Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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17 de junho de 1973 

Prelado brilhante pela ausência 

"Cruzado Español" é uma conhecida revista católica que se publica em Barcelona. Nela encontrei preciosas declarações de Mons. Eduardo Tomás Boza Masvidal, ex-Bispo auxiliar de Havana, atualmente vigário-geral de Los Teques na Venezuela. Parece-me fundamental transcrevê-las e comentá-las aqui.

Quero tranquilizar desde logo o leitor. Não se trata de um desses trêfegos bispos socialistas, vulgares cortejadores de popularidade, como hoje em dia os há tantos pelo mundo afora. Nem as declarações que vou reproduzir são dos tais de estarrecer e arrepiar qualquer homem sensato, católico, ou mesmo não católico.

Pelo contrário, o Prelado cubano é uma figura realmente brilhante: brilha pela ausência.

Nesta asserção não entra a menor ironia. Explico-me.

Tendo Fidel Castro arrancado a máscara, e mostrado seu verdadeiro facies comunista, o Episcopado cubano se cindiu quanto à atitude a tomar. A quase totalidade dos Bispos enveredou pelo caminho da colaboração, que os conduziu à vergonhosa e jovial aceitação do regime imposto pelo ditador barbudo. Só um teve a hombridade de resistir frontalmente ao felão de Sierra Maestra, ao responsável pelas execuções de La Cabaña, pelo confisco de todas as propriedades privadas de Cuba. Por isto, o Prelado tomou altaneiro o caminho do exílio. Ausente de Cuba, brilha ele aos olhos do mundo pelo próprio fato de sua ausência. É a afirmação de uma inconformidade dignificante, e de uma esperança inquebrantável em dias melhores para a Igreja e para Cuba.

Grande número de leitores conhece, por certo, o grupo fotográfico formado pelo Episcopado cubano agrupado em torno de Fidel Castro. Esse documento, nódoa da história da Igreja em todos os séculos, apresenta entretanto uma nota brilhante. Ali não está presente Mons. Boza Masvidal.

Tanto é verdade que há ausências que brilham...

* * *

Bem diverso é Mons. Mendez Arceo, o famigerado "bispo vermelho" de Cuernavaca, no México. Não tenho que repetir aqui sua triste saga. Basta, para os efeitos deste artigo, informar os leitores que Mons. Mendez Arceo esteve recentemente em Cuba, e depois de uma confortável vilegiatura na ilha concentracionária, deitou o verbo para elogiar o regime ateu e escravagista que ali pôde contemplar. Serviu isto de ocasião a que Mons. Boza Masvidal lhe enviasse uma carta, publicada no diário "La Religión", da Venezuela. Dela, "Cruzado Español" destacou os seguintes tópicos:

"Enumerais uma série de instituições que visitastes, porém não aparecem em vossa enumeração os cárceres em que vivem dezenas de milhares de presos políticos. Ignoro se visitastes tais cárceres. Não sei, assim, se pudestes comprovar as terríveis condições em que vivem os prisioneiros, especialmente os que se negam a deixar-se doutrinar pelo marxismo.

"Tampouco dizeis se visitastes os campos de trabalhos forçados, pelos quais devem passar durante um ou dois anos, os que requerem licença para sair de Cuba.

"Não sei se tomastes parte nas longas filas, de horas, para conseguir algum insignificante alimento, como também não sei se presenciastes algum fuzilamento".

Naturalmente, Mons. Mendez Arceo nada há de ter respondido a essas perguntas valentes, mas incômodas, de Mons. Boza Masvidal. É que faz parte da tática de todos os Arceos espalhados pelo mundo, mitrados, tonsurados ou simples leigos, não responder.

* * *

Esse dignificante exemplo de Mons. Boza Masvidal e o envergonhado silêncio de Mons. Mendez Arceo provam o mesmo fato. Isto é, que Cuba continua a ser, em nossos dias, a ilha-calabouço, que reproduz, em nosso hemisfério, todos os horrores característicos do nazismo e do comunismo.

Isto, que se acha à vista de todos, torna espantoso que a América Latina inteira – e também a América do Norte – esteja sendo varrida pôr um sopro propagandístico intenso a favor do reatamento das relações com Cuba.

A manutenção do atual bloqueio da ilha é apresentada como medida discriminatória e odiosa, ao passo que a cessação do bloqueio é vista como uma aspiração simpática e generosa. Assim é que, por exemplo o novo Presidente argentino, Hector Campora, imaginou situar-se na crista da onda da popularidade, dispondo-se desde logo a reconhecer o governo de Fidel Castro, e convidando Dorticos a assistir à posse do governo justicialista.

Desta forma, a generosidade de alma consiste em apertar a mão do carrasco, consolidando-o ipso facto no poder.

Haverá algo de mais incongruente?

* * *

Há. É a atitude de alma de incontáveis de nossos contemporâneos que, não sendo comunistas, quando postos ante essa incoerência flagrante, suspiram, pensam em outra coisa, e continuam a tributar real consideração a Campora, à toda a clique dos Arceos, etc.

Sua antipatia – velada embora – eles a reservam, toda, para os varões probos, retilíneos e corajosos, como Mons. Boza Masvidal, porque estes querem continuar a combater o comunismo. É tão gostoso um dominguinho tépido e despreocupado, cujas horas se dividem entre a piscina, a mesa de jogo e as visitas. É tão apetecível a paz mole e vergonhosa dos charcos. É tão lucrativo o caminho das cumplicidades. Como vem esse inflexível Bispo cubano atrapalhar a fruição dessas delícias, para nos lembrar o estampido dos tiros disparados pelos pelotões de fuzilamento, ou os soluços que transpõem os muros dos calabouços? Qual, esses homens coerentes são mesmo uns desmancha-prazeres! Quão mais cômodo é esquecer tudo isto, reatar com Cuba, e alegar ainda por acréscimo, que esse reatamento constitui um ato de generosidade!

* * *

Sem dúvida é mais cômodo. É até muito mais cômodo. Pelo menos até a hora em que, tendo rolado de "generosidade" em "generosidade", de vergonha em vergonha, o homem incongruente de nossos dias chegar ao momento de ser submerso pela onda comunista, à qual não quis resistir.

Nesse momento "rir-se-á dele Deus", segundo a formidável expressão da Sagrada Escritura.

Terá ele sacrificado a honra para gozar o dinheiro. E acabará sem dinheiro nem honra. É o pensamento que me vem ao espírito, aplicando ao caso concreto a conhecida frase de Churchill contra os pacifistas ingleses!

* * *

O Sr. Pedro Morazzani, valoroso presidente da TFP venezuelana, mandou-me um curioso documento. Trata-se de um artigo intitulado "Fala o Rude Prava",  publicado no diário caraquenho "El Universal", em abril de 1972. Todo o artigo é constituído por uma tradução, palavra por palavra, de grande parte da colaboração que publiquei, sob o mesmo título, na "Folha de São Paulo" do dia 13 de fevereiro do ano passado. A única diferença está em que, no diário venezuelano, figura como nome do autor o do Sr. Robert Coddington, e não o meu.

Sou muito grato a esse senhor Coddington pelo apreço que assim demonstra para com meu artigo. Se mais uma vez ele tiver a gentileza de transcrever, peço-lhe entretanto que não se esqueça de não trocar meu nome apagado por seu nome presumivelmente ilustre!


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