Plinio Corrêa de Oliveira

 

Reflexões à margem da guerra teuto-polaca

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 10 de setembro de 1939, N. 365

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É com um grande sentimento de prazer que esta folha menciona hoje o nobre gesto do gen. Franco declarando a neutralidade da Espanha no conflito teuto-polaco.

Nascido de uma reação anticomunista, o Governo espanhol não poderia, sem violar seus mais elementares e fundamentais deveres, deixar de se dissociar da dupla “nazismo-comunismo” que atualmente está em vias de estrangular a gloriosa e infeliz Polônia.

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Quanto à posição da Itália, continuaram a circular com insistência, nos primeiros dias desta semana, versões relativas à sua próxima interferência mediadora no conflito europeu, logo que a conquista da Polônia pelas tropas alemãs se consumasse. Acrescentava-se mesmo que a única razão da neutralidade até aqui observada pela Itália, com o consentimento do Sr. Hitler, estava na perspectiva de desempenhar, em momento oportuno, essa função pacificadora.

No momento em que escrevemos, ainda não existem indicações positivas a respeito deste assunto. Para estar à altura de sua dignidade de governante de uma Nação católica como a Itália e da expectativa simpática que nele depositam tantos elementos, é de se esperar que o “Duce”, em sua possível proposta, tome em consideração os direitos da Polônia, não se limitando simplesmente a sugerir que o mundo aceite o “fato consumado” da deglutição daquela nobilíssima nação católica pela tirania herética do nazismo.

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A este propósito, acrescentemos que o “Legionário” ama com igual afeto todos os povos do mundo, todos eles filhos de Deus. Entretanto, este amor ao próximo tem que ter como fonte e como medida o amor a Deus. Por isto, as nações católicas, unidas a nós pelo vínculo incomparavelmente vigoroso e doce da Fé, merecem de nós um afeto particularmente ardoroso. E ainda dentro desta ordem de idéias, o que nos povos católicos mais amamos não é e não pode ser a sua grandeza temporal, o valor de sua cultura ou o esplendor político e militar de suas tradições, mas a adesão que elas prestam ao ensinamento da Igreja.

Jornal católico, o “Legionário” se recusa obstinadamente a se envolver em conflitos meramente políticos e temporais, quer entre os povos quer entre os partidos. Desde que, entretanto, os interesses da Igreja sejam afetados por tais conflitos, tomaremos atitude firme e desassombrada. Mesmo aí, entretanto, nossa atitude, única e exclusivamente inspirada em motivos religiosos, não se confundirá ou associará com interesses particularistas ou regionais. Diante de nós, não há agredidos nem agressores, minorias étnicas etc., mas somente católicos e anticatólicos.

Isto posto, não podemos deixar de deplorar profundamente que as garras do nazismo (coisa muitíssimo diversa da Alemanha) se estendam também sobre a Polônia. Já deploramos o alastramento do nazismo na Áustria e na Tchecoslováquia. E dentro da mesma ordem de idéias, que lamentamos e protestamos vigorosamente com o que atualmente ocorre na Polônia.

Sem nos pronunciarmos sobre a possível liceidade dos motivos políticos que determinaram a invasão da Polônia nem sobre os possíveis direitos históricos que sejam alegados como fundamento moral de tal invasão, só nos preocupamos com uma coisa: a situação deplorabilíssima em que vão ficar os católicos polacos. Contra esta situação, protestamos formal, expressa e categoricamente. E denunciamos o brutal bombardeio do Santuário de Nossa Senhora de Czestochowa como um triste prelúdio da perseguição religiosa que grassará na Polônia se não for vencedora. As bombas que destruíram tal Santuário - a Aparecida da Polônia - não feriram apenas aquela cidade, mas os corações católicos do mundo inteiro.

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A famosa imagem de Czestochowa, que por uma coincidência curiosa é preta como a de Nossa Senhora Aparecida, foi objeto de um culto constante e ardente por parte de todos os polacos, de há muitos séculos para cá.

Aos pés desta imagem, Pio XI, de santa e gloriosa memória, quando simples Núncio Apostólico em Varsóvia, passou certa vez algumas horas, com os joelhos na neve, em devotíssima oração.

Quando da efêmera incursão comunista na Polônia anos atrás, os sequazes de Lenin chegaram até em Czestochowa e se dirigiram ao Santuário, onde, apoderando-se da imagem, a desrespeitaram sacrilegamente, arranhando-lhe o rosto que ficou com uma das faces profundamente vincada.

O nazismo, digno sósia do comunismo, foi mais longe: o Santuário, hoje, está em cinzas.

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Já que se fala em comunismo ponhamos em relevo um aspecto da atual situação, que os jornais não têm suficientemente acentuado.

Como geralmente se sabe, a Polônia fica situada entre a Rússia e a Alemanha. Por esta razão, ambos os países limítrofes jamais permitiram que o outro se apoderasse isoladamente da Polônia e todas as antigas divisões da Polônia foram concertadas entre a Alemanha e a Rússia.

Desde que qualquer destas potências intentasse conquistar a Polônia inteira exclusivamente para si, teria de lutar com a inevitável oposição do outro.

O motivo disto é óbvio. Qualquer dos dois grandes impérios, que conquistasse inteiramente a Polônia, tornar-se-ia tão poderoso que constituiria iminente perigo para o outro.

Daí o fato de o Sr. Hitler não se sentir com coragem de provocar a invasão nazista da Polônia sem primeiramente sondar o ambiente russo.

Natural seria que a Rússia ou se opusesse à invasão ou reclamasse para si um pedaço da Polônia. Seus mais fundamentais interesses a levariam a agir assim. Do contrário, no seu flanco ficará fincada a cunha de uma Alemanha mais ameaçadora e mais poderosa do que nunca.

Entretanto, a Rússia se sente tão ligada à Alemanha que aquilo que os Czares jamais acharam prudente permitir, o comunismo o permite gostosamente. Pode a Alemanha tomar a Polônia inteira: a Rússia já lhe deu carta branca pelo pacto de “não agressão”. A confiança que ela deposita na amizade nazista é tal que jamais ela pediu garantias ou tomou precauções contra essa imensa dilatação da influência nazista.

Que melhor prova de solidariedade entre os dois regimes? Se a Rússia visse realmente no Sr. Hitler o campeão do anticomunismo agiria ela assim?

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O “Legionário” vê, assim, confirmadas ainda uma vez suas previsões. O comunismo e o nazismo nada tem de antagônico entre si. Uma só coisa lhes interessa: é destruir a Igreja. Daí o gáudio de estalinistas e de hitleristas indistintamente, vendo soçobrar a Polônia católica.

É esta a marcha normal da grande conjuração anticatólica que existe no mundo. Mas Deus escreve direito por linhas tortas. E no fim se verá que a despeito de todos os conluios e todos os maquiavelismos, a vitória será da Igreja.


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