Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Uma grande e nobre data

 

 

 

Legionário, N.º 645, 17 de dezembro de 1944

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Com celebrações que se generalizarão em todo o país, o Brasil católico festejará, no próximo dia 21, o jubileu episcopal do eminente prelado que representa entre nós o Vigário de Jesus Cristo. Vivemos em um mundo oprimido pelo erro, dilacerado pela luta. Bom é que desviemos por alguns instantes os nossos olhos do quadro lancinante que de todas as partes rodeia nosso país, para considerarmos a edificante e harmoniosa concórdia de toda a imensa grei brasileira, festejando nos vínculos da Caridade aquele que representa entre nós a Cátedra da Verdade. Arrancamo-nos assim ao tumulto destes tristes dias, e nos preparamos para celebrar condignamente o Santo Natal que se aproxima.

A Fé pode ser chamada, segundo a bela expressão de Dante, luz intelectual cheia de amor, amor cheio de todo bem. O verdadeiro amor nasce, na Igreja, da consideração atenta e inteligente da Verdade, por meio do qual a vontade se orienta para o Bem, e nele se firma, e não na exaltação artificial e desordenada da sensibilidade. As luzes da Fé são cheias de amor. E esse amor é cheio de todo o bem.

Assim, pois, se queremos prestar nosso apagado concurso ao maior esplender desses festejos, lembremos, de modo embora sucinto, os múltiplos motivos que tornam o Sr. Núncio Apostólico credor das numerosas manifestações de que será alvo.

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A Sagrada Escritura compara freqüentemente a Igreja a um rebanho. Ora, o rebanho é o conjunto formado pelo Pastor e pelas ovelhas. A grande lei constitutiva do rebanho é que o Pastor esteja unido às ovelhas, as ovelhas ao Pastor. Do contrário, o rebanho se dissolveria. Na medula de todo coração católico deve encontrar-se pois o sentimento fundamental de um ardentíssimo e exatíssimo apego ao Vigário de Jesus Cristo, Pastor visível da imensa grei cristã. Nossa perseverança na Fé resulta precisamente dessa vontade eficaz de estarmos unidos àquele que é a coluna da Igreja, a âncora da salvação. Ser católico é estar unido ao Papa. Quanto mais se está unido ao Papa tanto mais se é católico. Deixar de ser católico é romper com o Papa. Onde está o Papa, aí está a Igreja – “Ubi Petrus, ibi Eclesia”. Logo, só está com a Igreja quem está com o Papa. Ora, só está com Cristo quem está com a Igreja. Logo, só está com Cristo quem está com o Papa.

Essas verdades teológicas têm na História uma grave confirmação. O LEGIONÁRIO publicou, há alguns anos atrás, o estudo de ilustre teólogo europeu sobre a causa por que as cristandades da África setentrional desapareceram tão rápida e completamente, sob a opressão dos povos bárbaros. Sua resposta foi que essas cristandades viviam unidas sem dúvida a Roma, viviam entretanto de uma união pesarosa, superficial, cheia de reticências para com os Sucessores de Pedro. E, disse aquele teólogo, a História nos mostra que só resistem às grandes catástrofes os povos fortemente unidos ao Papa. Unidos ao Papa de uma união jubilosa, profunda, meticulosa. De uma união dos filhos com seu Pai, de uma união cheia de entusiasmo, de dedicação, cheia de santo júbilo de viver na casa paterna. E não da união bruxoleante, cheia de tédio e de malquerença, com que mal suportava o jugo paterno o filho pródigo que se apressava a reclamar seu quinhão e desertar do lar em que nascera.

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Compreende-se, pois, que a Santa Igreja tenha multiplicado os meios de vincular à Cátedra de São Pedro todos os povos fiéis. Em primeiro lugar, cercando a autoridade episcopal de toda a grandeza e força que lhe pertence por divina instituição. São os Bispos, por excelência, os elos de ouro que prendem todos os povos à Cátedra de São Pedro. E, em segundo lugar, multiplicando sábia e suavemente os meios de contato da Santa Sé com todas as nações. Por isto, a Santa Sé dissemina por toda a face da terra essas magníficas milícias que são as Ordens Religiosas, direta e imediatamente subordinadas ao Papa para proclamar por todo o mundo, na sua mais cristalina pureza, a doutrina de Jesus Cristo e aos ensinamentos de seu Vigário. E, em terceiro lugar, por meio dos representantes que a Santa Sé envia a todas as Cristandades do orbe, a fim de serem a emanação mais próxima e mais direta do pensamento e do coração do Vigário de Cristo.

Esses são os Núncios, os mensageiros, os representantes que a Santa Sé costuma delegar junto aos governos e povos, como meio de tornar mais vivo, ágil, constante, normal, o contato do Papa como os vários rebanhos que constituem sua imensa grei.

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À vista do que ficou dito, não é difícil aquilatar a gravidade e nobreza das funções de um Núncio Apostólico. Se a união com Roma é a condição de toda a fecundidade da vida espiritual de um povo; se essa união, para ser plenamente fecunda, precisa ser diligente, cordial, filial; se a perfeição da vida espiritual de um povo é não só a melhor garantia de sua eterna salvação, como de sua grandeza temporal, compreende-se tudo quanto significa de responsabilidades, de encargos, de preocupações, a tarefa dos Núncios cujo ofício principal é proteger, estimular, incrementar de todos os modos essa união.

E como, na Santa Igreja, o “ônus” e o “honor” andam sempre a “pari passu, a Santa Sé tem adornado da maior dignidade os seus Núncios Apostólicos. Primeiramente, pelo caráter episcopal que lhes costuma conferir. Sucessores dos Apóstolos, irmãos pela Ordem, de todos os Bispos do mundo, cercados de privilégios canônicos relevantes, realçados pelas prerrogativas diplomáticas de que gozam na quase totalidade dos povos civilizados, os Núncios Apostólicos são verdadeiros dons de Deus, presentes da Igreja aos povos da terra, igualmente dignos do amor de Deus e dos homens.

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Nada de mais terrível para esmagar um homem do que a disparidade entre a eminência de suas funções e a insignificância de seus predicados. O povo tem, por vezes, olhos de lince para discernir desde logo essas desproporções. Na galeria dos soberanos que a História qualifica de ineptos, muitos há que seriam homens de uma envergadura acima da mediana se vivessem a vida de particulares. Não eram pequeninos. Fê-los parecer tais a desproporção entre o que deveriam ser por suas funções, e o que de fato foram.

Desde 1927, o Exmo. Revmo. Sr. D. Bento Aloisi Masella vem exercendo suas altas funções no Brasil. Por muitas transformações tem passado nosso país durante esse tempo. Mudaram-se homens e as instituições. O panorama político, social, econômico, cultural de nossa pátria tem passado sucessivamente pelas mais fundas e repentinas mutações. Nossa vida religiosa se tem desenvolvido de modo superior a toda a expectativa. De todos os lados, multiplicam-se os problemas. Entramos em franca adolescência nacional, numa terrível época da História. Entretanto, a figura do Núncio Apostólico, sempre nobre, sempre austera e veneranda, sempre discreta, pairou acima de tudo, mantendo intacto o prestígio e a autoridade do Vigário de Cristo, na massa da população brasileira, desenvolvendo com imensa amplitude os quadros do Brasil católico, e representando junto ao nosso governo, com o coração de verdadeiro amigo do Brasil, a Santa Sé Apostólica. É esta sua grande, sua esplêndida vitória de diplomata consumado, de homem de Igreja à altura dos maiores “homens de Estado” contemporâneos.

 

 

Oriundo de família nobre, o Exmo. Revmo Sr. Núncio Apostólico tem, na fidalguia do porte, na nobreza das atitudes, na despretensiosa e singela elevação de maneiras, todas as características de um gentil-homem de genuína fidalguia. Nascido na Itália, pátria por excelência dos diplomatas ágeis, observadores subtis, S. Excia. Revma. se formou por um longo tirocínio, na diplomacia da Santa Sé, famosa em todo o mundo, ao mesmo tempo pela impecável elevação de seus propósitos e pela alta sabedoria de sua conduta. Inimigo de atitudes espetaculares, e de propaganda em torno de sua pessoa. O Exmo. Revmo. Sr. Núncio Apostólico tem, entretanto, desenvolvido em nosso país um trabalho intenso, de que é índice muito significativo a multiplicação do número das Dioceses. Muito ativo, não há aspecto de nossa vida religiosa que não o interesse, ou que escape à sua ação. Na tranqüilidade veneranda dos amplos salões da Nunciatura, um visitante de primeira vista poderia ver o quadro normal de uma vida brilhante e despreocupada. Nada menos real. Aquela tranqüila dignidade que convém a todas as coisas nobres e grandes, se alia a uma operosidade de todos os instantes, estimulada pelo “zelo de todas as Igrejas”, que dia e noite não dava sossego ao Apóstolo.

Certo Bispo comparou uma vez a Nunciatura a um ponto de convergência para onde se dirigiam todos os problemas espirituais do Brasil. O Exmo. Revmo. Sr. D. Bento Aloisi Masella sente o peso desta dura cruz. Mas quem o visita, por seu acolhimento bondoso e paternal, por sua ininterrupta jovialidade, pela serenidade inabalável com que considera as mais difíceis situações, pode medir bem a envergadura excepcional desses homens que carregam essa Cruz com o espírito de conformidade, com uma continuidade de energia, de força e de desvelo, que só as personalidades muito e muito relevantes possuem como especial dom de Deus.

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Por quanto tempo o teremos? Por que lançar a sombra desta preocupação na alegria destes dias de festa? Por certo, a Santa Sé atrai a si os valores que se destacam no serviço da Igreja. No ápice da carreira diplomática – pois que o Brasil é considerado Nunciatura de primeira classe – com tantos anos de imensos labores, personalidade brilhante sob tantos aspectos, o Exmo. Revmo. Sr. Núncio Apostólico tem certamente voltados para si, de modo muito direto, as vistas augustas do Soberano Pontífice. Existe pois o perigo – “perigo”, sim, perdoado o que tem de egoístico esta expressão filial – de que de um momento para outro a Igreja o chame para tarefas ainda maiores. Mas não pensemos nisto. Tudo quanto ele fez o leva para o alto, e desprende de nós... mas nos prende a ele. É uma situação por demais complexa para ser vista por olhos de filhos. Fechemos os olhos a este problema, e gozemos tranqüilamente estas horas de júbilo do dia de hoje.


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