Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

O galo, o pato

e a decadência do Ocidente

 

 

 

Catolicismo, Janeiro de 2002 (*)

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Para se compreender o processo de decadência por que passa o Ocidente em nossos dias — um processo de desdouramento, a par de um curso causado pela Revolução multissecular tendente a tornar todas as coisas "pardas" —, vou empregar duas metáforas, ambas inspiradas em cores: o ouro e o pardo.

É necessário ajustar bem as metáforas, para eu me tornar bem compreendido: uma coisa é arrancar o ouro; outra é comunicar uma cor parda às coisas. A cor áurea está para a cor parda mais ou menos como, por exemplo, poder-se-ia dizer que o galo está para o pato.

 

 

O galo é áureo. O pato é o galo pardo, privado da elegância, do senhorio e da fidalguia do galo. O pato seria o burguês do terreiro, enquanto o galo é o nobre, o fidalgo.

 

 

O pato é, na sua insipidez, mas também na honestidade de suas formas, uma ave amiga do homem. Passeia inofensivamente pelos espaços que lhe são concedidos, não importuna ninguém, não irradia de si o mínimo de poesia nem de elegância, mas serve para ser comido.

*    *    *

Poderíamos então imaginar um galo pensante, que se deixasse tomar de admiração pelo pato e desse ouvido ao que este lhe dissesse: "Eu sou um animal útil, você é apenas decorativo. A mim os homens comem, você não serve para ser comido. Você, portanto, não é produtivo. Você é apenas um ente que passeia por aqui, e que ajuda a povoar o galinheiro. Mas o saboroso, a ave de banquete sou eu. No galinheiro você é o rei, mas meu cadáver tem uma alta categoria na mesa dos homens para os quais nós fomos criados, e na qual você não é admitido. Você vai para o lixo, eu vou para o estômago dos homens, sou digerido por eles e me transformo na carne deles. E você?"

E imaginemos que o galo — num momento de fraqueza, tão freqüente em quem está colocado no alto da hierarquia social — começasse a duvidar de seu próprio esplendor e se perguntasse: "Não seria melhor eu me transformar em pato? Não haveria para mim uma ascensão? Eu não entraria mais no terreno do real? Eu não me deveria ‘patificar’?"

Admitamos que um galo se convencesse disso. É quase inimaginável que ele não procurasse, ipso facto, perder algo de sua elegância, de sua distinção, e, no fundo, algo de sua morfologia.

Sua cabeça pesaria, ele então procuraria raspar a crista, por ser inútil. O pescoço perderia o seu movimento. A cauda baixaria, e ele transformar-se-ia numa espécie de pato de segunda classe. Inútil como tantas coisas decorativas, e, por outro lado, sem beleza como tantas coisas úteis: ele reuniria o inútil ao desagradável. Ficaria reduzido a absolutamente nada.

*    *    *

Tal processo seria comparável àquele que sofreram as elites dirigentes, a partir da Idade Média até nossos dias. É um processo de desdouramento, ao pé da letra, pelo qual cada vez menos as elites se apresentam áureas. Elas foram cada vez mais perdendo o rutilante que as caracterizava.

Toda a gala, todo o protocolo, toda a pompa da Idade Média eram muito maiores do que a gala, a pompa e o protocolo do Ancien Régime (1). Se compararmos depois o Ancien Régime com a sociedade posterior à Revolução Francesa, veremos que ao longo do século XIX tudo foi decaindo até a Belle Époque (2). O século XIX, de fato, termina com a I Guerra Mundial em 1914 — outra queda. E, por fim, com a II Guerra Mundial — última grande queda — acaba a era dos galos!

O galo convenceu-se de que era melhor se transformar em pato... 


Notas:

(*) Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira para sócios e cooperadores da TFP em 7 de dezembro de 1973. Sem revisão do autor.

(1) Época histórica que se estende do fim da Idade Média até a Revolução Francesa de 1789.

(2) Época histórica que compreende os últimos anos do século XIX até a I Guerra Mundial (1914-1918).


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