Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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29 de julho de 1973 

Fatos e comentários 

Segundo foi largamente noticiado pela imprensa, 17 guerrilheiros sequestraram 278 alunos, professores, funcionários e enfermeiras de uma missão mantida pela Companhia de Jesus nas selvas de Mukubura, Rodésia.

Segundo o superior da Missão, Pe. E. Rojek, o crime foi praticado durante o período noturno da escola. A idade dos jovens sequestrados variava entre 13 e 18 anos. Os raptores declararam que os alunos sequestrados seriam levados à China Comunista, onde receberiam um treinamento para guerrilheiros.

O sequestro se efetuou a apenas 60 km da fronteira de Moçambique.

Felizmente, por uma ação acertada das autoridades rodesianas, e em razão da carência de recursos, os sequestradores foram obrigados a abandonar gradualmente suas vítimas, das quais só detêm no momento 17.

Pode-se imaginar o susto e as privações de toda ordem a que foram sujeitas as pessoas assim cruelmente raptadas, bem como a terrível angústia das famílias a que pertencem as inocentes vítimas.

* * *

Trata-se aqui de uma ação gravemente delituosa, praticada contra pessoas perfeitamente identificadas, num local mencionado com toda a precisão. O fato – altamente censurável – apresenta pois todos os requisitos para despertar a indignação das pessoas compassivas.

Entre estas pessoas não se acham, entretanto, os esquerdistas católicos e não católicos que silenciaram sobre este crime, mas, ao mesmo tempo, levantaram um coro de protesto universal contra uma chacina que teria sido levada a efeito em Moçambique, num lugar não identificado, contra vítimas também não identificadas.

Aos organizadores desse pranto universal fende o coração a sorte de vítimas que não se sabe se existem. Dom Custódio Alvim Pereira, Arcebispo de Lourenço Marques, afirmou categoricamente ao órgão "Die Welt", de Hamburgo, que a pretensa chacina não existiu.

Uma compaixão que se volta toda para o crime inautêntico e silencia glacialmente quanto ao crime autêntico, é bem caracteristicamente uma compaixão inautêntica.

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Isto nos leva a deplorar, respeitosa mas profundamente, que Paulo VI haja associado sua voz – empenhando obviamente o prestígio da Igreja – ao coro dessas lamentações orquestradas pela propaganda esquerdista. E que o tenha feito em termos tais, que o Sr. Dutra Faria, diretor da agência noticiosa oficial portuguesa ANI, se tenha sentido no dever de declarar a propósito o seguinte: "Temos a dizer ao Papa, com todo o respeito, com toda a seriedade e com toda a energia, que não nos consideramos um povo de criminosos".

Uma nação de criminosos nosso admirável e querido Portugal!

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Melhor compreenderíamos que o Pai comum dos cristãos desse outro rumo à sua compaixão, e se solidarizasse com a indignação do mundo inteiro, despertada pelo fato de sete guardas da cortina de ferro terem disparado contra três infelizes que, muito legitimamente, procuravam escapar do inferno comunista para Berlim Ocidental.

Como se sabe, os berlinenses da zona livre fizeram, a este propósito um violento protesto que, para além do caso concreto, objetivava os recentes "aperfeiçoamentos" com que os soviéticos dotaram o muro de Berlim, como as famosas metralhadoras que disparam automaticamente, etc.

Esse célebre muro, que delimita o maior cárcere da História, ou seja: a imensa, sombria e melancólica região a cujos habitantes é proibido viajar, e em cujo recinto só poucos visitantes são admitidos, e sob que vigilância!

Creio que o mundo inteiro exultaria se Paulo VI se servisse desse crime recente como ocasião para elevar seu protesto contra o próprio muro, mobilizando assim a opinião mundial para que exigisse a destruição deste. O momento não poderia ser mais propício, uma vez que os soviéticos, carentes de toda espécie de auxílio do Ocidente, têm o maior interesse em não contrariar a opinião Ocidental, receosos de que ela forçasse os respectivos governos a restringir as liberalidades com que ajudam os tiranos vermelhos a se conservar no poder.

Mas os comunistas conhecem bem a fundo este triste e miserável mundo em que vivemos. E por isto, longe de temerem que qualquer voz de alto prestígio contra eles se levante, acabam de desafiar com insolência a opinião ocidental: os soldados que atiraram nos pobres trânsfugas foram condecorados!

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Minha alma de católico registra com alegria a atitude do Cardeal Heenan, Arcebispo de Westminster, o qual durante missa rezada em sua Catedral, declarou, na presença do glorioso Cardeal Mindszenty, que "o Ocidente não sabe ou não quer saber, hoje em dia, que a perseguição religiosa aumentou nos últimos meses na Iugoslávia e na União Soviética". O Prelado inglês aproveitou a ocasião para desafiar os comunistas a que convidem o cardeal Mindszenty a voltar a Hungria, se querem demonstrar que seus propósitos de paz são sinceros.

Estas são palavras de franqueza apostólica e denodo cristão, as quais, elas sim, confortam a alma de todo católico clarividente.

* * *

Enquanto assim se desenrola o ir e vir dos fatos, na sinistra tragédia contemporânea, o Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago, para sustentar no poder o marxista Allende, vai promovendo um diálogo entre comunistas e demo-cristãos.

O purpurado alega, como razão de sua política, a necessidade de evitar uma guerra civil. Mas é o caso de perguntar se com sua política ele não a provoca.

Com efeito, mantido o governo de Allende, o Chile continuará a descambar pelos abismos da miséria. E segundo os congêneres do Cardeal Silva Henriquez em todo o mundo, isto é, os esquerdistas católicos, os povos reduzidos à miséria acabam por se revoltar. E até têm o direito de o fazer...

Pelo contrário, se a enorme influência do Episcopado se somasse à poderosa oposição anticomunista que existe no Parlamento e no povo chileno, tudo leva a crer que Allende seria obrigado a renunciar ingloriamente ao poder.


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