Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

Manobras contra Fé

 

 

 

 

 

Legionário, 20 de agosto de 1944, N. 628, Pag. 5

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Sob pretexto da situação anormal que o mundo atualmente atravessa e da sobre-humana tarefa que terá que ser enfrentada no após-guerra, não são poucas as manobras que vem sendo dirigidas no sentido de se articular um movimento interconfessional de grande envergadura, no qual trabalhariam ombro a ombro católicos, cismáticos, protestantes e ateus, todos empenhados na causa comum de reerguimento da civilização. Alguns chegam a declarar que se trata do reerguimento da civilização “cristã”.

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O que se visa na realidade com esse movimento interconfessional é coisa que anda na região das nebulosas. Certo é, porém, que dessa reunião de todos os credos religiosos e filosóficos não sairá um plano de paz e de restabelecimento da ordem segundo os princípios estabelecidos pela Igreja. Dirão os partidários desse movimento interconfessional que essa preocupação relativa aos princípios não deve ser focalizada num momento em que se trata, em primeiro lugar, de atender às necessidades materiais de populações inteiras que se encontram famintas e entregues a toda sorte de privações.

A estes tais responderemos que a Igreja tem sempre em vista em primeiro lugar a salvação das almas e que Ela condena essa apreciação puramente natural do problema. No período de após guerra europeia número um (I Guerra mundial, n.d.c.), a Santa Sé não julgou oportuno fechar sequer os olhos às associações interconfessionais que, como a Associação Cristã de Moços, prestaram importantes serviços de assistência às multidões flageladas por aquela tremenda conflagração. E apesar desses benefícios materiais prestados por essas associações de base interconfessional, a Sagrada Congregação do Santo Ofício não trepidou em “desmascarar as manhas e ciladas do inimigo”, que com esse pão material procurava roubar às almas o inestimável tesouro da verdadeira Fé, nelas implantando a indiferença religiosa.

Damos abaixo a íntegra dessa instrução da Santa Sé, que servirá para alertar o nosso zelo contra os perniciosos efeitos desses movimentos que, visando a resolução de problemas morais, se colocam fora do alcance da autoridade da Igreja (cfr. ACTA APOSTOLICAE SEDIS, vol. 12, 1920, pags. 595-597).

SAGRADA CONGREGAÇÃO DO SANTO OFÍCIO

Carta aos ordinários dos lugares assinalando à sua vigilância certas novas manobras dirigidas contra a Fé por associações não católicas

Os Eminentíssimos e Reverendíssimos Cardeais que são, juntamente com o abaixo-assinado, Inquisidores gerais em matéria de Fé e de costumes, desejam que os Ordinários prestem uma atenção vigilante à maneira com que certas novas associações não católicas, com o concurso de seus membros de toda nacionalidade, se acostumaram, há já algum, a armar aos fiéis, em particular aos jovens, ciladas muito perigosas: elas oferecem abundantemente facilidades de toda natureza, que na aparência visam apenas a cultura física e a formação intelectual e moral, mas de fato corrompem a integridade da Fé católica e arrancam os filhos à Igreja, sua Mãe.

Essas organizações gozam do favor, dispõem dos recursos materiais e do zelo de personagens muito influentes, e prestam serviços assinalados nos diversos domínios da beneficência; não é portanto surpreendente que elas se imponham às pessoas inexperientes que não tenham feito dessas obras um exame aprofundado. Mas nenhuma pessoa avisada pode ter dúvida sobre seu verdadeiro espírito; porque, se até aqui elas não haviam deixado entrever senão gradualmente o fim a que tendem, proclamam-no hoje sem disfarce em folhetos, jornais e periódicos que são os órgãos de sua propaganda. Seu fim, dizem elas, é assegurar por bons métodos a cultura intelectual e moral da juventude; e fazendo dessa cultura sua religião, elas a definem: uma plena e inteira liberdade de pensamento, fora e independentemente de toda religião ou confissão. Sob pretexto de levar a luz aos jovens, elas os desviam do magistério da Igreja, constituída por Deus como facho da verdade, e os incitam a buscar em sua própria consciência, e portanto no limite estreito da razão humana, a luz que os deve guiar.

As principais vítimas dessas ciladas são os jovens estudantes de um e outro sexo. Esses adolescentes que, para aprender a doutrina cristã e conservar a Fé herdada de seus pais, teriam mais necessidade de socorro que outras pessoas, ei-los sofrendo a influência de pessoas que os despojam desse precioso patrimônio e os levam insensivelmente hoje a hesitar entre opiniões contrárias, amanhã a duvidar de todas, quaisquer que elas sejam, finalmente a abraçar uma espécie de religião vaga e indecisa, que nada tem absolutamente de comum com a religião pregada por Jesus Cristo.

Essas manobras exercem devastações bem mais consideráveis nas almas - praza a Deus que elas fossem menos numerosas! - que, por negligência ou ignorância dos pais, não receberam no ambiente familiar essa primeira instrução da Fé, que é de uma necessidade primordial para todo cristão.

Privados do uso dos sacramentos e conservados afastados de toda prática religiosa, acostumados a não considerar as coisas mais sagradas senão com uma (...) independência de julgamento, essas almas caem assim miseravelmente no que se chama indiferentismo religioso, condenado pela Igreja em várias circunstâncias, e que implica na negação de toda religião. Vêm-se também esses cristãos, à flor da idade, andando sem guia, soçobrar nas trevas e angústias da dúvida; para naufragar na Fé basta recusar a adesão do espírito a um único dogma.

Poderá acontecer talvez que se surpreenda nos lábios e no coração desses jovens um sinal ou uma sombra apagada de piedade, ou mesmo testemunharão eles um ardor pouco ordinário no devotamento às obras de beneficência. Não se deve ver nisso senão o efeito de um hábito muito prolongado, ou de um temperamento mais dócil e de um coração mais compassível, ou enfim de uma virtude, toda humana e natural, que por si própria é desprovida de todo valor com relação à vida eterna.

Entre essas sociedades basta mencionar aquela que, tendo dado origem a várias outras, é a mais difundida (em razão sobretudo de serviços importantes, que durante os horrores da guerra ela prestou a uma multidão de infelizes) e que dispõe dos mais consideráveis recursos. Queremo-nos referir à sociedade dita Young Men’s Christian Association (Associação Cristã de Moços), por abreviação Y.M.C.A.; pessoas não católicas de boa-fé lhe dão inconscientemente seu apoio, considerando-a como uma organização útil a todos ou, pelo menos, inofensiva para quem quer que seja, e ela é sustentada por certos católicos demasiadamente confiantes que ignoram o que ela é na realidade.

Essa sociedade, com efeito, professa um amor sincero aos jovens, como se nada lhe fosse mais caro do que promover seus interesses corporais e espirituais; mas ao mesmo tempo abala sua Fé, pois que, conforme ela mesma declara, se propõe purificá-la e difundir um conhecimento mais perfeito da verdadeira vida, colocando-se “acima de toda Igreja e fora de toda confissão religiosa” (citação do folheto publicado em Roma pelo escritório central da M.C.A. - “O que é a Y.M.C.A., o que ela se propõe etc.”)

Ora, o que se pode esperar de bom daqueles que, banindo de seu coração o último resto de sua fé, vão, longe do aprisco de Jesus Cristo, em que gozavam de felicidade e de repouso, errar ao sabor de suas paixões e de sua natureza?

E porque vós que recebeste do Céu o mandato especial de governar o rebanho do Mestre, esta mesma Congregação (do Santo Ofício, atualmente denominada da “Doutrina e da Fé”, n.d.c.) vos conjura a empregar todo vosso zelo em preservar vossos jovens do contágio de toda sociedade desse gênero, cujas boas obras, apresentadas em nome de Cristo, põem em perigo o que a graça do próprio Cristo lhes deu de mais precioso. Colocai, portanto, em guarda os imprudentes e fortificai as almas, cuja Fé se acha vacilante; armai de espírito e de coragem cristãs as organizações da juventude dos dois sexos já existentes em vossas dioceses e fundai outras semelhantes; para fornecer a essas sociedades os meios de contrabalançar a ação de seus adversários, apelai para a generosidade dos católicos mais prósperos. Incitai do mesmo modo os curas e diretores de obras da juventude a cumprir valentemente sua missão e sobretudo, pela difusão de livros e folhetos, a contrapor um dique às ondas avassaladoras do erro, a desmascarar as manhas e ciladas do inimigo e a dar um apoio eficaz aos defensores da verdade.

Cabe-vos, portanto, nas reuniões regionais do episcopado, tratar dessa grave questão com a atenção que ela merece e de tomar, depois de deliberação, as medidas que pareçam praticamente oportunas. Nesta ordem de idéias, a Sagrada Congregação pede que, em cada região, um ato oficial da Hierarquia declare interditos de direito todos os órgãos diários, periódicos e outras publicações dessas sociedades cujo caráter pernicioso é manifesto, e que são distribuídos com profusão para semear nas almas dos católicos os erros do racionalismo e do indiferentismo religioso.

Os metropolitas ficam encarregados de fazer conhecer à Sé Apostólica, no prazo de seis meses, as resoluções e os atos praticados de acordo com a situação de cada diocese.

Dado em Roma no Palácio do Santo Ofício, a 5 de novembro de 1920.

R. Card. Merry del Val, secretário.


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