Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Que nos dirão as urnas?

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 19 de janeiro de 1947, N. 754, pag. 5

  Bookmark and Share

 

O sufrágio universal, estabelecido como um princípio ou como um direito absoluto, é a aplicação prática dos dois dogmas revolucionários da soberania do povo e da igualdade de todos os cidadãos. De um lado, se o povo é soberano, deve reinar, mas como o povo pessoa moral não pode entrar em todos os pormenores do governo, ele dirige os negócios públicos através de mandatários. De outro lado, se todos os cidadãos são iguais entre si, todos tem o direito de concorrer da mesma maneira para a eleição dos representantes do povo.

O que se dá, entretanto, na realidade? O povo não escolhe coisa nenhuma. Os partidos, representados por uma ínfima minoria de pessoas, lançam um nome. E este nome é que o povo tem que “escolher”.

Eis porque um Partido totalitário como o comunista age corretamente ao propor que se conceda o direito de votar até aos analfabetos que são presa mais fácil dos processos demagógicos com que se impõem os candidatos dessas várias oligarquias.

* * *

O sufrágio universal não é, portanto, uma panaceia de efeitos infalíveis dependendo da retidão da intenção da pequena elite que manobra os partidos. Quem manda, portanto, em última instância, não é o povo, mas essa elite que lhe “sugere” os candidatos

E onde essa “elite” é composta de aventureiros sem escrúpulos, o resultado é o que podemos prever. O povo se deixa facilmente enganar pelos seus maiores inimigos: os ambiciosos, com a ajuda de algumas palavras sonoras e de promessas vazias, podem sem dificuldade seduzir uma grande multidão. “Cinco ou seis espíritos mais equilibrados ou perversos em uma assembleia de homens de faculdades médias, alguns milhares de sectários no meio de uma nação, dão o tom. Todos os seguem por uma atração cega”.

* * *

O sufrágio universal, que em geral se apresenta como a melhor arma contra as ditaduras e os governos arbitrários, pode, portanto, ser instrumento dessas ditaduras e desses governos arbitrários, se manipulado pelos agentes dessas correntes demagógicas.

Numa época como a atual, em que a preocupação máxima é de insuflar as paixões das “massas”, em vez de se cultivarem as virtudes de um povo consciente, é claro que os aventureiros totalitários encontram no sufrágio universal um campo mais do que propício para a sua ação caudilhesca, a fim de se assenhorarem do poder.

De modo que uma arma supostamente inventada para ser o sustentáculo da democracia, traz em si o germe de sua própria destruição.

E o defeito fundamental desse processo de consulta popular reside no fato de que se faz abstração da qualidade dos votos e dos grupos sociais de que se compõe a sociedade, para apenas se procurar a opinião impressionável e caprichosa dos indivíduos bem mais facilmente manejável pelos “donos” dos órgãos políticos.

* * *

“Com efeito, já dizia velho pensador católico, uma nação não se compõe apenas de indivíduos, mas de grupos sociais, de famílias, de cidades, de províncias, de associações religiosas, financeiras, industriais. Para conhecer o que pensa, o que deseja um povo, não basta interrogar um a um de seus membros. Será necessário interrogar os grupos. Se um indivíduo é interrogado isoladamente, fora de seu grupo e do papel que desempenha esse grupo, sua resposta, privada das luzes que ali receberia, em geral será absurda. Mas os homens convidados a se reunir e a tratar de seus interesses, darão em comum uma resposta muito diferente. Isolados e obrigados a se pronunciar sobre questões gerais e complexas, respondem ao acaso. Agrupados em pequenas sociedades em que a natureza e os interesses os reúnem, ouvem os mais sensatos e respondem com maturidade. Isolados e cegos, procuram alguém que os guie e são arrastados pelos aventureiros sem escrúpulos.”

* * *

Não mantemos, porém, nenhuma ilusão quanto a essa consulta aos grupos sociais e ao voto de qualidade, tudo dependendo da elite que se achar à frente desses diferentes grupos sociais. O problema no fundo é moral e depende da completa recristianização da sociedade. E bem conhecemos os efeitos do dirigismo estatal nos sindicatos e demais órgãos de classe.

* * *

De qualquer maneira, porém, não devemos ser cegos à triste realidade que nos cerca.

Estamos em uma época de obscurantismo, em que muito se fala na maturidade a que chegaram as instituições políticas, mas em que na verdade nos achamos em pleno domínio dos incapazes e dos indignos.

“Aqui os fatos são mais eloquentes que todos os raciocínios. Não se veem diariamente homens eminentes e probos derrotados por candidatos imbecis ou ignóbeis? O sufrágio universal não leva aos grandes conselhos da nação meros aventureiros e embrulhões? Um celerado ambicioso se põe a declamar contra os abusos; ameaça seus ignorantes ouvintes com um fantasma imaginário de uma guerra, do restabelecimento de uma taxação injusta; apieda-se dos sofrimentos do povo, inflama-se contra a sua opressão, promete mundos e fundos, diminuir os impostos etc. Sabe, conforme for necessário, apertar a mão do mais humilde dentre eles. Desce às maiores baixezas, para se tornar popular, e por alguns dias se faz familiar daqueles que despreza e que desdenhará desde que não mais precise mendigar seus votos. Por toda a parte a mesma grita em favor do candidato e contra o adversário. E apesar de sua notória incapacidade e de sua depravação de costumes, e de desprezo pelos elementos sadios, este candidato é eleito por enorme maioria.”

Este quadro, pintado há cinquenta anos atrás, serve, como uma luva, ao nosso “esclarecidíssimo” século vinte. O que nos faz lembrar aquilo que dizia Leão XIII quanto à qualidade das leis depender mais da qualidade dos homens que da forma do governo... De onde concluirmos que somente poderemos esperar melhores dias nas mãos de uma verdadeira elite, quando se achar o poder político formado sob o manto protetor d'Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida, e que saiba cumprir em alto grau o mandamento supremo do amor do próximo como reflexo do amor de Deus.


Bookmark and Share