Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Baquirivú

 

 

 

 

 

 

Legionário, 28 de novembro de 1943, N. 590, pag. 2

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Karl Haushofer, apesar de judeu, é o grande teórico do nazismo. A ele se deve a invenção da Geopolítica, um dos fundamentos doutrinários do hitlerismo guerreiro. A ele, e à sua escola, se devem também certas doutrinas de organização social muito instrutivas. Para Haushofer, é necessário transformar a sociedade numa espécie de massa homogênea e plástica, dócil sob as mãos dos políticos, que, como hábeis modeladores, dariam a ela o aspecto que melhor entendessem. Vê-se logo a importância de uma tal ideia para o totalitarismo; sem fazer da sociedade esta massa plástica, o totalitarismo é simplesmente impossível; existindo esta massa plástica, o totalitarismo é quase uma ocorrência espontânea e natural.

Acontece, porém, que as sociedades são, por natureza, exatamente o contrário de tal massa plástica. As sociedades têm vida própria, espírito próprio, estruturação própria, linhas internas de desenvolvimento, valores imanentes, hierarquização espontânea, qualificações irreversíveis, tudo isto solidamente arraigado no meio ambiente, na índole de seus membros e na tradição. As sociedades não se fundam por decreto, mas brotam por dentro; e, ao impulso de sua própria seiva, tomam forma, expressão e colorido; a configuração que elas têm no presente não é arbitrária, mas se origina da pressão histórica, que as impele para o futuro. Assim formadas, as sociedades têm um comportamento pessoal, personalíssimo mesmo, e se recusam, por imperativo de sua própria constituição, a receber formas, fórmulas, ou bitolas extrínsecas. Para transformá-las em massa plástica, é necessário portanto extirpar lhes as raízes e as fibras vitais que lhes dão consistência, e configuração característica.

Ora, o nazismo tem a arte de fazer estas extirpações, por vários processos, um dos quais consiste em tirar  às sociedades certos pequenos nadas, em que se manifesta entretanto a  autonomia da vida social. Seria, mais ou menos, como se alguém nos proibisse da usar o chapéu de um certo modo que nos é próprio; é um nada, é um pequeno nada que atinge, porém, a nossa personalidade.

Ora, houve um tempo em que as idéias totalitárias andaram pelo ar, de maneira que, mesmo imperceptivelmente, eram respiradas. É verdade que depois veio a reação; virou-se de bordo. Entretanto, alguma coisa daquele ar mefítico envenenou, sub-repticiamente, as mentalidades, talvez mesmo as que reagiram. Por isso, ainda hoje se percebe uma tal ou qual reminiscência de princípios totalitários, que cumpre assinalar para, só com isso, destruí-la.

Está certamente neste caso a mudança revolucionária e maciça dos nomes das cidades e vilas brasileiras, para reduzi-los a um mesmo standard comum, organizado esquematicamente, sem levar em consideração o espírito e individualidade locais. Esta intervenção burocrática na intimidade de alma brasileira, embora ditada por objetivos elevados, tende contudo à transformar nossa sociedade em massa plástica.

Ainda há poucos dias, à imprensa publicou a nova organização judiciária e administrativa de nosso Estado, com as alterações toponímicas. Folgamos em registrar que o Conselho Administrativo do Estado procurou conservar quanto possível, as antigas denominações, dando provas de que percebeu a transcendência do assunto. Todavia houve alterações inevitáveis, como a pitoresca e tradicional vila de São Miguel, que se passará a chamar horrendamente Baquirivú. Esperamos, no entanto, que o tempo, o costume e o bom senso acabem por prevalecer. Quantas outras reformas semelhantes não tiveram o mesmo destino?


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