Plinio Corrêa de Oliveira

 

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O soneto e a emenda

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 12 de setembro de 1943, N. 579, pag. 2

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Um homem se fecha num escritório, consulta estatísticas, compulsa dados técnicos e, depois, traça o plano de uma sociedade. Feito isto, aplica este plano a uma sociedade real, concreta, viva. Quer dizer, este homem põe tal sociedade num leito do Procusto, pendura a comunidade num cabide adrede preparado, espeta a coletividade num esquema cerebrino. Toda a imensa poliformia da vida social, a incomensurável policromia do espírito humano, a abundância fecunda dos “imponderáveis” que se vieram acumulando através dos séculos e que condicionam a vida dos povos, dando-lhe sentido, sabor, alma, densidade humana, tudo isto será impiedosamente podado, para caber na bitola geométrica, na forma quadradinha do raciocínio técnico, elaborado pelo demiurgo de gabinete.

Pascal distinguiu dois tipos de espírito: o espírito geométrico e o “esprit de finesse” (esta expressão não se traduz). Ora, o espírito geométrico é radicalmente incapaz de perceber a realidade subtil dos “imponderáveis”, realidade transcendente, profunda, intensa, riquíssima, que se expande além das fórmulas dos teoremas e dos pedantismos, numa fecundação incessante e variada; só o “esprit de finesse” com sua plasticidade, com sua penetração, com sua exuberância, com seu tato, pode ingressar no arcano luminoso desta espécie de realidades. O espírito geométrico sacrifica a ordem profunda e interior da inteligência à regularidade simétrica das superfícies; ao organismo vivo, embora sujeito à corrupção e à deformidade, substitui a múmia, impassível, incorruptível, inerte.

Alguma coisa deste espírito de geometria entrou na obrigatória mudança de nomes de muitas cidades brasileiras, que acaba de ser noticiada, e com que o Conselho Nacional de Geografia pretende eliminar duplicidades, complicações, prolixidades e outras verrugas da epiderme nacional. Achamos que o interesse utilitário não deve dominar absolutamente a questão, que, afinal de contas, nem ao menos é uma questão. Todos os países de grande extensão territorial têm várias cidades com o mesmo nome, que, para se diferenciarem entre si, juntam complementos mais ou menos longos.

Mudar o nome a uma cidade é extirpar um pouco do espírito local; e este processo, aplicado extensivamente ao território nacional, implica, por consequência, na ablação de alguma coisa do espírito nacional. Afinal, estas cidades não foram fundadas por decreto, e seus nomes fazem parte da argamassa em que entraram muitos trabalhos, muitos sacrifícios, muitas lágrimas, muitos suores, muitas dedicações, com que se cimentaram os alicerces da Pátria.

Mas, tirados os nomes que a História lhes deu, como denominar estas cidades? Aí, a emenda foi muito pior do que o soneto. As determinações do Conselho Nacional de Geografia a este respeito ordenam: a) que os novos nomes se deverão compor de uma só palavra; b) que se deverão inspirar, de preferência, na toponímia indígena. Isto quer dizer, em outras palavras, que as cidades brasileiras não poderão receber nomes de Santos, compostos sempre de, pelo menos, duas palavras, mas nomes pagãos do gentio idólatra. Não, este nacionalismo tem mau cheiro.

Na Alemanha, é verdade, o nazismo quis ressuscitar os mitos germânicos, e fechar o Cristianismo num parêntesis; mas o nazismo é o nazismo, e, graças a Deus, contra ele estamos lutando. Porém, do Brasil não se queira arrancar o Batismo católico, porque o Brasil que devemos amar não é o Brasil selvagem e pagão, nascido da carne e do sangue, mas o Brasil gerado à civilização cristã pela verdadeira Fé, nascido da água e do Espírito, para [a Igreja]. [erro tipográfico no original e não se distingue a última palavra; colocamos esta a título meramente conjectural, n.d.c.]


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