Missiva  de

Plinio Corrêa de Oliveira

a Sua Santidade

o Papa João Paulo II

 

 

 

 

 

 

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Vilnius, 13 de janeiro de 1991 - Tanque soviético investe contra o povo lituano

 

São Paulo, 15 de março de 1991

A Sua Santidade

Papa João Paulo II

Palácio Apostólico

CIDADE DO VATICANO

 

Beatíssimo Padre

 

Na qualidade de Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), bem como de representante — devidamente credenciado — das demais 14 TFPs coirmãs e autônomas exis­tentes respectivamente na África do Sul, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela, deponho em mãos de Vossa Santidade nossas respeitosas e filiais homenagens e ao mesmo tempo um pedido unânime que as volta ao Trono de São Pedro com os corações transbordantes do anelo de serem paternalmente atendidas.

O que nos leva à presença de Vossa Santidade é a sensibilidade de nossas almas ante o gemido de um povo e a defesa de um direito. Passo a motivar tal pedido.

1) A Lituânia é hoje, como ontem — ou talvez hoje mais ainda do que ontem — a gloriosa "Terra Mariae". Ate há pouco estava ela cativa, e sujeita a toda a tirania do regime comunista, adversário irredutível da Religião, como da Família e da Propriedade. Assim, durante meio século, sofreu ela fome, miséria e perseguições sob o tacão da bota soviética. Afinal raiou sobre ela o sol da independência, e, conseqüentemente, sentiu aberto diante de si o caminho de retorno à civilização e à prosperidade de outrora, das quais o regime comunista a privara de modo inclemente.

Ato contínuo, afirmou a Lituânia sua independência, constituiu seu governo e começou a reconstrução da pátria.

Gorbachev, frustrando as vãs esperanças que sua política da "perestroika" fizera nascer no Ocidente, violou a soberania dessa nação que acabava apenas de renascer. E, sob o pretexto de que os filhos dela se recusavam a servir no exército da URSS — por eles tido como estrangeiro —, mandou esmagar as reações na Lituânia.

2) Tanques comunistas se atiraram então contra um povo inteiramente indefeso, alentado tão-só por suas armas espirituais que são a Fé católica e a determinação inquebrantável de assegurar sua independência.

Assim, as multidões desarmadas da Lituânia, entoando hinos de Fé e de patriotismo, se ergueram como barreiras vivas ante os tanques soviéticos, e não recuaram quando — com assombro para os agressores a mando do Kremlin, como para o mundo — verificaram que as primeiras vítimas se deixavam trucidar barbaramente, porém não desertavam do campo da honra.

O que restava então fazer, ao governo de Moscou? Compreendendo que o prosseguimento no ataque genocida levantaria contra Gorbachev a justa indignação de todos os povos livres, o Kremlin desautorou o ataque, atribuiu ao comandante das forças comunistas sediadas na Lituânia a responsabilidade pela agressão e mandou retirar desse país parte dos pára-quedistas, que há pouco ainda enviara contra ele.

Mas... há nisto um "mas". Dias depois, o ministro do Interior, coronel Boris Pugo, apontado em comunicado da KGB como um dos mais destacados instigadores da ação feroz das tropas russas na Lituânia, foi promovido a general. Assim, mal divulgadas as medidas que haviam desautorado as recentes brutalidades soviéticas em Vilnius — com evidente vantagem publicitária para o sr. Gorbachev no Ocidente — sobreveio a promoção do "culpado" ao generalato. E assim ficava patenteada a inconsistência da referida censura! ‘A violência, se somava a duplicidade.

3) Foi nessa atmosfera, entretanto tão desfavorável, que o Presidente Vytautas Landsbergis, Chefe de Estado lituano, convocou seu povo para um leal e corajoso plebiscito, destinado a dar a cada lituano a ocasião de se pronunciar livremente sobre se queria continuar sob a dominação comunista do Kremlin ou prosseguir — quaisquer que fossem os riscos na gloriosa via da independência nacional.

Tal plebiscito, Santíssimo Padre — Vossa Santidade o sabe, sabe-o o mundo inteiro — transcorreu do modo mais liso e ordeiro. E, feita de forma igualmente exemplar a apuração dos respectivos resultados, chegou-se ao que segue, diante de Deus e dos homens, diante do Presente em que se encontram e do Futuro que os aguarda:

a- 90,47% dos votos se pronunciaram a favor da independência: da independência, sim, plena, total e imediata, como é óbvio;

b- 6,56% dos votantes foram contrários à independência;

c- compareceram às urnas 84,52% dos eleitores.

4) Isto posto, isto proclamado, ou todas as nações livres da terra acorrerão solícitas em prol da independência da Lituânia, e com esta entabularão imediatamente relações diplomáticas, constituindo embaixadas em Vilnius e abrindo-se para que a Lituânia constitua embaixadas nas capitais delas; ou hesitarão, tergiversarão, e quiçá só algumas se animem a defender essa pequena nação coberta de glórias, contra o que a mídia insiste em apresentar como o "colosso" soviético.

Mas as nações que vacilarem reconhecerão implicitamente que elas mesmas não têm o direito líquido e certo à sua liberdade. Pois quem hoje vacile em reconhecer os direitos incontestáveis do mais fraco torna automaticamente contestáveis os análogos direitos que tenha a defender amanhã contra o mesmo agressor mais forte.

Quem nega direitos — não obstante líquidos e certos — de terceiros, só porque é poderoso o injusto contestador desses direitos, deixa ver que, quando amanhã esse contestador lançar sua sanha contra o país que de braços cruzados e lábios cerrados presenciou a agressão, este último nada terá a alegar em sua própria defesa.

5) No momento em que tenho a honra de apresentar a Vossa Santidade essas considerações sobre tão altos e nobres temas, nesta missiva quase idêntica que estou enviando a todos os Chefes de Estado do mundo livre, tenho em vista que o Vaticano, embora constituindo um Estado soberano, não é uma potência voltada a se impor pela força das armas, nem pela ação do ouro. Sua influencia sobre os homens decorre de fatores muito menos palpáveis, mas capazes de uma eficácia em profundidade sobre o gênero humano, que fazem de Vossa Santidade um dos maiores potentados da terra. O maior desses potentados, sem dúvida, se aos aludidos fatores juntarmos a ação da graça e a proteção dAquele que disse a Pedro as palavras que durarão ate o fim do mundo: "Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam, et portae inferi non praevalebunt adversus eam" (Mt. 16, 18),

Tendo em vista esse excelso poder é que tomo a liberdade de me dirigir a Vossa Santidade no momento em que escrevo aos mais altos dirigentes das nações ocidentais. Assim, peço a Vossa Santidade que entre o mais breve possível em contacto com o legítimo governo lituano sediado em Vilnius, a fim de tornar efetivas as relações diplomáticas da Santa Sé com essa heróica nação, e entabolar entendimentos para a abertura de embaixadas nas respectivas capitais.

6) Quero crer que a meta desse pedido, tão caro aos anseios da imensa maioria dos homens, faz vibrar com peculiar intensidade o coração de Vossa Santidade, que tudo fará no sentido de que o povo lituano — esse povo de heróis da Fé — tenha em breve a alegria de acolher a representação diplomática do Vaticano, com os transportes de júbilo que são bem de se imaginar. Pois se o corpo diplomático acreditado junto a qualquer país deve ser visto por este como um precioso anel, a gema desse anel é sempre a embaixada do Papa.

Queira Vossa Santidade, Santo Padre, acolher meus antecipados agradecimentos por tudo quanto nesta luminosa perspectiva se digne fazer. Osculando com veneração o Anel do Pescador, confesso-me de Vossa Santidade

 

filho devotíssimo

 in Jesu et Maria

(a) Plinio Corrêa de Oliveira

Presidente do Conselho Nacional

 

Rua Maranhão 341

01240 - São Paulo - BRASIL

Tel. 231-1399

Fac-símile da carta


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