Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

23 de maio de 1971

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Aturdimento, passo para a derrota

Impressiona-me um contraste. De um lado, as informações postas ao alcance do público jamais foram tão fartas. De outro lado, jamais este se sentiu — creio eu — tão átono e embaraçado diante delas.

Fixo um termo de comparação remoto, para que o contraste possa ser mais bem sentido. Antes da II Guerra Mundial, o leitor médio era largamente informado pelos jornais acerca do que de mais importante ocorria, não só em seu próprio país, como também na Europa e nos Estados Unidos. Em segunda plana, como quantidade e importância de material informativo, vinham as demais regiões da civilização ocidental, isto é, as três Américas, a Austrália e a África do Sul. Ainda na mesma plana, estava, a impor-se por sua importância política e econômica, o Japão. Em terceira linha figuravam as notícias, raras, referentes aos demais povos: um ciclone, uma inundação, o casamento ou o divórcio de um monarca, uma revolução ou uma guerra. Eram fatos rumorosos, que espoucavam num mundo imenso e confuso, que dormia... ou parecia dormir. E que, assim como por lá explodiam, por lá mesmo se consumavam e sumiam.

Se a área abrangida pelo noticiário farto era bem menor do que hoje, a índole das notícias era bem mais clara e risonha. Os Estados Unidos, no auge da prosperidade, desfrutavam o que os americanófilos de todos os países consideravam, deslumbrados, as maravilhas e as delícias do "american way of life". Na Europa, resplandecia uma ordem de coisas na qual se fundiam o prestígio dos séculos idos com o da ciência, da técnica e do conforto contemporâneos. Ora os telegramas falavam de recordes de velocidade, de eficiência ou de extravagância batidos na terra de Tio Sam, ora de livros sensacionais ou "avant-premières" deslumbrantes nas grandes capitais européias. Ou então de estações turísticas que chegavam ao auge, de achados arqueológicos que revelavam mundos novos, ou de debates parlamentares insignes que se travavam na velha Europa. Toda esta baralhada brilhante e otimista dava um ar de mundo em festa, a que no Brasil nos associávamos como podíamos, com nossas altas de café, nossas viagens ao Exterior, nossas festas domésticas e a glorificação dos artistas e intelectuais da casa: Rui ("a Águia de Haia"), Bilac, Oswaldo Cruz e tantos outros.

O noticiário apresentava também sombras no quadro. Mas estas serviam em boa parte para o tornar mais animado ainda. Hitler rugia, o Duce carrancudo arengava as tropas que partiam para a Etiópia. Um vento frio, de crueldade, cinismo e irreligião, soprava da Rússia. A Inglaterra continuava na fleugma triunfal de sempre, mais ocupada com episódios como o do casamento de Eduardo VIII do que com os problemas que se acumulavam no horizonte. A figura decorativa de Pio XII, "gloriosamente reinante" (tal era a bela fórmula oficial então usada), pairava em paz sobre as imensidões da Igreja. A França se divertia, e deixava correr os dias. A Espanha cicatrizava dos efeitos da guerra civil. E Portugal se ia reorganizando passo a passo.

Estas são "pêle-mêle", algumas visões, cronologicamente desencontradas, que nos dão algo do brilho, do dinamismo, da precariedade também, daqueles idos distantes.

Digo da precariedade, porque as crises, as tensões e os fatores de descontentamento não faltavam, mas eram — pelo menos em boa parte — relegadas para um canto do quadro. Na parte central deste, as coisas eram claras. Havia um mundo comunista e um anticomunista. No primeiro — isto é na Rússia — a paz das prisões e dos sepulcros. No segundo, o florescimento da civilização... No mundo não comunista, os PCs tentavam jogar tudo por terra: era a esquerda. Os nazismos tentavam liquidar os PCs e implantar imperialismos frenéticos: era a direita. As democracias organizavam a vida boa e a fruíam. Era o centro. A partir destas posições bem claras, decorriam lutas lógicas, cujos lances podiam ser acompanhados facilmente por todos. Nelas, cada qual sabia claramente onde colocar suas preferências. E era, por assim dizer, torcedor de um time bem identificado.

-- Panorama claro? — Sim, claro e simples. Ou melhor, simplório. Os problemas reais eram subestimados ou silenciados. As realidades de subsolo eram quase desconhecidas. E esta mutilação da realidade nos noticiários foi um erro. Pois se o público tivesse tido conhecimento da verdade total talvez tivesse imposto aos acontecimentos um outro curso.

* * *

Depois da II Guerra Mundial, e muito especialmente em nossos dias, aconteceu o contrário. Veio tudo à tona. Noticia-se tudo, a respeito de todos os países. E segundo uma tabela de valores bem diversa.

As fricções entre as repúblicas africanas ocupam mais espaço que uma queda de gabinete na Suécia. A rivalidade franco-alemã quase desapareceu, mas a luta do Vietnã, a tensão nas duas Coréias, as lutas entre árabes e judeus, as tensões e distensões entre russos e chineses, o descontentamento dos tártaros na Criméia, a concentração nudista na Ilha de Whight, os hippies que promovem contestações-bomba nos Estados Unidos, o Arcebispo de Paris que protesta contra a punição dos desordeiros sacrílegos na Basílica do Sacre-Coeur, o Ministro da Defesa da Alemanha Ocidental que compra trinta mil redinhas para conter as longas melenas femininas dos soldados do Exército alemão, a última proeza dos terroristas de vários tipos (pois há um terrorismo de sangue, como há o terrorismo publicitário, ou ainda o terrorismo indumentário das modas enlouquecidas, ou por fim o terrorismo pornográfico da agressão sexual), o homem planejando chegar a Marte, o câncer que ninguém vence e Paulo VI recebendo moças de short, tudo isto é "notícia". — E o que faz esta sarabanda informativa? Interessa? Atrai? Orienta?

-- A meu ver, o mais das vezes causa acabrunhamento, superexcitação, e por fim tédio. Sim, o tédio dentro da superexcitação; eis o estado de espírito que a pletora informativa cria em muitos e muitos de nossos contemporâneos.

Em suma, todos sabem de tudo, não entendem nada, alguns ficam com os nervos a tinir, e quase todos, à falta de melhor, bocejam.

* * *

-- E como poderia ser de outra maneira?

Tudo parece estar continuamente correndo para um abismo... que nunca chega ou pode chegar de um momento para outro.

-- A "ostpolitik" chegará a seu termo, abrindo as portas da Europa para a invasão ideológica e política da Rússia? — Parece que sim, mas a coisa está engasgada. Pergunte ao leitor médio por que. Ele já perdeu o pé e não sabe mais.

-- A "vietnamização" da guerra do sudeste asiático chegará ao seu termo? — Parece, mas tão devagar que ninguém sabe quando. — Ela importará na vitória do comunismo? — Parece, mas certo não é. Pergunte ao leitor o que pensa. Ele já não sabe.

-- A luta árabe-israelense, a quantas anda? — Poucos leitores o saberão dizer claramente. — No que dará? Num impasse de década ou num acordo súbito e precário? Ou, talvez na deflagração da III Guerra Mundial, antes mesmo de eu acabar de escrever este artigo? — Ninguém sabe.

-- Quem poderá prognosticar o que teremos no Vaticano depois da recepção das moças de short? E quem poderá dizer qual a nova concessão de Nixon na sua triste trajetória para o ocaso dos EUA? — Ninguém ousa prever.

-- Na América do Sul, aqui bem perto de nós, o que farão o Chile e a Bolívia comunistas, junto com o Peru... "peruanizado"? Atacará os países livres? Fa-lo-ão com armas? Com propaganda? O que fará então a parte ainda livre do Continente? E como agirão as superpotências em face disto? Lanusse para onde vai? Ou para onde arrasta o hemisfério? — Tudo pode acontecer. Ou nada acontecerá. Ninguém se entende.

* * *

Mas, dir-me-á alguém, aí o mal não está tanto no excesso de notícias como no excesso de desordem. — Concordo. Os dois fatores se somam.

Mas pergunto: até que ponto a desordem dos fatos, já de si tão imensa e tão trágica, é ainda agravada pelo sensacionalismo trepidante dessa superprodução informativa?

E, principalmente, a quem aproveita essa superexcitação?

No mundo comunista ela entra em conta-gotas, filtrada por uma censura implacável. Enquanto no nosso circula em torrentes.

-- E que efeito produz aqui? O que é próprio do aturdimento senão desanimar e tirar a vontade de lutar?

O declínio da vontade de lutar já é a metade da derrota...

É para este fenômeno, que peço a atenção dos homens capazes de lhe encontrar remédio.