Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Evangelho
 
Mediocridade

 

 

 

 

 

Legionário, 21 de março de 1943, N. 554, pag. 5

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Segundo Domingo da Quaresma

São Mateus, cap. XVII, vers. 1-9

 Naquele tempo, tomou Jesus a Pedro, Tiago e João, seu irmão, e conduziu-os de parte a um monte elevado, e transfigurou-se diante deles. Sua face tornou-se refulgente como sol, e seus vestidos alvos como a neve. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com Jesus. Tomando a palavra Pedro disse a Jesus: Senhor, é bom estarmos aqui, se queres façamos aqui três tabernáculos, um para ti, outro para Moisés e outro para Elias. Falava ainda ele, quando uma nuvem deslumbrante os envolveu. E saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o meu Filho bem-amado, em quem pus as minhas complacências; ouvi-O. Ouvindo esta voz os discípulos caíram de bruços e tiveram grande medo. Porém, Jesus se aproximou, tocou-os e lhes disse: Levantai-vos e não temais. Eles, alçando os olhos, a ninguém mais viram senão a Jesus. Descendo da montanha lhes ordenou que não dissessem a ninguém o que viram senão depois que o Filho do Homem ressuscitasse dentre os mortos.

Comentário

“Em alguém nós precisamos nos apoiar” – ouvíamos um dia destes de um católico temeroso do futuro da Igreja. Esta frase pareceria geração espontânea do ambiente totalitário dessorante de toda a energia da vontade. Na realidade ela significa uma talvez inconsciente e profunda falta de fé, uma nefasta visão natural das coisas divinas, uma perniciosa anemia de vida espiritual.

Pois de fato, esta frase aplicada às coisas da Igreja e aos misteres do apostolado é nada mais nada menos do que a confissão clara de que a Igreja de Deus, a Casta Esposa de Jesus Cristo, a quem Ele prometeu fidelidade até à consumação dos séculos, se encontra abandonada e obrigada a escorar-se nas muletas de alguma instituição humana, que pareça ser firme e forte, para se poder manter, ou ao menos viver, quando mais não fosse de empréstimo.

“Precisamos nos apoiar em alguém!”, isto é, não temos força nem capacidade de nos apoiar em nós mesmos, em nossas instituições. A Igreja já não possui por Si mesma o vigor de se manter em pé.

Vistas as condições humanas em que Ela se encontra, quer considerando internamente, a privação completa de forças materiais, neste século em que a grandeza das nações se mede pelo número e qualidade das armas que possui, quer considerando a brutalidade com que os Estados, que se dizem fortes, pretendem se impor, não resta a menor dúvida: ou a Igreja se apoia em outrem, ou há de perecer. E esta é uma visão humana, é uma profunda falta de fé, uma perniciosa anemia de vida espiritual. Mas não foi assim que Jesus Cristo ensinou que deveríamos considerar a indefectibilidade de Sua Igreja.

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Por tudo isso, chegam certos católicos a este absurdo de subordinarem a Igreja às forças humanas, como se Ela existira e vivera como qualquer outra sociedade terrena, bancária, cultural ou coisa que o valha, que, ou se apoiam em forças humanas ou perecem infalivelmente. Sim, porque esta frase “precisamos nos apoiar em alguém” não significa: devemos levar o Estado a se compenetrar de seu papel que é o de proteger a Cristandade, favorecer a Igreja na sua obra de cristianização, e dar-lhe pleno apoio para que todas as suas leis sejam respeitas. Não tem este significado. Tivera, e nada mais seria do que o restabelecimento dos áureos tempos de Carlos Magno, o Imperador católico, que compreendeu perfeitamente o papel que no seio da Cristandade compete ao poder secular. Não, este dito “precisamos nos apoiar em alguém” significa: é preciso condescender, fechar os olhos, permitir transgressões claras da Lei Divina, do Direito Natural, porque do contrário a Igreja não se poderá manter, pois não obterá o indispensável apoio do poder civil. – E neste sentido esta frase denuncia uma profunda falta de fé, se é que se pode falar em fé numa alma que faz da Igreja esse julgamento.

Estes mesmos católicos (?) que são partidários desse acomodamento, desse comodismo, dessas núpcias... infernais, apelam, com frequência para as concordatas que a Santa Sé tem firmado com potencias dirigidas por pessoas e formas de governo senão totalmente hostis, ao menos contrárias aos princípios católicos. Não percebem que lançam eles sobre a Santa Sé a maior injúria ao pensar que é para obter um miserável apoio material que firma o Santo Padre essas concordatas. (...) O que o Santo Padre procura com essas concordatas é: 1) demonstrar sua benevolência com todos os povos, como o declarou expressamente o Santo Padre Pio XI com relação à concordata com o Reich alemão; 2) é facilitar aos fiéis o cumprimento de seus deveres religiosos, tendo-os por um estatuto legal por parte do governo civil; 3) é promover a paz e a concórdia entre os dois poderes. E é só. Que está longe da mente da Santa Sé mendigar qualquer apoio ao poder civil, manifesta-se por isso que a Igreja jamais abre mãos dos pontos essenciais de Sua Doutrina, ainda que seja para romper as concordatas existentes, ou deixar perecer negociações iniciadas, como é exemplo frisante o que se passa na Espanha Católica, em que para não ceder a injunções inadmissíveis do governo de Franco, a Igreja prefere permitir que várias dioceses permaneçam sem seus pastores, que desapareceram ou na revolução, ou pouco depois.

***

Esta atitude que denuncia mais uma falta de espírito de fé do que propriamente uma negação das verdades reveladas, provém de uma profunda aversão à renúncia total e completa que, em dadas circunstâncias, exige Jesus Cristo de nós. Estes católicos fazem como São Pedro que, pilhando-se no Tabor, não quis outra vida, mas de bom grado, renunciou a qualquer coisa de melhor, nem sequer pensou na bem-aventurança eterna, mas gostou do comodismo daquela vida sem preocupações e cheia de glória, honra e bem-estar, quis ali permanecer eternamente. Mas, São Pedro agiu dessa maneira porque não sabia o que dizia. E estes católicos não querem pensar o que devem, para agir como deveriam.

Ninguém melhor precisou esta atitude eufórica da mediocridade na virtude do que Dom Duarte Leopoldo e Silva nas suas admiráveis “Migalhas”. Fala o saudoso arcebispo da vida espiritual, mas como o julgamento sobre os acontecimentos e as situações da Igreja estão na proporção do fervor espiritual da pessoa, vem muito a propósito, ao comentarmos o Evangelho da Transfiguração, transcrever os conceitos do inolvidável Prelado:

“A mediocridade da virtude, enquanto disposição voluntária e contumaz de estacionar na escalada da perfeição, disposição perigosa, só fecunda de ilusões, fonte de sensualidade e orgulho, é talvez o maior escolho da vida cristã. Nessa colina rasa e estéril, varrida de ventos maus, posto que nem sempre violentos, quantos desejariam estabelecer o seu Tabor! Mas até não há tendas nem para Jesus, nem para Moisés, nem para Elias...

“A mediocridade da virtude, assim entendida, é a hipocrisia inconsciente, tanto mais fatal quanto mais habilmente disfarçada. Para evita-la não basta um simples exame de consciência – esse olhar sumário e superficial que apenas chega a estabelecer, exteriormente, relativa correção. É necessária uma purificação profunda da alma, a transformação progressiva da vida humana na vida divina, solidez de caráter imprimindo a todos os nossos atos, unidade, firmeza e constância.

“Esse há de ser o fruto sazonado da piedade cristã”.


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