Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 14 de dezembro de 1969

"Prá frente", ao sopro da "generosidade"

O trauma causado nos melhores setores da opinião pública, pela lúgubre chacina de Los Angeles talvez não lhes tenha permitido ainda uma análise lúcida do fato.

Tal análise, entretanto, lhes é necessária. E até urgentemente necessária. Pois a primeira e mais violenta impressão experimentada por aqueles setores, com o fato, foi de surpresa. A mim não surpreendeu o fato. Surpreendeu-me, isto sim, que com ele tanta gente boa tenha ficado surpresa. Essa gente precisa estar vivendo na estratosfera, para ter caído assim das nuvens com o feito de "Satã" e seus adeptos. Ora, é grave, é muito grave para o bem comum da humanidade, que os setores mais aptos a influenciar favoravelmente o curso das coisas estejam de tal maneira à margem destas. Em conseqüência, convido-os a uma meditação sumária sobre aquela lúgubre ocorrência.

* * *

Esquematizemos as coisas com base nas notícias da imprensa diária.

1) Charles Manson, de 34 anos, filho de uma prostituta presidiária — ex-sentenciado ele próprio, por vários delitos de regular gravidade — dotado, aliás, de certa simpatia pessoal e de algumas qualidades musicais, entrou em relação com vários jovens "prá frente", com os quais formou um grupo. Outrora, as normas em vigor levavam todo jovem, e especialmente toda jovem, a manter à distância um elemento destes. Um colega só lhe daria sua amizade em circunstâncias muito especiais, e depois das mais sérias provas de emenda. Mas "idéias generosas" eliminaram, em muitos ambientes, esta precaução por demais "estrita". Não espanta, pois, que Manson tenha podido, assim, aproximar-se de quem entendeu.

2) Hipnotizador possante, semeando meio magicamente o bem-estar em torno de si, "cantando como um anjo", dizem os telegramas, é claro que Manson divertia os companheiros. E um dos condimentos desse poder de diversão era, sem dúvida, a extravagância. Seu grupo de hippies, vivendo alegremente à margem de todos os princípios de bom senso, de higiene, de correção, adotou o nomadismo, e passou a perambular de um lugar para o outro. Tudo isto chocaria os princípios "de outrora". Dar a liderança de um grupo a um ex-sentenciado era uma vergonha. Aceitar o poder hipnótico dele, uma loucura. Expatriar-se das rodas de gente limpa, correta e decente, um sinal de demência. Adotar o nomadismo, um desatino, um pacto ignóbil com a vagabundagem. Mas, entre os espectadores do fenômeno, muita gente "generosa" por certo sorriu: Por que coarctar a mocidade nos caprichos que lhe são tão próprios? Aos velhos tabus de outrora faltava generosidade. Eles proibiam, vetavam, comprimiam. Portanto encomplexavam. A bondade consiste em tolerar, em permitir, em concordar. Viva, pois, o bando alegre de Manson. Com o tempo voltarão seus membros, espontaneamente, ao bom senso... É o que dizia, sobre Manson e sua clique, muita gente, que criava um ambiente cômodo e "generoso" para a expansão dessas loucuras.

3) Mas, objetaria alguém "fora do vento", que poderia sair dessa promiscuidade sexual entre os neonômades? A imensa família mental dos generosos tem uma resposta à flor dos lábios, para essa pergunta: — Ora esta, por que olhar as coisas tão de perto? O que vai sair da promiscuidade? O amor, o prazer. Deixem os jovens que se divirtam. É da idade. Filhos, não há que temê-los, pois aí está a pílula... O mais, que importa? Estamos na aurora da sociedade permissiva, em que por largueza de idéias tudo se aceita. E dá certo. Em Londres realizou-se um ato sexual em pleno palco, num teatro cheio: e a casa não caiu. Na Suécia abriu-se a porta para as ligações homossexuais. E a Suécia aí está, firme, organizada e próspera. Então, que utilidade têm os tabus da velha civilização, se tudo se passa bem sem eles? Assim argumentam os "generosos".

4) Vistos com "compreensão" por todo um setor de gente "decente-permissiva" Manson e seu bando foram valentemente "prá frente", permitindo-se mais e mais desatinados. Vontade de sensações fortes? Aí está o haxixe ou o LSD. Vontade de violentas orgias? É só atirar-se nelas. Vontade de experiências mentais aventurosas? Manson está à mão para abrir as portas das sombrias regiões do hipnotismo. O gosto da extravagância é insaciável. Da originalidade estúpida e chocante ele convida a passar para a sujeira desgrenhada. Desta, impele a rolar para a corrupção. A corrupção, por seu próprio dinamismo, estoura em orgia. Posto assim tudo de pernas para o ar na existência terrena, a ofensiva da extravagância parte rumo ao extraterreno. Sempre "prá frente", o passo seguinte é a blasfêmia. Entra-se pelo misticismo satanista, ultraja-se Deus, adora-se o demônio etc.

5) Um belo dia, nasce a vontade de fazer mais uma coisa proibida. Uma coisa bem nova e bem proibida. Um crime, por exemplo. E na lógica "permissiva", não há motivo sério para recuar diante de mais este "tabu": comete-se pois o crime. Para que o crime seja bem "prá frente" em seu gênero, é preciso que seja bem sádico, bem cruel, bem horripilante. Quanto mais melhor. Mata-se então Sharon Tate e sua "entourage". Mata-se o velho casal Labianca. Tudo por razões fúteis, com agravantes de punhaladas, chicotadas, tatuagens... ritos cruentos feitos para adorar o demônio!

Não é tudo claro, concatenado, lógico?

Pobres canalhas de Manson e congêneres. Merecem a cadeira elétrica, segundo a lei norte-americana. São culpados, é certo...

Serão eles os mais culpados?

* * *

Não, mil vezes não.

Tivessem eles encontrado em torno de si, na gente decente, uma opinião pública firme e unânime, que lhes incutisse o respeito religioso à lei moral, às conveniências, às boas maneiras, ao asseio, e provavelmente logo nos primeiros passos teriam parado ou até recuado.

Mas eles encontraram, na orla do mau caminho, a cumplicidade, ora imbecil ora safadamente demagógica, dos "generosos". Sentiram-se impunes, "compreendidos" e até veladamente estimulados em círculos "generosos".

Esses "generosos" bem mereceriam que se lhes fizesse algum dia o relato de corpo inteiro. São amáveis para com os maus, mas verdugos dos bons. Sabem intimidar e perseguir com mil sarcasmos quem discorda de sua "generosidade". Não recuam diante dos "slogans" mais agressivos: "Você é retrogrado, reacionário, abafado, despótico, descaridoso", e lá vai a cantilena.

Mas sorriem para toda forma de imprudência, extravagância e desatino. E assim, com essa "generosidade" que tem mão para o mal e contramão para o bem, a juventude encontra pista livre para os rumos cujo último paradeiro é o crime.

* * *

Abriram os melhores setores da opinião os olhos para este papel dos "generosos"? — Não se espantam do crime. É a coisa mais tragicamente inevitável, neste clima cada vez mais dominado pelos "generosos", "permissivos" e de "idéias largas".

Sim, esses "generosos", são sempre iguais a si mesmos também em outros campos. Dizendo-se católicos, abrem as portas do ateísmo. Dizendo-se moderados, estão sempre a apoiar os comunistas, deste ou daquele modo. E dizendo-se amigos de todos, têm sempre um "slogan" ultrajante para quem põe o dedo na chaga de sua tonta ou falsa generosidade.


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