Plinio Corrêa de Oliveira

 

Ainda o jogo

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de janeiro de 1943, N. 543, pag. 2

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Vimos, em artigos anteriores, os graves inconvenientes que para a sociedade em geral, e muito especialmente para a família, acarreta o vício do jogo. Tanto basta para demonstrar a inteira procedência dos motivos que levaram o episcopado paulista a protestar contra esse escândalo permanente que são as faustosas casas de jogo existentes entre nós.

Não se suponha, entretanto, que é da índole e espírito da Santa Igreja de Deus, ao tomar atitudes como esta, de o fazer para servir causas outras que a de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou interesses outros que não os da salvação das almas. Qualquer que seja o entrelaçamento que as questões espirituais possam ter com as temporais, a opinião católica só vibra, só se move, só se levanta em prol do que é espiritual, indiferente às repercussões temporais que possam ter as atitudes por ela assumidas no cumprimento desse dever.

Por isto, precisamente, haveria erro em se imaginar que só agora nosso episcopado tem seus olhos voltados para o problema do jogo. Se sua atitude a este respeito foi agora particularmente desassombrada e enérgica, ninguém ignora que o problema também assumiu agora uma gravidade sem precedentes. Mas de há muito se vem fazendo sentir neste particular a ação de nossos bispos.

A este respeito, um dos mais ilustres membros do episcopado paulista, conhecedor exato e arguto de todas as nossas atividades políticas e sociais, nos forneceu dados verdadeiramente curiosos.

Em 1922, apresentou-se ao Congresso Nacional um projeto de lei regulamentando o jogo. Naquele tempo, o espírito público ainda estava menos contaminado pela corrupção dos costumes modernos do que hoje, e o projeto encontrou a oposição franca e decidida de múltiplos setores da população. Para se ter ideia de quanto eram distantes da Igreja alguns dos elementos que entravam na liça contra o jogo, bastará lembrar que a Liga Nacionalista, entidade cuja ação concreta tem sido objeto de tantas controvérsias, e cujo espírito era a quintessência do laicismo liberal-democrático, foi das que ergueram mais forte protesto.

Mas em tal coro de protesto nenhum foi mais nobre, mais autorizado, mais digno que o de nosso episcopado, que fez ouvir sua voz por meio de SS. Exas. Revmas., os Srs. D. Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo Metropolitano, D. Epaminondas Nunes de Ávila e Silva, Bispo de Taubaté, e D. Otávio Chagas de Miranda, Bispo de Pouso Alegre.

Assim, a luta contra a jogatina não é de hoje. Ela data de há muito tempo, e nem poderia deixar de ser esta a realidade, já que a doutrina católica sempre condenou o jogo nos termos em que a condena a recente Pastoral.

* * *

Sem dúvida alguma, o tema que ocupa na recente pastoral Coletiva o lugar de destaque, quer por ter tratado em primeiro lugar, quer porque sua leitura mostra a evidência que foi tratado com calor particularmente ardente, é o jogo. Por este motivo, também nós preferimos tratar primeiramente do problema do jogo, nos artigos que consagraremos ao estudo da Pastoral. Com o artigo de hoje damos por encerrados nossos comentários sobre a matéria.

Entretanto, não quereríamos deixar este assunto sem acentuar que a linguagem vibrante e, porque não dize-lo, o látego forte e piedosamente implacável da palavra de nossos Bispos constitui para os católicos um exemplo cheio de ensinamentos.

Alastra-se e toma foros de opinião irretorquível a ideia de que a linguagem dos católicos há de ser sempre almiscarada e adocicada, diluída. Pelo contrário, mostram-nos com seus exemplos os nossos Bispos que é de outro modo que se deve proceder. Os bons médicos guardam os melhores remédios para os males mais graves. O mal que mais preocupou o nosso Episcopado foi indiscutivelmente o jogo. E, para o combate a este mal, reservou ele os remédios os mais eficazes. Quais? Os das palavras doces? Os dos meios termos medrosos? Não, o da apóstrofe apostolicamente desassombrada, que se inspira por sua vez no desassombro evangélico de São João Batista cujo exemplo a Pastoral lembra tão a propósito.

Diante dos erros e desmandos dos tempos modernos, não pode ser outra nossa atitude.


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