.

[26] “A Quanta cura recorda e supera a Mirari Vos pela dureza do tom e pela visão unicamente negativa da sociedade contemporânea” (MARTINA, 1996, p. 239).

[27] Revista dos jesuítas italianos que, na ocasião, representava as tendências ultramontanas. Cf. AUBERT, Roger. Pio IX y su epoca. In: FLICHE, A.; MARTÍN, V. (Dir.) Historia de la Iglesia. Valencia, España: EDICEP, 1974,  p. 256.

[28] Vários episódios demonstram essa tendência anti-separatista da Igreja como: “as reiteradas cláusulas das várias concordatas, que reafirmam o catolicismo como religião de Estado, limitando a liberdade das outras religiões ao culto privado e proibindo qualquer proselitismo; os protestos da Santa Sé contra as constituições espanholas de 1869 e de 1876, que de modo mais ou menos amplo reafirmava a liberdade de religião [...] os repetidos e solenes posicionamentos do magistério eclesiástico” (MARTINA, 1996, p. 58).

[29] O território que é hoje conhecido como Itália não era constituído Estado unificado até 1870. Desde 1849 os Estados Pontifícios eram protegidos por guarnições francesas de Napoleão III. Com o início da guerra entre a França e a Prússia, em 1870, Napoleão retirou suas tropas que defendiam o Patrimonium Petri, abrindo caminho para a incursão das tropas italianas unificadoras. Proclamou-se assim Roma a capital do Estado italiano. Contudo, Pio IX se cerrou no Vaticano – local onde se localiza a basílica de São Pedro – não reconheceu o novo Estado e não aceitou as propostas de entendimento. Nasce a conhecida Questão Romana que é resolvida em 1929 com a assinatura do Tratado de Latrão entre Mussolini e Pio XI que estabelecia o Estado do Vaticano. O Concílio Vaticano não voltaria a se reunir.

[30] O Concílio de Trento, que ocorreu entre 1545 e 1563, marcou profundamente a história da Igreja. Libânio (1983, p. 19, 75) acredita que “a Igreja constituiu depois de Trento uma ‘identidade católica’ firme, coesa, estável, que resistiu durante longo tempo” e que essa identidade se formou em oposição ao protestantismo e aos princípios que estavam em gestação.

[31] Antes mesmo do início do concílio os ânimos já se exaltavam e dissensões ocorriam em relação à matéria. O ponto culminante destas exaltações e dissensões “explodiu com violência logo depois da publicação de um artigo da Civiltà Cattolica, em fevereiro de 1869, com a explícita aprovação do papa; a revista semi-oficiosa referia com benevolência a opinião de alguns católicos franceses, que esperavam não só a aprovação em forma positiva e adequadamente desenvolvida das doutrina expostas no Sílabo de modo negativo e sintético, como também a definição por aclamação da infalibilidade do papa. Tratava-se de teses extremas, sustentadas na França apenas por Veuillot e por seus mais fiéis seguidores; mas a implícita aprovação contida na Civiltà Cattolica deu a impressão de que a cúria se alinhava ao lado dessas mesmas posições, enquanto Roma prevalecia no fundo uma moderação bem maior” (MARTINA, 1996, p. 260).

[32] O pontificado de Leão XIII sucede-se de 1878 a 1903. Foi marcado por “uma atitude mais positiva face às instituições liberais, por disposições mais conciliatórias com respeito aos governos, por uma ‘cordialidade ante a sã civilização e o verdadeiro progresso’ (Goyau) e por uma concepção mais moderna da maneira de a Igreja procurar exercer sua influência na sociedade”. Pode-se citar como exemplo dessa marca a encíclica Rerum Novarum (1891) que mostrava a tomada de consciência do problema do operariado, entretanto também possuindo críticas ao socialismo (AUBERT, 1975, p. 13).

[33] Pio X abre os trabalhos referentes à elaboração do Codex Iuris Canonici que foi promulgado pelo papa Bento XV em 1917. “Parece que um revestimento jurídico, calcado em modernas codificações civis, pode fortalecer a Igreja e chega-se assim à promulgação, em 1917, do Código de direito canônico, que contém um sistema jurídico unitário, destinado a regular de modo uniforme a Igreja católica no Ocidente. [...] Tradições, costumes, usos locais eram removidos: a eclesiologia de modelo único tinha vigor jurídico” (ALBERIGO, 1999, p. 358).

[34] Para Vaz (1986, p. 141), as idéias que estão representadas na Constituição pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II (1962-1965) apresentam-se como resultado da corrente de idéias e aspirações que se originou no século XIX e que se tornou “irresistível no seio da Igreja”.

[35] Entretanto, é mister ressaltar que o objetivo desse momento do trabalho não é de apreender a polarização que ocorre e sim um dos lados dessa polarização que é o pensamento ultramontano.

[36] Disponível em: <http:// www.laciviltacattolica.it/Storia/Storia.htm> Acesso em 31/03/04.

[37] É interessante notar que, em relação a doutrina social da Igreja, muitas idéias expostas na revista foram retomadas e desenvolvidas pela encíclica de 1891 Rerum Novarum de Leão XXIII; encíclica cuja primeira redação se deve ao Pe. Liberatore.

[38] “Era régio, episcopal ou parlamentar. O grau de independência em relação à Santa Sé variava em cada caso. Foi formulado por Bossuet, na Declaração dos Quatro Artigos de 1682; afirmava que o episcopado e não o papa era infalível; dava ao rei plenos poderes na esfera temporal; subordinava o papa a um concílio geral e sujeitava-o aos costumes e cânones da Igreja. Foi eficazmente destruído pelo Concílio do Vaticano” (CORRIGAN, 1946, p. 308).

[39] Como já visto o tradicionalismo foi condenado, posteriormente pelo Concílio do Vaticano I (1869-1870). Tais idéias que esse sistema expressava não eram comuns a todos os ultramontanos.

[40] Disponível em: <http://www.feparana.com.br/expoentes> Acesso em 29/01/04.

[42] Para Bruneau (1974) o modelo de cristandade caracterizava-se por quatro pontos: 1. princípio organizacional deve cobrir totalmente todos os territórios, “o mundo inteiro deve ser cristão”; 2. todos os habitantes do planeta eram “caça lícita para a religião”; 3. a sociedade deveria ser constituída a partir dos termos da Igreja e receber dela toda sua regulamentação; 4. a Igreja deveria se integrar ao maior número possível de estruturas social. Esse modelo buscava assim “permear tudo, através de qualquer meio, por todos os mecanismos do Estado e da sociedade” (BRUNEAU, 1974, p. 28).

[43] “Para Bastide, o conceito de ‘romanização’ (embora use a expressão ‘igreja romanizada’) consiste em: 1) a afirmação da autoridade de uma igreja institucional e hierárquica (episcopal) estendendo-se sobre todas as variações populares de catolicismo folk; 2) o levante reformista do episcopado, em meado do século XIX, para controlar a doutrina, a fé, as instituições e a educação do clero e do laicato; 3) a dependência cada vez maior, por parte da Igreja brasileira, de padres estrangeiros (europeus), principalmente das Congregações e Ordens missionários, para realizar ‘a transição do catolicismo colonial ao catolicismo universalista, com absoluta rigidez doutrinária e moral’; 4) a busca destes objetivos, independentemente e mesmo contra os interesses políticos locais”. BASTIDE, Roger. Religion and the Church in Brazil, in SMITH, T. L., MARCHANT, A. (Eds.) Brazil, portrait of half a Continent. New York, 1951 apud CAVA, Ralph Della. Milagre em Joaseiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

[44] Para uma maior compreensão da romanização no contexto do movimento de reforma católica no Brasil oitocentista ver: AZZI, Riolando. O Movimento Brasileiro de reforma Católica durante o Século XIX. Revista Eclesiástica Brasileira. v. 34, Fasc. 135, Petrópolis, 1974, p. 646-662. Sobre D. Macedo ver: D. Antônio de Macedo Costa: Bispo do Pará: Arcebispo primaz. (1830-1891). São Paulo: Loyola, 1982.

[45] Pe. Júlio Maria (1850-1916) foi um dos mais evidentes pensadores da Igreja do início do século XX. Grande apologista, despertou a atenção para a doutrina católica com seus escritos. Fluminense de Angra dos Reis, doutorou-se em direito pela Faculdade de São Paulo em 1875, exercendo a promotoria em Minas Gerais. Logo se converteu à fé católica e tornou-se padre redentorista.

[46] Como esclarece Beozzo, “esta mesma questão do ensino religioso nas escolas oficiais não chegava a sensibilizar e mobilizar as classes dominantes pois estas podiam sempre enviar seus filhos e filhas para os colégios de padres e freiras a elas destinados e aí obter sua educação religiosa. Por isso mesmo, as reclamações da Igreja contra o Estado adquirem um caráter mais retórico do que real”. BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a Redemocratização. In: FAUSTO, Boris (Org.) História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III. São Paulo: Difel, 1984, p. 280-281.

[47] Para Azzi (1974), este período da história da Igreja brasileira também é conhecido como restauração católica, palavra que passou a ser utilizada pelos bispos e que fazia eco ao lema do pontificado de Pio XI: “restaurar todas as coisas em Cristo”.

[48] Para uma compreensão maior sobre os impactos da instituição da Festa do Cristo-Rei e da inauguração do Cristo Redentor ver: Capítulo 2 de MARQUES, Rita de Cássia. Da romanização à terceira via: a Igreja no Brasil de 1889 a 1945. Belo Horizonte, 1995. Dissertação de Mestrado em História, UFMG.

[49] Para um maior esclarecimento sobre a figura de J. de Figueiredo ver: IGLÉSIAS, Francisco. Estudo sobre o pensamento de Jackson de Figueiredo. In: IGLÉSIAS, Francisco. História e ideologia. São Paulo: Perspectiva, 1981; NOGUEIRA, Hamilton. Jackson de Figueiredo. São Paulo: Loyola, 1976.

[50] O Pe. Taparelle d’ Azeglio, uma dos mais destacados filósofos políticos do século XIX, foi um dos principais colaboradores da revista ultramontana La Civilttà Cattolica (AUBERT, 1974).

[51] Leonel Franca (1893-1948) é considerado um dos grandes destaques da intelectualidade católica brasileira da primeira metade do século XX. Polemista profícuo, Franca combateu “o agnosticismo, o protestantismo, o divorcismo e se empenhou a fundo na obra de conversão da elite brasileira, através da cultura universitária”. Sua missão pode ser resumida na tarefa de revelar o valor teórico do catolicismo. Escreveu várias obras, entre elas: Noções da História da Filosofia, A Igreja, a Reforma e a civilização, Relíquias de uma polêmica, Ensino religioso e ensino leigo, Catolicismo e Protestantismo, O protestantismo no Brasil, A crise do mundo moderno, A psicologia da fé, O divórcio. Cf. VILLAÇA, O pensamento católico no Brasil, p. 123-132. Cf. também: PIRES, Heliodoro. Leonel Franca, Apóstolo do Brasil Moderno. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 13, f. 4, p. 911-21, 1993.

[52] Com o fim do Concílio de Trento (1563), a cúpula eclesiástica não sabia como fazer para que as decisões tomadas no evento chegassem à vida cotidiana dos fiéis. Logo, os jesuítas organizaram associações de homens e jovens em seus colégios e centros de apostolado para que, sob o patrocínio da Virgem Maria, passassem a ensinar a grande massa os princípios conciliares. Como demonstra Maia, no pós-Concílio de Trento a “Virgem aos poucos vai aparecendo como generalíssima dos exércitos contra os protestantes. O combate do cavaleiro de Maria em defesa de sua dama não vai sem a firme vontade de estabelecer uma ordem”. Grosso modo, assim surgiram as Congregações Marianas, entendidas “como instrumento de uma reconquista católica, sobretudo, meio de transformação da sociedade cristã no seu conjunto” (MAIA, 1992, p. 32).

No Brasil “as Congregações Marianas já existiam junto aos colégios dos jesuítas desde meados do século XIX, quando esses religiosos de novo se instalaram no [...] [país]. A partir dos anos 20, porém, essas associações multiplicaram-se também nas paróquias, reunindo grupos de homens, cujo empenho principal consiste na prática sacramental”. AZZI, Riolando. Presença da Igreja Católica na Sociedade Brasileira. Comunicações do ISER, n. 13, Rio de Janeiro, 1981, p. 10.

[53] FONSECA, Joaquim Moreira. Congregações Marianas. O Diário, n. 71, ano 1, 01 de maio de 1935. A coluna Vida Catholica era dirigida pelo Padre Álvaro Negromonte (1901-1964). De acordo com Moura, Negromonte foi uma das personalidades de destaque no meio católico mineiro, desenvolvendo “intensa atividade no setor da catequese católica, em Belo Horizonte, e, posteriormente, no Rio de Janeiro. Os seus inúmeros livros testemunham o seu ardor apostólico; neles, novos métodos catequéticos, mais atualizados, são descritos” (MOURA, 1978, p. 178).

[54] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE. Meio século de epopéia anticomunista. 2 ed. São Paulo: Vera Cruz, 1980.

[55] Por decisão eclesiástica, a Ação Universitária Católica foi absorvida em 1938 pelo setor correspondente da Ação Católica Brasileira, a Juventude Universitária Católica (JUC). Estatutos da AUC. A Ordem, ano 10, n. 7, junho de 1930, 260 apud. MATOS, 1990, p. 195.

[56] A Ordem, v. VII, ano VII, 1932, 152-153.

[57] Desde maio de 1925, D. Leme e Jackson de Figueiredo tentavam via campanhas implementar emendas que diziam respeito principalmente à obrigatoriedade da instrução religiosa nas escolas públicas e ao reconhecimento da religião católica romana como religião oficial do País (FLAKSMAN e KORNIS, 1984).

[58] Amoroso Lima lembra que a criação da LEC “coincidiu com a criação da Ação Integralista Brasileira [...] Havia entre as posições da LEC e o integralismo coincidências de pontos de vistas no tocante a reivindicações sociais e espirituais. Muitas de suas teses pareciam coincidir com as teses do catolicismo social [...] Daí a simpatia que despertou nos meios católicos [...]” (LIMA, 1973, p. 149).

[59] Cf. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 414.

[60] “A LEC atuou ainda nas eleições presidenciais de 1945, nas eleições para a Assembléia Constituinte de 1946 e nas eleições presidenciais de 1950. Em 1962 passou a denominar-se Aliança Eleitoral pela Família (Alef)” (FLAKSMAN e KORNIS, 1984, p. 1818).

[61] Cf. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 416.

[62] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 417.

[63] Como afirma Amoroso Lima, no mesmo ano de 1933 “Dom Leme lançou a idéia de dois movimentos importantes dentro do catolicismo brasileiro: a criação da LEC e a fundação da ACB” (LIMA, 1973, p. 149).

[64] Dom Antonio de Castro Mayer nasceu em Campinas em 20 de junho de 1906. Foi ordenado sacerdote em Roma em 1927.Como bispo, foi coadjutor com direito à sucessão em Campos (RJ) em 1948, onde foi bispo diocesano entre 1949 e 1981. Não aceitou, juntamente com bispo francês Dom Marcel Lefebvre, as reformas conciliares (o Concílio Vaticano II ocorreu entre 1962 e 1965) e proibia na sua diocese, enquanto titular, movimento como os Cursilhos de Cristandade. Como participou das cerimônias, em 1988, das ordenações episcopais efetuadas por Dom Marcel Lefebvre, foi também atingido pela pena de excomunhão que caiu sobre o prelado francês. Escreveu as seguintes obras: Reforma Agrária: questão de consciência (1964), em colaboração com D. Geraldo Proença Sigaud, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira e Dr. Luiz Mendonça de Freitas, Por um Cristianismo autêntico, coletânea de Pastorais; E eles o crucificaram, Sermões da Sexta-feira Santa, Cursilhos da Cristandade (1972); Pelo casamento indissolúvel (1975) A Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo (1977); A mediação Universal de Maria Santíssima (1979); coluna semanal em O Monitor Campista sob o pseudônimo de DAC. Sobre Mons. Lefebre cf. CHALET, Jean-Anne. Monseigneur Lefebvre, o Bispo Rebelde. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977.

Dom Geraldo Proença Sigaud nasceu em Belo Horizonte em 16 de setembro de 1909 e foi ordenado em 1932. Foi sagrado bispo para a cidade de Jacarezinho (PR) em 1947, na qual cumpriu seu exercício até 1961, ano em que se tornou Arcebispo Metropolitano de Diamantina (MG). Escreveu a Pastoral sobre a seita comunista e um pequeno livro intitulado Catecismo anticomunista.

[65] CORREA, P. O verdadeiro perigo communista. A Ordem, n. 41-42. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1933, p. 556.

[66] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A Igreja e o Judaísmo. A Ordem, n. 11. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, jan. 1931, p. 45.

[67] Idem, p. 52.

[68] Na Constituição forjada para o Estado Novo eliminaram-se todas as emendas católicas da carta Constitucional de 1934, menos a que se referia ao ensino religioso, contudo diminuída em seu alcance; foi retirado o nome de Deus do preâmbulo, impossibilitado a faculdade de prestar assistência religiosa aos militares e a reintrodução da secularização dos cemitérios. Entretanto, Beozzo (1984) esclarece que “o governo faz saber ao Cardeal Leme, por pessoa interposta, que em nada seriam alteradas as cordiais relações entre a Igreja e o Estado”. Substitui-se a pacto constitucional de 1934 por um pacto moral entre a Igreja e o Estado (BEOZZO, 1984,  p. 324).

[69] O grupo de Plínio Corrêa participou como protagonista das duas ondas: na primeira via atuação no movimento católico e com o Legionário e na segunda, mais diretamente, com as ações da TFP (Tradição, Família e Propriedade).

[70] Várias Cartas Pastorais foram escritas neste período com o intuito de esclarecer os católicos do “perigo” comunista: O Communismo Russo e a Civilização Christã, escrita por D. João Becker em 1930; Carta Pastoral e Mandamento do Episcopado Brasileiro sobre o Comunismo Ateu, documento coletivo dos bispos brasileiros, publicada em 1937; Sobre o Comunismo, do bispo Coadjutor de São Carlos, D. Gastão Liberal Pinto, de 1937; Carta Pastoral contra o comunismo, escrita pelos bispos da Bahia em 1937 e Carta Pastoral O Comunismo e o Momento Nacional, dos bispos gaúchos, escrita em 1945 (MOTTA, 2002).

[71] MAIA, Pe. Américo. História das Congregações Marianas no Brasil. São Paulo: Loyola, 1992, p. 66. Não se poderia deixar de citar o juramento do Congregado Mariano: “1) Propagar as Devoções ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora, quanto minhas forças o permitirem; 2) Trabalhar seriamente na minha santificação, cumprindo as regras referentes à Comunhão Geral e às práticas diárias de piedade; 3) Defender, seja a que preço for, a Santa Igreja com toda a sua hierarquia, representada na Paróquia pelo Vigário; 4) Defender a Congregação Mariana e seus interesses, bem como qualquer irmão congregado, em qualquer circunstância de minha vida; 5)Evitar as más companhias, conversas, jogos, excesso de bebida, bailes e outras diversões quando não julgadas convenientes; 6) Jamais filiar-se à Seita Espírita, ou à Umbanda, freqüentar Macumba, Legião da Boa Vontade; 7) jamais consultar médiuns espíritas, cartomantes, benzedores, por doença ou outros motivos e permitir estas pessoas em minha casa; 8) Não consentir que pessoa de minha dependência se filiem a estas seitas, ou que consultem e abriguem espíritas e espiritistas como tais; 9) Jamais filiar-se à maçonaria, Rotary Clube, Lions Clube ou semelhantes ou ao comunismo, nunca dando apoio a quem pertença a estas entidades; 10) Aceitar os encargos que a Congregação Mariana, pelo seu Diretor ou Diretoria me impuser, esforçando-se por exerce-los com a máxima eficiência possível, porque o apostolado é essencial ao congregado”. Estrela da Manhã, novembro-dezembro de 1958 apud MAIA, 1992 op. cit. p. 99-100.

[72] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 421.

[73] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 422.

[74] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Como ruiu a Pirâmide de Queops. Folha de S. Paulo, 8 de fevereiro de 1969 apud SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 423.

[75] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 430.

[76] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 433.

[77] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 435.

[78]SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE, p. 441.

[79] Declaração dos Arcebispos e Bispos participantes da Semana Nacional da Ação Católica, 06 de maio de 1957 apud. PIERUCCI,1984, p. 360.

[80] Assim diz o texto da carta: “Preclaro Senhor, Levado por tua dedicação e piedade filial ofereceste ao Santo Padre o livro Em defesa da Ação Católica, em cujo trabalho revelaste aprimorado cuidado e aturada diligência. Sua Santidade regozija-se contigo porque explanaste e defendeste com penetração e clareza a Ação Católica, da qual possuis um conhecimento completo, e à qual tens em grande apreço, de tal modo que se tornou claro para todos quão importante é estudar e promover tal forma auxiliar do apostolado hierárquico. O Augusto pontífice de todo o coração faz votos que deste teu trabalho resultem ricos e sazonados feitos, e colhas não pequenas nem poucas consolações. E como penhor de que assim seja, te concede a Benção Apostólica. Entrementes, com a devida consideração, me declaro teu muito devoto, (a) J. B. Montini, Substituto”.

Em relação aos referidos apoios eclesiásticos D. Isnard assim polemiza: “contou-me D. Marcos Marcondes Pedrosa O.S.B., de São Paulo, como foi obtido esse prefácio: o Núncio não lera o livro, não tomara conhecimento de seu conteúdo e agira confiando no imprimatur dado por... Mons. Castro Mayer”. “Nota-se que o imprimatur não foi dado pelo Arcebispo D. José Gaspar diretamente, mas, ‘de mandato Ecmi. ac Revmi DD. Archiespiscopo Metropolitani’, foi dado por Mons. Castro Mayer, com data de 25-3-1943! [...] Quem redigiu o texto do prefácio também não foi o Núncio, mas o Pe. César Dainese, S.J., de Estrela do Mar [ jornal mariano que defendia idéias semelhantes às de Plínio]! O Núncio apenas assinou!” (ISNARD apud SILVA, 1983, p. 175).

[81] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Lutar varonilmente, e lutar até o fim. Catolicismo, n.67, julho de 1956.

[82] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. O que é tolerância. Catolicismo, n. 75, março de 1957.

[83] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Moderação, moderação: slogan que enche o Ocidente. Catolicismo, n. 38, fevereiro de 1954.

[84] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Moderação, moderação: slogan que enche o Ocidente. Catolicismo, n. 38, fevereiro de 1954.

[85] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Moderação, o grande exagero de nosso século. Catolicismo, n. 39, março de 1954.

[86] Num de seus artigos, o Pe Arlindo Vieira citou um estudo que foi publicado por ele e outros no Legionário de 31 de outubro de 1944 intitulado A doutrina de Maritain e os documentos pontifícios.  De acordo com o padre, a reação de alguns meios católicos contra o artigo foi imediata, que “viram logo em nosso trabalho um escandaloso e injusto ataque ao ‘maior filosofo católico de todos os tempos’”. A fim de se defender, o padre comparou Maritain a Lamenais, assim pronunciando: “todos se insurgiram indignados contra os primeiros que ousaram descobrir o veneno nas doutrinas do infeliz apostata.” Prossegue: “Como nós, são muitos os que pensam que ele vai se afastando cada vez mais do pensamento católico. Já não falamos de sua escandalosa atitude na questão da guerra civil da Espanha, a despeito das declarações dos Bispos espanhóis, da Santa Sé e do sentir quase unânime dos fieis de todo o mundo que contemplavam edificados a luta dos heróicos filhos da católica Espanha contra as hordas bolchevistas chefiadas pela maçonaria diabólica.” Este trecho foi citado apenas para demonstrar a tônica que os debates ocorriam (VIEIRA, apud ALBUQUERQUE, 1944, p. 104).

[87] ATAÍDE, Tristão. Fins e meios políticos. O Diário, 22 de abril de 1951.

[88] SANTOS, José de Azeredo. O Rolo Compressor Totalitário e a Responsabilidade dos Católicos. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 10, fasc. 4, dez, 1950.  Azeredo Santos escreveu vários artigos no Catolicismo contra as idéias de Maritain.

[89] SANTOS, José de Azeredo. Maritain e os fanáticos. Catolicismo, n. 5, maio de 1951.

[90] Assim diz Alceu resumindo a influência de Maritain em seu pensamento e no Brasil: “Pouco antes de 1924 eu estava interessado em encontrar na revolução modernista uma marca de espiritualidade [...] Foi mais ou menos por esse tempo que tomei conhecimento de Jacques Maritain [...] em 1926 tomei conhecimento de Primauté du Spirituel [...] foi sobretudo depois que começou a se atenuar no meu espírito a força do pensamento tradicionalista de Jackson de Figueiredo que me voltei especialmente para Maritain [...] Para isto contribuiu muito a posição assumida por ele em face da guerra civil espanhola, em 1938. Foi aí que se me revelou a importância de Maritain como um autor que sociologicamente tinha alguma coisa a mais a dizer para lá das posições clássicas do Catolicismo em matéria de política social. A grande ruptura de Maritain com a direita francesa, a partir desse episódio, é que desencadearia contra ele, não só na França, na Espanha, em Portugal, como no Brasil e em vários países da América Latina, a campanha antimaritainiana [...] A influência de Maritain passou a ser em mim de novo tipo, uma influência caracterizada pela tendência democrática e liberalizante do pensamento católico, tido pelo direitismo como heterodoxo e até apóstata.” (LIMA, 1973, p. 144). C.f. OLIVEIRA, Admardo Serafim de. A Influência de Maritain no pensamento de Alceu Amoroso Lima. A Ordem, v. 78, n. 1-4, jan. dez. 1983.

Em junho de 1951, José de Azeredo Santos escreveu um artigo criticando a sua mudança: “De discípulo de Jackson de Figueiredo, passou o sr. Alceu de Amoroso Lima a discípulo de Jacques Maritain, o criador da ‘cidade fraternal’ que vem sendo justamente acoimada de liberal e de socialista em seus fundamentos”. Cf. SANTOS, José de Azeredo. Ocaso de um líder. Catolicismo, n. 6, junho de 1951.

[91] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Fidelidade ao passado e liberdade de ação para o futuro. Catolicismo, n. 61, janeiro de 1956.

[92] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A Cruzada do século XX. Catolicismo, n. 1, janeiro de 1951.

[93] Três edições em português, três em francês, onze em espanhol, três em italiano, três em inglês, uma em alemão e uma em romeno, totalizando 97.850 exemplares.

[94] SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE. Ao leitor. In: OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Revolução e Contra-revolução. 4 ed. São Paulo: Artpress, 1998, p. 9. Contudo, não se dará atenção aos aspectos levantados por Plínio nesta terceira parte, já que ela traz questões que transcendem o limite temático e cronológico do trabalho.

[95] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. O século da guerra, da morte e do pecado. Catolicismo, n. 2, fevereiro de 1951.

[96] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Doutor, Profeta e apostolo da crise contemporânea. Catolicismo, n. 53, maio de 1955.

[97] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Covadonga, monumento de uma epopéia negativista? Catolicismo, n. 66, junho de 1956.

[98] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Covadonga, monumento de uma epopéia negativista? Catolicismo, n. 66, junho de 1956.

[99] Plínio aplica esta sua tese mensalmente em Catolicismo. Na coluna intitulada “Ambientes, Costumes, Civilizações” analisa e discorre, principalmente, as transformações na sensibilidade estética do homem moderno.

[100] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Moderação, o grande exagero de nosso século. Catolicismo, n. 38, março de 1954.

[101] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Lutar varonilmente, e lutar até o fim. Catolicismo, n. 67, julho de 1956.

[102] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Primeiro marco do ressurgimento contra-revolucionário. Catolicismo, n. 86, fevereiro de 1958.

[103] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. O século da guerra, da morte e do pecado. Catolicismo, n. 2, fevereiro de 1951.

[104] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A cruzada do século XX. Catolicismo, n. 1, janeiro de 1951.

[105] OLIVEIRA Plínio Corrêa de. Doutor, Profeta e apostolo da crise contemporânea. Catolicismo, n. 53, maio de 1955.

[106] O ultramontano acredita que a Contra-Revolução é invencível, pois “não há o que derrote um povo virtuoso e verdadeiramente ame a Deus” (OLIVEIRA, 1998, p. 124).

[107] OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. A cruzada do século XX. Catolicismo, n.1, janeiro de 1951.

[108] É possível ver em textos de egressos da TFP apontamentos que denunciam Plínio como profeta e visionário do Reino de Maria, no qual seus seguidores teriam um lugar privilegiado. Como exemplo segue: “Implantado o ‘Reino de Maria’, Plínio seria levado num carro de fogo, escoltado por legiões de anjos, à montanha dos Profetas, onde permaneceria até a luta final entre Deus e o anti-Cristo. E nós, seus discípulos – discípulos de Maria – ficaríamos encarregados de zelar pela integridade do Reino. Como os Templários, nossa missão seria a de lutar contra todos os que, consciente ou inconscientemente, rejeitassem o modus vivendi do Reino. Como os monges de Cluny, nosso dever seria o de irradiar par os moradores do reino a sã doutrina, os hábitos imaculados, a religiosidade perfeita. Na condição de fiscalizadores e protótipos do reino, teríamos, então, ascendência sobre papas, reis e legisladores, - sobre todo o mundo, portanto” (PEDRIALI, apud OLIVEIRA, 1985, p. 237). Contudo, pela escolha do corte temporal do presente estudo, essas perspectivas não serão abordadas. Confira o livro: PEDRIALI, José Antônio. Guerreiros da Virgem: a vida secreta na TFP. São Paulo: EMW editores, 1985.

[109] Lima (1984) esclarece: “A tolerância com os inimigos do catolicismo, com a desculpa do apostolado e da caridade, representava para Plínio o renascer de um deplorável liberalismo católico, que, no entanto, sabia ser intransigente com a ‘imprensa ultramontana’” (OLIVEIRA, apud LIMA, 1984, p. 94).

[110] Cf. capítulo 1 deste trabalho.

[111] De acordo com Reis, o “conceito de evasão não tem o sentido negativo de uma ‘fuga’, desenfreada e cega, mas exprime o meio criado para se fazer face à experiência da temporalidade, atribuindo-lhe um sentido” (REIS, 2000, p. 29).

[112] Segundo Habermas é com a compreensão de Hegel no século XIX que a modernidade “desperta para a consciência de si mesma” (HABERMAS,  2000, p. 25).

[113] Uma importante referência para o estudo do grupo no Concílio é a obra: BUONASORTE, Nicla. Tra Roma e Lefebvre: il tradizionalismo cattolico italiano e il Concilio Vaticano II. Roma: Edizioni Studium, 2003.

 


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