Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Burocracia

 

 

 

 

Legionário, 21 de agosto de 1938, N. 310, pag. 2

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Vimos em nosso último artigo que o fim de toda e qualquer associação católica consiste em dar glória a Deus por meio da santificação de seus membros, e do trabalho apostólico de angariar novos membros para santificá-los.

Infelizmente, a verdade é que a questão da santificação não é tratada pelos dirigentes de associações religiosas com o supremo cuidado que merece.

três “espíritos” que prejudicam imensamente a formação dos associados: burocratismo, a sociologite e o pietismo.

Examinemo-los.

Vamos primeiramente à burocracia.

Entra-se sem ser percebido na sede de uma associação X. De pé, todos os seus membros esperam que a hora da reunião chegue. Entra finalmente o Sr. Presidente, com um sorriso digno, de quem já prevê discretamente o sucesso que fará. Movimento geral, apertos de mão, etc. A formação da mesa é um pequeno problema de etiqueta. Há um presidente, um vice, um secretário, um tesoureiro, e mais cinco conselheiros. Tanta gente não cabe à mesa. Dos cinco conselheiros, três terão de ficar de fora. Questão angustiante: quais? Perplexo, o Presidente leva 10 minutos a ajeitar as coisas. Reza-se. Por fim a sessão começa.

 

Diz a Santa Igreja que daremos contas a Deus por todas as palavras que tivermos dito em nossa vida. Contas e contas estreitíssimas, portanto, teremos de dar pelas palavras que dizemos durante as reuniões das associações religiosas. Cada palavra inútil dita por um dirigente, durante tais reuniões, é um minuto de santificação que ele rouba aos associados, para dar vazas a uma parolagem tola e sem fruto.

 

Primeiramente, o Presidente agradece a presença de todos. Lá se vão 5 minutos. Depois, o Secretário lê a ata da reunião anterior recheada de elogios ao Sr. Presidente, aos Srs. membros da Mesa, aos Srs. Associados, a todo o mundo. Muita literatura. Uso abundantíssimo de sinônimos, tão abundante mesmo que, de princípio a fim, todas as palavras se repetem prolixamente umas às outras. Também, quando há poucas idéias, ou a gente usa muitos sinônimos ou cai inevitavelmente no pleonasmo. E pleonasmo é coisa muito feia para um secretário de uma associação tão tradicional. Por isto, lá se vão 15 minutos. A ata é posta em discussão, e, depois de uma pausa em que os sócios, em silêncio, tomam fôlego, o Sr. Presidente interpreta seu silêncio como aprovação.

Depois, vem o balancete, também muito explicativo. Finalmente, o Sr. Presidente toma a palavra. Parece que se vai entrar na parte mais substancial. S.S. começa afirmando sua gratidão pelo comparecimento de tão elevado número de irmãos. Depois, noticia os confrades que morreram e faz um pequeno necrológico de cada um. Se foi médico, tem direito ao adjetivo “dedicado”. A profissão de comerciante dá direito a “honrado”. A de engenheiro, a “competente”. Para o advogado, é-se mais parcimonioso. Bastará dizer que foi advogado “nos auditórios da Capital”. É uma expressão sonora, que passa bem à guisa de elogio. Farmacêuticos, dentistas, funcionários, etc., tem direito a uma adjetivação mais flutuante, escolhida pelo Sr. Presidente, na abundância de sua facúndia, no próprio momento em que fala. As mães de família sempre foram “zelosas e dedicadas”. As crianças, sempre “inocentes”. Depois, o Sr. Presidente ordena ao Sr. Secretário a expedição dos ofícios de pêsames.

O Sr. Presidente aborda, em seguida, a magna questão da reunião. As circulares não chegam regularmente aos associados. Estende-se longamente sobre o correio. Explica meticulosamente como é feita a selagem. Prova que a lista de sócios está completa, e que a todos são enviadas as circulares. Os sócios queixosos, de seus bancos, fazem suas lamentações. O debate se generaliza. Finalmente, o amigo do primo de um chefe de seção do Correio promete intervir. Volta a paz.

Vem depois a questão das opas e dos balandraus. Estão ficando cada vez mais caros. Como fazer? Importará a associação, diretamente da Europa, os rubis, as safiras, as esmeraldas, as pérolas, os brilhantes, as turquesas e tutti quanti necessários para os fitões? Alguém acha que seria melhor simplificar as fitas, munindo-as de menos jóias falsas. Sua voz se perde no desdém geral. Onde se viu proposta tão descabida? Afinal, constitui-se uma comissão. Estudará a momentosa questão, e dará depois um relatório.

Extenuado, o Sr. Presidente suspende a reunião. Todos se levantam pressurosamente. Reza-se. Despedidas protocolares. Todos se separam.

No final das contas, em uma reunião destas, o que se disse de útil? Que esforço se fez para iluminar a inteligência dos associados, de sorte a inserir nelas, cada vez mais profundamente, a semente da Verdade católica? O que se fez para consolar seus corações, às vezes torturados de dores? O que se fez para lhes apontar com clareza o dever a cumprir? O que se fez para lhes dar ânimo para o cumprimento desse dever?

A resposta é dolorosa: nada, nada, absolutamente.

* * *

De propósito, na descrição que fiz, carreguei um pouco as tintas, e tomei como padrão um tipo especial de associação.

Dói dizê-lo, mas é a pura verdade que deformações como essa, mais ou menos acentuadas, se encontram em associações de quaisquer tipos, tanto Ordens Terceiras, quanto Irmandades, Congregações Marianas, Pias Uniões, Conferências Vicentinas ou Apostolados de Oração.

Lembro-me de ter assistido, em mais de uma Congregação, reuniões assim. Fala-se das circulares que não chegam, da nomeação de novos zeladores, da eleição de nova diretoria, de um Congregado que está doente, da seção de xadrez ou de bilhar que não funciona como deve, dos Congregados que não sentam no banco indicado, dos que se ajoelham com um joelho em lugar de dois, dos que cantam alto demais, dos que cantam baixo demais, e assim se escoa todo o tempo da reunião.

Com essa poeira administrativa, será possível, porventura, santificar as almas? Será com essas questiúnculas que se poderá fazer os espíritos caminharem no amor de Deus?

Quem não vê que esse burocratismo amaldiçoado é uma erva daninha que faz esquecer as belezas de nossa Religião, relegadas a um segundo plano em tantas reuniões, em benefício de bizantinismos que não têm o menor interesse, o menor alcance, e o menor proveito?

Quando se acabará com este péssimo sistema?

 


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