Plinio Corrêa de Oliveira

 

Liquidação de Contas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 31 de março de 1935, N. 168, pag. 1

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Como um casal em vésperas de divórcio, o Exército e a Nação estão em plena liquidação de contas, atirando-se reciprocamente à face todas as queixas velhas ou novas, justas ou injustas, que fervem no coração de cada um.

“Exército e Nação”, dissemos. Puro eufemismo. Na realidade, o Exército não é o grupo de politiqueiros de farda, de caudilhos insolentes, que o noticiário da imprensa cotidiana costuma reconhecer absurdamente como representantes autênticos das classes armadas do Brasil. Como também a Nação está muito longe de ser a camarilha de sanguessugas parlamentares ou ministeriais que, em seus discursos pomposos, costumam intitular-se a Nação.

A verdade a respeito deste assunto - e se trata aí de uma destas rudes verdades fundamentais, difíceis de dizer e desagradáveis de ouvir - é que toda a Nação está em mãos de camarilhas, de grupinhos, de “clãs” que se apoderaram da direção das forças vivas do Brasil, com exceção da Igreja.

O País foi inteiramente dominado - e já lá vão ao menos quarenta anos deste domínio - pelos políticos profissionais, que conquistaram todos os laboratórios onde se prepara a opinião pública, desde as Escolas Superiores, até a imprensa e o aparelhamento bancário.

O Exército não fugiu à regra geral, e também foi monopolizado por um grupo mais ou menos numeroso de pseudo-chefes, que o dirige a seu talante. E o mesmo sucedeu com a Marinha.

A Revolução de 1930 substituiu alguns destes chefes. Mas a substituição de chefes não significou, de forma nenhuma, a substituição dos verdadeiros valores aos bonzos. E tudo continuou como antes...

Longe das camarilhas, continua a grande massa da Nação. Esta massa que, do ponto de vista psicológico, ainda é absolutamente amorfa, apresentando apenas como traço saliente uma catolicidade que, mercê de Deus, se vai tornando mais coerente e mais acentuada.

Um exemplo, que já hoje se pode chamar histórico, elucidará perfeitamente o assunto.

Depois de 30, fundou-se o Clube 3 de Outubro, constituído unicamente por militares da “ala ardida” do Exército. Estes militares deliberavam, provocavam, ameaçavam, perturbavam, atrapalhavam, como se fosse todo o Exército. E, no entanto, feito o recenseamento de suas forças, encontrávamos neles apenas um reduzido número de oficiais de um prestígio inteiramente fictício. E tão fictício era tal prestígio, que, um a um, o Sr. Getúlio Vargas foi derrubando os ídolos do pequeno “Walhalla” do “3 de Outubro”, a começar pelos mais humildes, e a terminar pelo Sr. João Alberto. Isto quanto ao Exército.

Quanto ao elemento civil, não era outra a situação. Políticos que se diziam autênticos representantes da opinião foram, bruscamente, afastados. E, no entanto, a comoção da opinião por tal afastamento foi bem pequena. O que resta do Sr. Borges de Medeiros? Do Sr. Afranio de Mello Franco? Do Sr. Oswaldo Aranha? Do Sr. José Américo? Onde está a popularidade destes campeões da política que foram, em tempos, apontados pela opinião como “ditadores do ditador”? Do próprio Sr. Getúlio Vargas, o que restaria se lhe fechasse a carranca, em dado momento, a fortuna que lhe tem sido tão propícia? Que lágrimas acompanharam ou acompanhariam o enterro político destes “soi disant” reis da popularidade?

Vemos, pela própria experiência, o que há de artificial em tudo isto.

Pois bem. Brigam Exército e políticos. Pode-se dizer, por isto, que haja propriamente uma “questão militar”? Não. Há uma questão de rivalidade entre camarilhas. Há uma questão de incompatibilidade entre ex-consócios. Com isto, com esta liquidação de contas de sociedade financeira, nem nós e nem ninguém tem nada que ver, senão do ponto de vista patriótico, o triste consolo de chorar sobre as ruínas de Jerusalém.

Quer isto dizer que devemos desanimar?

Nunca!

Ainda que o mundo inteiro desanimasse, a nossa Pátria ainda que, obedecendo ao convite trágico de João Neves, o mar tragasse o Brasil, os católicos não teriam o direito de desanimar dele.

Aliás, quer nos parecer, infelizmente (ou felizmente, talvez) que este dia virá. Quer nos parecer que não está longe o momento em que os fabricantes de panaceias de todo o gênero, novas e velhas, hão de se voltar para a Igreja, para que Ela aplique ao Brasil os remédios que só Ela tem.

Porque - e é com esta afirmação que quero finalizar o artigo de hoje - digo-o bem francamente: de todas as iniciativas que vejo em torno de mim tendentes a salvar o Brasil, nem uma única me parece apta a conseguir esta finalidade.

Como Jackson de Figueiredo, continuo a pensar que nossos problemas são graves, “que só uma ação puramente católica poderá salvá-lo”.


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