Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Sanguis Christi, inebria me

 

 

 

 

 

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Legionário, N.º 636, 15 de outubro de 1944

Vimos em nosso último artigo, o nexo íntimo dos dois primeiros anelos enunciados pelo novo Arcebispo de São Paulo, a instrução catequética e a vida eucarística do povo, com as duas primeiras súplicas do “Anima Christi”.

Outro anelo muito vivamente expresso por Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota é que São Paulo tenha muitos Sacerdotes. Nada mais justo. O Sacerdote é necessário para distribuir os Sacramentos, para ensinar os fiéis, para auxiliar o Bispo no governo da Igreja. Ora, sem os sacramentos, a doutrina, o governo da Igreja está subvertido todo o sistema de salvação das almas. Assim, portanto, o Sacerdote é indispensável para o “unum necessarium” que é a conquista da eterna bem-aventurança, a realização da glória de Deus em suas criaturas. Ademais, sem o Sacerdote não há verdadeira civilização. O grande Pontífice Pio X escreveu que a única civilização verdadeiramente digna deste nome é a católica. As outras civilizações, a grega, a romana, a hindu, são rascunhos, esplêndidos rascunhos se quisermos, mas enfim meros rascunhos, meros esboços de civilização. De fato, toda a civilização nasce da excelência das qualidades do homem. Ora, o homem só atinge a plenitude da perfeição moral possível nesta terra com o auxílio dos sacramentos, do magistério e do governo da Igreja. Logo, sem o Sacerdote não há civilização plena, verdadeira.

Assim, pois, todos os mais santos interesses da Igreja e da Pátria reclamam uma abundante florada de Sacerdotes em nosso país.

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Mas a vida sacerdotal, cheia embora de consolações sobrenaturais, é toda ela feita de cruzes. Em algumas casas de Sacerdotes tenho visto uma gravura que representa um jovem presbítero, que oferece durante a Missa a Sagrada Hóstia. O Redentor, cujo vulto aparece de forma imprecisa, cinge ao mesmo tempo a fronte do jovem levita com uma coroa de espinhos. O dístico é: “Pontífice e vítima”. Não conheço símbolo melhor do que seja, em essência, a vida sacerdotal.

Como acender nas jovens gerações contemporâneas, atraídas de todos os lados para as seduções do mundo paganizado, o amor à vida de imolação, que é própria ao Sacerdote? Como torná-las insensíveis aos clamores da prudência humana, que lhes aconselha a fugir como de um espectro, desta vida mortificada, e a abraçar com todo o ardor os prazeres do século?

Os espíritos mundanos taxam de loucos os jovens que se dirigem para o Seminário. E realmente é preciso a santa loucura da Cruz, o amor varonil e sobrenatural ao sofrimento, para que um jovem possa renunciar ao século e ingressar no curso sacerdotal. Essa santa loucura, os cristãos só a adquirem na vida eucarística. É a divina embriaguez do sangue de Cristo, do Vinho que gera as virgens e os Sacerdotes, é essa embriaguez que se trata de despertar, para que sejam numerosas, vivazes, fecundas as vocações em nossa terra.

Lendo o que Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota almeja em matéria de vocações, e vibrando em uníssono com seu coração, a jaculatória que se evola de nosso peito não pode deixar de ser esta: “sangue de Cristo, inebriai as novas gerações paulistas.”

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O povo compreende até certo ponto a necessidade de um Clero numeroso. Não é tão frequente encontrar quem compreenda a necessidade de um Clero santo.

Aí está, entretanto, toda a doutrina da Igreja, toda a hagiografia cristã, a demonstrar que a eficácia da ação sacerdotal resulta muito mais da qualidade que da quantidade dos Sacerdotes.

Por isto, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota fala meticulosamente do que respeita à formação sacerdotal. Sente-se que o apaixona tudo que se relacione com os seminários, que não há recursos nem sacrifícios que meça para proporcionar aos futuros levitas a formação que devem ter.

No que consiste esta formação? O público em geral o ignora. Na vida apagada e humilde do seminarista ele vê apenas dois aspectos: a sequestração do mundo, e a especialização em matéria religiosa. Por mais importantes que sejam estes aspectos, estão longe de esgotar toda a realidade. A um ilustre sacerdote francês perguntou-se certa vez o que fizera em seu tempo de seminário. É muito simples, respondeu: éramos dois, atirei um pela janela e ficou o outro. Quem será capaz de compreender hoje esta linguagem?

Todos nós nascemos, em consequência do pecado original, com defeitos morais profundos. Houve um escritor que disse que cada geração nova é uma invasão de bárbaros no mundo. Esses defeitos existem tão no fundo de nossa personalidade que extraí-los é o mais doloroso dos labores. Nosso Senhor emprega uma expressão extremamente enérgica, para significar nosso apego aos defeitos: compara-os com órgãos de nosso próprio corpo, e por isto, diz que devemos arrancar o olho, cortar o pé que nos escandalize. Em outros termos, romper com um defeito é tão duro quanto seccionar um pé, arrancar um olho! Toda a vida espiritual se faz matando energicamente nossos defeitos, desenvolvendo nossas qualidades segundo o divino modelo que é Nosso Senhor Jesus Cristo. A vida de seminário é destinada precisamente a vibrar as acutiladas decisivas e irremediáveis nos defeitos com que se nasce. É uma luta vigorosa contra tudo que possa significar imperfeição. É preciso “atirar pela janela” estes pendores maus. E os que têm experiência desta faina sabem que não há no mundo coisa tão gloriosa, nem tão dura, nem tão divina.

Sinto entusiasmo, ardor de fervorosa admiração pelos jovens que vejo percorrer a cidade, vestidos de um negro traje sacerdotal que destoa vivamente da juventude de seu semblante, jovens que de passo apressado e maleta na mão se dirigem, depois de alguns meses de férias, para o curso do Seminário. O mundo não compreende a beleza de sua vida. Mas os que sabem por experiência própria quanto é duro lutar com os próprios defeitos, não podem deixar de se entusiasmar diante da abnegação desses moços, que vão ao Seminário colocar-se debaixo do influxo do Espírito Santo para, com o auxílio da graça, conformar corajosamente suas personalidades deformadas pelo pecado original, com o protótipo de sacerdote, que é Cristo, Senhor Nosso.

E quanto importa à Igreja, à Cristandade, que eles façam bem essa tarefa. Ah, se os que conhecem a vida dos povos soubessem apreciar devidamente os segredos da graça, compreenderiam que os destinos das nações se jogam muitas vezes nos seminários, e que é, acima de tudo, de um clero santo, de um clero que se tenha libertado de todas as manchas com que nasce o homem, que procede a grandeza espiritual dos povos.

O Santo Padre Pio XII dirigiu aos pregadores quaresmais de Roma uma alocução magnífica, que o LEGIONÁRIO publicou recentemente. Nessa alocução, o Vigário de Cristo mostra em que abismos de decadência moral despenhou o mundo contemporâneo. Contemplando esta pobre humanidade tão maculada pelo pecado, que outra súplica devemos fazer senão: “aqua lateris Christi, lava nos”? Se não nos lavar a água do lado de Cristo, o que nos lavará? E que outras mãos lavarão com a água do lado de Cristo o mundo contemporâneo senão, acima de tudo, as mãos sacerdotais que durante os austeros e felizes tempos do seminário se tenham elas mesmas assídua e largamente lavado nessa fonte única de que mana toda a pureza?


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