Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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4 de fevereiro de 1973 

Jogando a caneta no chão 

Por hoje deixo em paz os Cursilhos. O talento, a lógica e a verve que reluzem nos dois recentes artigos de Gustavo Corção, lhes darão pano para manga por um tempo não pequeno. Não será fácil para o Cursilhismo digerir dois artigos como aqueles. Falo em digerir, e não em replicar. Pois não acredito que a corrente cursilhista refute as objeções de Corção. Como não refutou a argumentação vitoriosa de D. Mayer, nem meus obscuros artigos, nem o brilhante comentário de Teophilo de Andrade, e nem o estudo lúcido, percuciente e cheio de cultura de Salomão Jorge.

Mas o mais difícil é isto mesmo: digerir sem refutar. Enquanto a isto se entregam os Cursilhos (falo dos infiltrados e dos seus corifeus) cuidemos de assuntos de outro porte.

* * *

Há fatos que merecem ser comentados. Há fatos que dispensam comentários. Há outros, por fim, que é impossível comentar, pois a carga de contradição que trazem consigo tornam insuficientes os qualificativos mais enérgicos do vocabulário humano.

Durante esta semana, alguns acontecimentos dessa terceira categoria apareceram no noticiário internacional. Registro dois deles, com a linguagem seca de quem sente a impotência de qualquer adjetivação.

* * *

Nixon, discursando para seu país e para o mundo, asseverou que o acordo de Paris entre os dois Vietnãs, podia ser considerado o início de uma paz com honra. O que há de real nessa afirmação?

Comecemos pelo que diz respeito à honra. Não há honra onde não há verdade nem justiça. Afirmou-se que aquele acordo foi feito sob a égide da justiça. Ora, isso não é verdade.

A justiça exige, num acordo em que se afirma não haver vencedores nem vencidos, uma inteira igualdade entre as partes. Ora a desigualdade, no caso concreto, não podia ser maior.

É explicável – pelo menos sob certo ponto de vista – que se realize um plebiscito para saber se o povo do Vietnã do Sul quer a continuação do atual regime. Mas, então, por que não se organiza também um plebiscito para averiguar se o povo do Vietnã do Norte deseja a continuação do regime comunista?

Se os EUA retiram suas tropas do Vietnã do Sul, por que não faz o mesmo a outra parte beligerante? Em outros termos, por que os norte-americanos não têm o direito de estar no Vietnã do Sul, mas se admite que, depois do armistício, ali se encontrem aglutinados em incontáveis bolsões, os guerrilheiros do Vietnã do Norte?

Num acordo em que tais disparidades – para não falar senão destas duas – se ostentam desinibidamente, ninguém pode falar de honra. E afirmar que esse início de paz é baseado na honra, é pura e simplesmente uma inverdade.

Aliás, este acordo nem sequer constitui um genuíno acordo. Quando ele foi assinado, todos previam que não daria início à paz, mas simplesmente à retirada dos norte-americanos. E aí estão os fatos. Mal serenadas (por quanto tempo, ninguém o sabe...) as hostilidades no Vietnã, Pequim e Hanói se saem com uma investida contra o governo anticomunista do Cambodje, e exigem tanto a restauração do governo pró-comunista de Suvana Phuma quanto a retirada das tropas americanas.

Todos os que celebraram esse "acordo", pelo mundo afora, com discursos e festas possuem de sobejo os elementos para medir a precariedade desse acordo. Eles comemoraram com a mais contraditória das alegrias um início de paz com honra, que nem promete uma verdadeira paz, nem se fez segundo a honra.

De minha parte, acho infinitamente mais lógica a atitude do representante do Vietnã do Sul que, depois de haver assinado o acordo sob pressão brutal dos acontecimentos, jogou a caneta ao chão...

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Chega-se assim à conclusão de que Nixon, retirando as tropas americanas, deixou o Vietnã do Sul entregue aos agressores, tanto norte-vietnamitas quanto russos. Digo russos, porque é obvia a presença, ali, não só do armamento russo e da direção militar russa, como também da espionagem russa, das técnicas russas de deteriorar a resistência do adversário, do ouro russo, etc.

Entretanto, a realidade é mais terrível. Se os russos ali estão, é por causa do ouro, do trigo, da impunidade política com que Nixon beneficia os soviéticos.

* * *

Não há quem ignore, com efeito, que a Rússia, obrigada pela desorganização de sua agricultura e por um inverno rigoroso, teve de fazer compras de trigo espetacularmente grandes aos EUA. Ela que, ao tempo dos Tzares, era grande exportadora do cereal!

Tudo leva a suspeitar que as misteriosas condições de pagamento aceitas pelos EUA por essas compras importem num negócio de favor, dos mais liberais, como só entre pai e filho se concebem.

Assim, a solicitude de Nixon em favor da Rússia foi tão grande, que para abastecê-la inteiramente, o trigo acabou faltando nos EUA, e o pão, os norte-americanos tiveram que pagar mais caro, para que os russos tivessem fartura em suas mesas.

Ao mesmo tempo, o derrame de ouro norte-americano na Rússia está sendo espetacular.

Segundo a "Review of the News" de 17 de janeiro p.p., 26 empréstimos totalizando 1.226,3 milhões de dólares foram feitos aos países socialistas nos últimos seis meses. À Rússia couberam 580 milhões de dólares, isto é, 47% do total.

Na realidade, é preciso ver nestes fornecimentos mais donativos do que empréstimos. Pois ninguém sabe em que condições serão pagos, e nem sequer se serão inteiramente pagos. Isto não obstante, constitui em tão só um primeiro passo. Pois a catástrofe econômica do regime comunista criou na Rússia condições tais que, segundo o presidente do "Stock Exchange" de Nova York, o governo de Moscou está necessitando de 100 bilhões de dólares. E quem lhos dará – pelo menos na maior parte – senão o parceiro ianque?

Tudo isto posto, haveria algo de mais justo, de mais imperativo, de mais indispensável, de mais irresistível, do que uma pressão norte-americana sobre a Rússia no sentido de que esta se retirasse do Vietnã, deixando os comunistas desse país entregues a si próprios?

Na realidade, Nixon não fez esta pressão. As tropas americanas recuaram diante do exército norte-vietnamita e Vietcong, os quais são mantidos pela Rússia, a qual, por sua vez, é mantida pelos EUA!

Ou seja, Nixon recuou diante de um inimigo que ele mesmo alimenta, e que sem ele soçobraria no caos e na vergonha.

* * *

Na América do Sul, há quem imite esse triste exemplo. O importante diário "La Nación" de Buenos Aires, de 18 de janeiro p.p., noticiou que os presidentes dos bancos centrais da Argentina e Chile firmaram um acordo que constitui a operação mais relevante de tal natureza jamais realizada entre as duas nações latino-americanas. Essa operação consiste na concessão de um crédito de 100 milhões de dólares, pela Argentina, para financiar as importações feitas pelo Chile. Os pagamentos efetuados por este país serão de 5% à vista, e 95% pagáveis em dez quotas anuais iguais. A primeira quota será paga 21 meses depois da concessão do crédito. Os juros serão de 7% ao ano.

Leitor amigo, se alguém lhe emprestasse algum dinheiro nessas condições, o sr. não iria pegá-lo? Não consideraria seu benfeitor quem lho concedesse?

Pois bem, tal benfeitor, o é Lanusse em relação a Allende! Isto precisamente quando a Argentina se encontra, infelizmente, numa situação financeira das mais difíceis, e é absolutamente duvidoso que o Chile comunista lhe possa reembolsar soma tão imensa.

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Expostos todos esses fatos, lembro-me do simpático e corajoso diplomata sul-vietnamita. E depois de registrar aberrações dessas, sinto-me fortemente tentado a, por minha vez, jogar a caneta ao chão...


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