Plinio Corrêa de Oliveira

 

Ainda o fascismo

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 8 de janeiro de 1939, N. 330

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Não comentamos ainda no “Legionário” as palavras do Papa contra os erros de que é culpado o fascismo. Estas palavras, entretanto, foram de tal teor que um jornalista católico não poderia deixar de lhes dedicar sua melhor atenção, sem faltar a um elementar dever. Procuraremos, pois, em nosso número de hoje, dizer alguma coisa a este respeito.

A primeira observação que as palavras do Sumo Pontífice sugerem é de que seu tom foi peremptório, e não admitiu dúvidas nem interpretações capciosas. Sua Santidade, para tornar claro seu pensamento, não poupou adjetivos. Para manifestar sua apreensão, fez questão de dizer que as preocupações que a situação italiana lhe causa são “graves” e lhe trazem “amargas tristezas”. Em outro tópico, para definir as medidas coercitivas de que a Ação Católica tem sido objeto, o Santo Padre as chama de “vexatórias”. E, depois de declarar que seu coração foi “dolorosamente atingido”, teve ele esta frase digna de nota: foram “desrespeitados os cabelos brancos do Papa” e a conduta do governo italiano para com ele foi “brutal”.

Com isto, para um espírito católico - já não digo para um católico de primeira água, mas para um católico qualquer, dos mais medíocres e até dos mais imperfeitos - está definitivamente condenada a política que o governo fascista tem seguido para com a Santa Sé.

Quando o Vigário de Cristo é “brutalmente” atingido, quando até seus “cabelos brancos de Pai” são ultrajados, quando seu coração se enche de “amargas tristezas” causadas pelos erros do filho, ou já não se ama o velho Pai ofendido, ou se rompe com o ofensor desvairado. Não há outro caminho.

A este propósito, cumpre notar que as palavras do Papa definem nitidamente uma situação aguda. Não se trata de males toleráveis, de desatenções simplesmente negligentes, de injustiças suportáveis. No dizer do Papa, a situação se tornou intolerável, as ofensas são brutais e intencionais, e as injustiças feriram pontos tais - como o casamento - que atingiram na sua substância a paz religiosa na Itália.

* * *

Abstração feita dos fatores sobrenaturais, quais as circunstâncias concretas dentro das quais o Papa falou?

As mais desfavoráveis que se possam imaginar. O adversário, o Papa o qualificou de “brutal”. Ora, acontece que este adversário brutal é, no momento, onipotente. Toda a imensa engrenagem de um Estado que se tornou absorvente e totalitário está em suas mãos. A qualquer momento, este adversário “brutal” poderá investir sobre o Vaticano. E, com isto, não é só a situação religiosa da Itália, mas a do mundo inteiro, que sofrerá um estremecimento profundo, pelos inconvenientes decorrentes de uma perturbação da maior gravidade, introduzida pela violência, no próprio governo da Igreja universal. Efetivamente, pode-se imaginar que inconvenientes acarretaria para o mundo inteiro uma eventual ocupação do Vaticano por milícias hostis? Claro está que a força bruta nunca conseguirá forçar o Papa a falsear o magistério de São Pedro. Mas a paralisação, por tempo indeterminado, de toda a engrenagem de governo espiritual da Santa Sé traria, evidentemente, incalculáveis prejuízos para a Cristandade inteira.

Falando com tal desassombro, o Papa evidentemente se expôs a isto. Se não imediatamente, ao menos em um futuro que não seria talvez tão absolutamente remoto, como alguns se comprazem em prever.

No entanto, arrostando todos estes imensos inconvenientes, o Papa falou. Falou para quê? Para remediar um mal maior. Que mal? A situação atualmente existente na Itália, com os perigos futuros que ela encerra em seu bojo. Neste ponto, portanto, reside um mal maior do que no de todas as eventualidades funestas que acima lembramos...

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Entrevejo, nos lábios irritados de alguns leitores, um sorriso céptico e cheio de ironia. O povo italiano é católico, dir-se-á, e este povo católico nunca daria sua adesão a uma situação tão intolerável, criada por Mussolini. Este, se não em virtude de suas convicções íntimas, ao menos em atenção a seus mais essenciais interesses, se absteria de tais violências.

Sim? E o povo espanhol, seria ele porventura menos católico do que o italiano? Entretanto, o que é que lá ocorre presentemente? E a unanimidade católica da Itália de hoje, será ela porventura mais densa do que a da Itália de 1870? Entretanto, o que aconteceu ao Papado em 1870? E o Brasil? Também não é ele muito católico? Entretanto, não são os próprios fascistas aqui residentes os primeiros a reconhecer que escapamos de graves perigos por ocasião do motim comunista de novembro de 35?

Dirá alguém que isto se dá com o comunismo, ao qual o fascismo não pode ser comparado. É um argumento confusionista. Entretanto, refuta-se facilmente este erro. Concedamos, para argumentar, que o fascismo seja imensamente melhor do que o liberalismo e o comunismo. Se a Itália em 1870, a Espanha e o Brasil não se opuseram ao mal infinitamente maior, que seria o comunismo ou o liberalismo, como esperar que sua oposição fosse decisiva contra um mal menor, como o fascismo? Quem não se move para evitar um mal igual a 100, mover-se-á porventura para evitar um mal igual a 10?

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A situação, pois, é muito séria. Achar o contrário seria chamar o Santo Padre de leviano. Séria, por quê? Porque o Sr. Mussolini quer que ela assim o seja. Do contrário, se tivermos que admitir que alguém, fora da Itália ou dentro dela, force o Sr. Mussolini a agir assim, chegaríamos à conclusão de que este não é o grande homem que a propaganda fascista nos aponta, mas um simples boneco de palha.

Mas, se o Sr. Mussolini quer agir assim, como se explica um outro fato curioso? Disseram os jornais que o chefe do governo italiano passou com sua família o Natal em absoluta intimidade, tendo ordenado a ereção de um presépio, para substituir a árvore de Natal “nórdica e pagã”.

Bela cena! Enquanto as ordens do Sr. Mussolini feriam brutalmente o Papa, se preparava, também por sua ordem, um enternecedor presépio do Natal! Sorrir ao Menino Jesus, enquanto esbofeteia o Papa! Como se chama isto? Coerência? Lealdade? Ou mera manobra “pour épater les bourgeois” [enganar os ingênuos]?

Muito mais nórdica e muito mais pagã do que a árvore de Natal que o Sr. Mussolini proscreve é sua política racista. Por quê a adota ele, então?

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Dirão alguns que todos os fascistas abandonarão o Sr. Mussolini, em caso de conflito deste com a Igreja. Muitos, sim. Todos, não. A prova disto é fornecida por muitos leitores que, enquanto lerem este artigo, se encherão de furor contra nós.

Seu furor não se dirigirá contra o Sr. Mussolini, que ofendeu brutalmente o Papa, mas contra nós, acusados de ofender brutalmente (!...) o Sr. Mussolini. E ainda haverá gente assim que tenha a coragem de dizer que é católica?


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