Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 13 de outubro de 1974

Ternuras que arrancariam lágrimas

"Os dois grandes tormentos do Prelado: crucificado pelo Kremlin e traído pelo Vaticano". Com essas palavras, o "The Sunday Telegraph", de Londres, iniciou no dia 15 de setembro p.p. a transcrição das tão esperadas memórias do Cardeal Mindszenty. Quanto à gloriosa crucifixão do Prelado húngaro, já é muito conhecida. – Terá havido realmente uma "traição" do Vaticano em relação a Mons. Mindszenty? No texto das memórias, noto que o Purpurado não usou essa dura e atrevida palavra. A manchete do "The Sunday Telegraph" atribui portanto ao cardeal mais do que ele quis dizer. Mas nem por isto deixam de arrepiar os fatos por ele narrados.

A jogada do Vaticano – conta o grande Cardeal – começou em 1971. Tinha início, então, o terrível drama da détente com o comunismo acionado a quatro mãos – do lado do Ocidente – por Nixon e Paulo VI. Um dos efeitos quase imediatos desse processo de autodemolição da Cristandade – pois objetivamente outra coisa não é a détente - foi que o Vigário de Jesus Cristo e o então Presidente dos EUA começaram a pressionar o Cardeal húngaro, por manifesta imposição do governo de Budapest. Este último nada desejava mais ardentemente do que ver Mons. Mindszenty fora do território húngaro. E assim, o Purpurado começou a sentir que já não era persona grata na embaixada norte-americana, onde se refugiara. Ao mesmo tempo Paulo VI delegava junto a ele um prelado para incitá-lo a sair da Hungria.

Embaixada norte-americana em Budapest, onde se refugiara o Cardeal Mindszenty

Não disponho de espaço para resumir aqui as múltiplas e sinuosas propostas que o Vaticano fez a Mons. Midszenty. Todas elas deixavam transparecer o desejo da Santa Sé de atender a três desiderata essenciais de Budapest: 1) que o Cardeal deixasse a Hungria; 2) que, fora da Hungria,  ele se abstivesse de qualquer ação própria a desagradar o governo húngaro; 3) que, em conseqüência, ele se deixasse anular inteiramente, enquanto paladino da reação católica contra o comunismo.

Em compensação, gozaria ele – cumulado de honras – de um tépido e ameno fim de vida, em Roma ou alhures.

Depois de várias recusas tão coerentes quanto cristalinas. Mons. Mindszenty chegou, por fim, e muito a contragosto, a uma combinação que lhe pareceu ser o máximo do que poderia aceitar sem ferir sua consciência. Deixou então a embaixada norte-americana a 29 de setembro de 1971. Ao sair do edifício, abençoou, num grande gesto paternal e trágico, sua Diocese e sua Pátria. E acompanhado do Núncio Apostólico de Viena, transpôs a fronteira com a Áustria. De passagem por Viena, recebeu as homenagens de Mons. Casaroli. Este o acolheu com o mesmo sorriso que mais tarde traria nos lábios ao tratar com Fidel Castro. A alegria do Kissinger vaticano se explica: estava cumprido o primeiro ponto do programa do governo de Budapest. O Cardeal-Primaz já não molestava os chefes ateus e igualitários da Hungria atual.

* * *

A boa acolhida de Mons. Casaroli não foi senão um prenúncio de melhor acolhida ainda da parte de Paulo VI. Os jornais do tempo publicaram largamente todas as honrarias e atenções do Sumo Pontífice para com o crucificado Cardeal.

Mas, ainda mesmo antes disto, começaram as surpresas. Chegando a Roma. Mons. Midszenty tomou conhecimento de que o órgão oficioso do Vaticano, já no dia 28 de setembro, se referia à saída dele como a remoção de um estorvo para as boas relações entre a Igreja e o governo húngaro. "Para mim – comenta o Cardeal – foi a primeira experiência amarga, pois compreendi que o Vaticano não estava dando nenhuma atenção aos termos específicos que eu havia formulado em Budapest".

Não causa arrepio?

Fatos posteriores vieram confirmar a estranheza de Mons. Mindszenty.

Havia ficado combinado que, depois de uma estadia em Roma, o Cardeal residiria no Seminário húngaro de Viena. O corolário dessa obrigação assumida pela Santa Sé era que esta última obtivesse o agreement prévio do governo austríaco. Comenta o Cardeal que, segundo parece, o Vaticano não tomou essa providência. Pois quando, após três semanas de estada em Roma, ele quis partir para Viena, o embaixador austríaco junto à Santa Sé se pôs a levantar dificuldades. O indômito Cardeal aplainou as barreiras e a partida foi decidida.

O ato em que Mons. Mindszenty se despediu de Paulo VI ficará para sempre na História da Igreja, quer pelo que então sucedeu, quer pelo que veio depois. O Papa da détente teve para com o herói do anticomunismo ternuras que arrancariam lágrimas. – E depois...

Depois veio o pior.

Disto nos ocuparemos no próximo artigo.


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