Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Aspectos fundamentais da nobreza

numa civilização cristã

 

 

Catolicismo, N° 549, Setembro de 1996 (*)

  Bookmark and Share

 São Luis IX, rei de França: modelo de monarca, nobre, cavaleiro e cruzado

A função mais importante da nobreza era participar no poder do rei. Os nobres exerciam em ponto pequeno, no lugar onde possuíam suas terras, uma missão parecida com a do rei em seu reino.

Os grandes nobres eram conselheiros do monarca. Quando este julgasse necessário, tinha o direito de exigir o comparecimento daqueles à capital do reino para a reunião do Conselho. Ali eles eram obrigados em consciência - o que na Idade Média tinha o valor de um compromisso formal - a dar honestamente sua opinião sobre os assuntos a respeito dos quais o rei os consultava.

Também tinham que atender às convocações do soberano para as guerras. O monarca convocava os grandes nobres, estes mobilizavam os médios, os quais, por sua vez, chamavam os menores. Na guerra o grande nobre tinha a obrigação de arriscar-se mais e destacar-se mais que um nobre médio ou pequeno.

Dentro da nobreza, as funções variavam segundo o caso concreto de cada nobre. Os grandes nobres participavam em larga medida do poder real, representando o rei não só junto ao povo de seu próprio feudo, mas também junto aos nobres intermediários, até o mais baixo escalão da nobreza. O nobre que era senhor de um pequeno feudo, naturalmente participava em grau menor do poder real.

Na França os grandes nobres eram os duques e os pares do reino. O soberano costumava considerá-los como os florões de sua coroa. E também os tratava de "primos", mesmo quando não fossem seus parentes. Isto indicava um relacionamento íntimo e bondoso do rei com a cúpula da nobreza de seu país.

Este modo bondoso de conceber o poder e a realeza não era exclusivo do reino da França, mas se verificava em todas as nações européias. Com símbolos e modos de representar diversos, elas exprimiam o mesmo estado de espírito, eminentemente católico.

O tipo humano do nobre católico

O que distinguia mais a nobreza não era o fato de ter posses, poder, um belo nome ou uma história. O próprio do nobre era representar um certo tipo humano, ter um certo modo excelente de fazer as coisas. Antes de tudo, era um certo gênero de coragem.

Isto porque, sendo por excelência a classe militar, a nobreza devia viver para o combate, para o risco, para a aventura. A verdadeira aventura não é o lance despropositado, estúpido, irrefletido, mas sim o risco calculado, grave, que tem mais possibilidades de ser mal sucedido, mas ao qual o nobre recorria porque estava engajado o bem para o qual vivia.

Este bem era a vida de imolação por algo de imensamente maior que ele mesmo, algo que admirava e de cuja grandeza participava por admiração. Isto porque a nobreza vivia para a Fé, e vivendo para a Fé vivia para a Igreja, para o bem comum da sociedade. O que faz compreender o perfil moral do nobre: lançar-se e ir até o fim, até o inimaginável.

Era um gênero de gente para quem o risco extremo, o sofrimento pungente, aquilo de que todos fogem, era algo que se podia e devia enfrentar, desde que houvesse uma razão de virtude, de honra e, sobretudo, de Fé.

Essa tendência contínua para o mais alto caracteriza, na sociedade espiritual, os religiosos e os sacerdotes; por isso eles são o sal da terra e a luz do mundo. Na ordem temporal católica essa tendência caracteriza o nobre, que nela tem a mesma posição do sacerdote e do religioso na ordem espiritual.

Em épocas passadas, os nobres não primogênitos - fidalgos geralmente sem títulos - tinham belas maneiras, eram elegantes, sabiam conversar, apresentavam-se com um porte muito digno, mas tinham sobretudo a idéia de que o sentido de sua vida era correr riscos, inclusive o da própria vida, pela causa da Igreja, da Cristandade e do rei. E de se tornarem independentes de seu morgado (primogênito), para formar um outro ramo da família, com patrimônio e título próprios, concedidos pelo rei como prêmio. Era um outro galho que florescia, que se abria no velho tronco familiar.

Em qualquer país onde exista, a nobreza deve criar a atmosfera para o florescimento de tipos humanos assim.

Consequências da perda desse tipo humano

O roubo, a senvergonhice, o ordinarismo geral em que o mundo de hoje está imerso, explicam-se porque nele não são mais encontrados homens como esses.

Mesmo entre os nobres, raramente persiste um clima que favoreça tal espírito heróico. Gangrenados pela mentalidade revolucionária e igualitária, muitos nobres de hoje vão procurar emprego em banco, casam-se com burguesas ricas e praticam outras ações do gênero.

Não compreendem que o sentido da vida deles não é o securitarismo, mas o risco. E que deveriam arriscar-se e brilhar na sociedade, fazendo o brilho desse risco refulgir sobre os homens como fogo de artifício.

Assim, a vida dele se terá justificado, como a de um tipo humano que se arrisca e está disposto a morrer por algo que é mais do que ele. Muito especialmente se arrisca e vem a morrer pela Fé católica apostólica romana.


(*) Excertos de conferência pronunciada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira para sócios e cooperadores da TFP em 13-11-92, comentando, a pedido destes, a obra de sua autoria Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana (Editora Civilização, Porto, 1992). Sem revisão do conferencista.


 

Imperatriz Maria Teresa d’Áustria, a maior governante de seu tempo. No quadro acima, realizado por Martin van Meytens (1756, castelo de Versailles), junto com seu marido Francisco de Lorena e a família imperial

Na dama nobre, capacidade para o heroísmo feminino

Há situações de infortúnio, de crise, de dificuldades, em que uma mãe de família, uma viúva, pode ser chamada a desenvolver uma energia extraordinária que não é própria de seu sexo, mas que deve existir potencialmente na mulher bem formada. Deve haver nela uma raiz que se desenvolve no embate dos acontecimentos, desabrochando então a flor do heroísmo feminino, análogo ao heroísmo do homem, mas com suas características próprias.

Existe na história da nobreza - e também da realeza, que é o ápice da nobreza - numerosos casos de rainhas, princesas e grandes damas feudais que receberam, pela morte do marido ou por herança dinástica, um feudo para dirigir, ou mesmo um reino para governar, às vezes em condições muito difíceis do ponto de vista político e administrativo. E que se mostraram inteiramente à altura da missão.

Mulheres assim são propriamente a glória do sexo feminino na ordem temporal. Assim o foram, por exemplo, Isabel a Católica, Rainha de Castela; Branca de Castela, mãe de São Luís IX, Rainha de França e depois Regente do reino pelo falecimento de Luís VIII; Ana d’Áustria, mãe de Luís XIV e Regente pelo falecimento de Luís XIII; Maria Teresa, Rainha da Áustria-Hungria e Imperatriz do Sacro Império.

Em todas elas, apesar de mulheres, brilharam as mais autênticas qualidades de um homem de Estado.


Home