Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

  Bookmark and Share

16 de agosto de 1978

Clareza

Nestes dias, a atmosfera eleitoral satura de alto a baixo nosso panorama. No Brasil, bem entendido. E, com a morte de Paulo 6º , também na Igreja. Nossa pátria temporal e nossa pátria espiritual estão em fase de eleição.

Entre o pleito nacional e o augusto conclave que em breve se reunirá em Roma, as diversidades são imensas. O que decorre legitimamente da natureza das coisas.

Porém, se tantas são as diversidades entre uma e outra eleição, entre elas não faltam também pontos de afinidade. Destes, saliento um. Embora extrínseco a ambos os atos eleitorais, tal ponto de afinidade os condiciona em alguma medida. E a este título tem sua importância.

Tanto no que diz respeito ao conclave como às eleições brasileiras, noto que os comentários e os prognósticos dizem mais respeito às pessoas do que aos programas.

Nesta época em que o público tem tanta influência até mesmo nos círculos mais reservados – nesta época em que tanta gente confunde público com publicidade, e imagina candidamente que a face da publicidade exprime sempre a do público – nesta época, enfim, em que tantas vezes um público átono, adormecido, deixa correr os acontecimentos sem entender o clamor publicitário, nem a conduta dos homens públicos, frequentemente hiper-sensíveis a tal clamor, pergunto: será real que as multidões vêem e sentem as coisas como as apresentam tantos dos chamados meios de comunicação social?

No tocante ao Brasil, como a Igreja sou levado a responder pela negativa. Deixo aqui de lado o Brasil, pois assim o manda o amor à brevidade. E passo a falar da Igreja

Da Igreja, sim, nestas vésperas de conclave.

Diante do caudal de nomes de candidatos ao papado, que lhe vão sendo apresentados, o povo não quer saber tanto qual o lugar de origem, a idade e a carreira eclesiástica, nem qual a fisionomia deles (fisionomia que cabe o mais das vezes, em uma das variantes em curso: jovial-risonha, caridosa-tristonha, desgrenhada-frenética, esta última ainda não em voga para cardeais). O que o povo quer saber se reduz a esta pergunta principal: Paulo 6º, anunciou que a Igreja estava sendo vítima de um misterioso "processo de autodemolição" (alocução de 7-12-68) e que nela penetrara a "fumaça de Satanás" (alocução de 29-6-72). O falecido pontífice – ante cujos restos mortais me inclino aqui com a devida veneração – partiu pois para a eternidade com a autodemolição em curso, e a fumaça de Satanás em expansão. O que pensará seu sucessor sobre a autodemolição e a fumaça? Como se conduzirá uma e outra?

Mil outras questões poderiam ser formuladas acerca do novo papa. Mas as que acabo de considerar primam sobre as demais. Pois quem navega numa barca em meio à pior fumaça, e em companhia de passageiros que vão desconjuntando o madeirame, se interessa de imediato e principalmente em saber o que vai ser feito a respeito da fumaça e dos demolidores da barca. Ora, a Santa Igreja de Deus é a admirável, a nobilíssima, eu quase diria a adorável Barca de Pedro. É natural que tais perguntas, se as formulem, nestes dias, também os passageiros desta Barca.

São incontáveis os católicos segundo os quais a fumaça e a autodemolição se identificam, a justo título, com duas grandes tendências existentes na Igreja de nossos dias. Uma destas tendências se desenvolve no plano teológico, filosófico e moral. É o progressismo.

A outra tendência se desenvolve no tríplice plano diplomático, social e econômico. Ela se chama, segundo o ângulo em que é considerada, aproximação com o Leste, aproximação com o socialismo e aproximação com o comunismo.

Se considerarmos que o progressismo é, por sua vez, uma aproximação com os mil aspectos do que se convencionou chamar "mentalidade moderna" (a qual é, até certo ponto, uma ficção a que poucos homens aderem inteiramente, muitos só aderem com restrições e em proporções acentuadamente variáveis, e que não poucos rejeitam), chegamos à conclusão de que o futuro papa terá seu pontificado essencialmente marcado pela atitude que tomar diante disto que podemos qualificar de dupla aproximação: a) a mundano-publicitária-progressista; b) a socialo-comunista.

Desculpe-me o leitor os neologismos. Talvez conviesse compô-los de outra maneira. Apresentam-se-me ao correr da pena, e me servem para exprimir fácil e rapidamente o que quero dizer. Poupam, assim, o tempo do leitor, como o meu. Em nossa época, a pressa obtém indulgência para muitas deselegâncias...

O que pensam dessas aproximações os múltiplos cardeais cujos nomes vão sendo lançados como "papabili"? Como vê cada um deles as correntes rumo às quais esses movimentos de aproximação os convidam? Como hidras que é preciso abater desde logo com o gládio de fogo do Espírito? Como adversárias inteligentes, dúcteis e talvez um pouco bobas, com as quais é possível conduzir lentas, cômodas e quiçá até cordiais negociações? Como parceiras, em uma coexistência ou mesmo colaboração perfeitamente aceitável, e por alguns lados até simpática? Estas são, entre mil, as perguntas que a maioria dos passageiros da sacrossanta Barca de Pedro gostariam de fazer a cada "papabile".

E para estas perguntas, que pairam no ar, o mais das vezes não vejo em torno de mim senão fragmentos de respostas, opacos, viscosos, totalmente insatisfatórios.

Ora, queiram ou não queiram, quando do alto da "loggia" de São Pedro for proclamado o nome do novo papa, e o consueto clamor de alegria se levantar da imensa praça circundada pelas colunatas berninianas, ao mesmo tempo uma muda mas ansiosa interrogação se apresentará aos espíritos. Será o novo sucessor de São Pedro, ante os promotores das aproximações, um batalhador, um negociador, ou um ajeitador?

E ele, em quem residirá o excelso poder das chaves, cujas decisões são soberanamente independentes dos juízos dos homens, mas cuja missão pastoral não o poderá deixar indiferente às aspirações e necessidades das ovelhas, se perguntará, na hora solene da sua aclamação: qual das três atitudes espera de mim este povo imenso?

Enquanto aguardamos, na prece ininterrupta, submissa e confiante, esse momento ápice do primeiro encontro estuante de júbilo e carregado de preocupações, resta-nos perguntar: o que deseja a grei fiel?

Vários, é bem claro, têm sua preferência definida por um papa que tome inteiramente esta ou aquela das atitudes, ante a dúplice aproximação. Classifico-me, todos o sabem, entre os que exultariam com a escolha de um papa combativo como São Gregório 7º ou São Pio 10º. Outros preferem nitidamente um papa "aproximacionista", como foi em seu tempo Pio 7º . E assim por diante.

Mas a imensa maioria dos fiéis, o que desejará ela?

À primeira vista, parece apática. Tal apatia será desinteresse? Não o creio.

O que será então? A meu ver, é a expressão do desconcerto respeitoso, e por isso mesmo silencioso, de quem não entende, não concorda e nem ousa discordar.

Essa imensa maioria, em cujo silêncio me parece discernir traços óbvios de fadiga, angústia e desânimo, deseja de imediato, e antes de tudo, clareza.

Sim, ela deseja, num silêncio que se vai tornando enfaticamente perplexo, saber sobretudo o que é esta fumaça, quais são os rótulos ideológicos e os instrumentos humanos que servem a Satanás como "sprays" de tal fumaça, no que consiste a demolição, e como explicar que esta demolição seja, estranhamente, uma autodemolição?

Não é o que o sr. gostaria de saber, leitor? A senhora, leitora? Pois eu também. E como nós, milhares, milhões, centenas de milhões de católicos.

E o que há de mais justo, de mais lógico, de mais filial e de mais nobre do que pedirem os filhos da luz àquele a quem foi dito: "Tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja", pedirem-lhe clareza?


Home