Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Comentando...
 
Machado de Assis e a Igreja

 

 

 

 

 

 

Legionário, 23 de julho de 1939, N. 358, pag. 2

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Certo jornalista carioca pretendeu defender o grande estilista, cujo centenário ora se festeja, da pecha de indiferente, pior do que isso, da acusação de pensador que não ousa expor abertamente as suas ideias, mas que as disfarça numa escamoteação manhosa.

Registre-se o progresso. Hoje já se considera desmerecedor o fato de alguém ser julgado um indiferente, a ponto de se articularem defesas póstumas.

Outrora não era assim. O que estava na moda era o ceticismo elegante, a reticência grã-fina, a hesitação delicada. O próprio Machado, cremos, não aprovaria a atitude de seus advogados gratuitos que, muito desajeitadamente, procuram descobrir o antídoto daquele veneno subtil, cuja fórmula foi a sua maior preocupação e mais alta glória. De fato, que seria o Dom Casmurro (personagem de um dos romances de Machado de Assis e que deu o título a um de seus escritos, n.d.c.), por exemplo, sem o veneno machadiano? Apenas o relato insonso de um acontecimento muito vulgar, barato mesmo, desprovido da menor originalidade.

Entretanto, é verdade que o romancista escreveu páginas de grande firmeza sobre a situação da Igreja, no Brasil, no seu tempo. O jornalista carioca transcreveu-as em seu artigo de apologia. Para falar a verdade, não achamos que fosse a melhor política lembrar esses rasgos isolados do mestre. Nestas passagens em que Machado se desfaz da tela bem urdida que esfuma os contornos, para adotar, surpreendentemente, a voz entonada e sem gaguejos, de um Catão a exprobar o clero nacional, nota-se algo mais que o simples desejo de reabilitação da disciplina eclesiástica.

Muita coisa havia, neste Brasil do Segundo Império, que estava errada, mais do que isso, ridícula. Não é impagável aquele sujeito que, modestamente,  pretendia rever a obra de São Tomás de Aquino, para apontar-lhe as evidentes falsidades? Além do mais, a grande voga era atacar a Igreja. Qualquer calouro pedante e corrompido achava-se no dever de iluminar, com o facho da ciência, as trevas da superstição.

Havia, ainda, o regalismo, que desejava atrelar o catolicismo ao carro da burocracia. Como vemos, não faltava matéria para um espírito ávido de moralizar a sociedade pelo brilho de sua pena. No entanto, Machado, o homem original cujo estilo único não pode ser imitado, foi cair na vala comum: só foi preciso, resoluto, claro, quando quis, ele, Machado de Assis, expurgar a Igreja, justamente a Igreja, a vítima do seu século, a desprotegida dos homens, dos males que nEla divisava. Será que o seu talento não poderia manifestar-se, castigando corrupções muito certas, que grassavam enquanto viveu? Não acreditamos.

Então... por que?

Ora! Porque foi o jornalista carioca levantar esta questão? Estes amigos... estes amigos...


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